A Lágrima da Escuridão escrita por danielv


Capítulo 8
Capitulo 7


Notas iniciais do capítulo

Aqui o capítulo é focado em como Dominic lida com os sentimentos, e como ele influencia as pessoas que de alguma forma conectam-se com ele. Além de uma discussão um pouco filosófica entre ele e seu amigo imaginário.

No mais é um capítulo simples e sem muito compromisso.

Boa leitura. =)



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Ross abriu a porta do seu apartamento no começo daquela manhã. Seu corpo estava dolorido e clamava por um pouco de descanso. Havia alguns dias que ele estava fora para finalizar um contrato e sentiu uma ponta de alivio por finalmente estar na solidão do seu cubículo chamado de casa.
O ambiente parecia um mausoléu abandonado há tempos. As janelas eram lacradas por pedaços de madeira pregados de maneira qualquer, permitindo apenas a entrada de alguns feixes solares por dentre as frestas restantes. O cheiro de mofo, poeira e depressão pairava pelo ar e pelos móveis velhos apodrecidos espalhados por todos os cantos, com exceção de um lugar em especifico.
Sobre um balcão feito de madeira envernizada ficavam em perfeito estado de alinhamento três retratos que guardavam fotos que um dia registraram sua vida e que naquele presente momento não passavam de sombras que ainda o atormentavam naquele lugar. A frente estava uma cadeira onde Ross se sentou, tirou sua pistola de trás de sua cintura, colocou-a no balcão e no lugar pegou uma garrafa de uísque e um copo de cristal.
Melancólico Ross observava uma das fotos onde ele aparecia abraçado com duas meninas pequenas, elas eram exatamente a sua cara, e naquela época o cabelo habitava em sua cabeça meio calva e seu rosto estava perfeitamente limpo daquela barba mal feita que cobria sua face.
— Era verão. — Falou enquanto bebia um gole da bebida. — Lembra-se de quando íamos a casa da vovó para ir a piscina nos dias de calor? Era tão lindo ver as nossas garotas se divertindo na agua enquanto nós ficávamos sobre a sombra do guarda-sol bebendo nosso suco. — Sua voz era rouca e cansada. — Aí você dizia para elas tomarem cuidado, podiam se afogar. Mas eu a tranquilizava falando que nossas filhas precisavam de um pouco de liberdade.
Ross então olhou para outra foto onde ele usava terno e gravata, abraçado a uma mulher morena, de vestido azul, ambos sorrindo para a câmera.
— Eu acho que podíamos ir para o Ocidente um dia, dizem que lá as pessoas são felizes e podem viver em segurança dentro dos Estados. A República seria uma boa, conhecer uma muralha com quinze metros de altura que se mescla com as montanhas ao seu redor. Nossas filhas iriam para escolas de qualidade e poderiam voltar para casa sem qualquer preocupação nossa. Aí nós poderíamos sair para conhecer todas as coisas incríveis que existem lá, novamente.
Ross deixou cair seu copo, cobriu seu rosto com as mãos e começou a chorar intensamente.
— Eu sinto tantas saudades Maria, por favor, voltem para mim. Eu imploro!
Mas a única coisa que ele ouviu em resposta foi o nada, o silêncio daquele lugar mórbido e esquecido. Sua tristeza lhe consumia cada vez mais, o deixando sem ar, sem esperanças, sem felicidade, sem nada. Entretanto sua alma não queria lhe deixar, Ross ainda estava aprisionado a aquele corpo velho e fraco e nada naquele mundo parecia lhe trazer de volta a vida.
Foi neste momento que ele percebeu que um dos retratos estava levemente torto para a esquerda, além disso, a sua volta haviam coisas que não estavam nos mesmo padrões antes de ele sair dali. Imediatamente ele se pôs de pé, pegou sua pistola e mirou para o interior do apartamento, havia alguém ali.
Com cautela Ross foi verificando cômodo por cômodo, em cada canto e verificando cada vez mais minúsculos detalhes que denunciavam a presença de um invasor. Ao averiguar o seu quarto, o último lugar restante, viu que suas roupas ainda estavam jogadas por ali, aparentemente no mesmo lugar de sempre. Foi então que algo lhe atingiu na cabeça e tudo se apagou.

–----

A primeira coisa que Ross sentiu ao acordar foi a dor aguda no lado direito da sua cabeça, em seguida foi o frio transmitido por elos de correntes que se enrolavam por todo seu corpo, depois ele viu que estava totalmente nu sentado em uma cadeira de aço e por último havia alguém sentado a sua frente.
— Achei que iria demorar mais para acordar, a idade normalmente pesa, mas pelo jeito você está resistindo bem. — Disse aquela pessoa que tinha o capuz da blusa cobrindo parte do seu rosto.
— Quem é você? A máfia te mandou?
— Não, para a sua sorte, ou para o seu azar. Depende do ponto de vista.
— Então o que você é? Um psicopatinha que deu sorte em entrar no meu apartamento e agora quer brincar de ser maluco comigo?
— Pense o que quiser, mas a real questão aqui é quem é você Ross? Um ex-investigador bem sucedido, militar aposentado com um número invejável de conhecimento em armamentos e tática de guerra, inteligente, esperto e que acima de tudo sempre foi considerado um macho alfa já que tinha tudo o que queria nas mãos e sempre causou a inveja dos homens ao seu redor. Têm quarenta e oito anos, seu pai morreu de ataque cardíaco há quinze anos e sua mãe você simplesmente a abandonou em um asilo, participava de um clube de tiro, praticava esportes, era um atleta ativo e que se casou com a mulher mais bonita do mundo, de acordo com a sua opinião.
— Maria era o nome dela — continuou. — Uma mulher amável que transformou o homem mais orgulhoso do mundo em um adorável pai de duas filhas chamadas Caroline e Diana. Aposentou-se para aproveitar cada segundo da sua vida com uma família perfeita e que lhe dava tudo que um homem gostaria de ter. Carinho, felicidade, conforto e segurança. Gostaria de ir para a República no Ocidente para fugir de vez do perigo daqui, mas infelizmente ele o pegou primeiro. Devo dizer que parte de você morreu quando sua família foi toda assassinada pela própria policia quando foram sequestradas pela máfia e mortas durante o resgate. — Ele se inclinou para frente. — Você deveria ter morrido junto eu presumo, mas ao invés disso, outro Ross nasceu dentro de você e que infelizmente não foi o melhor para você.
— Como você sabe disso tudo? — Ross não conseguiu esconder sua surpresa e pavor quando ouviu aquilo tudo. — Você me seguiu a vida inteira? Tem a ver com a morte da minha família?
— Não, se eu soubesse provavelmente as teria salvado para que esse estrago não se tornasse tão grande. Mas quem me disse isso foi você mesmo Ross, ao se tornar um assassino profissional que mata por simples e puro desejo em troca de dinheiro para gastar com bebidas. Sem saber quem era sua vitima, ou o que ela fez.
— Eles não se importaram com a minha família! — Ross gritou e se debateu na cadeira. — Eles sequer fizeram esforço para tentar salvá-las. Elas eram minha vida, meu tudo!
— Aqueles que mataram sua família estão mortos Ross. Eu matei os dois policiais que atiraram nelas, matei quem pediu o sequestro, matei quem as sequestrou e matei todos que tiveram qualquer envolvimento.
Ross imediatamente lembrou-se que todos envolvidos na morte da sua família sumiram com o tempo. Ele sempre imaginou que eles estavam com medo de que cedo ou tarde fossem encontrados pelo pai viúvo da família e por isso decidiram apagar tão bem seus rastros que jamais apareceram.
— Eles pagaram pelo Equilíbrio. Mas você também convergiu pelo mesmo caminho, por que Ross? Você poderia ter se salvado. — O tom de voz agora era brando. — Você preferiu seguir essa carreira achando que poderia tampar o rombo feito pela morte da sua família?
— Eu só queria que as pessoas sentissem o que eu senti também. — Ross tinha lagrimas escorrendo pelos olhos, mas ainda mantinha a expressão firme.
— Pois então saiba que por sua causa, quase quatrocentas pessoas inocentes morreram por simplesmente você matar quem não deveria morrer ainda. Eu poderia citar os nomes de uma por uma, mas isso não é importante, e quanto mais tempo você vive, mais delas irão morrer sem sequer saberem o motivo. Entretanto, existe uma chance de você sair daqui e poder recomeçar a sua vida. — Ele retirou um pingente de dentro de sua blusa e que brilhava intensamente. — Eu normalmente não costumo dar essa chance a alguém, mas basta apenas que você se arrependa de tudo isso.
— Tá de brincadeira? — Ross cuspiu. — Para que eu vou querer recomeçar a minha vida, sendo que jamais vou rever minha família de novo? Eu não me importo se pessoas morreram por minha causa ou não, eu só...
Ross parou no meio de sua frase quando a dor veio, atravessando seu peito em forma de lâmina ele sentiu a sua alma ser destroçada em pedaços enquanto aos poucos todo o seu corpo começava a ficar gelado e a não responder seus comandos. Seus olhos foram aos poucos perdendo o foco e a visão foi se tornando turva e escura.
Dominic então tirou seu capuz, puxou a Lâmina da Morte e colocou sua outra mão na testa de Ross.
— “Aqui termina sua estrada, que sua alma encontre o perdão daqueles que na qual morreram por sua causa e finalmente encontre o descanso eterno”. — A runa apareceu em Ross que aos poucos teve seu corpo falecido desintegrado aos poucos pela Sombra até que não sobrou absolutamente nada.
Dom virou-se de costas e andou em direção a saída.

–----

Era quase meio-dia e as pessoas normalmente costumavam passar por aquele parque para caminharem um pouco e esquecer o estresse do trabalho. Era um lugar elevado que cortava dois pontos importantes da cidade, o residencial com o comercial, o que tornava aquele belo cenário esverdeado bastante movimentado.
Dominic sentou-se em um banco que ficava num lugar mais alto do parque, onde era possível ver todo o movimento nas vias abaixo. Normalmente ele fazia aquilo uma vez por mês para averiguar se nenhum desequilibrado desavisado passasse por ali, por mais que a caça durante a luz do dia estivesse completamente fora de cogitação, o principal motivo de Dom fazer aquele tipo de guarda era que caso alguma presa passasse por ele, Dominic já poderia o rastrear para que preparasse o abate durante a noite. Enquanto comia lentamente um pacote de amendoim, o Mestre apareceu subitamente sentado ao seu lado.
— Esse lugar ganha um charme a mais durante o dia. — Ele disse. — Mas a minha hora preferida aqui é no fim do dia, quando o sol se põe atrás dos prédios.
— Eu preferiria um amontoado de montanhas. — Dominic respondeu enquanto mastigava o amendoim. — Prédios são muito artificiais.
— Por que diz isso?
— Montanhas são bonitas por natureza, demoram até milênios para que tomem aqueles traços belos e exuberantes. Prédios erguem-se apenas na vertical, tornando o cenário muito amistoso.
— Muito radical da sua parte, pense que cada prédio é feito de maneira única e que mesmo seus traços externos sejam semelhantes todos são completamente diferentes um dos outros. — O Mestre ainda concluiu. — Acho que eles são um marco eterno para a humanidade.
— Talvez, mas no contexto de por do sol, provavelmente eles são descartáveis. Imagine que no lugar desses prédios aqui da frente tivesse um rio que se desenhava por dentre planícies verdes e que fosse até o horizonte, traçando uma linha fina e elegante enquanto eram coloridos pelo alaranjado do sol poente.
— Muito poético. — O Mestre admitiu. — Mas precisamos concordar que os prédios, querendo ou não, criam um cenário interessante de evolução da raça humana. Acho que eles não substituem as planícies e o rio, de maneira alguma, entretanto eu diria que eles complementam uma variedade bastante interessante dos cenários mundiais.
— Faz sentido.
— Da mesma forma que seria horrível vermos o mundo inteiro feito de arranha-céus, seria bastante entediante termos uma imensidão de absolutamente nada.
— Pensando por esse lado, os prédios até que são estruturas formidáveis. — Dominic comentou mudando sua opinião.
Os dois se calaram e Dominic voltou a observar o movimento do parque olhando cada um que passava e sentindo na pele todos os sentimentos transmitidos pela Voele. Até ali nada de mais, apenas o típico de todo ser humano: pressa, nervosismo, preocupação, inveja, tristeza e depressão. E nesse momento de distração, alguém falou:
–— Tem alguém sentado aqui?
A voz feminina imediatamente trouxe alguém da memoria de Dominic.
— Não, fique a vontade Mika. — Respondeu agora vendo uma jovem sentar-se onde o Mestre estava a poucos segundos.
— Eu sabia que algum dia eu ia te encontrar por aqui. — Ela falou sorrindo.
— Sou uma pessoa de hábitos. — Dom admitiu oferecendo um amendoim. — Quer um?
Mika virou-se e pegou um. Nesse momento Dominic percebeu as sensações transmitidas pela Voele que vinham dela: felicidade, nervosismo, esperança, um pouco de tristeza e muita ansiedade. “Então ela vai partir” Dominic deduziu mentalmente por aquelas sensações sempre aparecerem juntas.
— Obrigado. — Ela agradeceu, mastigando o amendoim. — Como você está Dom?
— Seguindo a vida, acabei me quebrando há algumas semanas atrás, mas já estou melhor.
— Se machucou?
— E como. Me senti atropelado por um caminhão para ser bem sincero.
Mika se divertiu com aquilo e caiu na gargalhada.
— Desculpe. — Ela tentou conter a risada dando alguns pigarros. — A maneira com que falou deixou isso engraçado.
— Sempre fica — Dominic levantou as sobrancelhas e suspirou desanimado. — E você como vai?
— Nunca estive tão bem na vida. — Dom sentiu os sentimentos de Mika explodir. — Coisas excelentes aconteceram.
“Era mais fácil ela só me dizer que vai viajar para qualquer lugar”.
— Ah é? E para onde você vai?
— Como você sabia? — Mika ficou um pouco impressionada.
— Hã... — Dominic ficou sem graça e precisou pensar rápido. — Digamos que sou bom com algumas intuições.
— Parabéns! — Mika pegou mais um amendoim. — Acertou em cheio, mas duvido que consiga descobrir para onde eu vou.
Dominic estreitou os olhos um instante e pensou um pouco, sem sucesso.
— Dessa vez eu realmente não tenho ideia. — Dominic também mascou um dos amendoins.
— Para o Oriente!
Pego de surpresa, Dom se engasgou com o amendoim.
— Como é? — Ele perguntou em meio a uma tossida. — Oriente?
— Não é demais? — Mika agora transmitia todo o seu entusiasmo pela voz. — Eu consegui uma passagem de navio para lá, finalmente eles me liberaram.
Dom conhecia poucas pessoas que haviam cruzado o oceano para o Oriente. O mundo do outro lado do planeta era algo extremamente recluso e que raramente aceitava estrangeiros dentro de suas terras. Os fatos históricos que explicavam esse evento divergiam um pouco, mas segundo os relatos do Mestre, a população do Oriente sofreu grandes perdas devido a entrada de estrangeiros vindos do Ocidente, já que normalmente os ocidentais tinham uma maneira de pensar extremamente diferente e prejudicial para os orientais. O Mestre sempre deixou claro em seus tomos que as civilizações do Oriente sempre se organizaram de maneira com que todas prosperassem juntas e que conseguissem finalmente dar uma vida de qualidade para os seus habitantes, que sofreram muito desde a queda dos Cometas Dourados. Por outro lado, o povo do Ocidente sempre fora exatamente o oposto, visando na competição entre as nações para que a mais forte se tornasse uma potência e dominasse o restante. O Mestre argumentava que esse comportamento veio do fato da população do Ocidente não ser “tão” prejudicada pelos Cometas Dourados e que isso não engatilhou um senso de urgência, humanização e ajuda ao próximo.
Com isso, durante muitos anos, os ocidentais migraram para o Oriente e devido ao seu pensamento de “superioridade” e não de “prosperidade” quase levou as nações orientais para o mesmo fim que as civilizações Pré-Cometas. Vendo que toda a prosperidade conquistada ao longo do tempo sendo desperdiçada pelos interesses de outro continente, os orientais lincharam todos ocidentais de sua terra, criando um genocídio em massa tão grande, que o Mestre precisou de quase um ano para consertar o estrago feito no Equilíbrio.
— Mas como assim? — Dominic perguntou recuperando o ar. — Achei que demorassem quase cinco anos para que você pudesse liberar sua passagem.
— Foi quase isso, três anos. Obviamente eu precisei provar que eu era digna de entrar no Oriente, fazendo boas ações, mensalmente fazendo exames me avaliavam para saber se eu realmente era uma boa pessoa. Essas coisas.
— E só com isso você conseguiu assim na facilidade? Eu já vi pessoas que tiraram notas altíssimas nos exames e mesmo assim não foram aprovadas.
— Aí é que entra meu trunfo. — Mika respondeu radiante. — Eu consegui, depois de muito tentar, uma vaga na COENA.
— Tá de sacanagem? —Dominic raramente se sentia assim, mas naquele momento ele ficou totalmente em choque. — Essa é a mesma que eu estou pensando? Centro de Organização para Exploração da Nova Aurora?
— Exatamente! Não é demais?
Dominic soltou uma risada enquanto ainda estava meio catatônico com aquilo.
— Serei uma exploradora e poderei conhecer o mundo desconhecido! Imagine Dominic, você poder visitar lugares que jamais foram descobertos desde os Cometas Dourados?
— Isso é simplesmente fantástico Mika, estou muito contente por você. Mas acho que provavelmente não vai voltar mais aqui não é? — Dominic foi direto ao ponto.
— Infelizmente. — A empolgação de Mika momentaneamente abrandou. — Dificilmente eu conseguirei retornar para cá depois dessa viagem.
Os dois momentaneamente se olharam. Dom imaginou por um segundo que se ele tivesse a capacidade de nutrir sentimentos amorosos por pessoas, provavelmente ele teria pela aquela jovem. A sua beleza contava muito, Mika tinha dezenove anos, possuía a pele clara, os cabelos negros, mas não tão longos que passavam levemente dos ombros, sua franja parava exatamente em suas sobrancelhas, tinha belas curvas pelo corpo e faria qualquer homem ter suas estruturas abaladas por ela. Mas o que realmente chamava a atenção de Dominic e que dificilmente alguém da idade deles veria, era que Mika tinha uma perseverança e força de vontade tão forte que dificilmente era visto em seres humanos semelhantes e essa característica fez com que ela conquistasse tudo, mesmo com qualquer dificuldade que encontrasse.
— Eu te entendo Mika, você precisa realmente ir atrás daquilo que sonha. — Dom se permitiu abrir um sorriso sincero enquanto desviava o olhar tímido. — Espero que consiga encontrar o que quer lá.
— Obrigado Dom. Desde que eu soube da noticia, há um mês, decidi ir atrás das pessoas que foram importantes para mim nesse processo. Você foi o mais difícil, mas nunca iria me perdoar se eu partisse sem antes te ver. Eu vou ser eternamente grata por aquilo que você me fez Dominic.
— Não agradeça. — Dominic disse voltando ao seu baixo animo. — Eu só fiz a minha obrigação.
— Olha... Eu realmente não sei o que você é, e também acho que nunca vou entender. — Mika deu um risinho. — Mas é importante para todos, assim como foi importante para mim. Provavelmente se você não tivesse parado o meu tio aquele dia, eu jamais estaria aqui falando com você.
— Eu sempre me culpo por isso. Eu poderia ter impedido seu tio se fosse mais rápido e salvado seu pai também, mas... — Dominic fechou o punho esmagando o pacote de amendoim e forçou os lábios, lembrando-se também das pessoas mortas em Joia Despedaçada. — Eu não fui bom o bastante, eu nunca sou.
— A culpa não foi sua. Meu tio foi o verdadeiro culpado, aquele tarado desgraçado, espero que esteja ardendo em qualquer lugar bem longe daqui. Meu pai precisou pagar com a vida para tentar impedir aquela insanidade em forma de pessoa. Mas teria sido muito pior se você não tivesse aparecido lá...
Mika parou de falar e se lembrou daquela cena que estava para sempre cravada em sua mente. Há quatro anos, ela se arrastava pelo chão da sua casa com o tornozelo torcido, estava escuro e as únicas iluminações precárias eram dos relâmpagos que rasgavam no céu tempestuoso daquela noite. Desesperada ela viu seu pai ser esfaqueado cinco, seis, sete vezes e agora via o seu tio com uma faca andando em sua direção lentamente, desabotoando sua calça.
“Agora somos apenas nós dois, amada” Ele pronunciava com a voz claramente alterada e insana. “Entregue seu corpo para mim”. Mika estava assustava e soluçava entre lágrimas, mas já estava sem forças para gritar e sem disposição para fugir. Foi então que de repente tudo ficou escuro momentaneamente, sendo possível apenas ouvir barulhos de carne sendo retalhada e de liquido sendo espirrado nas paredes.
— Se meu mentor não estivesse lá, provavelmente eu teria te traumatizado mais ainda. — Dominic admitiu também se lembrando daquele dia.
Leton havia coberto a visão de Mika enquanto Dominic deu mais de setenta investidas com as suas Lâminas contra o corpo daquele desequilibrado que se viu transformar-se em uma peneira viva de tanto que foi mutilado. E então Mika ao abrir os olhos, viu aquele garoto de treze anos que pulsava fúria enquanto seus olhos emanavam uma luz vermelha cintilante. Naquele momento, Dominic ainda estava aprendendo a lidar com as memorias das pessoas e quando ele viu o que o tio de Mika havia feito até ali, fez com que a sua Sombra entrasse em combustão e se transformasse em Iratus, o deixando em um frenesi mortal, que quase o matou também se não fosse por Leton.
— Você foi algo que eu nunca esperava que me acontecesse naquele momento Dom. — Mika pegou na mão direita de Dominic que ainda estava fechada com força. A Voele transmitiu um sentimento que Dom não conseguiu reconhecer, mais uma vez. — Acho que foi graças a você que ainda posso correr atrás desse meu sonho.
“Ela está certa” a voz de Mestre ecoou pela consciência de Dom “mesmo que ela sobrevivesse ali, provavelmente não seria a mesma pessoa”.
— Que bom que pude ajudar de alguma forma. — Dominic falou dando um pequeno meio sorriso e tímido. — Mas não vamos nos pensar no passado, quero que você mantenha-se firme no futuro e em achar os seus pais biológicos.
—Pois é. Não posso negar que a minha linhagem oriental realmente ajudou. — Mika falou rindo. — Assim que eu me estabelecer lá, vou buscar ajuda para tentar finalmente descobrir quem são meus pais.
— Duvido que alguém lhe negue ajuda Mika. Acho que não existe ser humano que seja capaz de refusar um pedido seu.
— Não diga isso! — Mika ficou meio embaraçada. — Eu nem sei como eles se comportam lá no Oriente.
— Melhor que aqui vai por mim. — Dominic respondeu.
— Mas eu preciso admitir, que eu não consigo parar de pensar em quem meus pais são. — A Voele ao redor de Mika transmitiu um sentimento de esperança forte. — Imagine se o meu pai é um Domador de Espadas?
— Eu não estranharia. — Dominic brincou com um tom sério. — Você tem a personalidade de um Domador, se eles forem como os livros.
Mika soltou uma risada divertida.
— Acho que não, eu gostaria apenas de simplesmente encontra-los. Seja lá quem forem.
Os dois sorriram um para o outro e ficaram sem ter o que falar novamente. Mika por fim encostou sua testa na lateral da cabeça de Dominic que a principio não sentiu mais nada, a não ser o vento que bateu em seu rosto, talvez para lembra-lo que ele era um humano e que podia ter o direito de sentir. Ela fechou os olhos e sussurrou:
— Eu não sei o que te torna tão especial para mim Dom, mas saiba que eu agradeço todos os dias por ter te conhecido.
Pela segunda vez em toda a sua vida, Dominic sentiu sua Sombra voltar ao nível humano. Mesmo que dessa forma ele não conseguisse ter o vislumbro completo do que é realmente ter afeto, foi o suficiente para que ele sorrisse e respondesse:
— Não sou eu que sou especial Mika, é você que torna as pessoas ao seu redor especiais.
Eles ficaram assim durante um bom tempo Mika se deixou escorregar para o ombro de Dominic e ficou repousando ali, Dom continuou na mesma posição de estatua, mas se permitiu abrir seu punho e também segurar a mão dela. A Voele novamente transmitia aquele sentimento que Dominic havia sentido com Gabriela semanas atrás, mas não conseguia explica-lo, entretanto a sensação que ele transmitia era tão boa que Dom decidiu ignorar sua origem e apenas senti-lo também, já que aquela seria provavelmente a última vez em que ele veria Mika na vida.
— Será que um dia a gente vai se ver de novo? — Mika perguntou.
— Depende, qual é a sua vontade?
— Sim, eu quero.
— Então nos veremos. Quem sabe um dia eu também não vá para o Oriente para te dar um olá?
— Eu realmente ficaria muito feliz. Até lá eu espero que eu já seja uma exploradora experiente.
— Só de você ir para o Oriente já te dá esse título.
— Ótimo, vou adicionar essa na minha lista de qualidades.
Depois de quase dois anos, Dominic soltou uma risada alegre que foi acompanhada por Mika. Eles ficaram ali por mais alguns minutos conversando sobre o nada enquanto observavam as pessoas ao redor do parque. Meia hora mais tarde, Mika respirou fundo e se afastou de Dominic.
— Bom, eu preciso ir. O navio parte hoje a noite, e eu preciso preparar minhas malas ainda.
— Eu entendo.
— Essa provavelmente vai ser uma das piores despedidas, eu acho. — Mika riu, mas precisou se esforçar para controlar as lágrimas.
Os dois se levantaram do banco se olharam mais uma vez, e Mika deixou escapar uma gota do seu olho direito.
— Eu espero que você realmente me surpreenda Dominic, e vá me visitar um dia. — Ela falou com a voz tremula.
— Eu tentarei dar o meu melhor para conseguir. — Dom disse calmamente tentando transmitir o máximo de confiança possível. — Vá com segurança Mika, espero realmente que encontre todas as respostas que você merece.
— Fique com segurança. E não se esqueça de que você é uma pessoa única no mundo Dom. — Mika lhe deu um beijo demorado no rosto e seguido de um forte abraço. Dom retribuiu da maneira que pôde. — Adeus.
— Até.
Mika se distanciou lentamente, virou-se e saiu andando por onde tinha vindo. Dominic a ficou observando cruzar o parque, sair na rua e seguir seu caminho. Quando ela finalmente desapareceu da sua visão, a sua Sombra voltou a se manifestar novamente.
— Se pretende ir para o Oriente, já digo de antemão que vai precisar ralar muito. — O Mestre falou reaparecendo sentado onde estava a uma hora atrás.
— Eu não vou. — Dominic respondeu seco. — Só disse isso para que ela não saísse daqui triste. Logo ela vai encontrar alguém que ela possa se conectar quando chegar, e vai esquecer que eu disse isso.
— Você tem certeza, e se ela não esquecer?
— Todos esquecem Mestre. — Dom enfatizou com frieza. — Além do que, meu lado Guardião jamais permitiria que eu me conectasse com alguém, aceite isso.
— Não deixe que esse pensamento torne-se uma regra para você Dominic, porque irá matar você aos poucos. — O encapuzado então desapareceu.


–---

Pela noite, Dominic estava na sala de estar sentado numa poltrona solitário enquanto observava a parede. Leton que passava por ali percebeu a sua presença e se aproximou perguntando:
— Dom? Você por aqui numa hora dessas?
— Fiquei vigiando por quase três horas a cidade, e não encontrei nenhum desequilibrado.
— Isso é fantástico Dominic! — Leton falou entusiasmado. — Parece que nossos esforços estão finalmente surtindo efeito no Equilíbrio. Precisamos comemorar, vou fazer um café para nós.
— Leton, eu posso te fazer uma pergunta? — Dominic o cortou.
— Claro. — Leton se sentou na poltrona da frente e se inclinou para Dominic.
Dominic coçou a cabeça enquanto pensava um pouco, mas aquilo foi o suficiente para Leton já abrir um sorriso e dizer:
— Coçar a cabeça? Eu já vi isso antes. O que o seu lado humano está com duvida?
— Não fale isso, é simplesmente algo que eu nunca vi, e você com certeza deve saber a resposta.
— Estou aqui.
— Ultimamente estou sentindo que a Voele transmite sentimentos que não consigo identificar, é como se fosse a primeira vez que eu sentisse.
— Você já deu a resposta. — Disse Leton se encostando à poltrona. — As pessoas quando tem um sentimento inédito pela primeira vez nunca sabem como descrevê-los, pois jamais passaram por isso. É algo natural que todo ser humano, principalmente crianças, sinta isso. O que acontece é que você provavelmente nunca viu isso.
— Mas Leton eu vejo e sinto as pessoas todos os dias. É impossível que apenas um grupo seleto transmita esse tipo de sentimento.
— Dominic... — Leton riu, como se já soubesse a resposta desde que se sentou ali. — As vezes, quando humanos sentem algo pelo outro, algo bom, eles próprios por mais que saibam sobre aquele sentimento não sabem explicar ele. Você não está identificando isso, porque provavelmente esse grupo seleto sente algo por você, que você nunca teve a oportunidade de experimentar, já que dificilmente cria laços com humanos.
Dominic ficou confuso.
— Como assim? Por mim?
— Exatamente Dominic. — Leton foi direto ao ponto. — Você não sabe descrever esse sentimento, porque nunca ninguém sentiu ele por você. Da mesma forma que a pessoa não sabe explicar, a Voele também lhe transmite essa sensação de desconhecimento.
Dominic precisou raciocinar um pouco para que a ficha caísse.
— Espera — Dominic ficou gago e precisou respirar para conseguir concluir. — Isso nunca foi mencionado nos livros do Mestre.
— Porque o Mestre nunca teve esse tipo experiência. — Leton respondeu. — Você está sendo o primeiro a experimentar isso.
— Mas Leton, eu não sinto nada por essas pessoas, eu sequer me importo. Não é possível que elas sintam algo por mim.
— Provavelmente elas viram algo em você que nem mesmo você ainda enxergou. Agora em relação ao que você sente ou não, é algo que apenas você Dominic pode lidar. Mas quer um conselho?
Dominic ficou em silêncio esperando a resposta.
— Dê uma chance a si mesmo. Quem sabe você também não enxerga isso aí?
Dom ficou confuso, não sabia o que pensar e nem como reagir. Desde quando ele assumiu o fardo de Guardião Sombrio, jamais havia passado por algo daquele tipo, e pela primeira vez não encontrou a resposta nos livros do Mestre, o que o deixou ainda mais desnorteado.
— Eu preciso sair! — Dominic saiu em disparada para fora dali. Enquanto isso, Leton apenas riu e se levantou calmamente.
Dominic saltava pelos prédios e corria pelos telhados desesperado e sem rumo tentando raciocinar o que Leton tinha acabado de falar. Sua consciência repetia em loop o seu encontro com Mika e todas as coisas que ela lhe disse.
— Isso não é possível, isso não é possível! — Ele repetia com repugna. — Eu não sou isso que eles pensam! Eu não sou digno de merecer o amor de alguém! Eu sou um assassino, uma máscara! Uma máscara!
Dominic saltava em cima de um galpão quando de repente o teto que ele estava sobre desmoronou o fazendo cair de cabeça no chão. Por alguns minutos ele ficou desnorteado reclamando de dor, mas o que o fez voltar novamente foi que o barulho de grade se fechando foi ouvido. Desesperado ele se levantou, mas se viu trancafiado em uma gaiola enorme, no chão estavam desenhados vários símbolos que também cobriam as paredes ao redor. Ao seu lado tinha uma menina desacordada e no lado de fora estava tudo escuro.
— Pegamos mais um — disse alguém.
— Foi uma armadilha perfeita para pegá-los. — Respondeu outra pessoa.


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