Potterlock - A Pedra Filosofal escrita por Hamiko-san


Capítulo 5
Norberto, o dragão Norueguês




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Madrugada. O dormitório da Corvinal estava em completo silêncio. Quase todos dormiam, exceto Sherlock. Estava sentado na cama, encostado nos travesseiros e lendo um livro grande que estava apoiado nas suas pernas. Fazia-o com a ajuda do feitiço lumus, que deixava uma luz surgir na ponta de sua varinha. Não estava sendo fácil ler. O silêncio era comumente cortado pelo chirrear de corujas que entravam pela janela para deixar os presentes dos alunos. Havia, inclusive, uma pequena pilha aos pés de Sherlock, resultado da visita de cinco corujas.

Uma sexta ave o visitou com um embrulho, e o rapaz reconheceu Sentinela, a coruja de John, trazendo um pacote retangular e uma etiqueta escrita SH. Curioso, o rapaz optou por deixar o livro de lado e pegar o pacote.

Era um embrulho bonito, dourado com um belo laço de fita azul. Certamente não fora John que embrulhou, muito menos Harry. Nenhum dos dois tinha porte de quem conseguia fazer pelo menos um laço com as alças das sacolinhas de plástico. Provavelmente foi a mãe deles, o que significa que John comprou apenas uma coisa simbólica, sem nenhum toque pessoal que o fizesse preferir embrulhar o presente sozinho.

A coruja soltou um piado e abriu as asas.

— Feliz natal, Sentinela. - Disse o garoto à ave, que logo levantou voo e saiu pela janela.

Era um jogo de xadrez bruxo. John havia lhe dado imaginando que seria uma boa maneira de Sherlock matar o tédio. Mal sabia aquele garoto da Grifinória que Sherlock não curtia aquele jogo. Quando criança até se divertia vendo as peças se quebrarem, mas elas falavam demais durante a partida e o desconcentravam completamente, a ponto de fazê-lo desistir na terceira tentativa de treinar as regras.

Abriu a caixa e colocou o tabuleiro na cama. As peças começaram a bocejar assim que foram retiradas. Tinham acabado de acordar.

— Hei! Não acha que está muito tarde, garoto? - Esbravejava o rei preto. - Ainda nem nos conhecemos pra você nos acordar a hora que quiser!

— Ele só deve estar ansioso para testar o presente, meu senhor - Falava um dos bispos preto.

— Mas por que não espera amanhecer como as crianças normais?

Sherlock revirou os olhos. Feitiços podiam ser muito irritantes.

— Olá, meu nome é Sherlock Holmes e vocês foram me dado de presente pelo meu amigo John - Ele aprumou-se inconscientemente ao dizer a palavra "amigo".

— E você quer praticar agora?! - Um peão branco parecia aborrecido.

— Não. Eu só quis ver o presente.

A essa altura os cavalos relinchavam, as torres reclamavam e o aluno esperava que aquele barulho pequeno, mas incômodo, não acordasse ninguém.

— Só quis ver? - Foi a vez da rainha branca reclamar - Nunca viu um xadrez bruxo antes, menino?

— Santa paciência...

— É insônia? - Perguntou o rei branco - Não é melhor ler um livro?

— Aff. É o que eu deveria estar fazendo. - Juntou as peças e jogou-as na caixa juntamente com o tabuleiro, sem nenhuma ordem. Depois voltou ao livro.

John era um idiota.

 

~O~

 

— Cavalo na D5.

O cavalo branco de pedra galopou até o peão preto e pisoteou-o.

— É isso ai, Sherlock! - Bradou um peão branco - Agora já aprendeu como devem ser nossos movimentos!

— Fique calado. Eu preciso me concentrar.

Já haviam se passado dias, mas ainda havia resquícios da decoração de Natal no salão comunal, como algumas guirlandas voadoras que escapavam das varinhas dos professores, feitiço de algum engraçadinho. Os alunos que passaram a data com os familiares já regressavam, mostrando aos amigos os presentes mais interessantes que ganharam ou então colocando as fofocas em dias.

Sherlock não estava sozinho na mesa da Corvinal, entretanto sentara-se bem distante dos grupinhos aglomerados pelos bancos. Seus sentidos aguçados conseguiam captar murmúrios maldosos sobre o fato das únicas companhias dignas de um sociopata serem todas as peças de um tabuleiro de xadrez, entretanto essas informações eram rapidamente eliminadas de seu palácio mental.

— Você não devia ter deixado o cavalo ali, garoto! - Resmungava a rainha branca - A rainha preta vai comê-lo!

— Cala a boca, recalcada! - Gritou a rainha preta do outro lado do tabuleiro.

O garoto enterrou o rosto nas mãos e passou-as pelos cabelos, resmungando algo pra si mesmo. Foi nesse exato momento que uma garota do terceiro ano cruzou seu caminho pelo outro lado da mesa e parou de andar assim que viu as peças. Era uma moça bonita, com cabelos escuros e sedosos, um corpo escultural e um olhar oblíquo e marcante que causavam pulsações atípicas em muitos rapazes veteranos e até em algumas moças.

— Oh. Olá. Posso jogar?

Sherlock ergueu a cabeça para mirá-la.

— Anthea Wilson, a garota que todo mundo reclama porque quando fica enfurnada no livro, esquece que o mundo existe.

— Sério? - Ela continuou sorrindo, considerando aquilo um elogio cortês.

— Fique à vontade. E veja se consegue calar essas peças.

Anthea fechou o livro e sentou-se à mesa para jogar. "Muito bem, voltem aos seus lugares" gritavam os reis "o jogo de verdade vai começar!".

O xadrez bruxo era um desafio por si só, mas Anthea era um desafio maior ainda. A adversária estava bastante concentrada na jogada e mesmo Sherlock não conseguia adivinhar todos os seus movimentos.

— Torre na H6. - Disse o rapaz.

A torre se moveu até lá e esmagou o cavalo. Anthea sorriu e disse imediatamente:

— Bispo na G3.

E o resultado disso foi xeque-mate.

— ... Ah.

Anthea sorriu orgulhosa de si:

— Nada mal. Com um pouco de prática você se livra dos vícios.

— Vícios?

— Pois é. Xadrez bruxo é mais do que eliminar as peças.

— Eu conheço as regras.

— Mas não conhece o jogo. Pra chegar até o rei é preciso sacrificar algumas peças. O feitiço está programado pra comer as peças. Ele nunca vai saber diferenciar quando a pessoa está jogando de verdade e quando está fazendo uma armadilha. Você treinou tanto sozinho que jogar com você é como jogar contra um feitiço.

Sherlock não se ofendeu com esse comentário. Encarava o tabuleiro de forma analítica, pensando em como deveria fazer as demais jogadas. Entretanto, não demorou muito fazendo isso. Bastou olhar para frente para notar que John acabara de regressar ao grande salão e que, ao invés de ir para a mesa da Grifinória, continuou caminhando até a mesa da Corvinal, como se algo tivesse rapidamente lhe atraído para longe dos colegas de sala.

Sherlock revirou os olhos. Sabia muito bem que esse "algo" se tratava de Anthea e que John usaria a amizade deles para tentar se aproximar dela.

— Hei. Oi, Sherlock.

— Alô, John. - Cumprimentou o jovem Holmes voltando sua atenção para as peças.

Como era de se esperar, John logo se voltou para a garota, que estava novamente enfurnada no livro:

— E você é amiga de Sherlock?

Anthea ergueu a cabeça para encará-lo e abriu aquele sorriso superficial de propaganda de pasta de dente:

— Não, só uma colega. - E antes que surgisse qualquer possibilidade da conversa se prolongar, ela se levantou do banco e foi embora.

Percebendo que levou um fora, John colocou as mãos nos bolsos da calça e retornou sua atenção a Sherlock, que fingia estar concentrado demais no jogo.

— Gostou do presente?

— Não. Ano que vem tente me dar uma coisa menos barulhenta.

— Mas você está jogando!

— É que eu estava esperando você e precisava me distrair.

John não pôde deixar de se sentir decepcionado. Passara boas horas pensando em qual seria o presente perfeito para o amigo, e quando viu Harry e Clara jogando xadrez bruxo no expresso pra Londres pensou ter surgido a melhor ideia de todas. Um santo remédio para o tédio latente do rapaz.

Amarrou a cara e por pouco não cruzou os braços:

— Hnf. Como se eu tivesse gostado de ter ganhado o manual prático dos doze usos do sangue de dragão. - Sentou-se à frente dele - Quem é aquela garota? É da sua casa, não?

— Isso dá pra ver pelo cachecol da Corvinal. E desista. Anthea Wilson só olharia pra você se você fosse o responsável pela sessão proibida da biblioteca.

— Sério? Por acaso todo mundo da Corvinal é difícil?

Sherlock moveu os olhos para mirá-lo. Agora havia um ar tímido naquele rosto pálido que John não pôde deixar de admirar.

— Eu sou difícil?

— As meninas da minha casa dizem que você só olharia pra elas se tivessem a foto estampada no Profeta Diário.

— Só se a foto estivesse na sessão de criminosos procurados. - Sorriu.

John riu com o comentário, descontraindo-se e até se esquecendo do xingamento acerca do seu presente. Sherlock empurrou o tabuleiro pro lado e pegou a pasta escolar. Tirou de dentro um livro tão grande e grosso que John levou um susto quando o viu jogar em cima da mesa. Em seguida, Sherlock abriu numa página marcada.

— Eu estava lendo isso pra passar o tempo e adivinhe o que encontrei.

— Passar o tempo!?

— Olhe aqui. - Apontou para um trecho em particular.

"A Pedra Filosofal é uma substância com poderes lendários capaz de transformar todo metal bruto no mais puro ouro. Também pode criar o Elixir da Vida, que deve ser tomado frequentemente para manter o bruxo vivo. A única que existe foi criada pelo famoso alquimista Nicolau Flamel, que tem mais de 600 anos."

— Nicolau Flamel... - John lia em voz alta esse nome.

— É o cara que trabalhou num projeto com Dumbledore! Esse projeto só pode ser a pedra filosofal! Acho que é isso que se esconde no alçapão.

— Mas por que?

— Sério que você me fez essa pergunta?

— Quero dizer, por que só agora resolveram esconder a pedra aqui? Harry estudou aqui ano passado e nunca ouviu falar de um corredor proibido.

— Ah, sim, eu também fiquei pensando nisso e sabe o que me veio à cabeça? A pessoa que anda matando unicórnios na floresta proibida. Sangue de unicórnio tem propriedades mágicas, mas são sagrados! As pessoas que bebem dele são amaldiçoadas com uma meia vida, então quem ia querer arriscar?

— Alguém que não tem nada a perder, como você disse.

— Isso! Alguém que está morrendo e precisa do elixir da pedra!

John abriu mais os olhos junto com a boca, atônito:

— Então Snape está morrendo?

— Eu não disse que é o Snape.

— Disse sim!

— Eu disse que ele é suspeito. E é mesmo, John. A única coisa que falta descobrir é por que esconderiam a pedra justamente aqui?

Ao proferir a própria pergunta, entrelaçou os dedos pensativo. Sua mente mergulhou em um labirinto de ideias vastas e incontáveis conhecido como "Palácio Mental", cheio de corredores, escadas, e, sobretudo, informações - As mais diversas possíveis.

Hogwarts. Hogwarts era segura, seus pais sempre diziam. E por quê? Dumbledore está lá. Dumbledore é "o único bruxo que aquele-que-não-deve-ser-nomeado-temia". Se Voldemort temia o diretor, qualquer um pode temer...

— E se...? - A voz de John interrompeu sua linha de raciocínio.

— Quieto. Estou no meu palácio mental.

— Onde?!

— Shhh!

Voltou a fechar os olhos e se concentrar. Dumbledore é o bruxo mais forte da atualidade. Até Voldemort o temia. A pedra está aqui porque Dumbledore está aqui. Então ela estava em outro lugar, mas não era protegida o suficiente...

— Oh! - Sherlock abriu os olhos como se tivesse tido uma epifania. - Isso!

— Isso o quê? O que foi?

— Invadiram Gringotes, mas não roubaram nada! O único cofre arrombado estava vazio! - Olhou para John e sorriu.

John ergueu as sobrancelhas mais impressionado que surpreso:

— Não me diga que conseguiu desvendar o mistério do banco Gringotes?

— Consegui. É a pedra filosofal que estava lá. Dumbledore previu o assalto e tirou ela a tempo!

 

~O~

 

— Mycroft! Hei, Mycroft!

Mycroft teria fingido que não ouviu se fosse outra pessoa, mas como Greg era amigo da família parou de andar para mirá-lo. Jamais confessaria que estava fazendo seu passeio matinal cuja única finalidade era perder alguns quilos. Havia exagerado na quantidade de quindins e bolos natalinos. Culpa da direção, que entupia as mesas de comida.

— O que foi, Greg?

— Conhece o guarda-caças daqui? Alguma coisa mordeu a Molly e ela está lá na enfermaria.

— Que coisa?

— Não sei. Madame Pomfrey disse que talvez o guarda caças saiba.

— Hm... É o Hagrid. Eu mostro a cabana dele.

Passaram a caminhar juntos pelos arredores do castelo, sem trocarem muitas palavras de início. O sonserino ainda estava pensando em como perder aqueles quilos incômodos que ganhara no Natal.

— Você e Sherlock ainda estão brigados? - O lufano indagou.

— Nós vivemos brigados. Culpa dele e da mania dele de se meter onde não é chamado.

— Qual era o motivo daquela vez?

— Ele perdeu pontos por ter enfrentado um trasgo, mas eu sei que teve motivos pra isso. Só não quis me dizer. Felizmente não aconteceu nada suspeito depois disso. Anthea até me disse que jogou xadrez com ele hoje de manhã.

— Sherlock gosta de xadrez bruxo?!

— Não. Deve estar muito entediado. - De repente parou de andar ao ver o irmão e aquele garoto da Grifinória à porta da cabana de Hagrid. Uma cena que o deixou inquieto - Aff. Falei cedo.

Mycroft acelerou o passo juntamente com Lestrade e viu Sherlock girar os calcanhares com cara de poucos amigos.

— ... Péssima hora pra visitas. - Sherlock resmungou ao vê-los ali.

— O que fazem aqui? - Indagou Lestrade.

— Eu é que pergunto. Não sabia que eram amigos do guarda caças.

— E não somos. É que Molly estava procurando um lembrol nos arbustos e algo a mordeu. Ela está na enfermaria, mas a Madame Pomfrey não sabe o que a atingiu.

— Tenho certeza que Hagrid vai saber responder. - Completou Mycroft olhando para Sherlock como se isso exigisse paciência. Em seguida lançou um olhar desconfiado para John - Eu me pergunto por que anda sempre na companhia dele.

John piscou várias vezes demonstrando confusão:

— Hei, dá pra pararem? - Lestrade interrompeu a briga - Vamos falar com Hagrid ou não? Aliais, John, o que faz aqui?

— Ahn... Bem... Queremos ver o guarda-caças também.

— Por quê?

— Estou querendo saber que tipos de criaturas existem na floresta. - Respondeu Sherlock com tom de deboche antes que John abrisse a boca.

— Nem pense em ir à floresta procurar aquilo que atacou você. - Mycroft ordenou.

— Oh, então essa história já chegou aos seus ouvidos, irmão?

Mycroft lançou um olhar ao mais novo como quem mais tarde usaria todos os meios para assegurar que Sherlock nunca pisasse na Floresta Negra. Lestrade, impaciente, passou por eles e bateu na porta da cabana.

Quando Hagrid a abriu (seu corpo bloqueando a maior parte da entrada) lançou um olhar desconfiado pra cada aluno e em seguida torceu o nariz:

— Por que tem um representante de cada casa na minha porta?

— Foi só coincidência. - Respondeu John.

— Não tem nada pra ver aqui, entenderam?

— Hagrid, esse é Greg Lestrade e alguma coisa mordeu a amiga dele. - Disse Mycroft - Precisa nos ajudar a descobrir o que foi.

— Deve ter sido um gnomo brincalhão. Eles adoram se esconder nas moitas! - Fez menção de fechar a porta, mas Lestrade impediu.

— Espere! Seria melhor se você visse o ferimento!

— Eu não posso dizer nada a respeito! Sinto muito! - Falava nervosamente.

Enquanto eles debatiam, Sherlock inclinou-se para o lado e pôde ver pelas brechas deixadas pelo guarda-caças as marcas de queimadura nos móveis, além de pedaços de carne crua na mesa.

— Oh-ou...

— O que está vendo, Sherlock? - Perguntou Lestrade.

— Não tenho certeza, mas acho que filhotes de dragão não deviam ficar na escola.

Hagrid ficou subitamente pálido.

— Dragão!? - Mycroft quase caiu pra trás - Dragão! Hagrid, como conseguiu um dragão?

— Um cara que conheci no bar me deu ele de no ovo, está bem? - Entrou na casa e os alunos entraram atrás.

— Foi um dragão que mordeu Molly? - Lestrade estava pasmo.

— Norberto não fez por mal! Ela achou que ela iria machucá-lo!

— E ele ainda tem um nome?!

O tal Norberto era um filhote recém-nascido de dragão norueguês. John não podia deixar de achar fascinante a criatura de cor avermelhada que soltava fumaça cada vez que abria a boca. Era a primeira vez que via um dragão de verdade.

Mas Mycroft parecia engolir uma pedra:

— Hagrid... Essa criatura não pode ficar aqui. Se alguém souber, você pode acabar perdendo o emprego!

— Mas quem vai ajudá-lo? Ele é só um bebê e está sem mãe! Não pode ser deixado sozinho!

— Não existe um zoológico de dragões ou coisa assim? - John indagou, e depois se afastou da criatura quando a viu abrir a boca pra lançar uma brasa.

— O que é um zoológico? - Perguntou Lestrade.

— É onde os trouxas guardam animais. - Respondeu Sherlock (embora John estivesse com uma expressão do tipo "não é bem assim"). - Papai sempre quis visitar um.

— Eu não vou deixar Norberto ir pra um depósito! - Hagrid se aproximou do filhote de dragão, que agora ameaçava abocanhar-lhe o dedo.

— Ele não precisa ficar num depósito, mas com certeza tem lugares melhores que essa cabana. - Insistiu Mycroft atordoado - Hagrid, se continuar mantendo ele aqui vou ser obrigado a contar pro diretor.

— Você não faria isso, Mycroft!

— Ah, ele faria. - Interrompeu Sherlock – Ainda mais se isso trouxer pontos pra Sonserina.

— Vocês não tem um primo que cuida de dragões? – Lestrade inquiriu no momento em que os dois irmãos trocavam olhares combativos. – Lá na Romênia, não?

— Claro... - Mycroft viu a solução diante de seus olhos - Dave pode cuidar de Norberto. Se eu mandar uma coruja pra ele, virá buscá-lo. Se fizermos tudo escondido, ninguém ficará sabendo do filhote.

— O nome dele é Norberto! – Corrigiu Hagrid incomodado. – E não gosto dessa ideia. Preciso saber se seu primo vem mesmo e como ele vai tratar o Norberto.

— Ele virá. É só eu mandar uma coruja. - Insistiu Mycroft - Hagrid, isso é para seu próprio bem.

De repente Norberto abriu a boca e cuspiu uma bola de fogo, chamuscando a barba negra de Hagrid.

— Ah, ele está com fome! Vamos, saiam daqui! Ele precisa comer!

E, desajeitadamente, o guarda-caças enxotou todos os quatro da cabana, fechando a porta na cara deles num estrondo.

Greg e John encaravam a porta perplexos. Mycroft massageava o cenho contando de um até dez e Sherlock exibia sua melhor expressão de desgosto por sequer ter podido conversar sobre Nicolau Flamel, a pedra filosofal e o assassino de unicórnios com o guarda-caças.

— Isso vai acabar mal, não vai? - Lestrade sorria amarelo.

— Não se Mycroft mandar mesmo aquela coruja. - Ponderou Sherlock, em seguida deu as primeiras passadas - Eu não tenho mais nada pra fazer aqui.

John fez menção de segui-lo, mas Mycroft pousou a mão em seu ombro, fazendo-o parar.

— Espere, Watson, quero falar com você.

Sherlock parou de andar e encarou o irmão com fúria latente nos olhos. Entretanto, foi Greg que fez a pergunta:

— O que quer com John, Mycroft?

— Apenas conversar. 

John piscou várias vezes sem entender e rapidamente voltou sua atenção para o corvino, que certamente estava com a mandíbula rija. Houveram alguns segundos de silêncio, até que Sherlock, sob o olhar indiferente de Mycroft, limitou-se a virar-se para continuar seu caminho, murmurando apenas um "fique com ele".

Foi a situação mais estranha que John já se encontrou em onze anos de vida. Confuso com o que aconteceu naqueles poucos segundos, virou-se para Mycroft e franziu o cenho:

— O que foi? Não gosta que seu irmão tenha amigos? É isso?

— Então você é amigo dele?

— Bem... Sim. Por que eu não seria?

Mycroft ficou em silêncio e Lestrade já imaginava o porquê. Conhecia os irmãos Holmes o suficiente para saber que nenhum deles gostava de estar com pessoas. A diferença era que Mycroft conseguia tolerá-las se isso fosse lhe trazer benefícios ao passo que Sherlock nem isso fazia. O mais novo dos irmãos não se importava em bloquear qualquer pessoa de sua vida.

Mas John estava lá, sempre o seguindo. Uma pessoa capaz de conviver com o corvino não poderia ser uma pessoa comum.

— Meu irmão não é uma pessoa comum, Watson.

— Isso eu já notei. Ele é bastante antissocial.

— É mais do que isso. E não é de hoje que venho notando que vocês andam bastante juntos. Você já deve ter percebido que ele tem uma inclinação pra problemas. Já chegou a ser expulso do dormitório da Corvinal um dia desses.

— Como você ficou sabendo disso?

O rosto de Mycroft ficou subitamente branco.

— Eu tenho uns... Hm... Contatos. Mas nenhum conseguiu chegar tão próximo dele quanto você. O que os aproximou dessa maneira?

— Ah... Ele me ajudou nos estudos.

O sonserino se aproximou mais (e John recuou o mesmo número de passos).

— Escute, Watson, Sherlock vive se metendo onde não se deve e não pensaria duas vezes em fazer algo que o expulsasse da escola se isso o tirasse do tédio. Você já deve ter notado isso. É mais seguro vigiá-lo.

— Epa! Espere ai, está querendo que eu fique de olho no seu irmão pra você? É isso?

— É pro bem dele e você seria muito bem recompensado.

— Ah, não. Me tire dessa! - John girou os calcanhares para ir.

— Se está andando com ele, então deve ser que nem ele.

— Eu tenho certeza que não. Seu irmão é um maluco e você não está muito longe disso. Resolvam isso entre vocês!

E foi embora.

 

~O~

 

— Quer dizer que você virou o novo amigo íntimo da aberração?

A pergunta de Sally soou maldosa quando a menina sentou ao lado de John, já colocando um exemplar do livro padrão de feitiços na mesa da biblioteca. A frente deles sentou-se Henry.

— Não fale assim dele. - John encerrou incomodado, sem desviar a atenção de seu dever.

A garota franziu o cenho incrédula. Sério que seu amigo estava defendendo aquele sociopata? Quando enfim se convenceu de que John estava realmente falando sério, sacudiu a cabeça e molhou a pena no tinteiro para começar a fazer o trabalho dado por Flitwick.

— Falando nele, a Corvinal vai jogar contra a Lufa Lufa amanhã, certo? - Henry comentou.

— Ele não liga tanto pra isso. - Explicou John enquanto media seu trabalho e lamentava por ainda faltar meio metro pra escrever.

— Como assim não liga? Se ele foi capaz de azarar a vassoura da Clara, deve ser capaz de fazer coisa muito pior com...

— Não foi ele. - replicou, e ignorou os olhares inquisidores de Sally e Henry - Foi Jim Moriaty. Ele fez uma aposta com Sherlock e aquele idiota não conseguiu dizer "não".

— A aberração número 2? Sério? - A Donovan bufou.

— Sim. Jim é da Sonserina e por isso azarou a vassoura da nossa apanhadora. O apanhador da Lufa Lufa está a salvo.

— Mas... Temos que avisar a alguém! - Henry protestou.

— E quem vai acreditar que um aluno do primeiro ano pode fazer isso? - Sally contestou, embora estivesse tão revoltada quanto Henry - Esses dois mal chegaram e já estão ferrando a escola! Imagine o que pode acontecer?

"Shhhh" o chiado veio de madame Pince, lá do fundo da biblioteca. Sally baixou a cabeça e fingiu ler o livro.

Henry olhou para os lados, mordeu o lábio inferior e depois se inclinou para perto de John:

— ... Como ele é?

— Quem? Sherlock? - Viu o rapaz assentir e por um instante não soube como responder - Ahn... Bem...

— Estranho. - Sally tossiu.

— É, bastante.

— Mas isso todo mundo sabe. – Henry revirou os olhos – Tem alguma coisa que você acha que só você observa?

Foi a partir dessa simples pergunta que o Watson se deu conta de que estava numa posição bastante incomum. Privilegiada, ele diria. Era amigo de Sherlock, talvez o único que aquele garoto poderia ter. Aquilo nunca havia lhe passado pela cabeça até Henry dizer aquelas palavras. Algumas coisas só o Watson observava.

— Bem... Ele é meio aluado - John começou a rir pra si - Fica fora de órbita quando está raciocinando, não olha por onde anda e vive entediado. - Sua fala foi ficando mais leve - Ele é muito curioso, se exalta muito fácil... É engraçado. E acho que a visão dele é muito aguçada porque além dele enxergar os mínimos detalhes de tudo, ontem a tarde ele conseguiu perceber o irmão dele e o Greg se aproximando antes de mim. 

Henry escutava tudo impressionado enquanto Sally mirava o colega ao seu lado como se ele fosse um caso perdido, um coelho já capturado pela serpente e que não havia mais esperanças de salvá-lo.

— Mas eu acho que não vou mais falar com ele tão cedo. - John finalizou voltando ao trabalho.

— Por quê? - Indagou Henry.

— O irmão dele me chamou pra conversar. Queria que eu vigiasse Sherlock por ele e até me ofereceu recompensa. Ok, eu não aceitei, mas Sherlock não é ingênuo. Com certeza ele sabe o que o irmão dele falou pra mim e agora pode estar achando que eu estou perseguindo-o.

— Hnf. Eu não diria isso. - Sally interrompeu, e depois apontou para a porta da biblioteca.

Sherlock estava parado perto de uma das estantes, com os olhos fixos em John e as mãos seguradas atrás das costas. Mesmo sem ter certeza que o assunto era com ele, o jovem Watson rapidamente deixou o pergaminho de lado e foi ao seu encontro. Discrição definitivamente não era o seu forte.

— Você quer falar comigo? - Perguntou John.

— Porque eu ia querer falar com você?

— Porque com certeza você já terminou o trabalho do professor Flitwick e mesmo que estivesse entediado não viria pra biblioteca quando tem um bando de aluno fazendo trabalhos. Iria preferir vigiar o corredor proibido mais uma vez.

Pela primeira vez John viu Sherlock perplexo e ligeiramente desconsertado. Orgulhou-se de si mesmo por ter conseguido tal proeza e não pôde evitar um riso. Sherlock virou o rosto levemente incomodado.

— Claro que eu vim ver você. Meu primo já respondeu a coruja e vem pegar o Norberto hoje a noite.

— Que rápido!

— Mycroft deve ter usado todos os superlativos pra poder fazer Hagrid se livrar do dragão com urgência. Só que ele está com medo que Hagrid boicote a busca, então eu me ofereci pra garantir que isso não aconteça. Aproveito e converso com ele sobre o que está...

— Epa! Peraí, vai sair no horário de dormir?

— Sim.

— Sherlock, isso é perigoso! Você não pode fazer isso sozinho!

Nesse exato momento, um discreto e ansioso sorriso se desenhou nos lábios do aluno da Corvinal, como se o loiro tivesse acabado de dizer o que Sherlock realmente torcia para ouvir.

— Não estarei sozinho se você for comigo. – O corvino revelou.

Após dizer isso, Sherlock retomou sua expressão de indiferença, mas agora aquilo era inútil. O fulgor nos olhos dele foram captados e registrados na memória de John, que agora era um misto de surpresa e euforia.

— Perderemos pontos se formos vistos. - A razão de Watson agora falava pela sua boca.

— Não vão nos ver. Garanto. Se estiver interessado, me encontre meia noite perto do retrato da mulher gorda. Eu vou buscar você.

Assim que lançou a proposta saiu sem mais nada dizer, deixando John estático por algum instante. Pensando bem, desse modo poderiam até pensar que eles tinham discutido. Quem observasse sem saber o contexto (e certamente Sally e Henry integravam esse grupo) acharia que houve algum desentendimento.

Nada restou a John senão voltar ao seu lugar.

— O que ele queria? - Henry questionou na primeira oportunidade.

— Provar pra mim que ele é um maluco.

 

~O~

 

Meia noite

John vestira um robe xadrez bastante antigo e calçou os chinelos. Sem fazer barulho suficiente para acordar Henry e os outros, desceu até o salão comunal da Grifinória. Seus dedos estavam gelados, tanto por causa do frio quanto pelo nervosismo. Aquilo era uma loucura e (o pior!) ele estava de acordo.

— Fora da cama a essa hora? - Disse a mulher gorda do quadro que fechava a entrada do salão comunal - O que pretende fazer?

— Não importa. Focinho de porco.

Ainda inconformada, a mulher do retrato torceu o nariz, mas desbloqueou a passagem em razão da senha.

Agora John estava no corredor, perto do retrato. Sua tensão aumentou ao não ver Sherlock ali. Ele não poderia demorar. Sabia que estava se arriscando em perder no mínimo 30 pontos por ficar fora da cama àquela hora e se isso acontecesse nem poderia culpar outra pessoa.

De repente a cabeça de Sherlock surgiu flutuando no ar.

— AA..!

— Shhh! - Uma mão tapou-lhe a boca e o dono da mão empurrou o Watson contra a parede - Calma, John. É uma capa de invisibilidade.

Os olhos de John se arregalaram enquanto tinha a boca pressionada. Sherlock usou a outra mão para cobrir os dois com a capa e só assim o loiro pôde ver o amigo por inteiro. A surpresa foi tão grande que ele até ignorou o fato de estar numa situação bem embaraçosa: Prensado na parede por outro garoto num canto escuro do corredor.

— É um segredo. - Sherlock lhe sussurrou - Não conte a ninguém.

— Onde conseguiu isso?!

— Numa loja lá na Travessa do Tranco. Borgin e Burkes, a favorita dos Bruxos das Trevas.

John quase caiu para trás. Lembrou-se do que Sally falou acerca do potencial que o jovem Holmes tinha para ser um seguidor de Voldemort ou alguém pior que ele.

E como se lesse seus pensamentos, Sherlock fechou a cara:

— Não. Eu não sou um bruxo das trevas.

— Eu não disse isso.

— Mas pensou.

— As pessoas costumam confundi-lo com bruxo das trevas?

— Maioria das vezes. Agora temos que encontrar o Hagrid. Filch não poderá nos ver.

— Espere, essa capa... Então foi por isso que você surgiu de repente lá no jardim? Você estava usando-a?

— Eu sei. Não fui nada discreto.

John pensou mais um pouco:

— Por acaso você usou isso pra ouvir a conversa entre mim e seu irmão?

— Como se desse tempo de me esconder, colocá-la e ouvir toda a conversa. E eu não arriscaria perder essa capa só pra ouvir uma fofoca de Mycroft.

Arriscar perder a capa. Ok, isso significava que possivelmente ninguém sabia da existência da capa.

— E... Não quer saber o que seu irmão me falou sobre você?

— Com certeza ele lhe disse pra me vigiar e você negou.

— Como sabe que neguei?

— A conversa não demorou muito e você parecia muito contrariado. Eu vi. Além disso... - Sherlock virou o rosto para o outro lado, sentindo-se um pouco nervoso enquanto fingia olhar uma poeira qualquer - Tem o seu caráter.

— Meu caráter?

— É... Hm... Um bom caráter.

John sentiu as orelhas ficarem quentes e acabou sorrindo de forma boba enquanto olhava para o chão. Era a primeira vez que ouvia um elogio daquele garoto tão distinto. Imaginou que Sherlock apenas tinha dado outro chute, mas mesmo assim ficou feliz em saber que o amigo confiava nele.

E como não confiar? Sherlock era um bom observador e veio reparando no caráter daquele rapaz da Grifinória desde que dividira a cabine do expresso Hogwarts com ele, mas algumas reações ressaltaram mais as deduções do corvino. Na primeira aula de poções, John mostrou-se revoltado pelo tratamento diferenciado dado a Moriaty. Princípios éticos. Além disso, quando encontraram Fofo, a primeira reação de Watson foi manter Sherlock atrás de si, mesmo que aquilo deixasse o grifinório mais exposto. Instinto protetor.

— Hm... Vamos então? - Convidou o rapaz da Corvinal.

— Ah, claro.

E assim andaram pelos corredores até a saída.

Continua


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Notas finais do capítulo

Ô demora, eu sei. Minhas energias estavam direcionadas à conclusão do Empresário de Norwood, que finalmente consegui concluir!

Bem, espero que tenham gostado. Abraços!