"Tudo que temos é este instante." -A Casa das Orquídeas.

No final de semana, acordei bem tarde. Resolvi que ficaria em casa, então nem pensei na possibilidade de tirar o pijama e arrumar o cabelo.

–Boa tarde, loira! –Kate disse sorridente.

–Boa tarde, Kat. O que temos para o almoço hoje?

–Seu favorito.

–Espaguete! –sorri.

–Isso mesmo.

Kate disse poucas palavras, estava correndo com o almoço e a geladeira abarrotada de cervejas. Entendi a deixa. Dia de futebol americano.

✶✵✴

Eu estava sentada no sofá menor, com Fumaça na minha barriga, enquanto lia “Marley e Eu”.

–Levanta daí, Luke. O jogo vai começar e eu não irei perder!

–Jogo? De que, ruiva? Golfe? –Luke riu em tom zombeteiro.

–Não, idiota. De futebol americano! E meu nome é Kate.

–Ah, sério? E para qual time você torce? Aposto cinco dólares que é para o Jets.

–Ótimo, idiota. Pode me pagar. É claro que eu não torço para essa droga!

–Giants?! –Luke perguntou arqueando uma sobrancelha.

–Sempre.

–Ei, os Jets não são uma droga! –defendi meu time.

–Desculpe, loira. Mas é. –Kate respondeu com um sorriso de superioridade. Nem é fanática por futebol, imagina.

–Sério que você torce para os Giantes? –Luke perguntou ainda deslumbrado.

–Sério. Agora cala a boca e pega a cerveja porque o jogo já vai começar.

Luke foi até a geladeira obediente e trouxe duas garrafas de cerveja. Entregou uma a Kate e ambos concentram-se no jogo, onde como sempre, Giants estavam ganhando.

Não importava. Eu adorava meu time.

Meu celular tocou dentro do meu bolso e o peguei. Que número era aquele?

–Hãm... Alô?

–Oi, Rachel? –ouvi uma voz masculina e nervosa do outro lado da linha.

–Sim?

–Ei, Rachel. –começou Kate. –Pode conversar em outro lugar?

Voltei para o celular:

–Só um minuto.

E fui caminhando rapidamente até meu quarto, onde fechei a porta e coloquei Fumaça em cima da cama.

–Ei. Voltei. Quem está falando?

–Mike.

–Mike?

–É. Da livraria, da Califórnia...

QUEM?

–Ah, oi! Tudo bem?

–Sim. Mas estou entediado –disse ele. –Eu detesto futebol.

–Sério?!

–Sim. Meu lance é a prancha, o mar, vôlei de areia...

–Californianos... –murmurei.

–Bom, você gosta de futebol?

–Eu torço, apenas. Por que? Algo em mente, Senhor Surfista?

–Yeah! Me passe seu endereço ou nos encontramos lá?

✶✵✴

Eu caminhava pelas ruas de fim de tarde de Nova Iorque. Para mim, o tempo estava bom. Eu usava um vestido azul marinho de pano grosso, sandálias de salto -não muito alto- preto e para compor o visual um cinto em com um pequeno laço na frente.

Quando estava saindo de casa, com os cabelos soltos e praticamente maquiagem nenhuma, Luke arqueou uma sobrancelha e perguntou-me aonde ia à plena jogada histórica. Bom, eu iria aproveitar meu final de semana com alguém... Menos Luke. Ou não, tanto faz. Luke havia mostrado recentemente que, por mais incrível que pareça, não pensava apenas em si mesmo.

Cruzei a última esquina do percurso e entrei na Barnes & Noble. Havia várias delas espalhadas por toda Nova York, mas eu geralmente ia à que era mais perto de minha casa, apesar da mais “chique” ser afastada. Mas acho que era isso que eu gostava naquele local, a conhecida atendente/garçonete Margo, o local de frente simples e iluminação aconchegante. Ali era um ótimo lugar para se ficar quando as temperaturas ficavam altas demais para caminhar no Central Park, além de ter um Starbucks, havia banheiro, áreas literárias separadas por gênero para cada tipo de pessoa, havia até uma sessão de revistas e calendários!

Adentrei o local e um cintilar típico do sininho tomou conta de meus ouvidos. Na área oeste da livraria tinha a lanchonete, que servia cafés, cappuccinos e bolinhos num geral. Segui a área norte, onde ficavam aconchegantes sofás e poltronas ao redor de uma mesa de centro de madeira.

–Oi, Mike. –cumprimentei-o sorrindo.

–Hey Rachel... Uau. Como não está morrendo de frio nesse vestido?

–Ele é quente, acredite. E você sabe, dentro de estabelecimentos há aquecedores. Não precisa ficar empacotado como se fosse uma mercadoria quebrável, já ouviu falar nisso?

–Mas eu sou uma mercadoria quebrável! –ele respondeu incrédulo.

–Ah, é? –arqueei uma sobrancelha.

–Yeah! -ok, ele tinha mania de falar "yeah".

–Qual?

–Bom, sabe esses bonecos em tamanho real que há por essa livraria e as outras da Barnes & Noble? Por exemplo, aquela gigante e arredondada tem o Rony, Harry, Hermione...

–Sim, eu sei. E qual personagem seria você? Porque de loiro só há o Malfoy até onde eu saiba. –respondi sentando-me ao seu lado no confortável sofá. Eu não sabia nada de Harry Potter, definitivamente.

–Sabe os contos de fadas? Eu sou o Encantado da Cinderela.

Comecei a rir.

E rir.

Opa. Isso não era educado.

–Oh, me desculpe. Mas essa fora engraçada. –sorri.

–Bom, é a verdade. Eu sou um desses bonecos em tamanho real, mas ganhei vida.

–Por quê? Aposto que nos seus contos de fadas é bem melhor do que a vida real. –bufei.

–O problema é que minha Cinderela veio pra cá e não se lembra de quem eu sou. Vim resgatá-la. –ele sorriu vitorioso.

–Oh, certo. Acredito, ok? –falei dando leves tapinhas em seu ombro, como se nas entrelinhas estivesse dizendo: “Pobrezinho, não é normal...”

–Você vai ver.

–Olha, desculpe acabar com teus contos de fadas, meu querido, mas Encantado da Cinderela não surfa. E nem teve de resgatá-la de lugar nenhum. Ele é quase inútil na história.

–Hey, concordo com você. –ele disse e refletiu sozinho. –Você prefere eu sendo Encantado ou Mike?

–Mike.

–Realmente? Não quer um príncipe na sua vida?

–Não se ele for inútil, moço. E já chega de homens inúteis. Tenho um em casa!

–Ah, tem? Seu irmão? –foi a vez dele arquear uma sobrancelha.

–Não. “Hospede”. Eu o achei num atalho entre Nova Iorque e Nova Jersey em uma noite de véspera de Natal. Desde então, está conosco.

–Qual o nome dele?

–Luke. –respondi.

–De onde ele veio?

–Eu não sei. –dei de ombros.

–O que ele fazia antes de aparecer na sua vida?

–Eu não sei. –repeti.

–Quem é ele, afinal?

–Eu... não sei.

–Então você apenas deixou um estranho ficar na sua casa? –acho que seu tom de voz mostrava incredulidade. Me lembrou a Kate quando entrei com Luke machucado em nosso apartamento.

–Aham. –respondi como se fosse super normal e eu fizesse isso sempre.

–Garota, você é louca?

–Provável. –sorri. –Olha, eu sei que foi arriscado, que foi loucura, que não tem cabimento, já que eu praticamente o sustento, mas eu não sei. Foi o certo. Luke tem um passado, todos temos, não é? E ele não gosta de falar sobre isso. Eu não vou obrigá-lo a tal. Se ele quisesse nos fazer algum mal, já o teria feito. E acredite: ele é um saco, uma criança, um irresponsável, mas ele recentemente demonstrou que tem um coração. Eu tenho um e o meu jamais me permitiria deixá-lo sozinho em uma véspera de Natal.

–Você é boa, Rachel. E louca. –ele sorriu e sorri de volta.

–Adoro ser assim.

–Eu também adorei você ser assim. Vamos comer? Estou com tanta fome...

–Claro. –levantei-me.

✶✵✶

–E a Kate? Gosta do Luke? –ele perguntou enquanto tomávamos um cappuccino com canela e bolinhos de baunilha com chocolate.

–Não. Quer dizer, eu acho que talvez, no fundo, bem no fundo ela goste. Mas ela implica bastante com ele, o xinga com frequência, erra o segundo nome dele... Ele a provoca, é claro. Definitivamente é o que Luke faz de melhor, mas acho que agora eles encontraram coisas em comum.

–E quais seriam? Gostar de você?

–Não, longe disso. Bom, a Kate me pegaria, ela já me disse isso, mas o Luke... Acho que ele me vê como a avó. Acho que eu posso ficar nua na frente dele que não faria diferença. Mas ele baba na Kate e na Emily, a namorada da Kate, sempre. Enfim, o ponto não é esse e eu não me importo de qualquer forma. -dei de ombros. -As coisas em comum são: mulheres, cerveja e futebol. Ambos amam essas três coisas.

–Olha, já vi muitas amizades durarem pelo mesmo motivo viu? –ele piscou um olho.

–Espero que sim. Eu acho... –sorri de lado e encarei meu bolinho.

✶✵✴

–Ai meu Deus! Eu não acredito nisso!

–Para de rir, Rachel. Você é louca e má, para completar.

–Então é por isso que você sabe tanto de contos de fadas. Sabe, eu já estava começando a refletir se haveria mesmo no mundo um surfista gay.

–Yeah. Mas eu não sou. Apenas tenho uma irmã de oito anos viciada em princesas, como te expliquei há minutos atrás.

–Mike, você é um cara legal. –disse espontaneamente.

–Obrigada. Então... acho que nessas duas últimas horas nos conhecemos bastante. Faltou algo?

–Sim, já ia me esquecendo... Eu tenho um gato! O nome dele é Fumaça, ele ainda é “bebê” e ele é um fofo, porém acho que ele está começando a gostar do Luke. –respondi com ciúmes.

–Isso é grave. Com certeza precisa ser resolvido. Mas pode deixar comigo, vossa alteza.

–O que você vai fazer? –arqueei novamente uma sobrancelha.

–Cinderela, não sou o Príncipe “Encantado” a toa. –e sorriu de lado. –Vamos ver quem o Fumaça irá escolher.

Oh, céus...