Jogos Vorazes: O Despertar escrita por FernandaC


Capítulo 5
Pequeno incômodo


Notas iniciais do capítulo

Como dito, postagem na terça.
Deliciem-se com esse novo capítulo!



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Demoro alguns segundos para absorver as palavras do Haymitch, mais ainda para compreender os significados por trás dela. Se o que eu entendi está certo, ele não me quer perto do Peeta, pois ele entende, assim como eu, que sou uma ameaça, perigo, qualquer coisa de ruim para ele. Mas eu quero me afastar? Será que não me importo, a ponto de deixa-lo ir embora?

Haymitch pega minha mão e espera que até eu encontrar seus olhos. Não sei o que ele viu no meu rosto, mas tenho certeza que não o faz feliz tampouco.

– Katniss, você lembra o que me pediu antes de voltar para o Massacre Quartenário? Você praticamente me implorou.

– Salve o Peeta. – Digo em um sussurro.

Ele balança uma vez a cabeça, cheio de pesar. Toca o meu rosto e vai embora, deixando-me sozinha. “Salve o Peeta!”. Meu maior desejo e eu falhei miseravelmente todas as vezes na tentativa de ajudar, se não fossem os outros vitoriosos, nunca mais veria o meu garoto do pão. Por mais cruel que possa ficar minha vida, Haymitch está certo. Tenho que continuar mantendo Peeta não só vivo, mas feliz.

Pego minhas coisas na mesinha e sigo para o armário da cozinha. Lá encontro o antigo livro da família. Sento-me no sofá e começo a folheá-lo, na procura das ervas certas para o meu tratamento. Sei que a mamãe as usou para sair da própria depressão. Com certeza, vou precisar das mesmas plantas agora que a situação vai mudar drasticamente. Tenho que botar na minha cabeça que isso foi uma decisão minha, por mais dolorosa que seja. Peeta esteve comigo por tanto tempo, ele fez tudo por mim, é a minha vez de tentar fazer algo certo.

Chego nas páginas mais belas do livro. Os desenhos do Peeta são perfeitos e precisos. Tenho que deixa-lo ir, eu tenho. E isso não é abandonar, é salvá-lo. Mas Delly Cartwright?! Será que ela conseguirá fazê-lo feliz? O que ela sabe sobre o Peeta? Ok, eles cresceram juntos, ela sabe algumas coisas... Talvez até mais do que eu, já que nós nunca tivemos um momento tranquilo para conversarmos. Mas mesmo assim! E por quanto tempo ela vai ficar na casa dele?

– Está bem Katniss, isso não lhe interessa mais, lembra? Supera. A felicidade do Peeta é o que importa, então o melhor que você pode fazer é esquecer isso. – Digo para mim mesma, na infrutífera tentativa de me convencer a continuar no sofá.

Acho que vou enlouquecer de vez. Se antes eu já estava submersa em pesares de luto, agora saber que eu terei de fazer de tudo para me afastar por completo dele ultrapassa os limites da sanidade. A questão é que não eu sei dizer o que estou sentindo. Estou em uma luta, não, não luta, guerra, estou travando uma enorme guerra interna entre seguir o que o Haymitch disse (o que, infelizmente, é certo a fazer) e o que eu realmente quero. O problema é que eu não sei o que eu quero!

Depois que perdi Prim, nada mais me motivava, tudo era pretexto para mais lágrimas, desespero, descrença. Não permiti ninguém se aproximar e, assim, fiquei sozinha, presa nos próprios tormentos da minha mente. Tornei-me um vegetal. Neste momento, sofro as consequências de todos os meus atos. Não perdi apenas Prim, perdi minha mãe, Gale, minha casa, minha vida e, agora, Peeta. Na guerra todo mundo sai perdendo. E eu saí perdendo duas vezes a mais que todo mundo.

O que seria isso se não os sintomas depressivos correndo minhas derradeiras esperanças, aproveitando minha vulnerabilidade e se instalando pesadamente sobre a pequena sanidade que consegui construir nos últimos dias. Haymitch tem razão. É a vez do Peeta. Pelo menos ele terá que ser feliz. Se em algum momento eu fui, deveria ter apreciado com mais ardor. Haymitch conseguirá finalmente cumprir sua promessa. Pronto, está decidido, é isso que devo fazer, devo ajudar Haymitch e salvar Peeta.

Olho pela janela, tarde nublada. Provavelmente, essa noite será tensa. Procuro ocupar minha mente, fingir que não me incomodo com o que deve estar acontecendo na casa do vizinho da frente, fingir que está tudo bem. Então, ainda fingindo, começo a procurar as ervas para meu tratamento. Por sorte, muitas das que eu preciso eu avistei nas minhas duas últimas visitas à floresta. Olho novamente para a janela, amanhã o tempo vai estar com sorte, apenas chuvoso. Preciso daquelas ervas.

Pego minha bolsa de caça e fecho a porta. O clima está mais frio do que aparenta. Tento com todas as minhas forças não olhar para o lado. Sigo reto com movimentos mecânicos. Chego à floresta antes mesmo de perceber. Absorvo o ar limpo, o cheiro da mata com o árduo empenho de reter as lágrimas que insistem, irritantemente, em sair dos meus olhos. Odeio ser depressiva, odeio ainda mais não conseguir controlar minhas fraquezas. Por que estou tão incomodada? Por que eu não consigo ignorar o Peeta como eu fiz todos esses meses? Procuro encontrar o foco, o objetivo em vir aqui. Andar pela trilha. Coletar. Plantas. Comer frutas. Pensar na decisão. Não posso voltar atrás. Simples assim. Mas por que este fato me incomoda tanto? Porque a Delly me incomoda! Eu gostava dela, no 13. Ela foi a chave para limpar a imagem desfigurada que a Capital implantou no Peeta sobre mim. A própria Delly me disse que, quando criança, brincava dizendo que o Peeta era seu irmão! E agora? Isso mudou? Não sei, apenas que Haymitch vai jogar a favor do Peeta e se isso envolver Delly, ele terá que me manter longe. Tenho que parar de voltar nesse assunto.

Com a bolsa cheia, faço meu caminho de volta para casa. Chego à Aldeia dos Vitoriosos, sentindo-me totalmente derrotada. O vento assovia nos meus ouvidos, fecho meu casaco mais apertado em meu corpo. E com a mesma estratégia da ida, tento passar em frente da casa do Peeta, na volta. Entretanto, não consegui me conter e de esguelha, observo a janela meio aberta, mas vazia. Volto minha atenção para a calçada. Quase chegando no cercado do meu jardim, ouço Delly gritar meu nome.

– Só pode ser brincadeira! – Falo para mim mesma com exasperação.

– Katniss! Eeei... Katniss! – Delly tenta chamar minha atenção. O que eu faço? Bem, poderia ignorá-la, querendo ou não, sou mentalmente desorientada, e seguir meu rumo de acordo com o que acertei com Haymitch, ou posso cumprimentá-la, analisar qual a situação e, assim, tentar dormir um pouco em paz.

– Delly! Oi! Não sabia que você estava aqui! – Da onde isso veio? Desde quando sou tão educada e gentil assim? Tenho que melhorar.

– Vem aqui para nós conversarmos um pouco, tenho tanta coisa para lhe contar! – Delly convida. Tudo o que eu queria.

Ela abre a porta para eu entrar. Peeta não está na sala. Delly e eu nos sentamos no sofá, olho para os lados a procura dele, enquanto ela nos serve uma bebida quente que eu não quero. Na verdade, não quero nada vindo dela. Delly se volta para mim cheia de sorrisos.

– Nossa Katniss, como é bom saber que você está se recuperando, quer dizer isso é ótimo. Fico muito feliz. – Delly fala com sinceridade. Eu realmente acredito nas suas palavras, mas ainda não engulo o fato de ela estar aqui. Tento dar um sorrisinho, mas acho que acabei fazendo uma careta. Então pigarreio.

– Sim, eu estou tentando fazer o possível. – Ficamos em um silêncio desconfortável por uns instantes. - Pois é... Delly, você vai ficar aqui por muito tempo? Quando você vai embora?

Delly me encara como se eu tivesse sido rude ou algo assim. Pensando bem, acho que fui realmente indelicada. Mas quem se importa, sou mentalmente desorientada.

– Não será visita, Katniss. Vou voltar a morar aqui. – Delly sorri idiotamente.

– Aqui na casa do Peeta?! – Ok, tenho que me controlar. Consigo ser melhor que isso.

– Ah! Não posso abusar tanto assim da generosidade do padeiro. – Ela responde com um leve tom de tristeza na voz. – Ele me deixou a vontade, disse que posso ficar aqui o tempo que precisar.

– Nossa! Que maravilha. Muito gentil esse Peeta. – Profiro as palavras arranhadas pela minha garganta com um sorriso, totalmente não meu, no rosto.

– Eu também consegui um emprego na prefeitura, vou ajudar a equipe a organizar os papeis da administração, ajudar administrar o Distrito, então terei muito trabalho, acordando cedo e só voltando noite. – Delly fala.

– Sério?! Que bom. Fico feliz por você. – Digo, mas dessa vez com sinceridade. Quase dizendo que fico feliz por mim também. Então, Peeta entra na sala batendo uma massa de pão nas mãos.

Acho que ele não esperava me encontrar ali, pois sua massa caiu no chão. Delly se apressa para juntar, mas Peeta foi mais rápido. Olhamo-nos por alguns instantes. Seu rosto um pouco sujo de farinha e o cabelo está grudado na testa por conta do esforço. Ele sorri para mim, mas não retribuo.

– Peeta! Olha quem veio nos visitar... – Delly gesticula sem precisão para mim. Estou bem na frente dele.

– Na verdade, ela me chamou. – Digo entre os dentes. Sério, autocontrole! Então, Delly solta uns risinhos irritantes como se eu tivesse feito uma piada, o que é ridículo.

Peeta sorri um pouco e tenta tirar os fios de cabelo de cima do olho com o ombro, já que suas mãos estão ocupadas e sujas. Assim, algo totalmente inesperado acontece. Delly que não tem nada haver com a luta do Peeta com seus fios de cabelo, se mete e começa a tirar os cabelos de cima dos olhos dele! Por que ela fez isso? Ela não tem nada que mexer nos cabelos do Peeta!

– Peeta, você quer ajuda nessa fornalha? – Ela pergunta para ele, que ainda estava meio estático, por conta da atitude dela. – Katniss, você tem que provar essa nova receita que ele fez, é deliciosa, como sempre!

– Ah! Haha... Não é tão nova assim, está na minha família há certo tempo. – Peeta responde um pouco corado e sorri para ela.

Ok, já chega para mim. Tenho que ir embora daqui. Não consigo mais ficar no mesmo ambiente que ela ou ele ou os dois ao mesmo tempo, que é muito pior! Idiotas.

– Hum... Tenho certeza que deve ser fabuloso. – Digo sem vontade na voz. – Mas estou indo.

– Já? Poxa Katniss, não vai nem esperar o Peeta acabar de preparar no pãozinho?

– Pois é... Uma pena, mas tenho que ir... Hãn... Buttercup tem que estar dentro de casa antes que essa tempestade caia. Logo tenho que checar se ele está bem acomodado. Esse gato não suporta trovões. – Digo tentando ao máximo passar convicção nas minhas palavras.

– Buttercup? Ele voltou? Nossa! Você quer que a gente lhe ajude a procura-lo? – Delly pergunta solidariamente.

– Não! Quer dizer... Muito obrigada pela ajuda, mas sei que ele deve estar por perto. É só mesmo para eu me tranquilizar... E falando em tranquilizar, tenho que tomar alguns remédios. Mentalmente desorientada com sérios sintomas depressivos, sabe como é, certo? Digo. Claro que você não sabe, nunca passou pelo o que eu e Peeta passamos, nunca teve que matar ninguém, nunca correu realmente perigo ou sofreu como nós sofremos. Então, é claro que você não padece com nossas torturas. – Falo o que deveria ter sido apenas o agradecimento pela ajuda dela, acabou em um acesso de raiva.

Delly me olha com lágrimas nos olhos, enquanto Peeta estuda minhas feições. Nenhum dos dois tenta me impedir de ir embora.

Atravesso em direção da minha casa. Encontro Buttercup encolhido na soleira da porta esperando que eu abrisse. Pego-o no meu colo e entramos. Isso não foi totalmente mentira. Eu realmente estava um pouco preocupada com o gato. O fato é que eu não deveria ter agido daquela forma. Mas que cena foi aquela? Delly tirando o cabelo do rosto do Peeta daquele modo... Ridícula!

– Desde quando ela tem tanta intimidade assim com ele a ponto de... Argh! – Resmungo para Buttercup que se deitou junto comigo no sofá. – Droga! Esqueci minha bolsa com todas as plantas!

Eu não volto lá tão cedo. Volto na floresta, debaixo de uma tempestade, mas não me aproximo daqueles dois idiotas. Não preciso do Peeta. Olho pela janela e percebo que realmente começou a nevar e não chover. Ótimo. Melhor acender a lareira e tentar não pensar no calor da casa da frente. Vou tentar me concentrar em produzir os medicamentos quando conseguir novas ervas. Ponho o livro de plantas em cima da mesinha, em frente da lareira, e começo a estudá-lo. Tomo um susto quando o telefone toca. Como sempre, pondero antes de atendê-lo. Apenas três pessoas poderiam estar no outro lado da linha, somente uma me agrada. As chances de ser minha mãe são mínimas, contudo não posso simplesmente ignorar o dr. Aurelius, e correr o risco de ter que voltar pra Capital e se for Gale, posso desligar o telefone.

– Alô.

– Srta. Everdeen! Por um instante pensei que você fosse ignorar a ligação. – Diz Dr. Aurelius.

– Não quero voltar para a Capital. – Comento rudemente e fazendo-o entender que eu só atendi o telefone por ter sido ameaçada.

– Katniss, você precisa entender que se não haver essas ligações para esse tratamento, você terá que voltar para cumprir uma, na falta de palavra melhor, condenação. Então, o que você escolhe, cooperar comigo ou ter que enfrentar, novamente, as autoridades? – Ele entendeu a mensagem e enviou uma para mim.

– Coopero. – Digo um pouco irritada. Será que eu nunca vou ter paz?

– Muito bem, srta. Everdeen. Então, vamos conversar. Você tem tomado os medicamentos?

– Ah... Sim, tenho. Por sinal, minha pele está bem melhor. Está mais nivelada e menos rosada. Estou saindo mais de casa. Visitei a floresta e Haymitch. – Digo, ignorando totalmente o Peeta.

– Muito bem. A senhorita está conseguindo finalmente entender o nosso objetivo. E quanto ao Peeta? Você checou o que eu lhe pedi, na nossa última ligação? – Dr. Aurelius nossa conversa até que estava sendo sincera. Agora, você está mencionando um assunto muito delicado. Peeta.

– Hum... Sim, chequei. Ele comentou que não está mais tomando os remédios. A pele dele está bem melhor, nem se vê mais as marcas. Muito melhor que a minha.

– Katniss, essas informações não me ajudam em nada. Disso eu já sabia. Gostaria que você procurasse saber algo mais profundo. Algo que ele está omitindo de todos nós. Você procurou saber? – Dr. Aurelius questiona tocando na ferida. Sim, eu sei qual era o problema do Peeta e se chama Delly Cartwright. Mas agora está tudo resolvido, ele não está mais estranho, muito pelo contrário.

– Era isso o que o senhor queria saber?! Não tinha entendido. Mentalmente desorientada, lembra?

– Srta. Everdeen, vou fingir que você não sabia o que era para fazer. Então, vamos recomeçar. A partir de hoje, a senhorita irá averiguar o que se passa com o Peeta, estamos acertados? – Dr. Aurelius pergunta. Não sei se devo responder, tenho que manter minha palavra de que irei me afastar do Peeta. Mas só de lembrar o modo como a Delly estava agindo, arrumando o cabelo dele, na minha frente! A raiva sobe pelas minhas veias.

Alguém bate na porta.

– Dr. Aurelius alguém está batendo na porta. Tenho que atender. Depois conversamos, ok? – Digo.

– Katniss, por que você está com raiva? Quem está ai? E não ouse desligar o telefone sem antes dizer que estamos acertad... – Desligo, na próxima ligação eu respondo.

As batidas na porta se intensificam. Olho pela janela e observo que a neve já se acumulou. Paro com a mão na maçaneta e penso. E se for o Peeta ou pior Peeta e Delly?! Pelo meu estado de humor é bem capaz de eu avançar nos dois. Só que não, não são eles. Delly deve estar se deliciando com a estúpida receita nova dele. Provavelmente é o Haymitch. Abro a porta.

Um sorriso se espalha pelo meu rosto. Um genuíno e, um tanto maligno, sorriso ilumina minhas ideias. Peeta jamais imaginou que isso pudesse acontecer. Talvez ninguém imaginou que isso pudesse acontecer, até mesmo eu. E não quero nem saber, eu vou entrar nesse jogo idiota e tudo o que eu estou sentindo, Peeta também sentirá.

Com os cabelos cheios de neve e a roupa grudada no corpo por conta do frio, nos encaramos.

– Olá Catnip, posso entrar?


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Notas finais do capítulo

Deliciaram-se? haha...
Espero que tenham gostado.
Próxima postagem demorará um pouco, pois tenho uma prova sexta. Então, assim que der estarei escrevendo. No mais tardar quarta que vem estarei postando.

Beijos, Fernanda.



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