Mrs. G escrita por HelloNaive
Acordo na mesma clareira da floresta que dormi na noite anterior. Percebo que era um sonho. Fico feliz, pois, do jeito que caíra, com certeza absoluta teria torcido o tornozelo. Encaro a fogueira que antes crepitava. Só restam cinzas. Pela cor do céu, ou eu havia dormido demais, ou muito pouco. Diferente do sonho, eu não sentia fome alguma. Levantei-me. Juntei as minhas roupas que estavam espalhadas pelo varal improvisado e acabei com quaisquer resquícios que pudessem provar a minha passagem por ali. Não que alguém estivesse atrás de mim. O fato era que eu estava, definitivamente, perseguindo alguém, e, diferente da colina, eu sabia muito bem que a minha vida dependia daquilo.
Gostava da ideia de sair na ausência do sol, dessa forma eu evitava queimaduras na minha pele, que é tão clara. Meu pai sempre disse que eu tinha muitíssima sorte, pois a minha mãe era uma crioula. Meu pai admitia com pesar o que fizera antes de casar-se. Pouco me dissera sobre ela, somente que ela era uma mulher admirável e trabalhadora. Sempre soube que eu nunca precisaria fugir para esconder as minhas origens. Minha semelhança com minha madrasta era atordoante. Pat sempre foi muito boa com todos e ela amava o meu pai desde o mais longo fio de cabelo até a ponta dos dedos dos pés. Amava a mim também. Pode-se dizer que eu a amava igualmente. Ela me tratava como filha e eu a tratava como mãe. Mas jamais a chamei assim.
Sempre apreciei a ideia de pensar enquanto caminhava. Distraía-me, de modo que o tempo passasse mais rápido. Meu cabelo preto e encaracolado e olhos igualmente escuros não podiam distanciar minha aparência da de Pat, com seus cabelos lisíssimos e ruivos e seus lindos olhos azuis. Estatura equivalente, mesma cintura e ombros delicados, mesmo que os meus fossem mais largos. Atitude delicada e digamos que nosso tipo corporal era o mesmo. Éramos magricelas. Ela deve continuar, onde quer que esteja. Com as caminhadas diárias e uma prática maior de caçadas, adquiri mais músculos.
Quando se aproximava da hora do café da manhã, começava a despertar em mim a sensação de fome. Dei uma parada. Olhei para trás. Estava em uma colina de verde estonteante. Havia uma macieira vinte metros abaixo. Corri até ela e coletei as sete maças mais bonitas que vi e coloquei na sacola. Peguei então mais duas para ter como refeição e coloquei-as nos bolsos. Ao sair dali, avistei uma raposa, idêntica à do sonho, mas nenhum coelho. Pela quietude, devia ter tido sua última refeição recentemente. Fui até ela. Estava dormindo. Cravei-lhe o punhal e pressionei até ouvir seu último respiro. A levei nos ombros e segui o caminho.
No horário do almoço, já havia percorrido grande parte do caminho. Aproveitei o avanço para remover a pele da raposa. Era de um tom vermelho amarronzado. Era bonita. Com olhos pretos. A fuça branca a fazia parecer inocente. Era como eu. Mais aparentava do que era realmente. Poderia me passar de santa para qualquer um, mas, com uma adaga, vencia o mais exímio espadachim.
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