"Entre muitas outras coisas, tu eras para mim uma janela através da qual podia ver as ruas. Sozinho não o podia fazer." Franz Kafka

Ok, Barbie não estava preparada para se tornar parte de uma profecia.

Por um longo, ou curto mês a vida realmente foi boa, aprendi a conviver com toda minha atmosfera esquisita e me sentia feliz, mas claro, sou uma semideusa, nada iria ser tão duradouro.

Sete meio-sangues responderão ao chamado,

Em tempestade ou fogo, o mundo terá acabado.

Um juramento a manter com um alento final,

E inimigos com armas às Portas da Morte afinal.

Todo dia fazia canoagem, treinava com as mais diferentes espadas possíveis, mas nenhuma se encaixava perfeitamente, quando encontrava a arma certa de uma filha de Zeus, bem, percebia que era totalmente inadequada para Hades. Estava ficando realmente irritada com a situação.

Conforme os dias e as semanas se passavam, minha vida se tornava mais automática e menos cansativa como se tivesse ativado o único botão desligado em meu organismo. De manhã treinava com Percy, a tarde treinava junto de outros campistas e a noite participava da fogueira e até me surpreendi ao perceber que fizera alguns amigos.

Na segunda semana desde minha volta ao mundo real Nico Di Angelo apareceu no acampamento o que foi extremamente constrangedor, não que ele fosse constrangedor, mas sim a situação chata que ficou. Eu passava pelo chalé de Hades e Zeus todo o dia, mas de repente não me pareceu apropriado e os três dias que o garoto passou no acampamento, tentei evitá-lo ao máximo possível, mas obviamente, foi impossível.

– Sabe você realmente acha que eu apareci por aqui só pra visitar o chalé de Hades?- Ele não sorria, nunca. Pelo contrário, no dia que finalmente conseguiu conversar comigo, nos dois sentamos na porta do chalé de Hades e ficamos ambos olhando para o chão enquanto o tempo passava.

– Desculpa, eu só não sei o que dizer. – Foi exatamente como quando finalmente falei com Percy, não sabia o que dizer, nem o que fazer e foi ele que teve que tomar a iniciativa.

– E como você esta? - essa pergunta soou tão vaga, mas talvez fosse somente eu, porque desde que Percy me acolheu, parei de pensar como estou. Talvez eu não saiba resposta, talvez eu tenha medo de dizer, mas quando aqueles olhos negros me encararam, não tive menor força para ocultar o que sentia.

– Como eu estou? – De repente veio à tona um monte de sentimentos guardados, amargura por ter sido simplesmente esquecida por dezessete anos pelos pais, por ter perdido a mãe. Por ainda ser rejeitava e tachada de esquisita por muitos campistas, por tudo, mas não dava para apenas dizer-lhe tudo isso, não. – Eu não sei - Mas também, não dava para mentir.

– Você acha que já passou por muita coisa? Então guarde essas lágrimas porque você ainda terá muitos motivos para chorar, chorar de verdade. – Ele levantou, deu de costas e saiu andando, mas pensei ter ouvido algo como – Chorar sangue -, deveria ser uma metáfora, claro. – É uma pena que você tenha me ignorado esses dois dias, vou embora hoje ainda e queria ter conversado mais com você.

Droga. Será que já não era o suficiente errar sobre tudo? Tinha que ter errado sobre Nico também? Não importa, já tinha passado e ele se fora.

E chegou o grande dia...

Sabe quando você pensa: Já cheguei ao fundo do poço, pior que está não tem como ficar! Então, é a pior afirmação que você pode fazer, porque sempre acontece algo pior, principalmente quando se é um semideus.

Percy insistira para treinarmos toda manhã com sua espada, a contracorrente, um presente de Poseidon. Em combate no meio aquático à espada se mostrava realmente muito eficiente, entretanto assim que saia da água ela se tornava pesada demais para mim. A solução era andar com uma espada adequada para cada deus? Porque isso seria uma maravilha!

A tarde ele simplesmente evaporou, achei que estivesse com Annabeth, mas a encontrara nos campos de morangos, aparentemente sem ele. E o dia passou, e a noite também, Percy sumira, simplesmente sumira, no jantar ele não apareceu e a noite não foi dormir no chalé.

Alerta máximo: O filho favorito de Poseidon desaparecera.

Dormir? Claro que eu não consegui dormir, a única pessoa que realmente me aceitou desapareceu, queria gritar para todos os deuses, para os deuses dos deuses, já não bastava destruir tudo o que eu mais amava me tirar tudo o que eu acreditava ser real, tinha que tirar meu irmão, aquele que me acolheu, consolou, enfim me tratou como uma pessoa de verdade, que merece respeito? Eu coloquei a cabeça no travesseiro e gritei a noite inteira, chorei, implorei, mas obviamente Percy não apareceu. No outro dia eu não me sentia melhor, estava com olheiras muito pretas maiores que o normal e olhos muito, extremamente vermelhos, era alvo de fofocas por todo o acampamento e para melhorar, ou não, fui convocada por Quíron para um “papo”?

– Bom dia, Barbie.

– Acharam ele ou não? – Minha voz soava com uma urgência e desamparo inigualáveis, eu odiava tudo aquilo.

– Não, infelizmente não, mas você pode encontrá-lo – Ele me guiou até uma mesa na Casa Grande e me explicou tudo –. Você obviamente é a mais forte dos semideuses presentes no acampamento, além de ter um elo direto com Percy. Já está na hora de você ter uma primeira missão, está de acordo?

– Sim. – Soou como um sussurro, sólido, porém amedrontado, se Percy precisava da minha ajuda eu iria ajudá-lo.

– Então, Rachel, pode vir. – O Oráculo, uma garota da minha idade, se apresentou e me guiou até uma sala escura, vazia. Ela conversava bastante e era muito legal, mas de repente a garota parou de falar.

Pergunte o que deseja ao Oráculo de Delfos. A voz mudara, agora era fria e velha, como se existisse há muitos anos, o que não deixava de ser verdade.

– Eu quero saber como vou encontrar meu meio irmão, Percy Jackson.

Em estígio ou raio o gigante padecerá,

E a antiga lenda dos três terá de encontrar.

O grande sacrifício à vida do irmão levará,

E a promessa de vingança afinal se rebelará;

Segurei Rachel antes que ela caísse de cara no chão. E voltei até Quíron tentando processar a informação, repetindo a profecia cerca de milhares de vezes na minha cabeça, impedindo a mim mesma de esquecer a mais curta das vírgulas dessa profecia.

– Então? O que ela disse?

– Em estígio ou raio o gigante padecerá; e a antiga lenda dos três terá de encontrar; grande sacrifício à vida do irmão levará; e a promessa de vingança afinal se rebelará. – Ele não soou surpreso, mas eu não estava preocupada com isso. Na verdade, eu estava tentando entender, como assim a vida do irmão levará? Se Percy fosse morrer essa missão não tinha menor sentido para início de conversa. – Quíron, como assim sacrifício? Eu não entendo Percy, ele...

– Profecias sempre têm duplos sentidos, se acalme, você precisa conhecer a antiga lenda. Barbie, você de certa forma foi planejada, ou pelo menos não é uma surpresa muito grande. Há milênios na Grécia, um metalúrgico, semideus, Diosseu, filho de Hefesto pensou que a resposta para transformar em ouro, metais inferiores a este, seria a junção dos poderes mais fortes e presentes do mundo. O poder dos mortos, o poder dos céus e o poder das águas. A lenda diz que ele fundiu ferro estígio, ouro imperial, usado por romanos, e bronze celestial, usado por gregos, para construir a arma mais forte do mundo e enriquecer às custas de tal criação. Ele conseguiu, mas morreu ao tentar usá-la. Não era digno de tal honraria, nem ao menos era filho de um dos três grandes, então a espada foi levada para o reino de Hades fora do alcance de qualquer mortal. A arma nunca foi encontrada, se fosse, quem tentasse tocá-la morreria a um mero toque. É claro que sendo uma vez filha dos três grandes, você é a única capaz de controlar tal espada, precisa então, viajar para o reino de Hades e resgatá-la. - Claro, seria extremamente fácil, só precisava entrar no mundo inferior, pegar uma espada que matava a um simples toque, voltar com vida e ainda resgatar Percy. – Caso Percy ainda não tenha te contado, a entrada para o mundo inferior é...

– Em Los Angeles, Hollywood - digo sem pensar duas vezes.

– Exatamente - Quíron carregava tinha aquele olhar envelhecido, de gente que já viu muita coisa no mundo, boas e ruins.

– Você pode escolher um semideus e um sátiro para te acompanhar, como você sabe. – Ele disse incerto, analisando quem eu escolheria.

– Eu vou – Uma Annabeth preparada apareceu na porta só esperando a deixa de entrar na conversa, é claro que ela queria ir.

– Não! - digo com uma firmeza surpreendente na voz- Essa missão é minha. Não é justo, que eu seja responsável por levar qualquer um ao mundo inferior, não é uma opção. Eu não vou fazer isso – Annabeth cerrou os olhos com uma expressão de ódio -.

– Você nunca nem saiu do acampamento! - explode - Eu que deveria ser a chefe da missão, Percy é meu namorado! E caso você não saiba, eu já fui ao mundo inferior - Annabeth encarou Quíron, como se esperasse que ele a apoiasse -.

– Concordo com metade das coisas que você disse - dou de ombros -, mas não me importa em nada, você não vai - ergo as sobrancelhas esperando outro ataque de nervos.

– Você sabe que é melhor que eu vá, Quíron -. Reviro os olhos enquanto ela espera pacientemente uma mensagem de apoio do centauro, mas essa não veio.

– É a missão dela, ela faz as escolhas - Quíron diz após uma longa pausa -. Encontre Percy em um mês ou ele será dado por morto - dessa vez ele se dirigiu a mim ignorando os protestos de Annabeth.

– Obrigada - digo aliviada.

Todos souberam da minha missão em questão de instantes. Reuni suprimentos em uma bolsa pequena incluindo um pouco de ambrosia, néctar, dracmas e dólares. E no fim do dia estava pronta para em dezesseis anos deixar pela primeira vez o Acampamento Meio Sangue, mal podia esperar.

Chegando ao topo da colina dei uma última olhada para trás e me despedi silenciosamente, estava na hora de matar alguns monstros.