A Bruxa da Cidade das Brumas escrita por Libellule penseuse


Capítulo 14
A Estrela de Haniyya


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo na verdade é praticamente um interlúdio. É a história de Haniyya, a esposa do mercador e mãe de Shams, contada a Brianna pela Sirona.

Fiquei muito tempo contemplando se narraria essa estória ou não... Parde de mim ainda acha que ela deve permanecer nas sombras, tênuamente subentendida sem ser muito especificada ou detalhada por mais que estivesse completa na minha cabeça... Enfim... Gostaria de um feed-back de vocês em relação a esse interlúdio. Deveria ter sido narrado? Não deveria?

Música recomendada para o capítulo: Terms da trilha sonora do filme Kingdom of Heaven, por Harry Gregson-Willians.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/435237/chapter/14

Em uma terra muito, muito distante... Além da Capital do Império de Romae e além das Terras dos Homens de Fogo... Existe um mar de areia, onde as dunas se movem como ondas, mudando-se ao bel prazer do cálido hálito do vento. Uma terra tão seca que as pessoas não tem coragem de derramar suas lágrimas sobre o solo arenoso, cada gota de água é tão preciosa que nenhum desperdício é tolerado.

Em uma terra assim é fácil imaginar que as pessoas tenham endurecido seus corações, que suas almas tenham ressecado por conta do calor intenso, como a própria areia em que pisam... Mas nessa mesma terra semeiam compaixão e humildade como dogmas insistentes. Lá cultivam uma beleza secreta que está sempre a vista, apesar de nem sempre ser apreciada pelos olhos que a rodeiam.

Haniyya nasceu em uma família simples, porém bem provida. Foi a quarta filha dentre sete de um mercador de camelos. Não era a mais bela dentre suas muitas irmãs, ou mesmo a mais inteligente ou brilhante, mas era secretamente a favorita de seu pai que toda noite lhe contava histórias sobre terras distantes além do infinito deserto, mesmo exausto da intensa rotina de trabalho. De terras longínquas cobertas por gelo cristalino, de florestas tão densas que o sol nem mesmo é capaz de beijar o solo e de enormes coleções de água salgada que chamavam de mar. Tanta água que seria o suficiente para afogar o deserto inteiro.

E a pequena Haniyya sonhava com oceanos, com criaturas estranhas, com montanhas de gelo e cristal em meio ao seu mar de areia.

Uma a uma suas irmãs mais velhas foram se casando e deixando a casa de seus pais, mas nunca sua singela cidade. Nunca deixavam seio do deserto. Quando chegou a vez de Haniyya se casar uma caravana de mercadores chegou à sua pequena cidade, carroças puxadas por grandes animais pesados que nunca vira antes e tantas pessoas diferentes que ela chegou a cogitar que fossem peris antes de acreditar que fossem humanas como ela.

Seu povo, apesar de simples, recebeu os mercadores de braços abertos e abriram a hospitalidade de suas casas para os estranhos que chegaram, mesmo que não possuíssem ouro e prata o suficiente para comprar de suas mercadorias exóticas.

E foi nesse momento que a curiosa Haniyya conheceu um jovem mercador de grandes olhos negros e brilhantes chamado Asin. O jovem foi rapidamente cativado pelo sorriso e beleza de Haniyya, enquanto a mesma ficou fascinada pelas estórias contadas pelo mercador que viajara por todas as terras mágicas até então conhecia somente pelos contos de seu pai.

Ela não estava apaixonada e as promessas de amor eterno do jovem mercador em nada tocavam seu coração sonhador.

Mas ela estava curiosa. E ansiava conhecer o mundo além do deserto... Conhecer um Sol mais tênue, que não castigasse tanto o solo e a pele quanto aquele que acompanhou toda sua infância.

Então ela se casou em segredo com o mercador, esperando que o amor e o carinho viessem com o tempo e com a convivência, como aconteceu com suas irmãs mais velhas. Na madrugada que as caravanas deixaram o deserto ela montou em segredo um dos camelos de seu pai e partiu sem nunca olhar para trás. Seu coração estava pesado por deixar sua família, mas ela não derramou sequer uma lágrima... Pois, em sua mente sonhadora, ela já planejara suas visitas futuras, carregadas de presentes exóticos e muitas estórias recheadas de aventuras para seus pais e suas irmãs.

E a pequena garota do deserto se apaixonou pela estrada. Pelas paisagens exóticas. Pelas pessoas com línguas diferentes. Pelos cheiros únicos e peculiares. Pela música. A vida era difícil, mas ela estava feliz e satisfeita.

Mas o amor que esperava nutrir por Asin nunca veio como esperado... Ele era um homem bom para ela, completamente apaixonado pela jovem esposa apesar de Haniyya nunca retornar suas afeições. Teriam ainda muito tempo para igualar seus sentimentos.

Entretanto Haniyya não estava satisfeita em esperar.

Ela queria mais... E, enquanto visitavam uma grandiosa cidade de Romae, batizada pelos poetas românticos de Venti, o amor encontrou o caminho até seu coração. Mas o homem que o conquistou não foi seu marido e sim um jovem nobre de olhos amendoados, sorriso fácil e lábia de mel.

Em segredo se encontravam e o amor que Haniyya nutria pelo nobre crescia e crescia até não caber mais em seu peito. Ele era tudo o que ela desejava, mais do que a estrada, mais do que conhecer o mundo inteiro. Haniyya desejava viver ao lado daquele homem... Mas ela vivia em uma caravana. E, assim como as caravanas chegam sem data marcada, sem data marcada elas partem e vão embora.

A jovem do deserto fugiu de seu marido logo antes da caravana partir. Fugiu para os braços de seu amado cantando com alegria que não precisaria deixa-lo nunca mais.

Tola e ingênua Haniyya... O nobre sorriu e a beijou com a paixão de sempre, logo antes de entrega-la para os soldados como uma adultera fugitiva...

O amor dele não era fiel e nem era um amor para sempre. Era somente enquanto durasse a temporada das caravanas na cidade. Ele não desejava uma esposa, e, se um dia porventura o mesmo se casasse, seria com alguma jovem virgem de sangue azul como o dele próprio.

Os soldados a entregaram de volta para Asin, enquanto ela chamava desesperadamente pelo nome de seu amante com o coração em pedaços.

Naquele dia o coração de Asin morreu e ele se tornou um homem duro.

Pela lei de seu povo ele tinha o direito de condenar sua esposa pela desonra que ela lhe causou, mas, mesmo a odiando agora, ele não foi capaz de se esquecer de que um dia a amou... Mas também não foi capaz de perdoa-la ou de confiar nela novamente.

Pobre, pobre Haniyya... Em um único dia seu coração foi espedaçado e sua liberdade foi tomada, agora ela viajava trancafiada e em seus tornozelos pesavam os grilhões de sua prisão. O mundo ela viajaria, sem no mundo ela ver nada.

Não mais as belas paisagens eram refletidas em seus olhos. Não mais as músicas das praças e festas chegavam aos seus ouvidos. Não mais ela conversaria livremente com pessoas de cabelos exóticos e línguas melódicas.

Não mais... Não mais...

Não mais ela voltaria para seu deserto e sua família com prendas, doces e estórias.

Cada mês e cada ano que passava, em cada cidade que visitavam, Haniyya era um pouco menos como ela mesma, aos poucos murchando confinada. E cada vez mais amargo e infeliz Asin ficava... Tão amargo que seu coração parecia mais e mais com a mais rígidas das rochas e nem a notícia da gravidez de Haniyya conseguiu avivar a chama da alegria dentro dele.

Pobre Asin... Marcado pelos jogos de Azrael para o anjo mórbido se divertir. Pobre Haniyya, cujo tempo no mundo se esgotava e se esvairia como a areia de uma ampulheta sem nada ela saber...

Até ambos passarem pelos portões de Moebe, de onde não saíram nunca mais.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Peri = fada na cultura persa



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Bruxa da Cidade das Brumas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.