A Lágrima da Escuridão escrita por danielv


Capítulo 6
Capitulo 5


Notas iniciais do capítulo

Mais uma vez eu estou tentando retornar a postar a minha história aqui com mais frequência do que antes. Tentarei agendar a publicação dos capítulos posteriormente para manter uma continuidade aceitável.

Espero que gostem da leitura. Estou aberto a qualquer tipo de sugestões e críticas, então não devem pegar leve :)



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De pernas cruzadas, o braço levantado no braço do trono tinha os punhos fechados que serviam como apoio na cabeça. A expressão vazia e seu olhar distante, usando um terno todo vermelho ele talvez fosse a pessoa mais chamativa daquele lugar já que os outros usavam negro e eram todos encapuzados, os cabelos brancos elegantemente bagunçados e seus olhos cinzentos demonstrava uma melancolia perturbadora. Aquele era Maximilian, um dos Filhos da Sombra que tinham o nível de manifestação A e que graças a isso possuía um dom especial.

Dominic estudou sobre Maximilian nos livros do Mestre há algum tempo atrás. Segundo o que estava escrito, assim como Siouxie, ele tinha um dom único, que era capaz de sugar todos os nutrientes e minerais do solo, os transformando desde joias, pedras preciosas e outras coisas mais cosméticas até ferro, alumínio e titânio. Em alguns casos citados, Maximilian já foi capaz de extrair um metal raríssimo e de origem indestrutível da crosta terrestre, mas isso o exauriu a tal ponto que foram necessários meses para que ele recuperasse seu vigor total. Além disso, Maximilian desde que se converteu em um Filho da Sombra sempre foi alguém extremamente perturbado mentalmente por traumas da sua vida humana, no qual não fora mencionado, isso o deixou extremamente imprevisível em sua maneira de agir e lhe concedendo hábitos pouco comuns.

— Lorde Maximilian os saúda, membros do Domínio da Última Noite. — Anunciou um homem que se portava em pé ao lado do trono, e que Dominic sequer tinha notado antes.

— É um prazer revê-los Thoren. — Respondeu Leton fazendo uma referência normal enquanto curvava levemente o corpo.

Dominic nunca tinha ouvido falar daquele Filho da Sombra, mas o que lhe chamou a atenção foi sua aparência de alguém um pouco idade avançada, coisa extremamente incomum para um Filho, já que normalmente quando alguém com mais de cinquenta anos é convertido, ele volta a ter seu porte físico de vinte cinco anos ou menos. Thoren era calvo na parte superior da cabeça, mas ao redor cresciam longas mechas encaracoladas de cabelo, seus olhos eram finos, o nariz era grande, o queixo era alongado, em suas mãos as unhas cresciam a quase cinco centímetros para fora da carne, usava uma túnica semelhante aos outros daquela cúpula, totalmente negra e com símbolos que Dominic não reconheceu destacando-se em cinza.

— Maximilian, há muitos anos não nos vemos. — Leton continuou. — Você construiu uma maravilhosa cidade aqui neste lugar.

— A cidade é um mérito de todos do Domínio da Joia Despedaçada. — Thoren respondeu. — Ficamos muito felizes que tenha gostado caro Leton. Mas sejamos diretos, que motivos trazem-lhes aqui?

Dominic não podia negar que as formas dos Filhos da Sombra resolverem assuntos diplomáticos eram extremamente mais rápidas e eficientes que humanos. Provavelmente se fossem dois líderes de nações naquela mesma situação, eles estariam jogando golfe, depois teriam um luxuoso jantar, uma hora de condolências e homenagens até finalmente começarem a debater a respeito do assunto principal e por fim chegarem a lugar nenhum.

— Viemos aqui pedir a ajuda de vocês, Domínio da Joia Despedaçada. — Leton mudou o tom de cortesia para outro extremamente sério. — O Domínio da Força Incontrolável vem aumentando a cada dia suas fileiras de membros. Logo alcançarão os milhares de Filhos e isso está afetando todo o equilíbrio de todas as raças viventes neste continente.

— Continue. — Pediu Thoren.

— Apenas no último ano, segundo as minhas investigações, o número de convertidos pelo Domínio da Força aumentou em quase trinta por cento em relação aos últimos anos. Isso está gerando um grande número de Filhos sem qualquer motivo senão a dominação. Se não fizermos nada para parar esse crescimento desenfreado e brutal, os seres humanos vão começar a sofrer os efeitos colaterais.

— E quais seriam esses?

— Em curto prazo não se notaria nada de diferente. — Leton explicou. — Mas nos próximos cem anos, se mais Filhos da Sombra surgirem nessa velocidade provavelmente a raça humana vai passar a ter dificuldades em se reproduzir, já que não existe qualquer possibilidade de uma humana ter filhos com um Filho da Sombra e vice-versa. E acredito que isso vai ser um dos motivos para que as coisas se tornem piores, a ponto de que a nossa raça saia da zona de segredo e se torne algo publico.

— E então?

— Isso acabaria numa divisão social ainda maior, cedo ou tarde ocasionando uma guerra que aniquilaria os seres humanos daqui e causaria uma guerra aberta entre os Filhos da Sombra que já não serão mais divididos em Domínios.

— Mas me diga Leton, porque você teria interesse em nós?

— Porque se não nos reunificarmos sobre um único objetivo novamente, o mundo irá perecer.

A sala ao redor foi invadida por alguns risos de deboche, inclusive do próprio Thoren.

— Você perdeu seu tempo vindo aqui. Não vamos nos unificar com qualquer outro, inclusive vocês. O mundo está bom do jeito que está, não precisamos nos preocupar com algo tão insignificante e medíocre como os humanos.

— Maximilian. — Leton ignorou completamente Thoren. — Você viu o que existe por trás das fendas que abrem. E você sabe que se não nos unirmos novamente todo o mundo vai perecer diante daquilo, mais cedo ou mais tarde mais crias vão escapar e elas não podem ser vistas pela humanidade!

— Nos poupe desta conversa infantil Leton. Essas fendas jamais existiram, é impossível existir algo que possa ser superior a nós, os Filhos da Sombra. — Thoren continuou ainda rindo.

— Maximilian, você vislumbrou aquilo conosco. — Leton estava tão focado em Maximilian que praticamente esqueceu-se da sua cúpula. — Você assim como eu, viu parte daquilo e sabe que até mesmo os Filhos da Sombra sucumbiram a loucura e a insanidade.

— Lorde Maximilian deseja que os senhores se retirem. — Thoren ordenou claramente irritado por ter sido ignorado. — Ele não tem tempo de ouvir essas histórias de alguém que só quer dominar novamente a todos nós, não é a toa que vocês afundaram junto com aquele medíocre que insistem em chamar de Mestre.

— Abra o seu bico mais uma vez para insultar o Mestre que eu irei lhe mostrar o que é afundar. — Siouxie irrompeu a conversa, ameaçou se irritando e fazendo com que todos da cúpula se levantassem.

— Agora a coisa ficou complicada. — Vesta comentou enquanto o clima ficava cada vez mais tenso.

Leton, porém ainda encarava Maximilian que estava parado na mesma posição desde que chegaram.

— Leton. — Samantha o chamou colocando a mão no seu ombro. — Precisamos sair daqui antes que sejamos atacados.

Alec assustado se agarrou a perna de Dominic.

— O que vai acontecer? — Ele perguntou temeroso.

— Fique tranquilo Alec. — Dom sussurrou. — As coisas vão se acalmar, apenas fique próximo e tente não entrar em pânico.

— Você insultou a mim? — Thoren perguntou realmente chocado perdendo o ar cômico. — Você insultou o mais alto dos Filhos da Sombra do Domínio da Joia Despedaçada? — Seu tom de voz ia aumentando gradativamente.

— Leve isso como quiser, mas não vou permitir que fale do Mestre na minha frente. — Siouxie respondeu fechando o punho.

— Siouxie pare com isso! — Draen pediu segurando o ombro dela. — Não piore as coisas.

— Tudo já estava nesse rumo quando Leton inventou de vir aqui tentar conversar com esses cem escrotos que vocês chamam de Filhos. Seria melhor deixa-los apodrecer nessa cidade e resolver as coisas nós mesmos.

— Essa foi a última ofensa garota! — Thoren que antes tinha as mãos cobertas pela túnica colocou-as de fora. Imediatamente todos os Filhos que assistiam silenciosos saltaram de seus assentos e cercaram os cinco do Domínio da Última Noite. — Jamais desafie o líder do Domínio da Joia Despedaçada.

Dominic ainda não sabia o que fazer, ficou apenas parado olhando atento para toda aquela legião que se aproximavam e bolando um plano para escapar e tirar ao menos Alec e Vesta dali sem maiores consequências para ambos. Foi quando Maximilian subitamente levantou e fechou o punho:

— Cessem. — Ele falou saindo da posição estatual que estava. — Thoren, Leton foi meu companheiro durante séculos antes de você se quer existir. Você está aqui para resolver assuntos pequenos, mas sabe que não tem o direito da palavra quando as coisas são realmente importantes.

— Mas senhor... — Thoren perdeu totalmente a cor da pele, ficando pasmo.

— Não ache que só porque pode me representar em ocasiões como essa, que deve se tratar como líder deste Domínio.

— Lorde Maximilian, jamais faria tal absurdo...

— Então da próxima vez — Maximilian interrompeu-o — diga que quem foi ofendido foi você, e não o seu líder. — Ele olhou para Siouxie e sorriu brevemente. — Jamais destrate uma dama em minha presença. Ainda mais uma dama como Siouxie.

— Sim senhor. — Thoren abaixou a cabeça para esconder sua face, estava totalmente desconcertado e irritado enquanto dava alguns passos para trás.

Os Filhos da Sombra que os rodeavam aos poucos foram recuando deixando o silêncio tomar conta novamente da sala. Dominic respirou aliviado, enquanto Siouxie esboçou um rápido sorriso no rosto.

— Como estávamos discutindo antes caro Leton. — Maximilian levantou-se. — Parece que as coisas chegaram a um patamar tão critico que não podemos mais ignorar as coisas.

— Sim. — Leton concordou.

— Então antes de continuarmos este assunto, lhe proponho uma oferta que, pelos velhos tempos, você não irá recusar.

— Sou todo ouvido.

— Como bem sabe, tenho visitantes indesejáveis rondando a minha propriedade a algumas centenas de quilômetros daqui. Parece que aqueles macacos do Domínio do Abismo Infernal estão saindo de suas cavernas e causando problemas sérios a fauna e flora das montanhas ao oeste daqui.

— Eu sinto a presença de vários deles. — Leton comentou enquanto via Maximilian descer a escadaria do altar do trono. — Mas não sei dizer ao certo quantos são.

— Eles não atacam sozinhos, provavelmente é uma horda que vem destruindo tudo o que se aproxima. — Maximilian parou frente a Leton. — Proponho que nós, todos os melhores guerreiros do meu Domínio e o seu, vamos até ao desfiladeiro e cacemos os malditos.

— O que? — Leton e todos foram pegos de surpresa.

— Sim. — Maximilian tinha o traço leve de um sorriso no rosto. — Para que possamos novamente restaurar a confiança e a boa amizade que tínhamos nada melhor que uma caçada a esses monstros. Eu sei que seu objetivo é reunificar todos os Domínios, mas precisamos admitir que este em específico já se foi.

Dominic esperou a resposta de Leton que ficou relutante por alguns segundos tentando raciocinar de forma lúcida.

— Tudo bem. — Ele falou por fim, espantando todos do seu próprio Domínio, já que Leton em outras condições jamais falaria aquilo. — Mas com uma condição apenas.

— E qual é?

— Meu servo irá ficar aqui, juntamente com Vesta e a criança.

— O humano é evidente. — Maximilian falou como se não entendesse porque Leton o mencionou — Mas porque não pode levar esses dois dos seus?

— Você disse que queria os meus melhores guerreiros não é? Vesta é tão fraco como um humano e Alec ainda é uma criança, mesmo já tendo despertado a sua Sombra.

— Que assim seja! — Maximilian levantou os braços momentaneamente. — Então partiremos ao amanhecer de hoje.

Tem alguma coisa errada” Dominic pensou. Uma estranha sensação lhe invadia a mente e seus instintos de Guardião Sombrio lhe diziam que havia um perigo iminente ao redor deles.

— Filhos da Joia Despedaçada. — Maximilian exclamou enquanto andava em direção a porta, formando um corredor de pessoas que abriam a passagem para ele. — Hoje todos nós iremos mostrar que não estamos escondidos aqui, e que não vamos tolerar qualquer invasão. Vamos acabar com aqueles macacos!

Todos os seus subordinados o seguiram porta a fora em um silêncio funerário.

–----

Faltando poucos minutos para o amanhecer, o Domínio da Última Noite aguardava Maximilian e sua vanguarda na entrada do hotel.

— Leton tem alguma coisa errada! — Dominic falava para Leton. — Porque tirar todos os Filhos da cidade apenas para caçar outros que são praticamente animais?

— Eu não sei Dominic. Maximilian tem um pensamento muito difícil de acompanhar.

— Eu estou com um péssimo pressentimento quanto a isso. — Dom transbordava insegurança. — Ninguém tiraria toda a segurança da cidade para fazer isso.

— Maximilian só irá levar os seus soldados de elite. Outros Filhos ficarão aqui Dominic.

— Leton não é possível que você não veja isso. — Dominic passou as mãos pela cabeça arrepiando seu cabelo deixando claro a sua preocupação.

— Eu também estou com o mesmo pressentimento Dom, mas não podemos fazer nada nesse território hostil. — Leton colocou suas duas mãos no ombro de Dominic e o olhou no fundo dos olhos. — É por isso que preciso de você aqui para proteger Vesta e Alec, você é a única pessoa que posso confiar nesse momento.

— Eu não sei... — Dominic desviou o olhar.

— Dominic olhe para mim! — Leton apertou mais ainda seus ombros. — Você precisa deixa-los fora de perigo. Alec não pode usar a sua Sombra aqui nesta cidade em hipótese alguma, entendeu? Existem humanos aqui e eles precisam ser protegidos, pois são inocentes a tudo que está acontecendo.

Dominic respirou fundo e tentou espantar o seu pessimismo.

— Certo. Mas volte o mais rápido possível.

— Farei isso, amanhã estaremos aqui novamente e poderemos ir embora.

Não muito tempo depois, os poucos moradores que já transitavam pelas pequenas ruas da cidade se impressionaram ao ver uma fileira com mais de cem Filhos da Sombra, descendo a rua principal e todos liderados por Maximilian que fazia a frente usando seu mesmo terno vermelho. Não demorou muito para que as pessoas que antes estavam dormindo abrissem suas janelas para presenciar aquele fenômeno raríssimo. Até mesmo Dominic se impressionou com aquilo, já que jamais vira um número tão grande de Filhos caminhando juntos.

Maximilian esboçava um sorriso confiante em seu rosto enquanto se aproximava de Leton e dos outros do Domínio da Última Noite.

— Senhores. — Ele cumprimentou enquanto fazia uma referência com o corpo. — Podemos? — Apontou para a saída da cidade.

— Claro. — Leton respondeu enquanto fazia um sinal para que Siouxie, Samantha e Draen o seguissem.

— Não se preocupe Alec, logo voltaremos. — Samantha se despediu da criança bagunçando seu cabelo com as mãos. Alec sorriu brevemente.

Draen e Siouxie permaneceram silenciosos e apenas seguiram Leton que acenou para Dominic com as mãos.

— Alguma coisa lhe perturba Dom? — Vesta perguntou para Dominic que apenas observava os Filhos da Sombra descerem as ladeiras em direção aos limites da cidade.

— Boa pergunta.

Quando o sol estava a pino, Dominic, Vesta e Alec aproveitaram para sair um pouco do hotel e aproveitar um pouco do raro calor na praça da pequena cidade. Percebendo as luvas que cobriam praticamente o dia inteiro das mãos de Dom, veio uma pergunta na mente de Alec:

— Dom, qual é o nosso verdadeiro objetivo aqui? Por que nós fomos transformados em Filhos da Sombra?

Dominic que parecia estar voando em um devaneio distante foi trazido novamente a realidade como uma bala de chumbo que caí dura no chão.

— Como é? Não entendi direito sua pergunta.

— Estou perguntando qual é o motivo de eu, você e Vesta sermos Filhos da Sombra? — A objetividade e maturidade incomum na voz ainda jovem de Alec fez com que Dominic ficasse um tanto espantado. — Se a gente vai praticamente viver para sempre, porque nós não morremos de uma vez?

— É uma pergunta que pode se encontrar em uma encruzilhada de respostas. — Dom respondeu após um breve momento para absorver aquele evento. — Vamos pegar você mesmo como exemplo. Você fez sua Sombra avançar mais do que deveria na balança da Siela, lhe deixando em um estado de frenesi. Essa raiva e descontrole, misturado aos poderes desbalanceados dados a você nesse exato instante poderia causar um evento que iria matar provavelmente muitas pessoas inocentes que cruzassem em seu caminho. Basicamente Leton teve dois bons motivos para te converter. — No fundo Dominic não concordava, mas ele precisava admitir que Leton tinha bons argumentos. — O primeiro é que você já deve saber que a Sombra em uma semana no máximo iria cobrir toda a sua Siela e quando isso acontece você morre. Demos sorte de que sua Sombra foi manifestada em uma área de poucas pessoas e não causou o mesmo estrago caso isso ocorresse em uma avenida movimentada de uma cidade.

— O segundo ponto. — continuou — É que você é uma pessoa em potencial, ou seja, a sua manifestação da Sombra foi muito maior do que qualquer outro Filho de nível D, C e até mesmo B. Leton lhe converteu justamente para que você não fosse parar em mãos erradas e agora lutar pelas causas erradas.

— Mas somos criados apenas para isso? — Alec perguntou confuso. — Eu me transformei em um Filho da Sombra por eu ser perigoso demais, ok. E depois?

— Aí precisamos voltar um pouco na história. O Mestre, o primeiro antes de Leton, descobriu que existem certas... — Dom pensou um pouco na palavra certa para não espantar Alec de começo — coisas que rodeiam o nosso mundo, que estão escondidas na escuridão e que não podem ser vistas, pois existe uma espécie barreira que separa os humanos delas. Mas essa escuridão que oculta essas coisas está de alguma maneira conectada ao nosso planeta, ao nosso plano e por isso, às vezes, algumas coisas conseguem sair da sua escuridão para a luz, que seria o nosso lar. E quando isso acontece, o Equilíbrio entra em desarmonia.

—O Mestre viu essas coisas inomináveis com os próprios olhos e sabia que elas iriam trazer a ruína para a humanidade caso saíssem de onde estavam. E baseado nisso ele criou o método conhecido como Conversão, que tem como propósito principal retardar o avanço da Sombra a tal ponto que ela demore séculos para que finalmente cubra toda a Siela. A pessoa após a Conversão perde grande parte da sua capacidade de sentir afeto pelos outros, transformando-a em alguém frio, calculista e extremamente lógico. Com isso essas pessoas poderiam ser capazes de ver as coisas inomináveis.

— Esse é o nosso principal objetivo. — Completou Vesta que apenas ouvia Dominic. — Fomos criados para repelir tudo que sai das fendas entre esses dois mundos, o Mestre sabia que sem nossa capacidade de sentir aumentaria nossa resistência contra a loucura e a insanidade.

— E o que são essas coisas? — Alec perguntou um pouco assustado, mas curioso.

— Mesmo você sendo um Filho, ainda é muito jovem para entender a complexidade disso. — Vesta respondeu. — E eu espero que você jamais precise ser mandado para fechar uma dessas aberturas. As coisas que se podem ver vindas de lá...

— Vesta! — Dominic interrompeu pegando no seu braço. — Chega.

— Desculpe.

— Você já viu Dom? — Alec perguntou.

— Nunca. Eu ainda tenho a capacidade de sentir, mesmo tendo a manifestação da minha Sombra, então provavelmente se eu for tentar sequer olhar isso... — Dominic aos poucos foi perdendo a voz até perceber que não tinha explicações para dar caso aquilo realmente acontecesse.

— Sugiro mudarmos de assunto, seus amigos estão chegando aqui. — Vesta falou para todos sem sequer olhar para os lados.

— Meus amigos, de onde você tirou essa? — Dominic sussurrou, mas não ouve respostas já que Jake, Raquel e Gabriela estavam pertos o suficiente.

— Bom dia! — Jake falou animado e sorridente. — Vocês viram aquela saída em massa dos Filhos da Sombra?

— Sim, me tiraram da cama para ver isso. — Dom respondeu.

— Viu? — Disse Gabriela com um sorriso vitorioso. — Ninguém liga para isso Jake.

— Mas foi legal ver aquela mancha negra passando pela cidade! — Raquel protestou. — Acho que os Filhos da Sombra não tem qualquer bom senso para roupas.

Vesta e Alec se remexeram no banco desconfortáveis.

— Bom, vamos aproveitar que agora podemos falar mais alto na cidade já que os chefões foram embora. — A Voele em volta de Jake estava radiante, havia meses que Dominic via alguém naquele estado de euforia. — Querem almoçar conosco?

— Bem... — Dominic coçou a nuca pensando numa desculpa.

— Eu e o garoto aqui temos uns assuntos a resolver agora, senhores. — Vesta se atravessou na conversa. — Mas Dominic adoraria ir. Não é?

Dom se sentiu parcialmente traído pelo seu companheiro. Seria fácil negar e dizer que ele não iria, mas como ele ainda fazia o papel de um mero humano serviçal e Vesta ainda, mesmo que com muito esforço, era um Filho da Sombra, ele precisou aceitar.

— Tudo bem, eu vou. — Dom falou levantando-se. — Qualquer coisa vocês sabem como me encontrar.

Dominic ao aceitar o convite imediatamente sentiu que Jake e Raquel ficaram entusiasmados por ele estar indo com eles, mas o que lhe chamou atenção foi que Gabriela também teve uma pontinha de animação, mesmo que fosse lá no fundo e bem pouco.

Quando os quatro deram as costas, Dom ainda pode ouvir uma parte da conversa entre Vesta e Alec:

— Por que ele pode ir e nós não Vesta?

— Porque de vez em quando Dominic precisa se olhar no espelho para não esquecer quem realmente é. Explico-lhe isso depois criança, pois aposto que ele está nos ouvindo.

Durante todo o dia os quatro passaram juntos conversando. Almoçaram no único restaurante da cidade, comeram alguns frutos do mar, pudim de sobremesa e então decidiram ir ao seu ponto preferido daquele lugar. Passearam por uma trilha que subia pelas montanhas e descansaram embaixo de uma árvore solitária no meio de uma clareira, neste meio tempo Dominic viu os três amigos adormecerem encostados ao tronco, ele aproveitou o silêncio para aguçar seus sentidos e sentir algumas coisas que normalmente um humano comum e nem mesmo ele poderia. Dom fechou os olhos e sentiu o silêncio sendo quebrado pelo balançar das copas ao redor, a grama roçando em suas mãos, o vento batendo no pico das montanhas e fazendo um agradável silvo, a respiração de Jake, Raquel e Gabriela em ritmo uniforme e calmos, a Voele deles acompanhavam a tranquilidade do momento, até mesmo a de Gabriela estava branda.

Após uma hora eles despertaram, olhou para os lados e não viu mais Dominic.

— Onde ele foi? — Perguntou ela sonolenta e bocejando.

— Aqui em cima. — Dom respondeu acenando com uma das mãos em cima de um dos galhos da árvore onde eles repousavam.

— O que você tá fazendo aí em cima? — Jake disse enquanto se espreguiçava.

— Eu gosto de subir em lugares mais altos, e essa árvore me serviu bem.

— Então vamos continuar, falta pouco pra chegarmos lá. — Jake apontou para a trilha logo a frente que adentrava novamente na mata.

Dom saltou para o chão de uma vez e eles continuaram a seguir o seu caminho.

Durante uma hora eles caminharam pelas velhas escadarias feitas de ladrilhos de rochas que se fundiam a terra.

— Dizem que essas escadarias foram construídas pelos homens que antecedem os Cometas Dourados. — Comentou Jake.

— Não sonha. — Gabriela contestou. — É impossível existir algo daquela civilização que ainda esteja de pé.

— O que acha Dom? — Perguntou Jake tentando procurar apoio.

— É difícil dizer já que essas pedras demoram anos e anos para que comecem a demonstrar sinais de desgaste pelo tempo. — Dominic expos. — Hoje em dia é difícil achar qualquer coisa da civilização Pré-Cometas, mas não é impossível.

A discussão durou até o restante do percurso, mas nenhum deles acabou chegando a um consenso.

— E então Dominic, já subiu em algum lugar realmente alto? — Jake perguntou enquanto ia andando de costas.

— Alguns. — Dominic lembrou-se dos arranha-céus que costumava escalar para caçar.

— Então seja bem-vindo ao topo de tudo!

Ao cruzarem a ultima coluna de árvores, Dominic não pode esconder a sua surpresa pela beleza do lugar, ele imediatamente calculou que era a coisa mais bonita que admirara durante toda sua vida. Vendo as nuvens circundar os morros menores, Dom se encontrava no topo de uma grande colina onde a mata fechada deu lugar a um espaço gramado, declivo e que tinha cerca de dez metros de raio. O sol emanava seus raios de luz que eram refletidos no topo das outras montanhas que brilhavam como nunca, o vento gelado que batia ali fez com que a Sombra de Dominic quase desaparecesse por completo. Mais embaixo era possível ver a gigantesca selva que habitava os pés daquele complexo de montanhas.

— Esse é o nosso ponto de refugio desde que éramos crianças. — Explicou Jake enquanto observava o horizonte. — Acho que os Filhos da Sombra não sabem deste lugar.

— É realmente muito bonito aqui. — Concordou Dominic. — Como vocês vieram parar aqui?

— Um dia, ainda quando tínhamos apenas oito anos. — Começou Raquel. — Queríamos fugir daquela prisão em forma de cidade. Então decidimos sair pela manhã antes do raiar do sol para a direção da próxima cidade. — Ela apontou para o oeste.

— A cidade de Colinas? — Dom perguntou.

— Sim. A gente sabia que se fossemos pela estrada na qual vocês vieram iriamos ser pegos. — Explicou Gabriela. — Então achamos que por essas colinas pudéssemos achar uma trilha.

— E acharam. — Dom sorriu rapidamente.

— Não foi exatamente aquilo que queríamos. — Jake admitiu. — Mas isso foi o suficiente para nos prender a essa paisagem durante horas e depois desistir do nosso plano de fuga. Além do que, não demorou muito para percebermos que se entrássemos na selva fechada, jamais sairíamos dali.

Dominic andou até próximo a borda, se agachou com seu peso apoiado nas dobras dos dedos do pé, apoiou a mão direita entre as pernas no chão, como se o Guardião Sombrio estivesse ali novamente. Mas daquela vez, ele simplesmente observava o paredão esverdeado a sua frente e a altura que estava sobre seus pés.

— É uma altura e tanto. — Admitiu enquanto olhava para baixo sem enxergar o chão.

— Nunca tivemos medo de altura. — Raquel brincou. — E você também não pelo visto.

— Pois é. — Concordou Dominic.

— Se olharmos para o oeste. — Apontou Jake. — Quando não há nenhuma nuvem no céu, é possível ver Colinas. Uma vez eu trouxe um binóculo e conseguimos ver pontinhos se mexendo lá. Acho que foi o único contato com o mundo exterior que eu tive na vida.

Devido ao acumulo de nuvens em volta, Dominic não pode ver a cidade vizinha.

— Isso é inacreditável. — Dominic falou. — Vocês viverem aqui e sequer poder conhecer o mundo afora. Não que ele esteja lá aquelas coisas. — Ele se lembrou das caçadas. — Mas é um direito de vocês serem independentes, o ser humano deve ter seu livre arbítrio.

— Livre arbítrio? — Gabriela questionou.

Dom então só se deu conta que aquele termo só era citado nos Livros do Mestre e que de tantas referências que ele fazia àquilo que acabou entrando para o seu vocabulário. Entretanto, Dominic só usou essas palavras quando estava na presença de Leton e dos outros Filhos da Sombra. E então, vendo que estava sem saída, respondeu:

— Bom... O Livre Arbítrio é como os Filhos da Sombra chamam a capacidade do ser humano de poderem trilhar seus próprios caminhos, fazer as próprias escolhas. Talvez isso seja a coisa mais importante e que torna a humanidade especial.

— Mas os Filhos da Sombra podem fazer escolhas também, não podem? — Gabriela perguntou.

— Mais ou menos. Eles já foram humanos e isso conta bastante, mas como eles perderam parte da humanidade dentro de si, os Filhos da Sombra também perdem bastante a capacidade de seguir o próprio caminho também. É por isso que eles são tão metódicos e poucos conseguem fazer coisas que fogem da sua natureza padrão.

— Eu ainda não entendi. — Jake falou confuso.

— Não se preocupem com isso. — Dominic deu uma risada sem graça. Ele não queria entrar na complexidade daquele assunto, já que envolveria conceitos da Siela e do Equilíbrio em geral. — É só uma observação boba.

Durante o restante da tarde os quatro ficaram conversando sobre banalidades. Dominic explicou alguns costumes da cidade grande sem tentar dar brechas para perguntas comprometedoras. Entretanto um pensamento não saia da sua cabeça e um sentimento não largava do seu coração: como humanos podiam ser aprisionados daquela maneira? Como os Filhos da Sombra chegaram a tal ponto absurdo?

Como sua Sombra estava branda, Dominic estava carregado de indignação, pena e remorso. Aqueles três ainda eram jovens e precisavam viver suas vidas da maneira que quisessem desde que não matassem ninguém no processo, mas ainda assim terem suas próprias escolhas. Dom sabia que viver ali os tornaria mais leigos a diversos assuntos que eles precisavam vivenciar. Sua parte lógica, porém, falava que se eles saíssem daquela cidade poderiam se corromper pelos males que os humanos das grandes cidades vinham enfrentando e aumentando cada vez mais.

O dia passou rápido, e durante o crepúsculo eles voltaram para cidade. Jake implorou para que Dominic guardasse segredo a respeito daquele lugar e que não comentasse com ninguém.

— Não se preocupe — Dom garantiu — aquele lugar é um direito de vocês.

— Muito obrigado, irmão. — Jake agradeceu. — Aquele lugar é a única coisa que faz a gente se sentir um pouco mais livre.

Dom retribuiu com um rápido sorriso.

— Você vai embora quando? — Perguntou Raquel.

— Amanhã provavelmente. Quando Leton voltar.

Dominic pode sentir a Voele dos três transmitir uma sensação de desamparo, amargura, desanimo, tristeza e muitos outros sentimentos melancólicos.

— Mas acho que voltaremos aqui com mais frequência — Dom tentou concertar da maneira que pode. — Provavelmente as coisas vão melhorar entre Leton e Maximilian, então as nossas visitas vão ser mais frequentes.

— Espero realmente que sim Dominic. — Jake disse transmitindo um pouco daquela tristeza. — Você se tornou o único elo entre a gente e o mundo lá fora.

— É uma responsabilidade e tanto hein? — Dom ironizou. — Bom, acho que amanhã podemos almoçar juntos, provavelmente vamos partir só durante a tarde.

— Fechado, nos vemos amanhã então? — Jake confirmou.

— Claro.

Eles se despediram e Dominic entrou no hotel. Passando pela recepção, ele deu um aceno com a cabeça para o velho homem que cuidava da recepção, subiu as escadas até o terceiro andar onde estavam hospedados. Ao abrir a porta do seu quarto, ele se deparou com Vesta olhando embaixo de sua cama e dizendo:

— Vamos Alec saia daí, não tem ninguém lá fora.

— O que houve? — Perguntou Dominic enquanto fechava a porta.

— Pergunte você mesmo. — Vesta apontou para baixo da cama.

Dom se ajoelhou e abaixou sua cabeça, lá embaixo estava Alec encolhido num canto e tremendo.

— Alec o que você foi fazer aí?

— Eles estão vindo Dom! — O garoto respondeu com os olhos arregalados e tremulo. — Eu os vi! Estão subindo a montanha, por dentre as árvores!

Dominic olhou para Vesta que encolheu os ombros e fez uma expressão de duvida.

— Leton disse alguma coisa se Alec pode sentir a Sombra de outras pessoas? — Dominic o perguntou.

— Nada para mim. — Vesta respondeu. — Ele ficou assim há alguns minutos antes de você chegar.

Dominic bufou e olhou novamente para debaixo da cama.

— Alec, eu preciso que você me diga quem ou o que está vindo. Mas pra isso preciso que você saia daí ok? — Dom estendeu sua mão direita. — Venha. Nada vai dar errado.

Ainda inseguro Alec segurou a mão de Dom e se arrastou para fora da cama. Ele estava tão tremulo que mal conseguia se por de pé, sua pele que já era branca parecia que tinha perdido todo o sangue do corpo, os olhos estavam tão arregalados de pavor que fez Dominic ter calafrios.

— Certo agora me diga com detalhes o que está vendo?

— Eu posso ver pelas paredes, vejo vultos se aproximando, subindo as montanhas Dominic! Eles estão vindo pela estrada que a gente veio, pela floresta.

— Quantos são?

— Muitos! Muitos, muitos, muitos! — Alec parou por um instante e o seu olhar perdeu totalmente o foco.

Dominic olhou para Vesta confuso que retribuiu o mesmo sentimento.

— Chegaram.

Mal a palavra saiu da boca de Alec que Dominic ouviu um ruído agudo no lado de fora. As janelas subitamente se iluminaram seguida de uma explosão que estraçalhou os vidros, trincou as paredes, derrubando os armários da cozinha.

Neste exato instante, Dominic viu os olhos de Alec escurecer até sumirem em um par de pequenos buracos negros, ainda apavorado o menino soltou um grito grave e horripilante, desencadeando uma onda de choque tão violenta que Dominic, Vesta e todos os móveis ao redor foram jogados para o lado. Dom bateu contra a parede e caiu de joelhos no chão, sua cabeça girava assim como sua mente, mas ainda assim ele pode ouvir outras explosões ao fundo.

— Vesta! – Ele gritou. — VESTA!

— Estou bem, estou bem! — Vesta respondeu distante.

— Alec mantenha a calma! — Dom continuou gritando enquanto tentava se levantar. —

Dominic se apoiou na parede tentando se levantar aturdido. — Por favor, Alec se você não se controlar vai matar todos nós.

— Eles estão aqui! — Alec continuava a gritar.

A Sombra de Dominic inflou ajudando-o a recuperar-se da leseira, rapidamente ele deu um salto longo o suficiente para agarrar Alec e sair correndo para fora do quarto que aos poucos tinha suas paredes sendo cedidas e desmoronando. Ele olhou para lado e viu Vesta deitado no corredor com as mãos sobre a cabeça.

— Precisamos sair daqui Vesta! — Dominic gritou enquanto corria carregando Alec como se fosse uma mala. — Isso vai desmoronar.

Mas Vesta respondeu apenas com grunhidos que pareciam ser de dor. Ao ver aquilo, Dominic sentiu o verdadeiro pavor invadir sua mente e tomar conta de todo seu corpo.

— Vesta, me diga que você está sob controle.

— Existe algum espelho ou algo que eu possa ver meu reflexo por perto? — Vesta respondeu ofegante e entorpecido.

— Não, pode olhar.

Vesta ergueu os olhos e não viu seu reflexo em lugar nenhum. Com a ajuda de Dominic ele se levantou, ajeitou os óculos na sua face e com um pouco de dificuldade eles desceram as escadas. Chegando ao térreo, eles perceberam que a cidade estava tomada pelo caos completo, nas ruas pessoas corriam desesperadas e clamando por ajuda. Várias casas estavam em chamas, mais explosões aconteciam a cada instante cortando de vez a energia elétrica do hotel.

— Dom! — Alec alertou. — Tem alguém vindo aqui!

— Droga. — Dominic empurrou Vesta para trás do balcão de atendimento e se jogou com Alec logo em seguida logo ao lado do agora falecido senhor que Dom cumprimentara a poucos instantes.

Com as mãos na boca de Alec e fazendo sinal de silêncio com os dedos para Vesta, Dominic ouviu passos calmos adentrarem no salão principal. Tentando não fazer barulho, Dom sentou-se próximo a borda e com a Lâmina da Morte esquerda já a mostra, ele aguardou.

Os passos estão muito calmos para serem de um habitante” ele pensou “preciso manter a calma e agir com cautela”.

Os passos se aproximaram do balcão, Dom viu a sombra de alguém se projetar na parede a sua frente. Ele fechou o punho da mesma mão da sua Lâmina e quando Dominic pode sentir o cheiro de suor que emanava daquela pessoa, ele se virou, com a sua mão desarmada ele grudou direto na boca daquele homem e com a outra cravou com toda sua força a Lâmina da Morte que atravessou o abdômen. Dominic então jogou o corpo morto para os pés de Vesta e Alec.

— Certo, estamos com problemas sérios aqui. — Dom se ajoelhou novamente.

— Eu estou com medo. — Alec se encolheu em posição fetal no chão.

— Alec você precisa controlar o seu medo. Estamos sozinhos aqui, se eu não puder contar com vocês, não vamos sobreviver. Isso vale o mesmo para você Vesta.

Alec acenou com a cabeça e engoliu o choro, respirou fundo e tentou se acalmar.

— Eu já estou bem. — Garantiu Vesta.

— Ok, precisamos chegar ao castelo de Maximilian, lá sem duvidas é o lugar mais seguro no momento.

— Não sabemos como está lá fora. Provavelmente estão à centenas.

Dominic então parou para observar o Filho da Sombra que tinha acabado de matar. Era um homem alto e forte, pele negra, sem cabelos, usava roupas simples e rasgadas, ainda tinha a expressão causada pela dor que sentira pelo golpe sofrido e não portava qualquer tipo de armas.

— É do Domínio da Força. — Comentou. — Pelo porte físico.

— Estamos realmente com problemas. — Vesta que agora estava sentado deu uma rápida espiadela por cima do balcão. — É melhor pensarmos em um plano para dar o fora daqui, antes que mais deles apareçam.

— Concordo. Eu vou até a saída e ver como está o lado de fora, assim que eu assoviar vocês dois venham agachados até onde eu estou.

Os dois concordaram, Dominic então deu uma rápida olhada e viu que o salão principal estava vazio. Abaixado ele o atravessou rapidamente em direção ao vão do buraco onde estava a porta e observou o cenário a fora.

A visão que se tinha era de uma cidade sendo pilhada durante a guerra. Corpos de habitantes que mais cedo Dominic viu agora estavam espalhados pelo chão, muitos ainda gritavam e corriam em direção ao castelo. Filhos da Sombra andavam calmamente pelas ruas usando tochas e ateando fogo em tudo que viam, os que sobraram do Domínio da Joia Despedaçada recuaram e sequer prestaram socorro para a população. Ainda era possível ouvir os gritos de pessoas que não puderam chegar a tempo no castelo e estavam de alguma forma presas a cidade.

Merda! Eu o que eu faço?” se perguntou “Não posso deixar Vesta e Alec sozinhos, mas também não vou aguentar ver pessoas morrendo sem motivos. E quanto a Jake e as garotas?”. “Talvez se eu chegar ao castelo e pedir ajuda. Não! Eles vão se recusar a sair de lá”.

Dominic assoviou. Vesta e Alec chegaram até onde ele estava, se ajoelharam junto a parede.

— Algum plano em mente? — Vesta sussurrou.

— Alec você ainda consegue ver onde eles estão? — Dominic perguntou ainda fitando o lado de fora.

— Por toda a parte.

— Me diga se eles estão na floresta ao redor da estrada que leva para o castelo?

— Alguns. — Alec apertou os olhos. — Uns sete talvez.

— São muitos. — Dominic praguejou. — Não vamos conseguir chegar lá antes que nos detectem.

Enquanto eles esperavam em silêncio alguma oportunidade, de repente alguém entrou correndo pela porta e nem percebendo que estavam ali. Dominic com um movimento rápido agarrou a pessoa pelo pulso e a puxou para si, tampando a sua boca.

— Quieta! — Ele disse para Gabriela que o olhava assustada e com os olhos coberto de lágrimas.

— Dominic! Ainda bem que te encontrei aqui! — Ela disse desesperada e ofegante. — Por favor, eu preciso que você me ajude!

— O que houve?

— A casa de Jake está pegando fogo! A família dele foi tirada de lá, mas os Filhos da Sombra daqui da cidade não deixaram eles voltarem e pegá-lo. Peça pra um dos seus ir busca-lo!

Dom olhou para Vesta e Alec, descartando imediatamente a hipótese.

— E quanto a Raquel, ela está bem?

— Sim, sim. Ela conseguiu correr para o castelo com os meus tios, eu estava com eles, mas não aguentei e saí correndo pra cá pedir ajuda. Por favor, Dominic me diga que eles podem tirar Jake de lá! Eu não posso perder ele também.

O seu lado Guardião Sombrio dizia que Jake já tinha morrido e que se alguém fosse lá era suicídio. Mas Dom se lembrou daquele jovem esperançoso, esbanjando alegria e entusiasmo a todos ao seu redor, com sonhos e uma vontade inquebrável de ser livre. Por um instante Dom fechou os olhos, pensou, meditou e na escuridão da sua vista ele enxergou a imagem da sua consciência. O Mestre o observava com seu olhar oculto pelo capuz.

— Alec! Eu vou precisar da sua ajuda. — Dominic falou voltando para si. — Se lembra que eu disse que nosso objetivo era proteger os seres humanos?

— Lembro.

— Eu preciso que você faça isso por mim e por todos da nossa família. Você é o único que pode ver os outros sem que eles te vejam, guie Vesta e Gabriela pela floresta até o castelo e espere por mim lá. Eu vou atrás de Jake.

— Eu não sei Dom...

— Eu sei. — Dominic se ajoelhou na frente de Alec e olhou nos olhos. — Alec, Leton te trouxe para esse Domínio porque ele viu um potencial em você. Confie na sua Siela. — Dom colocou sua mão no peito de Alec. — Não tenha medo da escuridão, você pode controla-la se quiser.

— Vou tentar.

— Vesta, eu preciso que você fique atento, se por um acaso aquilo sair, corra para longe dos dois.

— Deixe comigo. Parece que finalmente você se viu no espelho — Vesta sorriu e se direcionou para Gabriela. — É melhor nos apressarmos senhorita, não é bom ficarmos aqui inalando essa fumaça.

Alec e Vesta guiaram Gabriela para fora, logo correram para um beco logo a frente e desapareceram.

Dominic refletiu as palavras de Vesta por um instante, respirou fundo e correu pela ladeira. Jake havia lhe mostrado onde era sua casa durante o dia, era um sobrado que ficava no topo de um pequeno morro coberto por grama logo acima da farmácia em que seus pais cuidavam. Com a sua Sombra ativa Dominic avistou a casa em chamas, ele apertou o passo enquanto tentava manter a mente focada e não pensar no pior.

No meio do caminho Dominic perdeu a direção quando um objeto arremessado de algum lugar lhe atingiu na parte direita superior da sua cabeça. Sem conseguir se equilibrar, Dominic cambaleou e caiu com violência no chão. Não demorou muito para que a dor e o cheiro de sangue começassem a aparecer.

— Esses humanos. — Uma voz masculina que vinha de trás ria. — Como podem ser tão ingênuos.

— Belo acerto querido. — Elogiou agora uma voz feminina. — Vai mata-lo?

— Eu poderia deixar ele aí desesperado. Mas como ele escolheu o lado errado, vou me divertir um pouco.

Dominic expandiu sua Sombra, com isso a dor no hematoma na sua cabeça e os pontapés nas costelas que vieram em seguida foram suportáveis. Dom aguentou os golpes duros e esperou o casal ficar na sua frente, lado a lado, como se soubessem o que estava por vir.

— Achei que fosse gritar mais. — Disse o homem. — Só vou parar quando você ficar sem cordas vocais de tanto berrar.

Dom explodiu sua Sombra no mesmo instante que as Lâminas da Morte saíram culminando num ataque tão rápido por alguns instantes os dois Filhos da Sombra apenas ficaram observando sem entender ao certo o que aconteceu. Enquanto Dom ia se levantando, a mulher disse um pouco surpresa:

— Que dor é essa?

— Não se preocupe querida, a dor é momentânea, nós somos imortais lembra?

Dominic enquanto andava calmamente por dentre os dois encostou as Lâminas no pescoço de cada um e as puxou novamente fazendo um rasgo enorme em ambos criando um chafariz sanguinário.

— Boa sorte tentando serem imortais imbecis.

A casa estava quase tomada pelas chamas, Dominic subiu o mais rápido que pôde o morro e chegou arrombando a porta da frente.

— JAKE! — Berrou ele enquanto naquele inferno de chamas. — Jake pode me ouvir?

— Aqui na cozinha! — Jake respondeu tossindo. — Nos fundos.

Dom passou pelo corredor protegendo o rosto com os braços e tentando passar pelas chamas sem se queimar. O caminho até lá estava quase totalmente bloqueado, com vigas atravessadas, restos de concreto e tijolos esparramados por todo o canto, mas o que Dominic não podia desviar ele abria caminho pela força com pontapés.

Na cozinha Jake estava sentado no chão enquanto inutilmente tentava tirar uma enorme viga flamejante de madeira que esmagava suas pernas. Dominic arrebentou a última barreira de concreto e chegou até ele.

— Dom? — Jake perguntou um pouco confuso.

— Tente não falar. — Dominic tirou sua blusa, enrolou nas mãos e o entregou. — Coloque isso no rosto para tentar não inalar fumaça. Eu vou tirar isso aqui.

Jake obedeceu e viu Dominic invocar suas Lâminas e partir ao meio a viga com alguns golpes. Após isso, virou-se, tomou impulso e deu uma investida violenta contra a parede a sua frente que se arrebentou em pedaços e abriu uma saída.

— Vamos! — Dominic pegou Jake nos braços e saiu correndo daquele lugar.

— Você não me disse que era um Filho da Sombra — Jake falou rindo mesmo com sua voz fraca.

— E eu não sou. — Respondeu Dom que agora estava nos fundos. — Tente não falar muito, você inalou muita fumaça e sua respiração é essencial.

Dominic nunca foi um Filho da Sombra por completo, sua Sombra não lhe permitia fazer coisas realmente incríveis como Siouxie e Maximilian, além disso, ele sempre correu um risco de vida muito maior do que os outros já que ele não possuía uma imunidade tão alta a ponto de ser um imortal, talvez as únicas coisas que realmente o tornavam perigoso naquele meio era as suas duas incomuns armas. Para piorar as coisas, pelo fato da sua Sombra ser instável, ele precisava ter muita concentração para que ela se manifestasse o suficiente a ponto de se comparar com um Filho da Sombra nível D, os mais fracos. Por fim ele não podia expandir muito a Sombra para que ela não cobrisse toda a sua Siela e não o matasse.

Baseado em todas essas desvantagens, Dominic precisou reinventar a maneira de usar a sua Sombra de modo que aumentassem a sua chance de sobrevivência. Por isso ele precisou estudar a fundo todas as propriedades da Sombra e acabou descobrindo várias pequenas coisas que o restante dos Filhos jamais soubera. Através do acervo de livros, Dominic soube que a Sombra era algo maleável e extremamente volátil, podendo mudar sua forma e até mesmo expelir um pouco da sua essência para fora do corpo e da Siela. Com isso Dom criou algumas pequenas técnicas que lhe davam alguma vantagem em campo, que qualquer Filho poderia fazê-lo com facilidade, mas eles jamais sairiam de caverna de ignorância e luxuria para tentar algo desse tipo.

Uma delas Dominic chamava de Manto da Escuridão, que consistia em basicamente tirar um pouco da Sombra para fora do corpo e fazer com que ela o envolvesse em um véu de escuridão completa ocultando Dominic em qualquer lugar com a ausência de luz. Como aquela técnica era feita através da Sombra, nem mesmo um Filho poderia detectá-lo, entretanto a técnica não funcionava a qualquer tipo de luz e sua área de efeito não ia muito além que alguns centímetros do seu corpo .

Outra técnica que ele usava com frequência e que era extremamente mais complicada chamada de Translocação Sombria. Nela, Dominic deixava que a sua Sombra dissolvesse seu corpo em micropartículas até que desaparecesse por completo, assim ele podia mover-se para qualquer lugar livremente na forma da própria Sombra, desde atravessar paredes até flutuar alguns metros para longe do chão. Para que Dominic não deixasse sua essência se separar, era essencial que ele mantivesse a concentração que seria sua conexão principal com a sua Siela. A grande vantagem nesta técnica era que Dom podia manter sua consciência ativa e se materializar onde bem entendesse com grande rapidez, dando-lhe uma vantagem tática para combate e caça muito grande.

Graças ao Manto da Escuridão, Dominic o envolveu e Jake que estava em seus braços. Assim ele trilhou seu caminho para as portas do castelo com rapidez.

— Abra as portas! — Dominic berrou enquanto seu Manto desaparecia. Havia dois Filhos que faziam a guarda com fuzis nas mãos. — Ele precisa de cuidados médicos.

— Quem é você? — Um deles perguntou apontando a arma.

— Eu sou um dos Filhos da Última Noite que ficou aqui na cidade. Rápido, abram logo isso!

Os dois se entreolharam por um instante e ainda um pouco desconfiados abriram as enormes portas.

Dominic que no outro dia tinha dado de cara com um salão luxuoso e bonito, agora ele parecia estar em um hospital improvisado feito no meio da guerra. Agora havia um corredor de macas enfileiradas com pessoas feridas e um tumulto de humanos que corriam de um lado para o outro. Dom esbarrou com as pessoas no seu caminho tentando buscar Vesta e Alec, rezando para que eles tivessem chegado a salvo no castelo.

— Dom! — Vesta o chamou logo a frente no meio da multidão.

Dominic correu até ele e viu Gabriela, Raquel, Alec e outros dois adultos que provavelmente seriam os pais de Jake.

— Tragam uma maca aqui. — Dominic foi dando as ordens. — Ele provavelmente quebrou alguns ossos das pernas, sofreu queimaduras de segundo grau, está com muita fumaça no pulmão e vai precisar de uma inalação com urgência. — Jake a essa altura estava desacordado.

— Graças aos deuses! — A mãe de Jake se colocou em prantos junto com Gabriela e Raquel ao ver seu filho a salvo.

Dominic poderia dizer que o pai de Jake era o próprio Jake alguns anos mais velho, a semelhança era tanta que seria difícil diferenciar os dois a distância. Ele por mais que estivesse emocionado e aliviado por seu filho estar vivo, saiu correndo atrás de uma maca e em menos de um minuto voltou puxando uma.

Dom deitou ele sobre o colchão e logo todos fizeram uma roda ao seu redor, e ninguém sequer olhou o estado em que o próprio Dominic estava. Vesta então o puxou para longe dos outros e perguntou:

— Minha nossa Dominic que ferimento é esse na sua cabeça?

— O sangramento já parou, e logo vai cicatrizar.

— Se você não estiver certo, logo você vai desmaiar por falta de sangue. O que está planejando? — Vesta viu que além da cabeça, Dominic tinha escoriações por todo o corpo, parte da sua roupa estava rasgada mostrando hematomas no abdômen e nas costelas.

— Vesta o Domínio da Força está aqui porque eles nos rastrearam até aqui. Sem duvida nenhum estão atrás de Alec.

— O quê? — Vesta não pode esconder a surpresa. — Como?

— Ainda não sei, mas esteja preparado para tudo. Provavelmente existe um espião aqui na cidade, um Filho da Sombra provavelmente.

— Como você sabe?

— Alguém sabia que Maximilian e Leton iam sair para caçar com todos os seus melhores Filhos. Ele também sabia que Alec ficaria aqui com o suposto humano desprotegido e aproveitaram para invadir a cidade.

— Faz sentido. — Vesta então mudou de assunto. — E porque está olhando tanto para aquela porta?

— Eu vou voltar lá para fora. Leton provavelmente já sentiu que estamos com problemas aqui e deve estar voltando. Vou tentar rechaçar o ataque e segurá-los na cidade até que eles retornem.

— Eu poderia tentar argumentar, mas pelo visto nada vai te parar não é?

— É bom saber que posso contar com você. Fique atento a qualquer Filho da Sombra Vesta. Não deixe que ninguém chegue perto de Alec.

— Pode deixar.

Dominic em dois segundos foi tragado pela Translocação Sombria, atravessou as paredes e se materializou novamente em cima de uma árvore onde era possível ter uma visão mais ampla da cidade.

— E então, qual é o plano? — O Mestre que esteve calado por quase um dia, reapareceu no chão.

— Preciso achar as escrituras de invocação daquelas explosões.

— Nunca vimos nada que arremesse coisas flamejantes. O que você sugere que possa ser?

— Provavelmente são dois círculos de invocação que são engatilhados simultaneamente. — Dominic teorizou. — Um deles deve criar combustão instantânea.

— Enquanto o outro serve como catapulta para frente. — O Mestre concluiu. — Muito interessante isso, sem duvidas. Mas se não me falha a memória cada um só pode ser usado uma vez certo?

— Não tenho certeza. Provavelmente existe um intervalo de tempo para que os símbolos possam ser usados novamente. Levando em conta que as explosões cessaram é provável que todos estejam carregando.

Enquanto Dominic conversava consigo mesmo ouviu algo alguém gritando por ajuda. Ele imediatamente se desmaterializou e foi em direção aos gritos, e se surpreendeu ao ver um homem que mais parecia um gorila com mais de dois metros, coberto de pelos, as mãos com o dobro de tamanho que uma de um humano qualquer, sem roupas e em cima de uma mulher a espancando violentamente. Dom apareceu novamente em pleno ar e caiu com as Lâminas da Morte apontadas diretamente para as costas daquele brutamonte.

Um rugido animalesco foi ouvido quando as Lâminas cravaram nas suas costas. O homem se levantou e berrando tentou tirar Dominic que era sacudido de um lado para o outro enquanto cravava mais fundo as Lâminas. Não demorou muito para que ele perecesse e logo aquele homem monstruoso caiu para frente falecido.

Dominic retraiu as suas armas e ao se ajoelhar perto da vitima percebeu quem ela realmente era:

— Alicia?

Se não fosse pelo vestido e pelos poucos cabelos que sobraram presos a sua cabeça, Dom jamais teria a reconhecido. Seu rosto estava desfigurado por tantos golpes que levou no rosto. Seu estado era critico, mesmo sendo um Filho, Alicia havia levado tantas pancadas na cabeça que provavelmente seu cérebro havia sido atingido e aquilo podia ser fatal para qualquer um.

— Eu preciso te tirar daqui. — Enquanto Dominic a pegava nos braços, alguém gritou.

— Não toque nela sua aberração!

Dom a largou e já preparou para o ataque. Um homem que saiu correndo dos destroços de uma casa veio correndo em direção a eles.

— Oh Alicia, o que fizeram com você! — Ele se ajoelhou ao lado de Alicia. Pelas afeições físicas Dominic teve a conclusão que ele um Filho da Sombra dali mesmo, cabelos penteados, bem vestido, barba feita e com o nível de luxuria beirando o insuportável.

— Você a conhece?

— Ela é minha esposa seu lixo! Nós estávamos voltando para o castelo quando o ataque aconteceu. Eu consegui me esconder, mas ela foi pega.

Dominic não teve paciência para ficar ali. Ele já sabia que ele o esposo de Alicia a abandonou ali para escapar, afinal até mesmo os seus consortes os Filhos da Sombra abandonam se for preciso para salvar a vida deles próprios. Então por isso, Dom simplesmente se dissolveu no ar e seguiu seu objetivo.

— É obvio. — A voz de Mestre falou na sua mente. — O Domínio do Abismo Infernal estava nessa também. Você viu aquilo? Nem parecia um homem.

Sem responder Dominic viu mais daqueles Filhos da Sombra. Semelhante ao que encontrara, eles eram próximos a um primata, com pelos por todo o corpo, corcundas, usando pedaços de pau, ossos e pedras como armas. Os mais selvagens e os mais burros de todos os Sete Domínios. Quatro deles protegiam um dos círculos que provavelmente era a fonte das explosões.

Vou ter que ser rápido”.

Dominic tomou o máximo de distância do chão, cerca de quatro metros, e então mergulhou com toda velocidade a velocidade. Ao alcançar o chão, seu corpo se materializou e as Lâminas dançaram retalhando dois dos Filhos, antes que pudessem sequer pensar, Dom voltou para a forma etérea reaparecendo atrás de um deles, estocando-o com cinco golpes pelas costas, aproveitando o fim do seu elemento surpresa ele pulou no último e cravou a Lâmina direita na cabeça, entre os olhos.

Sem perder tempo, Dominic molhou suas mãos com o sangue derramado dos seus inimigos e desenhou um símbolo no meio do círculo em Umbra que significava: “Neutralizado”.

— Eles não entendem Umbra. — O Mestre comentou aparecendo logo atrás de si. Bela forma de acabar com esses círculos.

— Preciso voltar aqui. — Dom falou observando rapidamente as escrituras que formavam aquele círculo. — Esse alfabeto não me parece estranho.

Dominic saiu correndo para os próximos círculos. Fez o mesmo processo em cada um, matou cerca de trinta Filhos da Sombra, ajudou alguns habitantes a voltar para suas casas, empalou mais alguns outros Filhos, destruiu os outros círculos restantes e agora tentava fazer o possível para assassinar qualquer um inimigo que pudesse ser uma ameaça. Durante esse tempo, Dominic contou mais de trezentos Filhos da Sombra naquela invasão somando os dois Domínios, além disso, aparentemente não era um ataque coordenado, apenas uma pilhagem violenta.

Dom cravava a sua Lâmina em um Filho da Sombra quando o Mestre veio novamente a sua mente:

— Dominic, você está no seu limite, se elevar mais sua Sombra sairá da zona segura. É melhor voltarmos e esperar o retorno de Leton.

— Concordo. Mas Leton está demorando demais para voltar, ele já deveria estar aqui.

— Eles devem estar pertos.

Dominic foi responder quando sentiu alguma coisa se enrolar no seu tornozelo e o arremessar com tanta violência contra a parede dos escombros de uma casa que a estrutura desabou toda em cima do seu corpo. Se a sua Sombra não estivesse tão expandida naquele momento, Dominic provavelmente teria morrido. Com muita dificuldade ele se livrou do peso que tinha sobre seu corpo que agora estava gravemente ferido nos braços, na perna, o corte na cabeça reabriu deixando a parte direita da sua face coberta de sangue.

— Sabe de uma coisa? — Disse uma voz a sua frente. — Como pode uma Sombra poder se destacar em meio as outras? Uma Sombra que se comporta feito a maré de um oceano, que sobe e desce, aumenta e diminui. Jamais vi isso em todos os meus anos de caçada, mas admito que eu estou decepcionado por ela não ser tão grande quanto a do garoto que vocês roubaram de nós.

Dominic não precisou pensar muito para reconhecer o sujeito a sua frente. Usando uma roupa toda de couro, braceletes, um colete sobre o peitoral nu, cabelo negro e penteado, um bigode extravagante que saia debaixo do nariz e formava duas mechas que se dividiam em cada lado. Batendo um chicote na mão esquerda, a direita segurava uma adaga, na sua cintura tinha uma machete presa enquanto seus braços que tinham músculos explodidos deixavam a mostra uma coleção de cicatrizes.

— Kraven. — Dominic falou enquanto se segurava no que restou de uma parede para não cair novamente. — Ouvi falar muito de você.

— E eu nunca ouvi falar de você. Mas confesso que os meus chefes gostariam muito de te conhecer. — Ele respondeu. — É uma pena que agora você é minha presa!

Uma chibatada cortou o ar em direção a Dom, que num rápido reflexo se jogou para trás caindo sobre os escombros e escoriando ainda mais seu corpo. Ele não tinha mais condições de lutar, se ele usasse a Translocação Sombria naquele instante, provavelmente ele perderia a consciência e jamais acordaria novamente, Kraven também deveria saber sobre as suas Lâminas então era inútil tentar qualquer surpresa. Sem saídas, Dominic começou a rastejar.

— Sabe de uma coisa? — Repetiu. — Adoro quando os inimigos se arrastam. Isso mostra como eles não estão preparados para a morte. — Kraven ia falando enquanto seguia Dominic por cima dos escombros. — Olhe para você, porque não fica parado simplesmente e encara a morte ao invés de tentar adiá-la mais e mais? É tão mais... Nobre ser uma pessoa que entende o seu fim.

Dom tentava se arrastar, mas as coisas ficavam cada vez mais difíceis, já que aquela era a quarta noite que ele já estava acordado. Seu corpo já não conseguia responder com eficácia, pesando muito mais do que deveria, o cansaço e a fadiga lhe sugavam cada resto de energia dentro do seu corpo.

— Uma vez me contaram que há muitos séculos atrás, talvez milênios. — Kraven continuou agora pisando no tornozelo de Dominic, o fazendo grunhir de dor. — Antes mesmo do fim da civilização Pré-Cometas, existiam um clã de pessoas chamadas... Como era mesmo o nome... Samurais? Isso Samurais. Guerreiros incomparáveis em técnicas de luta, principalmente com a espada que não possuíam medo e nem temiam seus inimigos. Entretanto sabe o que mais me chamou a atenção? Era que quando os Samurais estavam cercados pelos inimigos e sem chances de vencer, eles preferiam tirar suas próprias vidas com suas espadas, do que tentar fugir como você está tentando fazer agora. Então eu vou lhe dar esta chance, porque não usa aquelas suas armas para preservar um pouco da sua honra?

Quase perdendo a consciência de vez, Dominic se lembrou de uma coisa que Leton certa vez lhe dissera. Ele dizia que, as vezes, a Siela das pessoas tinham uma ligação tão forte com a de outra pessoa que quando elas estavam próximas uma das outras, mesmo que elas não soubessem, a Siela de ambas se manifestava dentro de si. Até mesmo os Filhos da Sombra podiam ter esse elo incrível e eles sentiam através da Sombra.

Foi ouvindo Kraven declamar seu discurso de vitória que Dom sentiu a sua Sombra retumbar dentro de si. Ela se conectou não a outra Sombra, mas sim a algo que subia as montanhas com uma fúria descomunal, porém conhecida. Kraven talvez fosse o maior farejador de Sombra de todos os Domínios, mas ele não conseguia sentir a Iratus.

Dominic protegeu a cabeça com as mãos e de repente a última parede que estava de pé foi evaporada por um soco que só parou quando atingiu o queixo de Kraven que teve seu pescoço torcido quase noventa graus antes de seu corpo voar tão alto a ponto de sair dos limites da cidade e desaparecer.

Dom se virou e viu Siouxie se ajoelhar ao seu lado. Sem ter condições para mais nada, Dominic perguntou a ela:

— Trégua?

— Trégua. — Ela respondeu.

E então ele desmaiou.


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