Os Zumbis de Baker Street escrita por Harmonie


Capítulo 2
Para uma noite excepcional, preparativos primorosos.




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A mansão se encontrava em completa desordem.

Criados subiam e desciam as escadas, entregadores entravam e saíam pelas grandes portas da frente, que, escancaradas, separavam aquele ambiente tão refinado de uma Londres suja e caótica – era esse pensamento que se fazia presente na mente de Harry Montgomery enquanto, sentado em uma de suas cadeiras estofadas e ricamente forradas com a pele de um leopardo que ele mesmo havia caçado durante sua última viagem de verão para a Europa Oriental, fiscalizava o trabalho de todos aqueles encarregados de preparar a casa para sua grande noite.

Harry era membro da alta sociedade e, portanto, estava acostumado a ser o anfitrião de diferentes e frequentes eventos que, normalmente, tinham como cenário sua bela casa em Baker Street – claro que não a única ou a mais luxuosa das residências que possuía, mas era, convenientemente, a mais próxima do centro daquela Londres: a máquina do progresso e a locomotiva da miséria. Contudo, aquele não seria, de forma alguma, um evento como qualquer outro que ele ou outra pessoa já tivesse oferecido. Aquela seria uma noite memorável, ele tinha certeza. Passaria a ser admirado entre todos aqueles que faziam parte de seu círculo social, seu nome seria aclamado e sua personalidade, invejada. Já havia perdido a conta de quantas vezes sonhara em ser a referência, o centro das atenções, o real motivo de reuniões e elogios. E agora, finalmente, poderia ter tudo o que sempre quisera.

Doía em seu âmago o fato de ter sido por muito tempo – e ainda ser – aquele que nunca era levado a sério. Harry estava inserido entre nobres donos de grandes fortunas somente por mérito de seus pais que, falecidos há alguns anos, deixaram-no como herdeiro único de toda a riqueza que possuíam – e também de todos os meios responsáveis por criá-la. Seus pais, Margareth e Franklin Montgomery, haviam sido bem-sucedidos capitalistas donos de fábricas – era dessa maneira que Harry se referia às engrenagens que mantinham sua posição social, uma vez que não tinha conhecimento sobre nada mais em relação a elas, e não se importava, isso não o impedia de, a cada mês, ver seus lucros se multiplicarem – que, assim como Harry, nunca estiveram suficientemente preocupados com qualquer outra pessoa que não eles mesmos. A diferença é que ambos eram respeitados por suas próprias aquisições e seu filho, visto apenas como mais um herdeiro mimado, vivia à sombra dos pais e de tudo o que eles haviam conquistado. Harry esperara pacientemente para que sua sorte mudasse e, durante os preparativos da última semana, passou a ter certeza de que sua chance havia chegado.

Ele sorria, antecipadamente satisfeito com aquilo que certamente conseguiria, quando viu um dos entregadores, descuidado, deixar que a moldura de um de seus Monet – com o qual ele mesmo não se importava, mas que era grandemente admirado por seus colegas – esbarrasse na parede escura. Harry levantou-se imediatamente, sentindo todo o sangue de seu corpo migrar para seu rosto e, raivoso, arrancou a pintura das mãos do homem magro e cansado que, junto a outros três, havia passado a manhã inteira carregando quinquilharias de todos os tipos para dentro da casa. Deixou, cuidadosamente, o quadro no chão, apoiado sobre o carpete macio e encostado na parede. Já o homem, que permanecia em silêncio esperando pelo que viria a seguir, não foi tratado com o mesmo cuidado. Harry puxou-o pelo braço, arrastou-o até a rua e, sem dizer uma palavra sequer, jogou-o degraus abaixo para que caísse, sem equilíbrio, sobre a suja calçada.

—Vá embora! – o nobre homem exclamou antes de, sem nem olhar para trás, voltar para dentro de sua residência.

O que Harry não tinha de gentil, tinha de ambicioso, intolerante e malvado. A ambição e intolerância foram, certamente, herança da convivência com seus pais. Já a maldade, sempre fizera parte dele, surgira sem aviso-prévio e fora aprimorada ao longo dos anos. Desde sempre destratava seus empregados ou qualquer um que julgasse inferior a ele próprio. Incluídos entre as coisas pelas quais tinha apreço estavam apenas seus pertences e Janet Hart, uma mulher tão ambiciosa quanto ele e que tinha de beleza o que ele tinha de intolerância e maldade.

Janet Hart era uma mulher morena com a pele extremamente clara e olhos verdes reluzentes como esmeraldas à luz do sol. Tinha um passado simples, mas desde cedo aprendera que, se quisesse ser rica e bem-sucedida como sempre sonhara, a única coisa que precisaria fazer seria usar sua beleza. Então, ascendeu na escala social compartilhando a riqueza e a cama de ricos homens de negócios desde que saiu de casa aos dezoito anos e, agora, aos trinta e três, adquirira experiência suficiente para estar entre os privilegiados integrantes da lista de Harry – sete anos mais velho que ela. Janet era uma mulher perspicaz e sabia que o belo homem alto de olhos negros a desejava, mas, a satisfação que sentia ao alimentar falsas esperanças daqueles que se encantavam com seus belos traços e curvas era maior até mesmo daquela que sentia por frequentar festas de gala exclusivas. Então, enquanto prazerosamente usufruía da riqueza que já havia acumulado ao longo dos anos, presenteava Harry – e outros homens – com olhares, carícias e palavras ambíguas que, para ela, não tinham outro significado a não ser entretenimento.

Quando menos esperava, Harry se pegava pensando em Janet. E foi o que aconteceu naquele breve momento em que, assim entrou em sua casa, parou por alguns segundos pensando no que faria. Entretanto, aquele momento não durou tempo suficiente para que chegasse a uma conclusão e foi despertado por uma voz vinda da rua que o livrou da tarefa enfadonha de continuar a supervisionar os trabalhadores.

— Harry! – o homem baixo e acima do peso se aproximava da grande casa.

O anfitrião se virou já sabendo quem encontraria e sorriu, porque era isso o que ele deveria fazer. O homem que se aproximou, apesar do frio, exibia uma pequena camada de suor sobre sua testa ampla e vermelha, assim como o resto de seu rosto. Albert Scott Lewis era o que se podia chamar de sortudo. Há quatro meses era apenas um burguês frustrado, mas a sorte vestida de branco, véu e grinalda o tornou dono de uma das maiores fortunas de Londres. Não era uma pessoa ruim, mas, de acordo com Harry, não nascera para aquela vida: não tinha bons modos, não sabia falar em público e não se portava com classe; só o que o fazia ser tolerado era sua riqueza e seu carisma.

— Olá, Albert. – Harry ainda exibia seu sorriso preparado para aquelas ocasiões: falso, mas convincente. – Como vai?

– Olá, Harry! Trouxe o que me pediu. – Albert apontou para uma caixa comprida de madeira acomodada no compartimento de carga de seu automóvel.

Harry sorriu, dessa vez verdadeiramente, enquanto observava, de longe, a caixa que já começava a ser erguida por dois homens.

Mal podia esperar que a noite chegasse.


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