POV LUKE DEAN

"Você pode fazer qualquer coisa que desejar, portanto que se esforce para tal." -Um Dia

Sabe de uma coisa? Ser vagabundo não era tão mal assim. Antes de eu ir para a casa da Rachel, tinha lá meus meios de conseguir dinheiro, meu ganha pão e mesmo assim, mal dava para um apartamento ferrado e comida congelada.

–Miau. –meu companheiro, senhor Fumaça, miou e eu acreditei internamente que ele me julgava, me chamando de canalha.

Crueldade comigo.

Certo.

Nem tanto.

Eu sabia que mais cedo ou mais tarde eu teria que ao menos ajudar com as despesas da casa, mas por enquanto Rachel estava ocupada com a faculdade e Kate com sua gostosa namorada, Emily. Enquanto ainda fosse permitido, eu ficaria no sofá.

–Miau.

–Que foi, Deanzinho? –perguntei a Fumaça acrescentando seu novo apelido em minha homenagem.

–Miau.

–Você está com fome?

–Miau.

–Entendi. Vamos colocar mais ração para você.

Levantei-me do sofá, espreguicei-me demoradamente e caminhei a passos preguiçosos até a cozinha. Abri a porta do armário mais baixa e de lá tirei um pacote de ração e despejei na vasilha de Fumaça, que não estava muito longe dali. Rachel acreditava que ele era da família e que tinha direito de comer na cozinha como todos. Fumaça quase frequentava o banheiro de tanto que Rachel o mimava.

–Amigo, pena que você não é um cachorro, pois eu poderia te levar para passear.

Fumaça nem desviou os bigodes de sua vasinha, apenas mexeu as orelhas conforme o som da minha voz. Fiquei grato por ele não ter entendido o que eu falei.

Voltei para a sala e deitei no sofá, novamente. Isso já estava ficando repetitivo e chato. Nunca imaginei que ficar sem nada de difícil para fazer seria tão entediante.

–Acho melhor eu voltar a me exercitar, o que você acha? –perguntei para o Deanzinho, que a essa altura já havia voltado para o braço do sofá. –Já estou sem há alguns meses, daqui a pouco meus músculos vão murchar. Preciso deles, pegar umas gatas, sabe? Ah é, você não sabe. Desculpe. -olhei para os lados certificando-me que aquela conversa era estritamente privada.

Eu estava falando com um gato? Precisava urgente sair de casa, malhar, correr, dar comida para os pombos nojentos... Qualquer coisa estava valendo. Procurei uma roupa mais adequada na secadora e fui correr no Central Park.

Cara, doeu. Estar sem adrenalina nenhuma –tirando os ataques de nervos da Kate, é claro– desde o natal não me fizera bem.

Fui para o parque por volta das onze horas da manhã e voltei apenas às dezoito. Não tinha dinheiro, então tive que pedi grana para as moças que passavam pelo Central Park. A “ajuda” que recebi deu para um bom almoço e ainda sobrou para uma maça do amor no fim de tarde.

Quando cheguei ao apartamento, aquele lugar que eu já gostava, Kate estava com Emily no sofá, assistindo um filme. Emily estava com o braço passado pelo ombro de Kate e essa última tentava abraçar a namorada com o braço direito.

–Boa noite, moças. –sorri para elas.

Ambas me olharam com raiva e voltaram sua atenção ao filme.

–Quanta grosseria. –alfinetei antes de me dirigir ao banheiro.

Rachel estava saindo quando parei de frente a porta.

–Oi, Luke! –ela sorriu educada. –Por onde andou?

–Ah, por aí. Tava precisando exercitar, sabe como é. –falei dando de ombros e coçando a nuca, outra mania.

–Sim, seu cheiro deixa isso bem claro. Eu já terminei, pode ir e demorar o quanto quiser. –ela disse e saiu andando para seu quarto, que era ao lado. Rachel estava enrolada em sua toalha branca e com os cabelos presos em um coque bagunçado, alguns fios haviam escapados e após o banho ficaram molhados. Mal acreditei quando percebi que nem havia dado conta da toalha enquanto ela estava bem a minha frente.

–Sério, de atraente essa daí não tem nada. –disse para eu mesmo fechando a porta do banheiro.

Peguei minha toalha rosa enrolada no armário –Rachel as tirava da secadora toda manhã e as arrumava no armário para nós–, joguei por cima do boxe e deixei a água levar toda minha canseira do dia. Eu estava com dor, mas a sensação era ótima. Saí do banho com os cabelos pingando e mexi um pouco para tirar o excesso.

–RACHEL!!!!!! –gritei do banheiro.

–QUE FOI, LUKE? –ela respondeu também gritando.

–PEGA UMA ROUPA LIMPA PRA MIM? EU ESQUECI.

–OK! –respondeu Rachel.

–DÁ PARA VOCÊS PARAREM DE GRITAR, PORRA? EU TO VENDO FILME COM A MINHA NAMORADA AQUI! –ouvi a voz da Kate vindo da sala e fiquei bem quietinho.

Alguns instantes depois ela deu duas batidas de leve na porta, característica típica da loira.

–Está na maçaneta.

–Obrigada, Rachel.

–De nada, Luke.

Peguei a roupa na maçaneta e a vesti. Essa roupa era uma das novas. Rachel me deu cinquenta dólares uma vez para roupas intimas, coisa que claro, não dava para o pai da Emily doar e eu aproveitei e comprei uma calça de moletom e uma camiseta branca que eu usava como pijama. Rachel havia as trazido para mim.

Rachel era legal comigo.

Mais do que eu merecia, admito.

Iria fazer algo legal para ela.

Sim, iria.

Ela merecia... Mas o quê?

✶✵✴

No dia seguinte, acordei mais cedo do que o normal. Por volta da hora do almoço, mais ou menos.

Espreguicei-me lentamente no sofá e joguei o edredom no chão, ciente de que Rachel me xingaria se presenciasse tal ato.

–Bom dia, Deanzinho.

–Miau. –o educado felino respondeu.

–Hoje é dia de fazer algo legal para a sua dona... Que tal? Sou menos canalha agora?

Fumaça expressou sua opinião através de um miado e eu poderia jurar que parecia mais um “não” do que um “miau” comum.

Fazer o quê? Opiniões não mudam da noite para o dia.

–Entendo, amigo. Vai me ajudar?

De novo aquele miado que parecia um “não”... Esquisito.

–Por onde devo começar? –murmurei para mim mesmo.

POV RACHEL CARELL

Um dia depois do primeiro dia de aula, houve o episodio da roupa com o Luke e o dia seguinte, o terceiro dia de aula, até que foi razoável.

A aula foi chata. Sempre.

E assim que ela acabou, liguei para casa:

–“Você ligou para a casa de uma ruiva lésbica, uma tábua oxigenada e um gostosão. As moças não devem estar em casa no momento, mas deixe seu recado após o bip. Se eu tiver com preguiça de apagar, elas irão ver.” Bip.

–Luke! Que merda de gravação é essa? Cadê você, droga? -céus, estava falando como a Kate em sua TPM constante- Eu vou voltar mais tarde hoje. Vou passar em uma livraria e comprar algo para comermos. Até mais. Beijos.

Andei a passos rápidos pela movimentada Nova Iorque, cheguei à Times Square e entrei na minha livraria favorita. Tinha terminado Orgulho e Preconceito no dia anterior e apesar de ainda estar de “ressaca literária” resolvi me adiantar e comprar logo meu passaporte para um novo mundo.

–Olá.

Ouvi uma voz vindo das minhas costas e virei-me para encarar a pessoa. Era um homem. Ele era consideravelmente mais alto que eu, usava uma calça jeans, um casaco preto e grosso, luvas vermelhas e o cabelo loiro estava escondido dentro de uma touca de lã de natal. Arqueei uma sobrancelha, afinal não estava frio assim. O homem se vestia como se estivesse indo para o Alasca! Voltando... Seus olhos eram negros, a pele bronzeada e seu rosto estava levemente vermelho por conta do frio que estava sentindo.

–Oi... –falei meio desconfiada.

–Sou Mike. –ele estendeu a mão e eu hesitei em apertá-la.

–Rachel Carell. Não tem sobrenome, Mike?

–Calhon. Mike Calhon.

Assenti e voltei-me para a prateleira de livros.

–É... –ele começou– Você é daqui?

–Ham... Sou. Você não, né?

–Não. –ele sorriu. –Como descobriu?

–Seu rosto corado, sua pele bronzeada e essa roupa de nevasca.

–Estou com muito frio. Esse estado é muito frio.

–É de onde, Mike? –perguntei.

–Califórnia.

–Surfista, então. –assenti levemente.

–Sim. –ele respondeu sorrindo ainda e juntou as mãos para soprá-las.

–Sabe, você realmente não foi feito para o clima daqui. Por que veio?

–Férias. Consegui uma no emprego e resolvi conhecer neve e tal.

–Se arrependeu?

–Muito. –ele disse.

–Entendo. Então, Matt... –peguei dois livros e mostrei a ele– Qual dos dois? Diário de uma Paixão ou Marley e Eu?

–Marley e Eu. Com certeza.

–Tudo bem, obrigada. –respondi e caminhei apressada para o caixa.

Entreguei meu livro para a caixa e paguei o valor.

–Tchau, Mike. Boa viagem! –estava acenando um tchauzinho quando o loiro me gritou.

–Rachel! Espera!

–Sim?

–Me passa seu número, caso eu fique mais na cidade?

–Claro. Mas já aviso que minha agenda é apertada por conta da faculdade.

–Sim, mas quero do mesmo jeito.

✶✵✴

Coloquei a chave na fechadura e já ouvi gritos vindo de dentro do apartamento. Me sentia uma mãe solteira com duas crianças em casa, às vezes.

–LUKE DANIEL ROACH! ONDE QUE ESTÁ A DROGA DO GATINHO DE PORCELANA QUE ESTAVA NESSE MÓVEL AQUI?

–É Dean! –ele rebateu.

–Eu estava até pensando “até que o bichinho de estimação humano da Rachel sabe fazer alguma coisa...”, mas ai descubro que você quebrou o presente que a minha namorada me deu?

–Olha, Kate... Foi um acidente, eu juro.

–Luke? –gritei.

–Aqui! –ele gritou do quarto da Kate.

Andei até lá, deixando no caminho minha mochila na cama do Luke, quer dizer, no sofá.

–Oi Luke...

–Oi Rachel. Resolvi fazer uma surpresa para você!

Olhei em volta, depois para o chão... Estava tudo...limpo? Oh. Céus!

–Meu Deus, Luke! Você limpou o apartamento!

–É, mas não sou bom nisso... Acabei quebrando algumas coisas e isso irrit...

–Não tem problema! –o interrompi– Obrigada, Luke! –e o abracei com força.

Pelo canto do olho, vi Kate sorrir.

Afinal, apesar de nem ser uma atitude grande, Luke fez algo. Ele se importou. E isso foi fofo, mesmo ele quebrando algumas coisas acidentalmente eu sabia no meu intimo que Kate havia gostado da boa ação fofa tanto quanto eu.