Nova Terra escrita por Raposa das Bibliotecas


Capítulo 13
Lorde Julie




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–Meus pesares, Milorde. –Disse um homem que mais parecia um coral humano com crustáceos vivendo em suas botas e em sua perna sem pelos.

Lorde Julie acenou com a cabeça, passando a mão nua sobre o rosto, sentindo as pontadas de sua barba russa para fazer. Seus olhos fitaram os navios no porto. Cinco grandes caravelas estavam prontas para partir para o Oriente em buscar de especiarias.

Tudo já estava quase pronto para levantarem velas e partirem mar adentro, exceto o carregamento de comida e vinho do porto para dentro de uma das caravelas, a qual seria a sua. Ele viajaria com eles para poder esquecer tudo de ruim por um tempo, já que a cada canto que olhava, via sua filha correr.

Pelo menos no mar ele teria algo com o que se distrair. Mulheres e homens limpando seus próprios vômitos.

–Milorde. –Disse um Sor do qual não lembrava o nome. Sua roupa negra lhe caia bem, com a rosa na chapa de metal no peito.

–Sim.

–Estamos quase prontos para embarcar. Sairemos ao anoitecer.

–Inúteis. Não prestam nem para isto. –Disse se virando para dar mais uma volta no cais antes de partir.

Subiu a rampa de sua caravela e ficou observando a movimentação dos homens com a maior parte do peso contra o timão. Cansado de ver imbecis, entrou em sua cabine, que é atrás do posto do Capitão.

Fechou a porta com força e deitou-se no divã vermelho disposto debaixo de uma janela redonda que pouco conseguia ver.

–Seu idiota. Eles quase me mataram. –Disse uma voz conhecida, despertando-o.

–Vosmicê! –Disse esquivando de uma facada, empurrando a mulher contra a parede de madeira do barco.

–Vosmicê pagará caro. –Ela correu desesperada desferindo um golpe que cortou a mão do Lorde Julie, que tentou se defender.

Não sentiu uma pontada de dor, apenas apanhou uma lança e enfiou na barriga da moça.

–S-seu monstro.

Sua mão tremia devido à adrenalina. Sua visão começou a ficar embaçada e sentia o gosto salgado do suor. Com as mãos ensanguentadas, puxou a argola da porta.

–Venha aqui! –Disse apontando para um dos marinheiros.

Ele correu as escadas e ficou olhando as mãos do Lorde.

–Pegue o corpo daquela puta e dê aos peixes. Vá chamar Sor Ilis.

O marinheiro pegou o corpo ainda moribundo em seus braços.

–Ela ainda está viva.

Lorde Julie olhou fixamente nos olhos do garoto que mais parecia ter seus dezenove anos.

–Jo-gue-a pa-ra os pe-i-xes.

O garoto não ficou mais ali, correu para o cais e despejou o corpo no mar.

–Onde Sor Ilis está, Milorde?

–Nos infernos. Traga-o a mim, AGORA.

O menino desapareceu em meio à multidão. Não posso mais confiar em ninguém aqui. Todos deveriam estar mortos. São inúteis e sem cérebro. Deveriam todos estar mortos.

As velas foram içadas, mas nada de Sor Ilis chegar e nem do garoto aparecer.

–Já podemos zarpar, Milorde?

–Faça. –Disse com raiva.

Em pouco tempo, já estavam indo para mar aberto. A noite é fria, Lorde Julie ficou em seus aposentos a noite toda e o dia seguinte também. E assim por vários dias, nunca pareciam chegar ao destino. Iria demorar mais que uma vida para conseguirem chegar ao Oriente rapidamente.

Vários marinheiros vinham e iam perguntando se precisava de algo. Claro que precisava, que pergunta idiota! Preciso de minha filha aqui comigo. Preciso de minha mulher aqui. E preciso cortar a cabeça de Sor Ilis e espetá-la em um espigão para nunca mais ninguém me desobedecer. Mas não falava isso. Um simples não bastava para esses bastardos idiotas e estupradores castrados ficarem satisfeitos.

–Milorde? –Disse um dos fedidos.

Lorde Julie colocou a luneta na mesa e virou-se. Seus livros batiam contra o vidro dos armários que estavam presos de alguma forma contra a parede de madeira do barco.

–Sim.

–Uma tempestade está chegando. Devemos voltar?

Devemos voltar? –Imitou. –Sabe o que devemos fazer? Devemos pegar cada bastardo deste barco e cortar-lhe a cabeça por ter crescido dentro da barriga de uma puta. Devemos pegar os castrados e fazê-los fabricar pintos de madeira e fingir que são de verdade, fingindo uma falsa punheta, enquanto os que ainda têm pinto morrem de gargalhadas. É claro que não devemos voltar. Posso lhe perguntar uma coisa Sor...

–Não sou Sor. Sou um pescador.

–Posso lhe perguntar uma coisa, pescador?

–Claro, Milorde.

–Você é um eunuco ou um bastardo?

–B-bastardo.

–Bastardo. Bom, bastardo, há quanto tempo estamos navegando?

–Há quase três semanas.

–Claro. Três semanas. Já devemos estar perto do Oriente.

–S-sim.

–Estas tempestades são normais por aqui. Não vamos voltar e nem ficar parados. O mar aqui é muito quente e violento. O Mar nos protegerá da morte.

–Que os deuses o ouçam, Milorde.

Inúteis. Morram todos. E era isso que estava pensando em fazer. Se seguissem para a tempestade, com certeza morreriam. Todos afogados. Que o Mar os engula e os vomitem mortos nas praias do Oriente, do Ocidente, do Sul, do Norte. Pouco importa.

A água já estava sentindo a bravura dos céus, lutando um contra o outro para mostrar quem é o mais forte. Uma tempestade. As chances de chegarem vivos ao Oriente são muito escassas.

–Senhor. –Alguém gritava do convés. –Senhor.

Que morram todos. Que o Mar mate todos.

Algo forte se chocou contra o barco o fazendo balançar. Alguns de seus livros atravessaram o vidro. Os gritos ainda estavam sendo altos lá fora. O céu estava negro, mais negro que a noite.

Os deuses estão furiosos. Consumam-nos.

Lorde Julie puxou a argola da porta, e uma onda o mandou contra o chão. Vários marinheiros foram expulsos do barco. Homens corriam de um lado para o outro, o Capitão ainda se mantinha firme no timão gritando ordens. Desde içar velas a abaixá-las.

–Senhor?! –Perguntou o Capitão meio que muito confuso.

–Como estamos indo, Capitão?

Perguntou com um sorriso maquiavélico no rosto.

–Mal. O Mar está muito bravo.

As rajadas de vento podiam atirar uma criança para fora do barco. De repente, um mastro se desprendeu e girou no ar, acertando um homem, que ficou sem a cabeça, e outro que foi atirado ao mar.

–Consegue, Capitão?

Ele fez não com a cabeça.

–Excelente. Que morram todos.

Lorde Julie voltou para dentro da cabine, e foi justo quando o mar entrou, atravessando a pequena janela.

Finalmente, tudo está por acabar. Que os deuses sejam piedosos e nos concedam um bom lugar além-vida.


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