Potterlock - A Pedra Filosofal escrita por Hamiko-san


Capítulo 6
Debaixo do alçapão




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Com o rosto corado pelo vinho - mais especificamente doze caneconas de vinho - Hagrid assoava o nariz com um pano imundo enquanto se debulhava em lágrimas pela partida de Norberto. Tudo havia corrido bem. Sherlock e John chegaram bem a tempo de ver Hagrid relutando pra entregar o ovo, até finalmente conseguirem convencê-lo.

Agora o guarda-caças estava inconsolável.

— Ele vai ficar bem — John dava-lhe tapinhas no braço (já que não conseguia alcançar as costas) — Vai conhecer outros dragões.

— Mas e se os outros não gostarem dele? E se ele ficar sozinho?

— Isso não vai acontecer. Ele é um dragão bem bonitão, sabe? Vai fazer amizade fácil fácil. Até pode arranjar uma namorada...

Sherlock olhava para a lareira, concentrado em seus pensamentos. Precisava aproveitar o momento e achar uma abertura pra fazer as perguntas que queria. "Você já ouviu falar da pedra filosofal?", não, Hagrid provavelmente o expulsaria da cabana. Teria que fazer o assunto surgir da forma mais natural possível.

Tirou as mãos dos bolsos antes de olhar novamente para Hagrid, cujo rosto estava encarnado. Nem mesmo a solicitude de John era capaz de fazê-lo suportar a perda. Mas o que aquele meio-gigante queria? Não era óbvio que não conseguiria guardar um dragão por muito tempo?

De repente a mente de Sherlock deu um estalo.

— Hagrid?

— Oi. — O guarda-caças assoou o nariz mais uma vez.

— Por que um cara daria um ovo de dragão pra você?

— Ele confiou em mim, claro! Quantas pessoas você acha que iam saber cuidar de um dragão?

— Mas ele não lhe conhecia e mesmo assim confiou o ovo a você. Por que um completo estranho faria isso?

— Ele deve ter contrabandeado o pobrezinho.

— Disso eu tenho certeza. Mas por que daria a você?

— Porque ele queria se livrar logo do ovo, ora! Mas não podia ser qualquer um, ele me disse. — Bebeu mais um gole de vinho — Perguntou se eu saberia cuidar de um dragão. Eu falei que todas as criaturas ferozes podem ser amigáveis. Olhem só o Fofo... É só tocar uma música que ele dorm...

Mas não terminou de falar, ainda mais porque Sherlock não conseguiu disfarçar os grandes olhos claros cobiçosos diante daquela informação.

Por um instante Hagrid pareceu ter recuperado a seriedade e a sobriedade.

— Esqueçam que eu disse isso, ta bom? Já está tarde! Vão, vão embora! Se pegarem vocês fora da cama, vão perder pontos!

Hagrid os enxotou, e quando fechou a porta num baque seco, Sherlock imediatamente cobriu a si e ao amigo com a capa da invisibilidade.

— Isso é péssimo, John.

— Acha que a pessoa que deu o ovo pra ele está atrás da pedra filosofal?

— Claro! E agora as suspeitas sob Snape ficam ainda maiores!

— Por que?

— Só um professor pode conhecer Hagrid tão bem a ponto de saber que ele diria qualquer coisa pra ganhar um ovo de dragão, e só um professor sabe o que tem atrás daquela porta. Snape é um professor!

— Sim, mas tem outros professores na escola.

— Mas nenhum mais suspeito que ele. Todo o mundo bruxo sabe que ele já foi seguidor de... - E de repente parou de falar - ...

— O que? O que foi?

Seguidor de Voldemort. Mas Sherlock conseguiu frear a frase a tempo. Sabia que se tratava de uma acusação gravíssima.

Todo mundo que viveu no mundo bruxo sabia exatamente quais eram os seguidores mais populares do famoso bruxo das trevas. Ele era uma criança na época em que Voldemort espalhava o caos, mas ele e Mycroft cresceram vez ou outra lendo os recortes do Profeta Diário da época a título de curiosidade.

Era notório que Snape foi um dos seguidores, mas se o próprio Dumbledore depositou sua confiança no diretor da Sonserina, não cabia a qualquer aluno fazer uma acusação em voz alta.

Não sem provas.

Além disso, seja lá quem for que quer roubar o que esconde o alçapão, essa pessoa quer agir da forma mais discreta possível, caso contrário não iria deixar trasgos invadirem o castelo.

Provavelmente está temendo alguém.

Dumbledore por exemplo.

— Talvez eu esteja sendo precipitado. — Encerrou Sherlock, e continuou andando.

 

~O~

 

De uma das torres do castelo, dava pra ouvir os gritos das torcidas da Corvinal e da Lufa Lufa. Sherlock até podia imaginar Greg e a tal Molly vibrando pelos gols marcados pelo próprio time. Não ligava se a Corvinal ganharia ou não. Não se interessava por esportes tanto quanto os demais alunos, por isso preferiu ficar passando o tempo sozinho durante o jogo.

— Cavalo da E5.

O cavalo branco se moveu.

A solidão durou pouco tempo. Um fantasma brotou da parede e deslizou perto dele, para ficar vagando por lá sem objetivo aparente. Era uma mulher com trajes da nobreza medieval, bonita, com cabelos longos, lisos e traços finos como os de uma boneca de porcelana.

— Jogando no meu lugar, garoto?

A mulher era conhecida como Dama Cinzenta, o fantasma da Corvinal.

Sherlock tinha que admitir que o fantasma da casa de John era bem mais legal. Um cavaleiro cuja cabeça pendia no pescoço por um mísero pedaço de pele, razão pela qual o chamavam de Nick-Quase-Sem-Cabeça.

— Alo, Dama Cinzenta. - Cumprimentou sem olhá-la.

— Esse jogo é irritante. - A voz saiu dela mais tônica enquanto atravessava uma coluna e voltava a flutuar perto do garoto.

— É, eu sei.

— E por que o joga?

— Porque me ajuda a pensar.

"Ao contrário do seu falatório, que está me atrapalhando" A mente do aluno complementava a frase sob o rosto apático

A Dama Cinzenta deslizou com avidez para cima do rapaz, provocando um ventinho frio e incômodo, e em seguida falou de forma imperativa:

— Torre na D6.

A torre preta se posicionou perto do cavalo e, nesse exato momento, a mente de Sherlock passou a moldar rapidamente as possíveis jogadas da adversária com uma velocidade próxima a do som.

— Rainha na E3.

A Dama Cinzenta ergueu uma das sobrancelhas e recuou em seu deslizamento.

— Você tinha três opções de jogo e eu consegui bloquear todas as três. - Murmurou o corvino, sorrindo de canto - Nada mal. Esse jogo não é tão inútil. Isso deve ter sido ginástica suficiente pro meu cérebro.

— Você ainda não terminou o jogo.

— Eu não estou jogando. Estou pensando. Se você puder falar sobre a pedra filosofal, o cão de três cabeças e o alçapão no terceiro andar podemos pensar juntos.

Ela olhou feio pra ele.

— Dumbledore mantém a pedra protegida.

— Oh, então você está sabendo disso, não?

— Sim, mas eu não passo muito tempo pelos corredores. - E atravessou a parede, desaparecendo.

Um pensamento abalou Sherlock.

— ...Onde está o diretor?

 

~O~

 

Lestrade e Molly foram parabenizados por John e Sally pela vitória da Lufa Lufa. Os gritos de euforia se ouviam da torcida amarela e preta que abarrotava o corredor e contagiava os grifinórios com toda aquela animação. O Frei Gorducho, o fantasma da Lufa Lufa, deslizava perto dos alunos, desejando-lhe os parabéns com o rosto sempre bondoso.

— Pena que eu não levo o menor jeito pra isso. - Molly ria nervosamente - Seria muito bom fazer parte do time de quadribol.

— Quem sabe até eu me formar, eu consiga virar um apanhador. - Greg estava animado. - Aquele Tom é muito bom!

John olhou para os lados e estava prestes a perguntar se alguém viu Sherlock, mas isso não foi necessário. Todo o grupo o viu brotar de algum lugar da multidão e passar por eles como um foguete.

Molly desmanchou o sorriso ao vê-lo ir embora:

— O que aconteceu com ele? - Perguntou a garota, insegura.

— Não se preocupe. - Respondeu Sally - Ele é assim mesmo.

Mesmo assim, John foi atrás dele, a passos largos para poder alcançá-lo. Ultimamente a mente de seu amigo estava cem por cento voltada para o que estava escondido no alçapão e se ele estava apressado daquele jeito, só poderia ser porque tinha alguma resposta.

— Sherly!

De repente Sherlock parou de andar e virou-se pra ele efusivamente. Foi uma reação tão brusca que John esperou ouvir uma notícia tremendamente alarmante.

Uma ruguinha se formou na testa do jovem Holmes:

— ... Do que você me chamou?

John ficou um pouco perplexo com a pergunta. Achava que estava prestes a ouvir uma revelação bombástica. E também não estava se lembrando do que chamou Sherlock.

O corvino sacudiu a cabeça e virou as costas:

— Não importa. Vamos.

— Pra onde? - John o seguiu a passos rápidos.

— Contar para o diretor o que aconteceu e acabar logo com isso.

— Ele não vai acreditar!

— Ele é inteligente. Vai ao menos investigar.

Entraram na sala do professor Flitwick, cuja porta estava aberta enquanto ele usava a varinha para organizar a estante de livros.

— Huh? Meninos? Ora, ora, o que fazem aqui?

— Olá, professor. - Sherlock o cumprimentou - Preciso falar com o diretor. Por acaso ele está por aqui?

— Não, não... Dumbledore teve que ir às pressas para o Ministério da Magia, mas eu posso ajudá-lo?

John arregalou os olhos e rapidamente olhou para Sherlock, que parecia impassível.

— ... Era pra saber sobre o desempenho da Corvinal na copa das casas.

O professor de feitiços acabou por rir:

— Acalme-se, Holmes, nossa casa ainda tem chances.

— Certamente. Me desculpe por perturbar o senhor com esse assunto idiota.

Deu meia volta e saiu imediatamente.

Passaram alguns bons segundos sem sair do lugar, um tanto estáticos. A única garantia de segurança em Hogwarts era Dumbledore, e agora que ele estava ausente qualquer coisa poderia acontecer.

Inclusive roubarem a pedra.

John olhou para um Sherlock cuja visão estava focada no nada, e quase podia ouvi-lo pensando em voz alta.

— Você vai entrar, não é?

Sherlock saiu de seu Palácio Mental surpreso, e olhou para o rapaz como se acabasse de vê-lo ali.

— Claro que não. - Mentiu.

— Eu vou com você.

— Já disse que não vou.

— Ok, então nesse caso eu vou até a professora McGonagall e direi pra ela reforçar a segurança no corredor proibido esta madrugada. Ela é a vice-diretora, não?

— ...

A mandíbula do corvino ficou rígida e agora ele respirava fundo pelo nariz, lançando ao amigo um olhar de censura. John permaneceu impassível. Os olhares se cruzavam como se houvesse uma guerra de forças ali.

Sherlock soltou o ar pela boca:

— Hnf. Está bem. Todos os professores estavam lá no jogo de quadribol?

— Heim? Bem, sim.

— Tem certeza absoluta? Ninguém repara nos professores durante o jogo.

— Estavam todos lá. Só não sei se alguém saiu durante toda partida.

— Talvez esteja esperando a madrugada de hoje.

De repente aproximou-se mais de John para sussurrar-lhe de modo que só os dois pudessem ouvir.

— Vamos pegar a pedra antes dele.

— E... Como fazemos isso? - Indagou o loiro, um pouco desconsertado com tanta proximidade e diante de uma mirada tão fixa.

— Fofo dorme com música. Eu tenho um violino.

— Tá... Um violino... Certo.

— Eu buscarei você perto do quadro da mulher gorda meia noite. Não se atrase.

Sorriu e piscou com um olho para o loiro, em seguida foi embora.

 

~O~

 

Todos no dormitório dormiam, John percebeu assim que colocou a cabeça para fora das cortinas que rodeavam a própria cama. Olhou mais uma vez. O que estava fazendo era mais arriscado do que quando saiu com Sherlock para checar se Hagrid ia realmente entregar Norberto. Colocou um pé no chão cuidadosamente. Colocou o outro. E então vestiu o roupão vermelho xadrez frouxo demais e desceu as escadas.

— Focinho de porco. - Entoou antes que a mulher gorda abrisse a boca. O quadro amarrou a cara e abriu a passagem.

— Você vai acabar metendo a casa em problemas, garoto. - Ralhou ela.

— E acha que eu não sei? - Murmurou mais pra si do que pra sua interlocutora.

Mal saiu do salão comunal e logo sentiu uma espécie de lençol ser jogado sobre ele. O susto quase o fez soltar uma exclamação, mas a imagem de Sherlock em seu pijama azul claro com roupão azul escuro embaixo da capa da invisibilidade o freou. O corvino segurava um estojo de violino numa das mãos.

— Que susto!

— Todo tempo é precioso. Trouxe sua varinha?

— Claro que eu trouxe.

— Vamos.

Começaram a andar e aquele silêncio chegava a ser mais sombrio que o da vez anterior. Da outra vez tudo o que tinham que fazer era descer as escadas e rumar para os jardins, até a cabana de Hagrid. Agora tinham que percorrer boa parte daqueles corredores escuros até chegarem ao andar proibido, torcendo pra que as escadas não mudassem de lugar. Um trecho sem janelas mergulhou no completo breu e Sherlock rapidamente segurou a mão de John para guiá-lo.

Mirando as costas daquele garoto da Corvinal, John supôs que sua teoria de que Sherlock tinha a visão muito aguçada ganhava mais base. Mal conseguia ver o chão e estava tentado a usar o feitiço lumus pra não tropeçar em nada, todavia aquele rapaz parecia saber o que estava fazendo.

— Chegamos. — Anunciou enquanto o soltava e abria o estojo do violino — Abra a porta. Ah, e segure isso.

— Ok. — John pegou o estojo e puxou a varinha — Alorromora.

A porta foi destrancada. Sherlock tratou de posicionar o violino, apoiando-o no pescoço, e ao entrarem começou a passar o arco nas cordas ao som dos rosnados de Fofo.

O queixo de John quase caiu. Imaginava que o amigo enfeitiçaria o violino para tocá-lo, e não que ele fizesse isso com as próprias mãos. Sherlock tocava Pachelbel com uma suavidade tão sublime quanto as memórias de um sonho bom. Uma delicadeza hipnótica. Por um breve instante, John quase se esqueceu de que estava no mesmo cubículo que um cão de três cabeças. Poderia ficar a madrugada inteira ouvindo aquela melodia.

Fofo também devia ter se esquecido que estava diante de dois petiscos em tamanho humano, pois em poucos segundos desabou no chão, dormindo como um filhote que passara a manhã inteira brincando e agora perdera as energias.

Embalado pela música, John tirou uma conclusão que jamais havia tirado acerca de qualquer ser humano que cruzara seu caminho.

Sherlock é perfeito.

O corvino fez sinal com a cabeça para o amigo abrir o alçapão, e John rapidamente atendeu. A música parou. Holmes guardou o violino e enrolou o estojo na capa de invisibilidade, deixando o embrulho num canto antes de se aproximar do poço. Não dava para ver o que havia no fundo. Não havia escadas nem nada do tipo.

— Vamos ter que pular. - Avisou ao loiro.

— Ah... Ok.

— Pronto?

— Espero que sim.

E pularam.

Continua


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Notas finais do capítulo

Yay! Mais um capítulo! Pelas minhas contas, o próximo será o penúltimo. Agradeço a vocês pelo carinho e pelos incentivos! Um abraço!