A Lágrima da Escuridão escrita por danielv


Capítulo 7
Capitulo 6


Notas iniciais do capítulo

Este capitulo basicamente é o mais explicativo para com o conceito do que os personagens chamam de Sombra. Tentei colocar isso da maneira mais simples e dinâmica possível, sem que ficasse chata e ao mesmo tempo confusa.

Espero que gostem =)



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A escuridão e o silêncio eram tudo o que Dominic via. Seu corpo era carregado por um fluxo invisível que o fazia voar sem rumo para cima e para baixo de maneira lenta e relaxante. Dominic não sentia seu corpo, sua essência estava agora mesclada ao cosmo o que o tornava ainda mais livre naquela imensidão longínqua e infinita. Por um instante ele pensou que poderia estar morto e que agora sua Siela finalmente estava livre para se agregar ao eterno ciclo do Universo, onde ali era demarcado o início e o fim de todas as coisas, sejam elas as mais eternas ou as mais breves.

— Espero que isso não seja um sonho. — Dominic falou para si mesmo.

— Infelizmente é. — A voz de Siouxie respondeu vinda de todos os lados.

Dom na mesma hora sentiu ser puxado novamente para baixo com violência. Em pouco tempo, ele agora estava preso a uma prisão carnal, dolorida, machucada, que podia sentir e acima de tudo podia abrir os olhos, agora cegos pela luz.

— Estava no mundo mágico dos pôneis? — Perguntou Siouxie.

— Poderia, acho que ser pisoteados por pôneis seria menos dolorido.

Dominic estava deitado em uma cama, numa sala que parecia uma enfermaria. Sua cabeça estava rodeada por uma faixa branca, o restante do corpo parecia que estava pronto para ser mumificado. Injetado em seu braço estava uma agulha que o ligava para um aparelho de soro.

— Quantos dias eu dormi?

— Quinze horas apenas. — Siouxie estava sentada em uma poltrona ao seu lado enquanto fazia anotações em algumas folhas sobre uma prancheta de madeira.

— E qual é o meu estado?

— Pelo o que relataram. — Ela começou a ler. — Dez pontos na cabeça, cinco costelas quebradas, fêmur fraturado em três regiões, tornozelo fora do lugar, três ossos do pé esquerdo trincado, escoriações no joelho, nos cotovelos e nas costas. Além disso, você provavelmente bateu a cabeça algumas vezes o que pode ser susceptível a um derrame cerebral, fora a perda de sangue pelos cortes no seu peito.

— Foi pior do que eu pensei. Pelo menos minha Sombra foi o suficiente para me manter vivo.

— Desculpe pela demora, se eu tivesse chegado mais cedo você não teria se quebrado tanto.

— Está tudo bem. — Dominic esboçou um sorriso. — Porque demoraram tanto?

— Foi uma distração.

— Previsível. — Ele respondeu imediatamente.

— Aqueles malditos nos colocaram em uma armadilha, acho que Maximilian deve ter perdido uns dez ou quinze dos seus melhores Filhos.

— E quanto aos nossos? — Dom perguntou preocupado.

— Todos estão bem, mas acho que as coisas vão ficar complicadas para a gente agora.

— Por quê?

— Maximilian já deve saber que você não é um humano comum, e preciso admitir que você não deixou a desejar na contagem de Filhos empalados.

— Se de algum jeito eu pudesse trocar as vidas que eu tirei pelas as dos habitantes mortos. Vocês já tem uma contagem de quantos morreram?

— Eu sabia que você perguntaria isso. — Siouxie ergueu a primeira folha e começou a ler o que estava na de baixo. — A cidade tem cerca de setecentos habitantes. Houve duzentas mortes, cento e cinquenta feridos em estado critico, dentre eles a maioria eram crianças e mulheres que não conseguiram fugir.

— MERDA! — Dominic se debateu na cama e sentiu seu corpo lhe castigar por isso.

— Eu sei que é difícil, mas você fez o melhor que pode.

— Droga Siouxie! Difícil? Eu deveria ter raciocinado direito para calcular o massacre disso. Se eu ao menos pudesse aguentar mais antes de cair na segunda chicotada. E essas pessoas não tinham NINGUÉM para proteger elas. Eu precisava ser melhor que isso.

— Dom...

— Olhe para o meu estado. — Dominic falava com repulsa na voz enquanto olhava para si mesmo. — Eu deveria estar ajudando em alguma coisa pelo menos e mal posso me mexer.

— Se você não estivesse aqui, provavelmente essa cidade já teria sido riscada da existência. — Siouxie argumentou com calma. — A culpa foi de Maximilian por ter deixado a sua cidade a mercê de um ataque tão óbvio.

Dom fechou os olhos e tentou engolir a onda de fúria que lhe consumia por dentro. Olhou para Siouxie que o encarava com pena e acabou se conformando um pouco. Por um minuto Dominic pensou nela, Siouxie era talvez o Filho da Sombra que mais causava confusão devido ao seu temperamento explosivo, radical e pouco metódico. Mas ela era a única que conseguia expressar seus sentimentos de maneira tão intensa e conseguia se preocupar com seus companheiros tanto quanto um irmão faria pelo outro. E era o que Dominic sentiu quando Siouxie o protegeu de Kraven e quando viu que ela ficou ao seu lado durante todo o tempo em que ele dormia, como se tivesse a obrigação de defendê-lo a todo custo. Dom sabia que Siouxie jamais teria coragem para pedir desculpas abertamente, mas ele sabia que ela fazia aquilo através de seus atos.

— Será que o Mestre saberia o que fazer numa situação dessa? — Ele perguntou de cabeça baixa.

— Talvez sim. — Siouxie respondeu. — Mas o que importa é o presente Dominic, doa a quem doer.

Dominic ainda manteve-se cabisbaixo.

Alguém então bateu na porta.

— Entre. — Siouxie falou.

Uma mulher de roupas escuras entrou, tinha cabelos longos e loiros que confundiram Dom por alguns instantes, achando que se tratava de Alicia, mas ele percebeu que não era ao ver os olhos castanhos, o rosto mais sólido e menos delicado. Sua face era imparcial e não transmitia qualquer tipo de expressão, Dominic imediatamente a identificou sendo alguém com nível de Manifestação A, ou seja, da elite.

— Pois não Lucca? — Siouxie perguntou.

— Maximilian deseja ver o garoto em sua sala. — Lucca respondeu.

— Ele não está em condições de andar. Pode dizer a ele que Dominic precisará de mais um dia de repouso para conseguir ficar de pé.

— Se for o caso eu o carrego, mas ordens são ordens.

— Peça para que Maximilian venha o buscar pessoalmente.

— Siouxie, eu vou. — Dominic disse se sentando na cama com dificuldade e evitando uma confusão ainda maior. — Só me ajude a colocar uma roupa e a caminhar.

— Tem certeza que vai aguentar?

— Já estou inteiro o suficiente para falar, caminhar é o de menos.

Siouxie ajudou Dominic a vestir uma camisa e uma calça de moletom enquanto Lucca os observava sem sequer dar um movimento. Com muita dificuldade, Dominic se pôs de pé, se apoiou em Siouxie que envolveu o braço dele em volta do seu pescoço enquanto o segurava pela cintura com a outra mão. Os dois então lentamente saíram porta a fora.

No lado de fora Dom percebeu que estava em um dos quartos que havia sobrado do hospital que completava o cenário catastrófico que cercava aquela cidade. Não havia mais chamas, mas fumaças ainda se erguiam dos escombros de quase toda a cidade que agora estava em ruinas. Nas ruas, haviam cadáveres enfileirados de habitantes para que os seus familiares pudessem reconhecer o corpo, alguns estavam mutilados e em estado critico. Muitos deles, Dominic reconheceu dos dias anteriores, o garçom do restaurante, a dona da floricultura, as crianças que brincavam ao redor de uma árvore e dentre várias. Na praça que Dominic conheceu seus colegas humanos pela primeira vez as árvores agora não passavam borrões feitos de carvão, as mesinhas de mármore deram lugar a uma pilha de corpos feitas de invasores mortos, alguns Dominic reconheceu que foram suas vítimas, outros provavelmente foram mortos quando os outros Filhos retornaram.

— Eu tenho pena dessas pessoas. — Dominic comentou enquanto observava a desolação. — O que serão delas agora que simplesmente tudo virou cinzas?

— Já vi muitas civilizações reerguerem suas cidades a partir das cinzas. — Siouxie respondeu. — Aqui não vai ser diferente.

Diferentemente da última vez, Maximilian não os aguardava em sua cúpula, mas sim no salão principal, com os humanos que ainda estavam inteiros e seus Filhos da Sombra. No centro estavam todos do Domínio da Última Noite. Quando Dominic, Siouxie e Lucca chegaram lá, Leton estava discutindo com Thoren enquanto Maximilian estava sentado em um trono de cristal que não estava ali antes, exatamente no centro.

— A ideia de nos culpar por esse ataque é ridícula. — Leton argumentava extremamente calmo. — Todos tiveram culpa em levar os melhores Filhos da Sombra e deixarmos a cidade desprotegida.

— Nós perdemos vários outros Filhos aqui! — Thoren estava claramente irritado e seu tom de voz era consideravelmente alto.

— A culpa não é nossa se vocês criam Filhos da Sombra para simplesmente receberem outros na cidade e sequer sabem empunhar uma arma. — Draen defendeu. — Vários Filhos morreram, porque ao invés de saberem lutar como deveriam, tentaram fugir e deixaram os humanos a mercê do ataque.

— A maioria dos invasores era de baixo nível de Manifestação Thoren. — Leton complementou. — Além de muitos serem apenas selvagens sem qualquer raciocínio logico. Seria simples rechaçar um ataque desses com um mínimo de treinamento e bom senso.

— Eu quero você e esse seu Domínio longe daqui Leton! — Thoren apontou para a porta.

— Não antes da palavra final de Maximilian. — Leton respondeu cansado de discutir, mostrando claramente no seu tom de desaprovação.

— E o que esse imundo está fazendo aqui? — Thoren reparou que Dominic se aproximava.

Porém todos o ignoraram. Leton e os outros foram em direção a Dom e Siouxie e formaram uma pequena roda ao seu redor.

— Dominic, você não sabe como eu fico aliviado em vê-lo de pé assim tão cedo. — Leton disse com um sorriso preocupado. — Como se sente?

— Estou bem. — Dom respondeu fazendo caretas de dor. — Foram só alguns arranhões, acho que minha Sombra dará conta de reconstruir os ossos quebrados em alguns dias. Mas não se importe comigo, Kraven morreu?

— Fiz questão de confirmar isso. — Leton respondeu. — Assim como todos os outros invasores restantes.

— Isso me deixa mais aliviado.

Enquanto eles conversavam, Maximilian levantou-se do seu trono e calmamente foi andando em direção a eles enquanto Thoren o acompanhava logo atrás. Quando Leton e os outros perceberam a sua presença ali, todos abriram novamente o circulo e pela primeira vez, Maximilian e Dominic se encararam.

— Um humano que aguentou um ataque de Filhos da Sombra, salvou um jovem de um incêndio, empalou mais de trinta Filhos, sobreviveu a um dos Filhos mais antigos de toda a existência e ainda por cima consegue andar mesmo com seu corpo em um estado critico. — Maximilian olhou para Leton. — Por que não me disse que você tinha outro Filho em seu Domínio?

— Ele não é um Filho, Maximilian.

— E como me explica isso?

— Dominic, mostre-os.

Dom olhou para Leton, e viu que ele não queria aquilo, mas se viu em um beco sem saída. Durante todos os quatro anos em que Dominic havia se tornado o Guardião Sombrio, Leton sempre quis o colocar fora dos conflitos entre os Filhos da Sombra para que ele não sofresse as consequências de algo que não era sua culpa, mas agora ele já estava no meio da tempestade e Leton sabia que não teria volta.

— Pode deixar Siouxie, eu consigo me manter de pé. — Dominic falou se desvencilhando devagar de Siouxie e ficando totalmente ereto mesmo com as dores lhe castigando.

Dominic lentamente tirou seu inseparável pingente do pescoço de dentro da camiseta e o deixou a mostra, fazendo com que todos os Filhos da Joia Despedaçada e inclusive o próprio Maximilian ficassem absolutamente pasmos.

— Isso é... — Ele tentou falar, mas foi interrompido quando Dominic, com um espasmo de mãos fez suas duas Lâminas da Morte saltarem para fora. Tamanho foi o susto ao ver aquelas armas que todos os Filhos deram um passo para trás assustados. — Quem... — Maximilian havia perdido toda a cor de sua pele, sua expressão era de choque e seus olhos não conseguiam piscar. Tamanho foi o baque que ele demorou a conseguir falar corretamente as palavras. — Quem é você?

Dominic o encarou, ele sabia que não poderia simplesmente falar quem era com palavras simples. Então se lembrando das palavras que o Mestre utilizava em seu diário, para informar quem ele realmente era, começou:

— Eu tenho a Sombra Dançarina dentro de mim, eu possuo a Essência dos Zankarins sobre meu peito, eu sou o Domador das Lâminas Gêmeas, eu sou o juiz do Equilíbrio, eu sou Dominic o último Guardião Sombrio.

Maximilian pareceu ter ficado em transe durante alguns segundos tentando conceber aquilo até que finalmente saiu de seu devaneio e lentamente mexeu sua cabeça em direção a Leton e disse:

— Leton, se isso for realmente verdade... — Ele parou um instante. — Quem são os pais desse garoto?

Leton apenas meneou negativamente a cabeça e não chegou a responder.

— Como é possível alguém ter a Sombra Dançarina depois Dele?

— Assim como vocês, desde que o Mestre se foi, eu também perdi a minha fé na nossa missão Maximilian. Mas quando eu encontrei Dominic, e vi como sua Sombra se comportava, a Tenebras Noctem fez sentido para mim novamente. — Leton apontou para Dom. — Você sabe que ninguém no mundo é capaz de ter uma Sombra Dançarina. A única pessoa que vimos tê-la foi o Mestre.

— Alguém que tem a Sombra manifestada e ainda assim é capaz de ter sentimentos. — Maximilian falou sorrindo admirado enquanto encarava Dominic. — Há muito tempo deixei de acreditar que ainda tínhamos salvação.

— Eu não quis mostra-lo para vocês, porque ele ainda é um humano Maximilian, ele é frágil e se os outros Domínios souberem disso, irão caça-lo e mata-lo.

— Eu entendo sua preocupação meu amigo. — Maximilian respondeu ainda olhando para Dominic que começou a ficar desconcertado com aquilo. — Sem o Guardião Sombrio, o Equilíbrio vai se esfarelar e o mundo vai se tornar um borrão sem importância no infinito.

— Exatamente. Se o Equilíbrio se for, todos nós estaremos acabados.

— Podemos supor que o nascimento do Guardião Sombrio foi apenas um acaso. Ou podemos dizer que ele reapareceu por causa das Fendas.

— Desde a fragmentação dos Domínios, o meu Domínio fechou sete delas, e mais estão para se abrir a qualquer momento.

— Alguma coisa escapou delas?

— Nenhuma, mas temo que se duas delas abram simultaneamente, eu não darei conta Max. É por isso que eu preciso de vocês.

— Eu vi o que se oculta por trás das fendas, eu preferi abstrair isso da minha mente na esperança de que elas se tornassem apenas um pedaço do meu passado. Mas vejo que não posso mais ignorar isso.

— Senhor, eu acho que não devemos nos precipitar. — Thoren se intrometeu um pouco incomodado com aquele assunto. — Se ele realmente for o Guardião Sombrio, ele poderia ter salvado os nossos irmãos.

— Thoren, sua ignorância me causa repugna. — Maximilian respondeu. — Um Guardião Sombrio não está aqui para defender os Filhos da Sombra, já que em teoria deveríamos saber fazer isso por si só. O que Dominic fez foi algo que eu realmente deveria ter feito. — Maximilian direcionou o seu olhar para os humanos que observavam aquilo tudo um tanto confusos. — Eu deveria ter me importado com os humanos da nossa cidade.

O que está havendo?” Dominic pensou ficando confuso “Maximilian, um Filho da Sombra dos mais poderosos se importando com humanos? Desde quando Filhos com a Manifestação A podem ter esse tipo sentimento?”.

— Por mais que reneguemos isso, ainda temos um pouco de humanidade dentro da nossa alma, da nossa Siela. Ver esse garoto lutando para proteger uma cidade desconhecidos me fez ter um pouco de fé em nós mesmos.

— Filho da Sombra da Joia Despedaçada. — Maximilian empostou sua voz. — Nós paramos no tempo durante muito tempo, agora é hora de darmos um novo passo em direção ao nosso verdadeiro destino. A Escuridão que nos cerca está cada vez mais próxima, e se ficarmos parados esperando ela chegar, iremos chorar desesperados enquanto Ela nos devora lentamente. Iremos voltar a selar as fendas e livrar essa ameaça para sempre.

Todos os Filhos da Sombra assentiram com a cabeça, inclusive o próprio Thoren, mas aparentemente a maioria deles não se importou. Em suas faces a única coisa que se via era o vazio.

— Fico feliz que tenha entendido Maximilian. — Leton falou colocando sua mão sobre o ombro de Max.

— Espero que não seja tarde demais Leton, mas antes de embarcarmos no nosso verdadeiro objetivo, preciso saber, o porquê de eles invadirem a minha cidade.

— Eles estavam atrás de Alec. — Dominic respondeu. — Leton, Alec tem um nível de Manifestação gigantesco. Eu e Vesta somos provas disso.

— Com certeza. — Vesta se manifestou pela primeira vez.

— Alec pode ver a Sombra de outras pessoas a um raio de distância muito grande. — Dominic continuou. — Além do que, foi por causa de sua Manifestação que Kraven nos rastreou.

— Achei que a sua Manifestação tivesse diminuído quando eu fiz a Conversão. — Leton disse um tanto confuso.

— Eu sei, mas parece que a Sombra dele cresceu absurdamente mesmo após a Conversão. Eu não me lembro de nenhum caso assim que esteja documentado nos registros.

— Estranho. — Maximilian franziu o cenho. — Nunca vi dois Domínios fazerem uma aliança para ir atrás de apenas um Filho tão novo.

— Se o que Dominic disse é verdade. — disse Draen. — Provavelmente a Sombra de Alec seja muito mais intensa do que o normal.

— Eu preciso estudar novamente a Sombra dele. — Leton respondeu ainda demonstrando certa insegurança. — Mas agora eu não vejo nada de diferente.

Dominic olhou para Alec.

— Alec você consegue fazer aquilo que fez conosco agora? Gritar e nos arremessar para longe?

— Não, eu acho. — Respondeu Alec. — Eu estava desesperado, nem consigo ver as Sombras de novo.

— Eu entendo que isso é algo intrigante — Maximilian deu meia volta e direcionou-se para o seu trono. — Mas preciso deixar isso na mão de vocês por enquanto, preciso colocar essa cidade em pé novamente. Tem ideia de qual seja o próximo passo Leton?

— Ir atrás de Vincent e o Domínio do Infinito Silêncio. — Leton respondeu.

— Temo que seja muito complicado de acha-los, Vincent é um mestre em se esconder.

— Eu sei. Mas eu tenho uma pessoa que vai me ajudar, apenas preciso encontra-la novamente.

— Desejo-lhes boa sorte nessa busca, sempre que precisar de ajuda eu estarei aqui.

— Agradeço a gentileza Max. Mas por enquanto nós podemos seguir nosso caminho por conta própria. Devido a urgência de alguns assuntos, hoje a noite estaremos de partida novamente para a Capital.

— Eu entendo, mas antes de partirem, eu gostaria que Dominic me respondesse uma pergunta.

— Pode falar. — Dom respondeu um tanto desconfiado.

— Pelo o que você fez a nossa cidade e aos seus habitantes, é um unanime dizer que você sem duvida foi um herói para todos nós.

— Eu poderia ter sido melhor. — Dominic rebateu na hora. — Não acho que eu mereça nada demais.

— De qualquer jeito, você se mostrou muito valoroso ao tentar fazer o que podia. Então eu lhe pergunto: existe algo que eu possa fazer por você para retribuir suas atitudes?

Dominic iria negar, mas de repente uma coisa veio em sua mente. Ele abriu um sorriso e falou:

— Na verdade, tem sim.

–----

Após a reunião, Dominic decidiu ir visitar Jake que estava sendo tratado em um dos vários quartos da mansão. Com a ajuda de Siouxie ele subiu as escadas, bateu em uma das portas e foi entrando devagar e logo deu de cara com Gabriela e Raquel sentadas uma em cada lado da cama, enquanto conversavam com Jake que estava deitado.

— Posso entrar? — Perguntou Dom.

— Como você pode esconder isso da gente? — Perguntou Jake rindo.

Dominic e Siouxie entraram no quarto, Raquel se levantou e cedeu o lugar para que ele pudesse se sentar, Dom agradeceu e com muita dificuldade se assentou no lugar.

— Pode voltar para lá Siouxie.

— Volto daqui meia hora, qualquer coisa peça para um deles me chamar. — Siouxie se retirou.

— É verdade mesmo? — Raquel perguntou novamente intrigada. — Você é um Filho da Sombra?

— Na verdade não. — Dominic respondeu.

— Você não viu o que eu falei? — Gabriela rebateu a pergunta da prima com aspereza. — Ele é o Guardião Sombrio, não um Filho da Sombra.

— E tem diferença? — Raquel respondeu.

Gabriela bufou de raiva e desapontamento.

— Ei, vocês duas parem de se encrencar, por favor. — Jake interviu.

— Pelo menos você parece estar em melhor estado do que eu. — Dominic mudou de assunto.

— O que aconteceu com você? — Jake perguntou.

— Fui pego de surpresa, por assim dizer. Além do que aquele Filho da Sombra era um dos bons, então não tive muita chance.

— Como você acertou o que Jake tinha? — Gabriela perguntou para Dom. — Eu lembro que você disse que ele estava com as pernas quebradas, fumaça no pulmão, queimaduras de segundo grau e tal. — Ela então levantou os braços e falou tão alto que quase grito. — E você estava certo! Como?

— Bom, na verdade metade disso foi suposição. — Dominic riu. — Mas nos livros do Mestre é ensinado um pouco de dedução avançada, que funciona também para a área do corpo humano. Baseado em alguns fatores do ambiente, de sintomas que o Jake estava apresentando, o peso e o tempo que aquela viga estava sobre as suas pernas já dá pra ter uma noção bastante exata do estrago.

— Caramba. — Jake estava impressionado. — Então você é inteligente igual a eles?

— Pare com isso rapaz. — Dominic fez um sinal de desleixo com a mão. — Humanos tem a mesma capacidade mental do que um Filho da Sombra, senão mais. A diferença é que vivemos relativamente pouco para aprender. A Sombra não influencia em absolutamente nada se tratando de inteligência.

— Foi mal, é que eu tenho tantas perguntas pra fazer agora que eu sei que você é um Guardião Sombrio que eu fico meio perdido. — Jake soltou uma risada divertida.

— Mas digam-me o que querem saber?

— Primeiro eu quero saber o que diferencia você dos outros. — Gabriela disse quase no mesmo instante.

— Certo, imaginem um... — Dominic pensou em um exemplo prático para ilustrar melhor. — Um tubo cilíndrico feito de plástico com dois medidores, um exatamente no meio e o outro um pouco mais além.

— Ok. — Os três responderam simultaneamente.

— Dentro desse tubo é jogado um liquido negro algo semelhante a... — Nada veio a cabeça.

— Café! — Raquel sugeriu.

— Perfeito. Dentro do tubo é jogado café até atingir exatamente a primeira marcação que delimita a metade do cilindro. Esse tubo é a alma, ou como chamamos é a Siela, e o café é a Sombra, a quantidade de café utilizada aí é o que todos os humanos têm de Sombra, nada mais e nada a menos. Quando o ocorre uma Manifestação esse café vai ultrapassar os seus limites e pode sofrer uma mutação.

— O café pode continuar liquido o que seria o mais comum. — Continuou. — Mas ele pode espumar, ficar azedo e até mesmo ficar sólido. Cada uma dessas modificações é um modo de Manifestação diferente. Entretanto uma coisa é certa, independente da sua forma, ele vai continuar subindo, subindo e subindo até alcançar a borda do cilindro e quando não tiver mais espaço, cedo ou tarde esse recipiente vai estourar.

— Se a Sombra cobrir toda a alma ela se vai então? — Gabriela deduziu.

— E nós morremos. — Dom complementou. — Não existe um jeito de fazer com que a Sombra recue e volte ao seu estado original, mas pode-se se atrasar o seu avanço utilizando uma técnica bastante complexa chamada de Conversão. Levando ao nosso exemplo prático, a Conversão fará com que o café avance a uma velocidade tão lenta que é impossível ver seu avanço a olho nu.

— E quanto a segunda marcação que você mencionou? — Raquel perguntou.

— Bem lembrado. Quando o café passar pela primeira marcação, o ser humano passa a perder a sua capacidade de ter sentimentos, não completamente ainda, mas boa parte deles já se transformando em um Filho da Sombra. A segunda marcação é o fim de qualquer humanidade dentro dele, a partir daí ele já se torna uma máquina e sua Siela começa aos poucos a perder a chama da vida. Mesmo que o Filho da Sombra se torne poderoso, ele jamais vai ter aquilo que provavelmente era a sua maior dádiva.

— Mas e quanto a você? — Gabriela voltou a mesma pergunta.

— Pense que por algum motivo, que não sabemos qual, o café da dentro desse cilindro sobe e desce dependendo de forças externas. Ele pode atingir a margem da segunda marcação e em menos de um minuto abaixar até o seu estado natural. Os fatores externos seriam o meu estado mental por assim dizer. Quanto mais meus sentimentos estão ativos minha Sombra diminui, e quando eu crio um foco e estou concentrado, eu posso controla-la e expandi-la até onde eu quiser, obviamente sempre com cuidado para não ultrapassar a segunda marcação, que eu chamo de limite da zona de segurança.

— Demais. — Jake falou impressionado. — Mas agora que descobrimos a sua identidade secreta. O papo de ser mendigo era verdade?

— Não. — Dom respondeu.

— E quem são seus pais? São Filhos da Sombra também? — Raquel emendou outra pergunta.

— Eu não sei quem são meus pais. — Dominic tinha uma clara tristeza e desapontamento na voz. — Jamais soube os seus nomes, como eles eram, se são humanos ou não, se estão vivos ou mortos. Antes de Leton me encontrar, eu fui cuidado por um tio meu que nunca me disse nada a respeito deles.

— Nem imagino como deve ser barra pesada para você irmão. — Jake o consolou.

— Pra falar a verdade eu até que não sofro tanto com isso, ou não como deveria. Não tive um apego ou qualquer laço com meus pais, seja lá quem forem então acho que isso acaba não me abalando tanto.

— Ok, muito bonita sua história de menino abandonado. — Gabriela se intrometeu. —Mas sendo um Guardião Sombrio, isso te deixa mais forte ou mais fraco? — Indagou curiosa.

— Muito mais fraco. Digamos que eu sou inferior a um Filho da Sombra mais fraco, então mesmo com a minha Sombra alta, eu ainda sou relativamente mais frágil do que os outros.

— Então porque diabos você é tão especial assim?

— Vou precisar voltar um pouco na história pra isso fazer sentido. — Dominic se ajeitou na poltrona. — O Mestre após criar a ordem dos Filhos da Sombra, há quase mil anos atrás, foi também incumbido de ser o guardião do Equilíbrio por um dos quatro Zankarins primordiais, conhecido apenas como A Morte. Tudo isso porque ele era o único capaz de ter uma Sombra ativa e ainda assim controla-la, sendo o perfeito equilíbrio entre a humanidade e a escuridão.

— Basicamente quem tem a Sombra Dançarina, que é o nosso caso, são nomeados como um dos Quatro Guardiões, sendo eu o Guardião Sombrio. Os Filhos da Sombra foram encarregados de proteger este Equilíbrio também, mas fechando as Fendas e não deixando aquilo por trás delas invadirem o nosso mundo. O guardião precisa agir aqui no nosso mundo, na escuridão para aniquilar todos aqueles que causaram um distúrbio no Equilíbrio, daí o nome Guardião Sombrio, já que em teoria não podemos jamais ser vistos.

— Acabamos de estragar essa teoria. — Jake brincou.

— Nada é perfeito. — Dom respondeu com um meio sorriso.

— Para que o Mestre pudesse fazer o julgamento perfeito, — prosseguiu — o Zankarin lhe deu um pouco da essência de sua raça. — Dominic puxou seu pendente e o mostrou. — E o armazenou dentro deste pequeno frasco que carrego em forma de colar, isso permite que o Guardião Sombrio tenha algumas... Ferramentas extras para o trabalho.

— Tipo quais? — Perguntou Jake.

— Não acho que seja interessante comentá-las — Dominic falou um pouco envergonhado. — Vocês vão ficar meio desconfortáveis.

— Ah pare com isso! — Gabriela deu uma risada debochada. — Diga o que é?

— Bom, a primeira delas... — Dominic respirou tentando falar aquilo de maneira menos impactante. — É que eu chamo de Voele, que consiste em sentir todos os sentimentos que as pessoas humanas, vale ressaltar, estão sentindo. Então posso saber quando alguém está triste, feliz, alegre, falando a verdade, mentindo e tudo relacionado a isso.

Gabriela imediatamente perdeu o tom de graça e seu rosto ficou tão rubro que inclinou a cabeça para baixo tentando disfarçar sem muito sucesso. Jake e Raquel também foram pegos de surpresa, pois sabiam que Dominic tinha ciência de todos os sentimentos que circulavam em segredo por dentre os três. Como o amor não correspondido de Gabriela por Jake, ou a falta de interesse de Raquel pelo garoto.

— Mas não se preocupem. — Dominic disse rapidamente ao sentir que o clima ficou um pouco chato. — Eu não interfiro na vida dos outros, tanto que se eu fizer isso alguma vez, provavelmente o Leton vai me fazer ficar pior do que já estou. — O seu tom ficou mais brando e sua voz mais fraca. — Aliás, é por isso que eu normalmente não me relaciono com humanos, porque acabo sentindo coisas que eu não deveria saber.

— Ei Dominic — Jake tentou falar com um tom animador. — Isso não é sua culpa amigo, só pelo fato de você não usar isso para interesses pessoais mostra que você tem um coração nobre.

Dominic sentiu a Voele em volta de Jake de repente se transformar de vergonha para uma ponta de orgulho e alegria. A princípio Dom não entendeu aquela mudança, mas depois raciocinou que provavelmente Jake estava feliz por saber que Dominic era honesto e que mesmo com esse problemão interno ele ainda aceito a amizade deles.

— Eu tento. — Dominic falou dando um meio sorriso desanimado. — Mas não precisamos entrar em detalhes, certo? Vamos fingir que isso não existe, assim como eu faço.

— E qual é a outra coisa? — Raquel perguntou tentando mudar de assunto.

— Em relação a essa, vocês podem ficar tranquilos. — Respondeu Dominic. — Mesmo sendo a pior sem sombra de duvidas. A segunda ferramenta dada pelo Zankarin para o Mestre, que eu chamo de Cogitário, foi a capacidade de entrar nas memórias daqueles que disturbam o Equilíbrio, para que ele pudesse saber se a vitima era realmente culpada ou não.

— O que? — Gabriela ficou chocada. — Como?

— Quando uma pessoa comete um assassinato, a sua mente fica aberta para que o Guardião Sombrio possa julgá-la observando suas memórias e vendo se ela é realmente culpada. Esse fenômeno dura menos que alguns segundos, mas já é mais que o suficiente.

— Isso deve ser horrível para você, Dom. — Jake falou com um tom de pena na voz. — Mal consigo imaginar o que você viu.

— Muitas coisas terríveis para ser franco. — Dominic respondeu cabisbaixo. — Tão tenebrosas que sinceramente eu às vezes acho que a humanidade já não tem salvação. Você ver crianças mutiladas em oferenda a um deus obscuro, mulheres sendo estupradas por mero prazer e perderem suas vidas sendo deixadas ao relento, inocentes sendo torturados pelas formas mais cruéis por simplesmente não terem dinheiro para cobrir as dividas. Se a raça humana já foi extinta várias vezes no passado, não foi em vão, nós realmente merecemos.

— Sabendo de tudo isso. — Continuou. — Você tenta comparar com as coisas boas para pelo menos motivar-se de que é minoria, mas não é. Não existe mais bondade do que maldade nesse mundo, porque toda vez que olho a Voele de alguém, vejo que ela é na verdade uma máscara costurada de falsos sentimentos e que lá no fundo, por trás daquela máscara horrorosa, se esconde uma aberração tão terrível que tem os mais horrendos sentimentos, e que está lá para ser protegida por simplesmente ter algo chamada Siela dentro da sua essência.

— Isso é assustador. — Raquel falou enquanto sentia sua pele se arrepiar inteira.

— Você disse que uma pessoa que afeta esse tal de Equilíbrio precisa ser morta. — Gabriela mencionou. — Mas que impactos realmente ela causa por estar viva?

— Uma pessoa tem o direito de nascer e morrer de forma natural. — Dom explicou. — Quando alguém tira a vida de outra pessoa, ela está tirando também o direito da sua vítima de construir sua vida até o real momento da morte, quebrando uma corrente que jamais deveria ser partida. Isso desencadeia um efeito dominó tão grande que por causa de apenas um assassinato, outras pessoas inocentes acabam pagando com a sua vida por isso. Esse é o desequilíbrio.

— E esse efeito só acaba quando o assassino morre? — Gabriela perguntou.

— Também, mas existe outra maneira.

— E qual é? — Jake indagou?

— É uma alternativa tão simples, que vocês dificilmente vão acreditar. Para que o assassino deixe de ser um desequilibrado, basta ele se arrepender do seu crime de coração. Feito isso ele está perdoado. — Dominic deu um riso irônico. — Mas acreditem, quando eu digo que a raça humana já não tem salvação é porque realmente é verdade. No ultimo mês eu matei mais de cem pessoas que são consideradas desequilibradas, e todas, sem exceção jamais sequer pensaram em se arrepender.

O silêncio tomou conta da sala por alguns minutos. Ninguém por um bom tempo se pronunciou, pois refletiam aquilo que Dominic acabara de pronunciar.

— Eu realmente estou sem palavras. — Jake falou por fim. — É assustador.

— Posso afirmar, que mesmo não sendo um Filho da Sombra. — Dominic prosseguiu. — De tanto ver atrocidades nas mentes das pessoas, eu já perdi boa parte da minha humanidade, porque é impossível eu me sentir orgulhoso e satisfeito por ser de uma raça tão desprezível.

— Mas e se, por exemplo, essas cem pessoas continuassem vivas? — Gabriela tinha uma curiosidade insaciável, tanto que mesmo as revelações de Dominic não a abalaram de continuar perguntando.

— Imagine que pessoa atrás de pessoa vai morrendo por simplesmente aquela que deu inicio a isso tudo está viva e só vai parar quando a mesma morrer. Provavelmente esse efeito poderia simplesmente dizimar uma capital inteira.

— Só que se fosse assim, provavelmente não existiria mais vida nesse planeta.

— Se não fosse por dois fatores. — Dominic respondeu. — O primeiro é o Guardião Sombrio estar vivo e o segundo é que o Equilíbrio tem uma forma de defesa automática em casos realmente críticos. Quando a contagem de mortes desencadeadas pelo efeito de apenas um indivíduo, este terá sua Siela “desligada” para não causar mais danos a ponto de realmente causar uma dizimação em massa.

— Ok, acho que cheguei na minha cota de informações do ano. — Jake falou soltando um suspiro. — Quando você vai embora?

— Infelizmente hoje a noite. Nós precisamos encontrar outro Domínio neutro, e temos uns problemas com o garoto que está conosco.

Os três foram invadidos por uma onda de tristeza e desanimo. Dom não pode deixar de ficar um pouco chateado também.

— Você vai voltar? — Gabriela perguntou tentando resgatar alguma esperança.

— Muito provavelmente. Agora que Maximilian e Leton consolidaram uma aliança, provavelmente voltaremos aqui com muito mais frequência.

— Pelo menos uma noticia que possa nos dar esperança. — Jake riu tristemente.

— Não fiquem tão tristes assim. — Dom pela primeira vez abriu um rápido sorriso de canto a canto no seu rosto. — Talvez as coisas não sejam exatamente como imaginamos que sejam, assim como os caminhos que nosso louco destino guia para nós.

Alguém bateu na porta, e Siouxie entrou no quarto.

— Dom, está na hora de ir.

— Certo, me ajude aqui. — Dominic pediu enquanto se levantava com dificuldade da poltrona. — Acho que por hoje é só senhores, nos vemos na próxima visita.

Os três se despediram ainda tristonhos do seu mais novo amigo. Com a ajuda de Siouxie, Dominic saíram da sala e enquanto caminhavam em direção ao que sobrara do hotel, ela perguntou:

— Posso te fazer uma pergunta pessoal?

— Diga.

— Eu vi você escrevendo uma carta um pouco antes de subirmos ao andar dos garotos. Você também lhes disse que pode fazer objetos desaparecerem e reaparecerem em qualquer lugar ao seu redor?

Dominic respondeu com um sorriso malicioso:

— Um Guardião Sombrio precisa sempre guardar certos mistérios pelo bem da sua reputação.

–----

Enquanto Gabriela esperava com Jake no quarto o retorno de Raquel que havia ido ver seus pais, ela decidiu ajuda-lo a ajeitar o seu travesseiro que ele reclamou que estava lhe incomodando. Quando ela levantou-o percebeu embaixo havia um pedaço de pedra que era a causa do incomodo e ao lado um envelope branco.

— O que é isso? — Perguntou puxando a pedra e a deixando no chão, enquanto isso via o envelope que estava lacrado com um símbolo estranho em vermelho.

— Uma carta?

Gabriela ao tentar identificar o símbolo o viu se desmanchar e virar poeira deixando que o envelope se abrisse. Dentro havia uma folha de caderno dobrada e mais alguns embrulhos pequenos de seda. Gabriela desdobrou a folha e leu o que estava escrito nela:

Caros colegas Jake, Raquel e Gabriela.

Tentei lhes dizer isso de qualquer maneira, mas infelizmente já não tenho mais a capacidade de lhes passar uma notícia boa, assim como não consigo me despedir adequadamente a não ser com um rápido aceno, sem qualquer contato físico.

Infelizmente não pude ser humano o suficiente para tentar dar uma chance a vocês e deixar que a nossa amizade florescesse mais, mesmo sabendo que eu já faço parte do circulo de amigos de vocês. Provavelmente eu jamais vou conseguir dar um passo a diante em relação a isso, mas espero que entendam isso sem que fiquem magoados comigo.

Entretanto eu jamais esperaria ser recebido por pessoas tão boas e que pela primeira vez não usavam máscaras, me fazendo olhar no espelho para resgatar um pouco sentimentos que há muito tempo estavam mortos para mim. Graças a vocês pude sentir minha Siela pulsar vida novamente e ver que mesmo em minoria, às vezes, as pessoas ao seu redor fazem valer a pena continuar uma luta perdida no objetivo de simplesmente tentar e tentar.

Por fim lhes deixo aqui confirmado que a próxima visita será de vocês em minha casa na Capital, já que Maximilian permitiu que vocês três saiam desta prisão em forma de joia para viverem suas merecidas vidas e encontrarem suas felicidades, seus sonhos e seu destino. Sei que não poderei fazer mais que isso por vocês, pois o Guardião Sombrio dentro de mim não permite que eu seja humano o suficiente para tal. Mas espero que com essa passagem para a liberdade eu já esteja ajudando em algo. Quando todos nós nos revermos novamente, peço que não citem esta carta, pois não saberei como reagir. Talvez escrever seja a única maneira de eu realmente transmitir meus sentimentos a vocês.

Um abraço formal, do seu colega e Guardião

Dominic.

P.S: A carta só vai poder ser aberta se o símbolo de proteção for tentado ser lido. Acredito que Gabriela vai ser a escolha mais indicada para esta tarefa.

Sem perceber, lágrimas escorriam pelo rosto de Gabriela que ao terminar de ler viu que havia um endereço e um telefone no verso da folha. Dentro dos embrulhos de seda estavam três passagens para a Capital para daqui cinco meses, o tempo exato de recuperação completa de Jake.

— Inacreditável. — Gabriela falou soluçando. — Por que alguém nos faria isso?

— Porque ele não quis admitir, que também estamos dentro do seu circulo de amizade talvez. — Jake disse enquanto segurava com firmeza o braço de Gabriela.

–----

No fim da tarde, Dominic já conseguia andar sem ajuda e sentia seus ossos aos poucos se regenerarem, seu corte na cabeça já havia cicatrizado o que o livrou das bandagens na testa. Ele esperava sentado em cima do capô do furgão pelos outros que ainda resolviam algumas pendências com Maximilian, inclusive Vesta e Alec.

Enquanto observava o crepúsculo, Dominic sentiu que alguém subir e sentar-se ao seu lado. Ao olhar para o lado, se assustou ao ver Gabriela.

— Gabriela? Achei que não sairia daquele quarto tão cedo.

— Eu também. — Ela respondeu sorrindo. — Mas Raquel está lá, então decidi vir aqui fazer uma coisa que não vi ninguém fazer.

— O que?

— Te agradecer por tudo, Dom. — Gabriela olhou fundo nos olhos castanhos de Dominic pela primeira vez. — Se não fosse por você, eu jamais teria a sensação de que finalmente estou livre daqui. Se você não estivesse aqui ontem, provavelmente eu teria perdido meus tios que praticamente meus pais, teria perdido minha prima e teria perdido Jake. As pessoas ainda estão assustadas por saber que você não é bem nenhuma das duas coisas, mas elas no fundo sentem o mesmo que eu.

— Poderia ter feito melhor. — Dom protestou.

— Você foi o melhor Dominic. — Gabriela rebateu ainda o encarando. — Provavelmente você nunca vai notar isso, pelo jeito que você escreveu na carta, mas eu posso te garantir uma coisa. A sua passagem nessa cidade plantou uma semente de esperança em todos nós, porque agora sabemos que existe alguém lá fora que ainda luta por nós.

— Eu só faço o que me cabe Gabriela. Mas vou levar isso como um elogio.

Ela sorriu e olhou para frente.

— Acho que você viu o que eu sinto por Jake não é?

— Eu acho que não é sábio falar disso.

— No fim das contas eu realmente não sei o porque fiquei envergonhada. Acho que se quando alguém ama a outra pessoa não há nada para esconder, é natural e faz parte do ser humano.

Enquanto Dominic ouvia Gabriela sentiu a Voele ao seu redor transmitir um estranho sentimento que ele jamais viu, e também não conseguiu descrever. Era algo simplesmente inédito e que era tão misterioso, mas tão agradável e gostoso de sentir que Dom ficou brevemente desnorteado.

— Bom se você diz isso, então siga em frente. — Ele respondeu. — Não tenha medo dos seus sentimentos, acredite, eles são a melhor coisa que você tem.

— E que você também tem.

— Não acho que seja...

— Eu não vou me prolongar nessa conversa maluca de novo sobre o que você é ou não, e se pode ser alguém normal ou não. Só vim para te agradecer mesmo. — Gabriela se inclinou em direção a Dominic e lhe beijou no rosto. — Então a gente se vê daqui a cinco meses na Capital?

— Estarei esperando.

Gabriela acenou com a cabeça e saiu andando em direção ao castelo. Enquanto isso, Dominic a observava ainda bastante aturdido por aquele estranho sentimento da Voele de Gabriela, por fim ele levou os dedos no mesmo local daquele pequeno beijo e sentiu sua pele ainda estar húmida pelo contato com os lábios da garota.

— Que coisa estranha. — Ele falou para si mesmo, por fim.


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