A Página Virada escrita por Nicole Baioretto


Capítulo 3
Quem é ele? O Nariz de Napa!


Notas iniciais do capítulo

Antes de tudo, feliz 2015 super mega atrasado!
Final de ano teve férias para mim e para a beta, então demoramos mesmo para escrever, haha... Mas tenho que admitir, odeio praia mas ela é ótima para dar ideias para a fic.

Como disse antes, mas reforçando: Os capítulos têm agora por volta de 3000 a 4000 palavras, para compensar o intervalo das postagens. Boa leitura.



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— Ai, que tédio. — Laís falou, espreguiçando-se em sua mesa que nem um gato preguiçoso, após finalmente ter chegado nela passando por todas as pessoas que queriam saber as notícias do dia anterior.

Eu mataria aula de novo. Não, pera, — checou o horário no celular — faz nem 30 segundos desde que saí da sala do diretor. Err, eu tenho talento pra ficar entediada.

Achou que ia entrar na segunda aula, mas descobriu que o professor de história, o Valnir, terminou dez minutos mais cedo quando saiu pelo corredor dando um puta susto nela, que estava esperando o sinal no banco, enquanto cantava.

— HOJE É SEXTA-FEIRA! VOU PRA PAGOD...— O cara andava com um sorrisão no rosto e uma montanha de materiais precariamente equilibrados no seu braço direito. — Ah, Gorette, hoje é um dia lindo! Bom dia, Laís.

— Shh! Você está muito barulhento. — A Gorette respondeu, com uma cara feia e se trancou na biblioteca de novo. Ela é uma senhora gordinha que cuida dos livros mas nunca foi vista fora da biblioteca e não há um ser humano que já tenha ido para lá sem receber um “shh” dela. Há boatos de que até o diretor já foi censurado por ela.

A sala estava perdida em completa anarquia quando a Laís entrou correndo até sua cadeira a fim de não responder qualquer pergunta. Gabriela, que estava morrendo de curiosidade, não parava de olhar na sua direção.

— Quer parar de ficar me olhando? Eu não vou contar pra ninguém o que rolou ontem.

— Porque não? — fez um beicinho.

— Isso só deixaria o diretor mais bravo. — Chega de problemas, pelo menos até o fim do ano. O início do ano foi marcado por incontáveis tretas por causa da Angela e do grupinho dela, apenas queria que os professores não olhassem mais torto ainda para ela.

— Conta! É por isso que estou tão curiosa. O diretor veio dar um sermão gigantesco depois que você sumiu, mas não queria falar sobre como você fez isso. — deu um leve empurrão nela.

— Não! — e fez um bico.

Olhou para a sala, algumas pessoas tinham mudado de lugar. Ainda tinha alguns colegas olhando para ela, mas a primeira coisa que notou foi um garoto, que nunca tinha visto, sentado ao lado de Angela, Heloísa e Natalie no fundo da sala. Ele conversava animadamente com elas e era muito bonito, mas tinha um jeito meio esnobe de falar como se fosse “Ah, eu sou perfeito”. Ainda por cima, estava do lado da Angela, e não tem como um ser humano ser decente e ser amigo dela ao mesmo tempo. Olhou enjoada para a maneira de como ele falava de nariz meio erguido. Estava decidindo nunca olhar ou conversar com esse garoto porque, de antemão, já sabia que o odiaria.

Nossa, esse aí tem cara de idiota.

Sinistramente, como se tivesse pensado em voz alta, ele virou seu rosto na sua direção e a encarou com os olhos mais frios que já vira. Seus olhos verdes pareciam esmeraldas afiadas e cortantes. Primeiro sentiu um medo absurdo daquela reação inesperada, mas então se perguntou porque sentiria medo daquele menino arrogante. Encarou-o de volta e arqueou uma sobrancelha, em tom desafiador.

E aí, algum problema?

Ele pareceu ainda mais bravo, mas como bruxaria, ficou calmo de repente, a ignorou e voltou a dar risada com as garotas, como se nada nunca tivesse acontecido. Ela respirou fundo e voltou a olhar para sua carteira, notando que seu coração batia rápido. Os pelos do seu braço estavam eriçados. Aquele menino não podia ser normal.

— Laís? Você tá bem? — Gabi perguntou, olhando para ela.

— Não. Aquele garoto novo é sinistro!

— Quem, o Bastião?

— Que nome esquisito é esse?

— Não, Bastião é o apelido. Ele começou a vir ontem mas você tinha sumido, lembra? — e ela fez aquele beicinho de você-ainda-não-quer-me-contar. — Mas voltando ao assunto. Porque você acha ele sinistro? Ele é muito maneiro!

— Ah... — Olhou surpresa para a amiga. Normalmente, as duas têm o mesmo sentido na hora de detectar idiotas. — Ele me encarou feio do nada. Como se estivesse bravo, mas eu não o fiz nada.

— Sei lá, que estranho. Ele é muito divertido e as pessoas amam ele, então não sei.

As pessoas amam ele? Como pode?

— Sei não, ele tem cara de esnobe.

— Sim, mas você não o viu ontem. — Laís desistiu da ideia de convencer a Gabriela. Mas ela continuou falando. — Ele é meio feinho mas sabe fazer muitos truques de cartas massas, até fez as cartas voarem de uma mão para outra.

— Feinho? Eu achei ele muito bonito.

Gabi soltou uma risada.

— Laís, isso é tão típico de você. Toda vez que aparece um garoto de franjinha e narigão você acha ele bonito.

Laís protestou, mas começou a dar risada.

— Ei! Ele tem olhos verdes.

— Graças a Deus, né? Porque é o que salva. Brincadeira, ele é até bonitinho, só queria ver você revoltada com isso. — Mas então Gabi fez uma careta, como se estivesse se arrependido de ter falado que ele era bonito. — Bem, se ele tivesse menos espinhas...

Se ele não fosse tão esnobe e nojentinho, eu até pensaria nele como uma pessoa decente.

Gabi ia insistir de novo para amiga contar o que fez no dia anterior quando apareceu o Pira na frente da Laís. Ela olhou para ele sem entender até ele abrir a boca e perguntar em alto e bom som:

— Ei. É verdade que você pulou o muro da escola ontem?!

Silêncio. Todos se viram para Laís, que quis sair correndo da sala e pular o muro de novo.

— Ah... É. — Foi tudo que conseguiu dizer. Estava sem ideias, porque não queria as pessoas sabendo disso e zoando com ela por causa do que fez, mas então o Pira abriu um sorriso.

— Genial! Caraca, Laís, eu estava tentando escapar da escola à meses sem conseguir, como você fez isso? — ela olhou para ele, surpresa. As pessoas não estavam a condenando por ter feito isso, na verdade estavam amando! O pessoal da sala tinha uma mistura de surpresa e alguns, de admiração. Os garotos que sempre faziam barulho na sala se levantaram e começaram a falar com ela ao mesmo tempo.

Nossa, o pessoal odeia a política da escola mais do que eu esperava.

Sentado na fileira do centro, Higor olhava-a com um sorriso fofo no rosto e ela desviou o olhar, nervosa. Ela não queria falar muito de como fugiu, mas como tinha uma galera querendo saber mais detalhes, ela ficou cheia e disse de uma vez.

— Eu vi que tinha uma brecha no alcance das câmeras e pulei o muro. Simples assim. — Disse, mas como ninguém tinha ouvido na primeira vez que falou, teve que repetir, dessa vez com todos quietos. Claro, tinha a parte de que o muro era super baixo e que ela quase não conseguiu escalar, mas são só meros detalhes. Os garotos começaram a fazer planos de fazer isso, mas ela cortou o assunto.

— Esqueçam disso, o diretor já instalou uma câmera nova. — E seguiu-se um lamento coletivo. Ela não lamentava junto, pois sabia que os garotos pulariam o muro para ir ao bar que fica na esquina, que tem um dono que não liga tanto para menores de idade bebendo cerveja e vinho barato. Era por isso que estavam quase sempre repetindo.

Ela só se perguntava quem mais sabia que ela tinha pulado o muro e como o Pira ficou sabendo disso.

— Agora, quem foi que te disse... — Entretanto, ela foi interrompida quando o garoto novo começou a dar risada sozinho e sem motivo e as pessoas se viraram para ele também, sem entender. A risada dele era alta e quase contagiante. Depois de algum tempo, ele parou e disse:

— Claro, “simples assim”. Então era você a menina esquisita que vi ontem. Tentou pular o muro, mas parecia uma galinha desesperada e demorou meia hora para conseguir escalar. Cacete, você parecia uma deficiente mental. —As pessoas começaram a rir junto com ele e Laís passou a entender o que a Gabriela tinha dito: “As pessoas o amam”. Angela ria mais que os outros. Pareceu adorar.

Ei! Err, eu concordo que foi lamentável a maneira de como eu escalei, mas só eu posso me zoar por isso! Argh, quem ele pensa que é? Aposto que não teria tido coragem de pular o muro nem se todas as câmeras sumissem de uma vez.

A sensação de querer sair correndo da sala voltou, mas uma raiva de querer colocar aquele garoto no lugar dele veio com tudo. Então ela cortou a risada toda para dizer:

— Está rindo do quê, narigudo? Com essa napa gigante que você chama de nariz não conseguiria nem chegar perto do muro. — Nessa hora as pessoas explodiram em risadas e ela adorou ter dito aquilo, mas a Gabriela estava extremamente tensa do seu lado, então ela resolveu parar de rir o ver que o Bastião não estava puto. Na verdade, “puto” não chegava perto de como ele estava. Ele a olhava com uma expressão de puro ódio que fez ela gelar até a espinha como ele tinha feito antes. Ela quase se arrependeu de ter zoado o nariz dele.

Não vou me desculpar. Você mereceu!

Ela não chegou a ouvir uma resposta dele, até porque ele estava silencioso e porque o professor de matemática, Luís, apareceu na porta com cara de poucos amigos apesar de ser sexta-feira. Tudo mundo ficou quieto já que este professor era o mais rígido da escola, um senhor mal-encarado de uns 60 anos que não se aposenta por motivos misteriosos e usa o mesmo conjunto de roupas a anos. Gabriela costumava zoar isso dizendo que ele era resultado da exposição prolongada aos efeitos nocivos de Bháskara e teoremas demais até um dia que ele aparecer atrás dela com uma carranca e um “ahém. Senhorita Gabriela, aqui está sua prova de recuperação corrigida”, e então nunca mais ela zoou ele.

Laís e Gabi foram logo para a sua carteira, mas deu uma espiada no Bastião antes de se sentar. E como se ele tivesse sido possuído por algum tipo de espírito zen-budista, parecia extremamente calmo e relaxado. Quando o professor o viu, abriu um sorriso que chocou a sala.

— Oh, Pedro! Curtindo bastante a escola? — O professor nunca foi visto falando assim com alguém. Aquele sorriso na cara dele parecia extremamente não natural na face dele, de tão raro que os músculos faciais dele deviam ser usados para isso.

Ah, então o Bastião se chama Pedro...

— Claro, os cachorros quentes daqui são melhores que o da antiga escola. — Respondeu, aparentando estar de excelente humor. O professor assentiu e virou-se para colocar suas coisas na mesa. Então ele olhou para Laís e abriu um sorriso caloroso, mas seus olhos continuavam com aquela expressão de você-vai-ter-seu-troco.

— Gabi! Ele é louco. — Falou baixo, e quando ela virou-se para Laís, acrescentou. — E bipolar!

Alguns minutos depois, recebeu um bilhetinho da Gabi, que dizia: Poxa, Laís, tinha que falar daquele jeito com o Bastião? Ele deve odiar que falem do nariz dele.

Laís não acreditava. Escreveu uma resposta longa: Alôo, Gabi? Ele me zoou primeiro! Tiro sarro de mim na frente da sala, fez o povo rir de mim. Não sou de deixar isso barato e se fizer isso de novo, zoarei com ele de novo também.

Mandou o bilhete, que foi lido logo em seguida, porém guardado. Gabi parecia brava, rabiscando umas coisas no caderno dela. Finalmente, arrancou um pedaço de folha e escreveu uma resposta: Gostaria que zoassem sua testa grande?

Laís desistiu de convencer a Gabi, estava brava com ela defendendo um garoto que chegou ontem no lugar dela. Alguns minutos depois recebeu um outro bilhetinho:

Mas tenho que admitir. A piada do nariz foi boa também. Mas sei que você estava mentindo quando zoou ele, porque sei que você aaaaama narigões! ♥

Elas deram uma risada abafada.

Laís passou o resto do dia olhando para a frente e evitando Bastião de todas as maneiras possíveis, mas por sorte do destino, não se encontrou com ele em nenhum outro momento. Ela nunca tinha acreditado na expressão “Sentir um olhar te vigiando” até aquele dia, de tão intensa era a sensação de que alguém a fuzilava com os olhos, mas não ousou virar o rosto para ver se ele a estava encarando mesmo com aquela expressão assassina. Com Angela e as amigas encarando ela podia lidar numa boa, já que estava acostumada com isso há anos, mas não conseguia olhar o garoto olho a olho.

A segunda-feira começou com o professor Valnir rastejando pelos corredores da escola com cara de desolação e ressaca. Até a Gorette quis lhe oferecer umas pílulas de aspirina. Por mais que fosse uma cena lamentável, todos zoaram com o Valnir até o sinal tocar.

A primeira aula do dia era de matemática.

— Vocês terão prova surpresa. E vai ser nessa semana, sobre os últimos teoremas que passei na aula da sexta-feira e das equações de terceiro e quarto grau. — Laís olhou para o professor Luís de queixo caído. Eram apenas sete e cinco da manhã de segunda-feira e mal tinha começado o período de provas.

Oi? Você por acaso andou se drogando, professor?!

O que ele disse se seguiu com protestos da sala de que não haveria tempo de estudar, mas ele permaneceu inabalável. Laís já queria pirar, pois matemática era extremamente difícil para ela e levava pelo menos duas semanas de estudo intenso pra tirar um seis na prova, que é exatamente a média.

— Não se preocupem. Não vai estar muito difícil. Se vocês estudarem mesmo, conseguem “mandar bem”. — falou, usando os dedinhos para fazer aspas imaginárias. — É assim que vocês jovens vivem falando, não é? “Mandar bem”. Essa será uma ótima oportunidade para isso.

Enquanto a sala protestava ainda mais, Laís começou a fazer as contas.

OK, deixa eu ver isso direito. Temos aula hoje, amanhã e na sexta. Ele provavelmente vai dar a prova na sexta, já que ele não seria louco de dar logo amanhã. Ele não é louco assim... Certo?

Nem ela acreditava muito no bom senso do professor. Para ser sincera, ele era bem capaz de ser louco desse jeito e meter um exame na terça, que tinha matemática como a última aula do dia, justo aquela que tudo mundo está esfomeado e quase morto de cansaço.

— Ai, meu, que saco! — Até a Gabi reclamou, que sempre tira notas muito boas sem estudar tanto. — É a segunda vez no ano que ele faz isso... Laís? Você está bem, Laís?

O rosto dela estava branco.

— Não, nem um pouco. Gabi, estou desesperada porque não eu sei nada de equações de terceiro e quarto grau, você vai ter que me ajudar.

— Nossa, você está super desesperada para pedir minha ajuda. Mas Laís, eu não vou estar livre hoje de tarde para te ensinar a matéria, porque eu vou para a casa da minha tia.

— Mas sem você do meu lado...

— Mil desculpas, mas você vai ter que estudar sem mim.

Laís estava sem sorte. O computador dela tinha acabado de quebrar, e sem internet, não tinha como estudar porque o livro era simplesmente ruim demais para ensinar algo. O jeito era mesmo ficar na escola sozinha estudando na biblioteca.

Ah, hoje pelo visto vou ter que cancelar minha aula de balé.

***

Gorette era uma senhora gordinha e de cabelos extremamente encaracolados que estava sentada na entrada da biblioteca, lendo algum romance desconhecido e devorando um pacotinho de chicletes enquanto aquele relógio insuportável ficava fazendo tique-taque eternamente.

Laís se afundava em um monte de livros no meio de umas das incontáveis mesas da biblioteca, que como todas as partes daquela escola, era enorme.

“A equação de terceiro grau está relacionada à elaborada divisão de equações...”, ah, uma borboleta lá fora! Haha, que fofa... Pera, o que eu estou pensando?

Ela balançou a cabeça. Não podia se deixar distrair. Arrumou a postura, encarou o livro e continuou a leitura.

Trezentos e vinte e seis dividido por raíz de cinco dá... Nossa, como a Gorettte consegue equilibrar o cabelo desse jeito? Peraí, o que ela está fazendo? Ah, que nojo! Ela está cutucando o nariz?!

Se xingou por ficar desviando do livro, mas era impossível. O tédio era colossal, como tudo naquela escola. Continuou tentando resolver até uma mosca aparecer no seu ouvido e ela deu um pulo da cadeira, que fez um barulho ao ser arrastada que ecoou pela biblioteca toda.

— Shh! — A senhora gordinha censurou. Mais umas outras três pessoas viraram para ver ela.

É a gota d’água, desisto. Vou fazer uma pausa.

Pegou uns livros da sua mesa e saiu andando até as prateleiras para devolvê-los, já que havia um limite de livros por pessoa, mas de repente, a mesma mosca maldita saiu voando e quase bateu na sua cara. Ela se afastou e esbarrou numa outra mesa e derrubou dois livros. Ela rapidamente se agachou para recolhê-los e viu a expressão assassina da Gorette com um dedinho nos lábios, ameaçando mandar outro “shh!” e saiu de lá logo para ir nas prateleiras.

Gorette quer me matar, socorro.

Saiu andando de um lado para outro.

Não deve ser difícil guardar os livros...

Dois minutos depois, estava perdida e andava cada vez mais rápido.

Estava passando pelo mesmo trecho três vezes quando se lembrou de que era para ter ido na direita e bateu a canela com tudo em um banquinho que ela não tinha visto.

— AI! MAS O QU...

— SHHH!

— Desculpa, foi esse banquinho maldito que... — Virou para a Gorette, mas apesar do seu olhar enfurecido, viu que não tinha sido ela que mandou ela ficar quieta. Ela olhou para os lados, até ver que, sentado em um dos computadores da bilioteca, Bastião a encarava.

— Caramba, menina! Você não sabe fazer silêncio.

— Tenho um nome, sabe? Me chame de Laís! — ele ignorou ela e continuou mexendo no computador.

Que grosseiro!

Dando uma espiada por trás, viu que ele estava jogando no computador alguma coisa que nunca tinha visto antes. Ela não costuma jogar videogames, mas era alguma parada que você derrotava o time inimigo e tomava as torres dele. Ele parou de jogar, se virou para ela e viu que ela ainda estava ali parada.

— Pare com isso. — Ele falou, estranhamente calmo.

— Isso o quê?

— De ficar me encarando. Consigo te ver com essa cara de peixe na reflexão da tela.

Mas hein? Cara de peixe?!

Ela ficou envergonhada e saiu andando, mas Bastião soltou um suspiro sonoro.

— Terceira fileira, lá atrás.

— Huh?

— Seus livros são de lá. São de matemática, então ficam na fileira de livros didáticos na parte de exatas. Pare de andar pela biblioteca toda, está me deixando louco.

Ele está tentando ser legal comigo?

— Obrigad...

— Apenas vai embora. — Ela quebrou a cara. Abriu um sorriso e foi em direção à fileira certa enquanto o insultava de todas as maneiras possíveis na sua cabeça. Mas quando chegou, quase deu de encontro com uma outra garota que andava distraída.

— Epa. — Disse, arrumando os livros. Ficou surpresa quando viu que era a Heloísa, uma das amigas da Angela.

Uau... Até onde sei, elas são um bando de descerebradas. Qual é a chance de uma delas pisar nessa bilblioteca? Bem, talvez esteja aqui para ficar jogando, que nem o sr. Grosseiro lá atrás...

— Laís! Que bom te ver aqui. Eu estou precisando muito de uns livros de matemática, você me empresta estes? — olhou para a garota desconfiadíssima.

Heloísa estudando? O mundo vai acabar?

— Claro, eu ia devolver mesmo... — E entregou os livros pesados. Ela apenas agradeceu e saiu andando.

Só isso? Nada de insultos, facadas ou chutes? ...Bizarro.

Deu uma olhada aos pés à cabeça na Heloísa. Ela não carregava o iPad por aí, nem estava conversando no celular caro dela como sempre e parecia genuinamente querendo estudar. Tinha um estojo entupido de canetas caras e coloridas que nunca usava, mas estava usando apenas a cor azul e até prendeu seu cabelo maravilhoso e encaracolado e sua franja multi colorida num rabo de cavalo e botou uns grampos para as mechas não ficarem caindo na cara.

Oh meu deus.

Ela foi andando e se sentou na sua mesa, que em minutos, ganhou uma expressão de dor na cara. Parecia estar apanhando de todas as contas do livro. Ela quase sentiu pena, parecia uma daquelas garotas estudiosas e não aquelas que passam a maior parte do tempo fofocando e querendo destruir sua vida social. Discretamente passou perto dela na hora se ir até sua mesa e espiou o livro da Heloísa, e descobriu, para o seu horror, que a garota estava presa com fator comum.

Aprendemos isso na sexta série. Você não consegue resolver isso...? Ah, você deve estar desesperada para estudar. Tá explicado.

Ela não iria se meter no estudo dela, mas vendo aquela sessão lenta de tortura já estava insuportável. Finalmente, depois de uns vinte minutos assistindo aquela situação, Laís chegou perto.

— Você quer ajuda? — a garota apenas olhou para ela e depois de um segundo sem entender, abriu um sorriso.

— Ai, eu quero! Me ajude nisso, que está me matando.

— Mas este não é nem o capítulo que o professor passou...

— Mas eu não entendo nada, por isso estou estudando a matéria de antes. Me dê uma ajuda. Como eu faço esse aqui? — disse, apontando para um dos mais simples.

Apesar da preguiça inicial de ajudá-la, falou sem parar durante três horas. Não aguentava mais, até que finalmente, a garota conseguiu fazer o último exercício da sessão e deu um gritinho de comemoração.

— Shh! — a senhora censurou. Era a quinta censura do dia já.

Meu deus, essa mulher encana por qualquer coisa.

Como se tivesse lido sua mente, Heloísa falou:

— Aquela mulher é uma chata, não é?

Alguém me entende, amém. Gorette é insuportável.

— Hahaha, achei que ela só era chata comigo, mas é chata com todos.

— Ela lê aquelas histórinhas de amor de meninas de 13 anos e por favor, eu acho que ela tem uns 70 anos... — Laís respondeu com um sorriso.

— 70 anos? Achei que ela media a idade com eras geológicas. — Heloísa começou a rir alto, e não era pouco. Até que, acidentalmente, ela engasgou com a própria risada e fez um barulho de porco. Ela colocou a mão na boca com a vergonha e as duas se olharam, mas um segundo depois elas explodiram em risada.

— SHH! — A senhora fez, enfurecida, mas elas não conseguiam parar. De repente, elas ouviram um barulho de teclado e cadeira se arrastando e o Bastião surgiu atrás da Laís.

— Cacete, Laís! Você é barulhenta demais.

— Brigando comigo?! Foi a Heloísa, poxa.

— Você que estava falando até agora.

Ah, seu esnobezinho...

— Pelo menos eu estava estudando! Você não parava de jogar videogame.... — Não chegou a terminar a frase, porque a senhora da biblioteca surgiu com toda sua fúria que nem uma aparição sem que um dos três notassem e expulsou todos sem poder dar uma explicação sequer.

— CHAI! CHAI! É A SEXTA VEX QUE EU AVISO!— Berrou, com o bafo de menta de uma bolota de chiclete na sua boca. As pessoas olhavam em choque. Apesar dos protestos, Bastião foi expulso junto.

— VOXÊ TAMBÉM, JÁ FALEI QUE NÃO É PARA USAR O COMPUTADOR PRA JOGOS.

— Mas eu sou novo aq...

— CHAI!

No fim, os três estavam sentados no banquinho do corredor, de castigo.

Heloísa estava super tensa, Laís estava brava e Bastião se sentou na ponta do outro lado, frustrado ao máximo.

Não entendo a fúria, colega. Se você não tivesse aparecido para brigar comigo pela risada da Heloísa eu não teria deixado escapar nada.

Mesmo assim, não deixava de sentir uma pontadinha de culpa. Finalmente, o coordenador apareceu na frente dos três com uma ruga na testa.

— Laís, você não consegue deixar de aprontar alguma coisa? Você tinha acabado de sair da sala do diretor. E você. — Se virou para Heloísa. — Consegue ir para algum lugar sem fazer baderna?

— Me desculpe, Ricardo mas eu só estava rindo de uma piada e a Gorette expulsou a gente por nada... — Heloísa parecia preocupada.

— Não me interrompa. — Ele falou e pegou uma anotação do bolso. — Eu deixaria você voltar para a biblioteca já que é a primeira vez que te vejo estudando, mas a Gorette está brava demais com o que vocês fizeram. E você, Pedro, eu esperava mais de você. — Ricardo parecia frustrado.

Bastião se sentava reto e olhava coordenador nos olhos. Não parecia intimidado, mas disse em tom preocupado e sério:

— Desculpe, fiz errado em usar o computador para jogar e você está certo em ficar chateado comigo. Pedirei desculpas para a Sra.Gorette também, ela está apenas trabalhando. —Todos olharam surpresos para ele.

Caramba, ele parece um adulto falando desse jeito.

— Tudo bem, Pedro, essa eu deixaria passar, mas após conversar com a Gorette e negociar com ela alguma maneira dela não contar tudo para o diretor, ela só concordou se eu punisse vocês três e os expulsassem da biblioteca por três semanas. — Ele olhava de maneira brava para Laís e para Heloísa, mas parecia mais calmo depois que o Bastião pediu desculpas. — Por mim você estaria livre, mas é a vida.

Três semanas?! Até lá acabou o período de provas!

— Por favor, Ricardo, eu preciso muito da bilioteca para estudar. — Heloísa falou antes.

— E vocês vão. — Ricardo abriu um sorriso. — Não se preocupem, garanti isso. Durante três semanas, vocês poderão estudar na sala do almoxarifado no segundo andar depois do almoço. Não se preocupem, lá tem livros didáticos dos três anos e um computador que dá conta do serviço.

— Não preciso ir lá estudar. — Bastião disse.

— Prefiro ficar em casa. — Heloísa concluiu.

— ... — Laís estava com um mal pressentimento.

— Não, vocês não entendem. Vai ser obrigatório. Por duas horas, todos os dias.

Não, pelo amor de tudo, não! Duas semanas presa numa sala isolada com aquele garoto vai resultar em homício, eu tenho certeza. Heloísa não será capaz de parar o instinto assassino do nariz-de-napa.

Mas ela deu uma espiada no Bastião. Ele parecia de bom humor e relaxado. Parecia até amigável.

Hmm, talvez...

E então ele a fitou do com o olhar congelante-assassino e terminou virando a cara para ela.

Socorro.


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Notas finais do capítulo

Eu sinto dó da Laís às vezes, haha... Parece que tudo mundo quer esganar ela: Angela, o diretor, a Gorette, o Ricardo, Bastião... Já tá virando um hábito ver a coitada pedindo por socorro.

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