Herança escrita por Janus


Capítulo 51
Capítulo 51




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     Ela ficou um bom tempo sentada naquele banco da praça. A praça das sailors... quem diria? Estava mais bonita do que nunca! Especialmente com as estátuas das novas senshis. Pena teimarem em chamarem as mesmas de juniores... de quem foi essa idéia afinal? Da rainha?
     Bom, não importa. Já tinha ido na festa, tinha comido bastante, entregou seu presente, dançou um pouco, riu muito e acabou saindo bem cedo.
     Ela... estava com saudades. Muitas saudades.
     - Hotaru...
     - Estava te esperando, Setsuna - ela se vira e a observa atentamente - eu te espero desde que voltei para esta nossa dimensão. Pensei que nunca iria vir falar comigo.
     - Eu estava apenas obtendo dados - responde ela - antes de fazer isso.
     Ela olhou para a senshi de cabelos negros e sorriu levemente. Hotaru foi quase como uma filha adotiva para a mesma. Cresceu, se formou, teve sua parcela de dores e sofrimento, bem como a cota justa de alegria e bem estar. E passou décadas sofrendo em uma dimensão diferente, lutando contra generais e sofrendo diversas privações, até que subitamente voltou para eles. Para seu mundo, seu lar.
     Isso, com toda a certeza, tinha lhe deixado alguma seqüela ou marca. E ela sabia que mais cedo ou mais tarde, teria que começar a tratar disto.
     - E conseguiu alguma coisa?
     - Sim - respondeu ela - consegui uma desculpa para adiar nossa conversa. Mas agora ela já se foi e não tenho mais nada.
     - Percebi... - ela sorriu levemente divertida.
     - Como se sente Hotaru?
     - Como me sinto? - ela suspirou profundamente antes de responder - meio deslocada. Há algumas semanas eu estava caçando vermes para sobreviver, enfrentando criaturas quase invencíveis para dar liberdade a um mundo já totalmente destruído por anos e anos de abuso e esgotamento de seus recursos. E agora estou aqui... arrumada, lavada e perfumada. Bem de saúde com uma imanzinha interessante e com um monte de novas sailors fazendo da festa. Estou deslocada mesmo!
     - Era de se esperar - Setsuna se sentou ao seu lado no banco e ficou a observar as estátuas de sailors que se espalhavam pelo parque - eu também me senti deslocada depois que sai da guarda da porta do tempo.
     - Imagino... mas eu sinto uma certa... saudade. Ou talvez a palavra certa seja medo. Medo de não conseguir viver normalmente, medo de acordar assustada a noite e atacar alguém. Medo de as vezes me ver novamente em uma emboscada e ficar alucinando sobre o que passei. Mesmo agora, eu acho que devia estar alerta e procurando por eles, pelos generais. Não acho certo o que decidiram sobre as jovens sailors. Elas deviam estar em local segura e sendo bem mais seriamente preparadas para assumirem suas posições quando estiverem mais adultas.
     - Está pior que Haruka, sabia?
     - Como eu disse... me sinto deslocada.
     - Isso vai passar. Não se preocupe. Pode demorar dias, meses, anos... mas vai passar.
     - Até mesmo a sensação de que estou me sentindo como quem manipula os outros? E devia contar a elas o que queremos que aconteça no torneio. Devia contar que uma delas tem a única esperança nossa de vitória.
     - É nisso que eu discordo de você. Não deposite tantas esperanças nesse broche estelar. Ele ficou muito tempo inativo no cofre da Lua. Talvez nem tenha mais seus poderes, se é que algum dia teve.
     - Desculpe-me - ela abaixou a cabeça pesarosa - mas eu preciso ter ao menos este fio de esperança. Abandonei amigos que fiz por lá unicamente para ter a certeza de que os generais seriam derrotados aqui. E minha única esperança é que o broche estelar possa fazer isso. Você viu o que apenas um dos generais fez - virou-se para ela com o olhar sério - derrotou sailor Vênus facilmente. Derrotou uma senshi incrivelmente rápida e com poderes que hoje que se eqüivalem a de sailor Galáxia. Não Setsuna... eu preciso acreditar que nossas esperanças estão neste broche. Preciso! E, mais do que isso, preciso acreditar que a portadora deste estará apta a utiliza-lo.
     - Tem tanta certeza de que seja uma das meninas? Pode ser um dos cavaleiros de Marte, não pode?
     - Observando-as, acabei me convencendo de que Anne o carrega. Pela sua habilidade, determinação e forma de encarar as dificuldades. É verdade que isto pode ser uma característica formada nela por sua criação, mas acho mesmo que ela o carrega dentro de si. Especialmente devido ao poder de seus ataques.
     - Engraçado... eu pensava nisto também... mas depois fiquei mais reticente. Não sei não.. mas acho que não é com ela que está o broche. Mas também não me arrisco a dizer com quem estaria. Até a pequena princesa é uma candidata, embora não estivesse na sala no momento em que Haruka deu pela falta do broche.
     - O broche pertenceu a uma das mais poderosas guerreiras que se tem notícia. Ela...
     - A Amazona Estelar do Sol. Eu sei. Ainda me lembro das lendas a respeito dela e dos mitos sobre sua morte no planeta Klarta. Mas acho que é história mal contada. Se ela tivesse perecido no planeta, como seu broche foi parar na Lua? Não há nenhuma crônica a este respeito, seja oficial ou boato comentado.
     - Eu conheço uma... - murmurou a senshi da destruição levemente - pelo menos, conheço o que Torguer me disse...
     - E o que foi?
     - Milênios atrás, o planeta natal dele sofreu uma guerra. Uma terrível guerra cujo motivo nunca ficou bem claro, e o seu pai foi um dos maiores defensores deste mundo. Mesmo assim, não tinham muitas esperanças de vitória, e pediram ajuda. A cidade dourada respondeu a ajuda pedida e seguiu para o planeta, entrando na guerra e ajudando no que foi possível.
     - Isso eu conheço. Foi o fim do reino dourado.
     - É... foi mesmo - ela a encarou com suavidade - a Amazona do Sol e muitos outros pereceram no combate, bem como a maior parte do planeta. Mas os sobreviventes tentaram reerguer seu mundo. Não conseguiram, e o mesmo acabou regredindo para uma idade de trevas. Trevas, superstição e mitos. E um deles era sobre guerreiros oriundos de um mundo distante que foi até ali para ajuda-los, mas acabaram perecendo.
     Ela fez uma pausa e respirou um pouco, como se pensando em como prosseguir.
     - Milênios depois disto, um guerreiro sobrevivente desta guerra, foi até o sistema Solar entregar algo que estava com ele desde então. Um broche que foi localizado nos destroços do que um dia foi a cidade dourada.
     - O.. broche estelar?
     - Segundo a história, sim. A rainha Serenity o aceitou e o guardou. Este guerreiro voltou ao seu mundo e passou para seu descendente o que sabia, incluindo sobre o broche.
     - E este e Torguer... certo?
     - Sim. Ele contou ao filho sobre os poderes que tal artefato devia possuir, e de como em muitas ocasiões ele aparentemente deu forças aos sobreviventes para continuarem lutando contra a extinção. No fim, os clãs que ainda estavam no planeta desistiram de tentar ressuscitar um mundo condenado e foram tentar a sorte nas estrelas. Alguns acabaram indo para outras dimensões, entre eles, o filho daquele que devolveu o broche ao seu local de origem.
     - E foi este filho que lhe contou esta história, certo?
     - Sim. Quando ele soube que eu era uma sailor do sistema Solar, contou o que sabia. Mas nem ele conseguiu entender o porque dos opressores se intitularem generais de Klarta. Ele na verdade ficou cheio de angustia por estarem manchando o nome de seu planeta natal. Como se não bastasse o mesmo estar perto da extinção ainda tinha que enfrentar isso.
     Ela não disse mais nada. Ficou em silêncio, recordando-se de Torguer e de tudo que ambos passaram juntos.
     - Você sente falta dele...
     - Claro que sinto! Sabe quantas vezes ele me salvou a vida? Me impediu de enlouquecer? Sabe o que foi para mim ficar chorando noite após noite, com saudades de minha família aqui e ele me abraçar e esperar pacientemente eu ficar sem lágrimas? Sabe?
     - Não precisa ficar nervosa, Hotaru.
     - Não estou nervosa, apenas estou desabafando. Desabafando a saudade que sinto dele. Eu... eu queria que ele tivesse vindo comigo. Mas ele tinha que ficar lá e ajudar a tentar salvar aquele mundo. Ele já tinha visto um mundo minguar até a extinção, e não queria ver isso novamente. Especialmente com o nome de seu planeta envolvido nesta extinção.
     - Parece que você está apaixonada...
     - Já pensei nisto. Mas.. - ela sorriu sem vontade - acho que não. Pertencemos a mundos diferentes e, apesar de termos muitas oportunidades de levar isso adiante, nunca sentimos isso. Eu, pelo menos, nunca senti. Eu o vejo mais como um irmão, um amigo fiel e íntimo meu, para quem eu confessei praticamente tudo a meu respeito. Minhas alegrias, minhas tristezas, meus medos, minhas coragens, meus... defeitos... meus vícios... Tudo! E ele fez o mesmo para comigo. Sei quase toda a sua vida, o que passou, como se sentiu quando se viu só no mundo sem seu pai para apoia-lo, como sofreu com a morte da mãe, com os irmãs não conseguindo sobreviver naquele planeta severo e dominado pelos generais... seu ódio, sua angústia... tudo mesmo. E, por isso mesmo acredito nele quando disse que talvez este broche seja nossa esperança. E quando Sohar disse que o mesmo deve estar unido ao coração puro de uma das jovens sailors, minha esperança pessoal aumentou. Isso significa que ele esta sendo despertado. Ele percebeu o risco que o planeta está correndo e decidiu agir, selecionando a sucessora de seu poder. A Sucessora da Amazona Estelar do Sol!
     Setsuna não disse nada. Não era assim muito diferente do que ela sentiu quando todo o seu mundo morreu a sua volta. Não era mesmo.
     Por séculos ela se concentrou em sua tarefa no corredor do tempo, vigiando e se concentrando em sua missão, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia, semana a semana, mês a mês, ano a ano, década a década, século a século...
     Sempre tentando o impossível.
     Sempre se negando a sofrer e desabar em prantos.
     Sempre desejando tirar a própria vida para escapar da solidão. Lutando a cada momento contra a vontade de voltar no tempo e impedir que aquilo ocorresse.
     Procurando uma forma de provar para si mesma que seria um crime alterar os eventos passados. E nunca conseguindo.
     Com toda a certeza, ela ficou enlouquecida neste período.
     Com toda a certeza, ela ainda devia estar um pouco alienada.
     - Espero que consiga enfrentar suas dores, Hotaru. Espero mesmo.
     - Eu consigo - ela sorriu para mostrar confiança - a Nami-chan sempre consegue isso. E também a princesa. Ela não mudou nada...
     - Infelizmente...
     As duas riram daquilo e ficaram um pouco menos sombrias. A sailor da destruição e a sailor das sombras... Quem diria que podiam ficar sentadas em uma praça e conversar sobre tantas intimidades?


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