Ninguém está pronto para a vida escrita por Kori Hime


Capítulo 50
Ninguém está pronto para: Romances de outono.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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O telefone tocou quando Percy estava de saída para o trabalho. Paul atendeu e correu até o corredor para chamá-lo, pois parecia importante, já que a ligação era de uma administradora de imóveis.

Após desligar o telefone, Sally perguntou o que estava acontecendo, pois notou que o filho andava bastante reservado e quase não conversava, passava mais tempo fora de casa do que o normal. Percy não queria incomodar a mãe e o padrasto, que agora tinham uma filha para cuidar, já bastava todos os problemas que ele vinha causando ao longo dos anos. Seus pais mereciam resolver problemas simples do cotidiano, como trocar fraldas e visitar esporadicamente o pediatra. Queria deixar Sarah o mais longe possível daquela vida cheia de monstros e assuntos estranhos, aos quais Percy não queria mais trazer para dentro de casa.

Ele finalizou a conversa com uma rápida explicação sobre o apartamento que Nico havia passado para seu nome e agora as chaves estavam disponíveis na portaria do prédio. Sally se ofereceu para acompanhá-lo após a consulta de Sarah, mas Percy inventou uma desculpa, dizendo que ele já havia combinado com Grover para conhecer o lugar.

— Querido, se precisar de alguma coisa, estamos aqui por você. — Sally falou antes de Percy fechar a porta.

Apesar de não ter falado nada para Grover, ele achou que era uma boa ideia levá-lo para conhecer o apartamento. Entretanto, ele estava em missão. Percy decidiu ir sozinho, mas após o almoço, Annabeth apareceu na cafeteria e pareceu uma segunda opção para acompanhá-lo.

— Butch me deu o seu recado, tentei vir mais cedo, mas eu estava ajudando Drew com o novo trabalho dela. — Percy não falou nada sobre o assunto, o que fez Annabeth largar a leitura de sua revista sobre curiosidades do Peru. — Ela me contou o que aconteceu, acho que você foi um pouco rude.

— Fui? O que você diria se eu apontasse a mãe do Butch como responsável pelas últimas desgraças em nossas vidas? — Percy perguntou de forma exaltada, chamando a atenção de todos na cafeteria.

Annabeth fechou a revista, ligeiramente zangada.

— Eu diria para você me apresentar os fatos ao qual comprova que a deusa mais amorosa e bondosa que eu já conheci é uma vilã.

Percy gargalhou, bastante irritado, ignorando a presença dos clientes. Annabeth pediu para ele se controlar, mas o semideus já havia abandonado as aparências.

— Acontece que não existem fatos que comprovam nada. O nome dela naquele livro não quer dizer muita coisa, qualquer um poderia ter colocado lá.

— Exatamente! — Annabeth exclamou, erguendo uma das mãos pra chamar a atenção do amigo. — Você não tem interesse em saber quem fez isso? O que alguém iria ganhar fazendo algo assim? Percy, são tantas perguntas sem respostas, mas na primeira oportunidade, você pegou o livro e entregou para Quíron.

Ela moveu a cabeça de um lado para o outro.

— Fiz o que era certo. Chega de se intrometer na vida dos outros. Aprendi a minha lição, está bem? Eu não consigo nem mais olhar para a Rachel sem me sentir culpado de alguma forma, embora eu saiba que ela decidiu ser o que é. Mas é inevitável sentir essa dor de que tudo que se aproxima de mim dá errado de alguma forma. — Percy esfregou o rosto com as mãos, estava cansado e fazia alguns dias que não dormia bem no sofá da sala do apartamento de sua mãe. — Olha, eu te chamei porque achei que não ia conseguir fazer isso sozinho. Mas se for para discutir esse assunto, posso eu mesmo resolver esse problema.

Annabeth esticou o corpo sobre o balcão e alcançou o braço do amigo com sua mão.

— Prometo que vou me comportar. — Ela sorriu. — Agora me traga uma rosquinha de mirtilo.

***

Olhar Nova Iorque de uma cobertura em frente ao Central Parque era o cenário ideal de um filme romântico que iniciava no outono e terminava com um final feliz no início do verão, após muitos encontros e desencontros. Ao menos o cenário já estava pronto, pensou Percy. Agora, o final feliz não estava mais acreditando ser possível acontecer.

Ele caminhou por toda a varanda, era repleta de flores e plantas coloridas. Olhou pelas portas de vidro que dava para uma sala, ouvindo Annabeth contar histórias sobre a arquitetura neoclássica.

Percy a acompanhou pelos três quartos, os banheiros a cozinha e retornaram para a sala da convivência.

— Tem certeza de que não quer se mudar para cá? — Annabeth perguntou, enquanto mexia nos parafusos da lareira para tirar a tela. Percy tinha certeza de que ela iria fazer uma inspeção mais detalhada do que qualquer outro profissional da área.

— Como eu poderia pagar todas as taxas dessa propriedade? Além do mais, viver aqui e pensar como seria minha vida com ele seria angustiante.

— Mas o Nico deixou em seu nome, isso deve significar alguma coisa. — Ela insistiu.

— Nem sempre as coisas possuem um significado, Annabeth. Não vou me remoer tentando descobrir o motivo dele ter deixado isso aqui para mim.

Eles foram para a varanda e ficaram sentados nas poltronas de jardim por mais uma hora, até que Annabeth recebeu uma mensagem do namorado. Ela dava um sorrisinho animado digitando a resposta e Percy não poderia ficar mais feliz por vê-la tão íntima de outra pessoa daquela forma.

— Combinamos de comprar malas e alguns acessórios para a viagem. — Ela falou ao se levantar. — Acho que isso está ficando sério.

— Acha mesmo? — Percy deitou a cabeça no encosto da poltrona, olhando para cima. Os cabelos de Annabeth voavam em desordem. — Você não consegue tirar esse sorriso do rosto. Eu diria que já está sério há muito mais tempo. Vocês estão pensando em morar juntos?

— O que? Não, não, eu nem pensei nisso. — Então ela se sentou novamente, com um olhar preocupado. — Olha, passei as últimas duas semanas no apartamento dele em Nova Jersey. Mas isso não quer dizer que a gente está morando junto.

Percy avaliou a expressão exaltada da amiga, sabia que qualquer resposta que daria naquele momento poderia ajudar ou piorar a situação. Mas não tinha certeza de qual seria a resposta certa. Ou a resposta que Annabeth queria ouvir.

— Sabe quando você acorda e sente que não está mais sozinho? Tem uma pessoa do seu lado ocupando metade da cama e puxando a coberta todas as noites? — A pergunta que fez deixou Annabeth pensativa, então ele continuou. — Você tem para quem voltar a noite após o trabalho, falar sobre qualquer coisa que te incomoda e não ser julgado. Alguém que te completa. — Percy fitou o céu. — E por mais que a gente sinta medo em se machucar ou medo do futuro, não conseguimos parar de pensar em encontrá-lo novamente.

Annabeth segurou a mão de Percy. Não havia muito o que falar naquele momento, senão apoiá-lo. E com certeza aquela conversa foi muito importante para ela.

— Se quiser, pode vir com a gente, para dar palpite na cor da mala.

— Acho melhor não, meu gosto é muito peculiar, vocês não aprovariam.

Ela então deu um beijo no rosto de Percy e ofereceu seu ombro para qualquer momento que ele precisasse desabafar, depois deixou o apartamento, fazendo-o prometer que iria pensar sobre morar ali.

Percy permaneceu sentado, tentando organizar os pensamentos. A cafeteria estava aos cuidados de Andrômeda e Paul costumava ajudar no final da tarde, por isso não estava com pressa de ir embora. Para falar a verdade, Percy não estava sentindo mais nada.

Aquela seria a primeira e última vez que veria o pôr do sol daquele lugar, então aproveitaria o visual do momento.

O céu escurecia em tons alaranjados e o parque praticamente brilhava com suas árvores floridas. A cidade estava perfeita e Percy desejou poder dividir aquele momento com Nico.

Então ele teve uma ideia que parecia muito errada e ridiculamente boba, mas era a única coisa que Percy possuía no momento, ideias bobas e ridículas. Estava em um momento que não julgaria seus pensamentos e desejos mais duvidosos. Por isso foi até a lareira da sala e girou o botão de ignição para ligar o gás, até que depois de uma faísca, ela acendeu.

Percy pegou a carteira do bolso de sua calça e tirou de dentro uma fotografia dobrada. Era Nico e ele na cama, após acordarem.

O cheiro de gás da lareira era um pouco nauseante, Percy não pode deixar de pensar que precisaria concertar aquilo. Foi um pensamento automático, já que ele não pretendia morar ali, então por que estava preocupado com a lareira?

O fogo iluminou o ambiente, deixando-o mais acolhedor e aquecido. Ele não poderia negar que Annabeth estava certa quanto aos elogios que fez sobre aquele lugar, não conseguia entender muito sobre arquitetura neoclássica, mas confiava nos conhecimentos dela.

Ele se sentou no chão de madeira em frente a lareira, segurando a fotografia. Não havia mais nada a perder, então jogou a foto no fogo.

Percy tinha conhecimento que não havia nesse mundo, e em nenhum outro, um ritual de oferendas que chamasse a atenção do Deus dos mortos. Porém, levando em consideração o pouco que ele sabia sobre a condição atual do Mundo Inferior, era possível que aquela oferenda não seria entregue para Hades.

Os minutos foram passando e Percy estava um pouco impaciente, mas o que ele poderia fazer? Não havia uma conexão Wi-Fi com o inferno.

Deitou-se no chão e encarou o teto. Agora podia ver melhor o que Annabeth queria dizer com as sancas neoclássicas moldadas a mão, mas não conseguia identificar o significado daquelas formas. Seu pensamento atual parecia insignificante naquele momento, só que não conseguia parar de imaginar no trabalho que daria para limpá-las.

— O que eu estou fazendo aqui? — Percy fechou os olhos, com as mãos sobre a barriga, o cheiro do produto utilizado para tratar a madeira do chão era forte, mas não tão ruim. Recordava os chalés do acampamento.

Percy acreditava que havia encontrado seu lugar no mundo, que o acampamento era esse local. Havia também o outro acampamento, ao qual se deu muito bem, tirando os conflitos gerados com outros membros do acampamento Júpiter. E a casa de sua mãe sempre seria um lugar para o qual ele poderia retornar e possuía certeza de que ela sempre estaria de braços abertos para acolhê-lo.

No entanto, Percy reconheceu que sua ambição era maior do que aceitar ser acolhido por outros. Os devaneios sobre a que lugar ele pertencia foram quebrados quando o celular tocou. Ainda deitado no chão, Percy pegou o aparelho e sem olhar o número que chamava, apertou o botão para atender a ligação com o viva voz ligado.

— Percy... — A voz de Nico soou pela sala do apartamento, fazendo Percy sentar-se.

— Nico? É você? Como conseguiu me ligar?

— Depois eu te conto, agora preciso que faça algo para mim, é urgente ou a ligação vai ser cortada. Preciso do livro das Harpias.

— O que? Para que você quer o livro?

— Pegue o livro e volte aqui amanhã à noite, traga a Drew, vai precisar da ajuda dela. — A voz de Nico começou a falhar e Percy fez várias perguntas, temendo que a ligação caísse e não conseguisse mais falar com Nico. — Faça o que pedi e... alô? — Um barulho interrompeu a comunicação e depois retornou. — Lembra da parede do banco?

— O Banco Grego?

— Isso, ache a barreira. — Nico continuou falando, mas sua voz estava sendo cortada por outra linha de comunicação, a interferência aumentou até que Percy perdeu o contato.

Irritado, ele arremessou o aparelho celular para o outro canto da sala, mas arrependeu-se e correu para pegar o celular. Tentou retornar, mas não havia um número ao qual a operadora poderia completar a ligação.

Percy abaixou a cabeça, sentindo as lágrimas molharem seu rosto. Irritado com ele próprio por ter se rendido e ficar lamentando nos últimos dois meses, enquanto do outro lado, Nico não parecia ter desistido. Ele se levantou apressadamente e girou o botão para desligar a lareira e fechou a válvula de gás. Ele precisava correr para recuperar um livro e uma amizade.

Se não fosse tarde demais.


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Notas finais do capítulo

Olá, como vai?
Me digam tudo.
Beijos.