A Lágrima da Escuridão escrita por danielv


Capítulo 5
Capitulo 4


Notas iniciais do capítulo

Olá.

Infelizmente precisei me afastar do site durante alguns meses devido a problemas (conclusão do curso, fim de ano e etc). Estarei tentando retomar a postagem semanal aqui no Fanfiction.

Em relação ao capítulo, ele está realmente grande (sem dúvidas foi um dos maiores que eu escrevi), aqui começa a aparecer realmente algumas coisas relacionadas ao universo em geral, deixando de ser apenas conversas entre personagens.



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Na hora mais escura, Aquilo Que Vem gela com o medo a calorosa coragem da alma. Na hora mais escura As Treze Estrelas que um dia brilharam no céu agora são subjugadas pela Espada Flamejante. Nos limites do mundo, Aquilo Que Vem está faminto para consumir toda a vida que fora criada. Na hora mais escura Os Caminhantes andam pacientes pelas planícies, deixando seu rastro esquecido há milênios. Na hora mais escura, diante do topo do mundo o Guardião Sombrio observa Aquilo Que Vem, esperando, calculando, contando e vigiando. No coração da Criação, a Brigada dos Esquecidos olha Aquilo que Vem e sua fome insaciável. Na hora mais escura, os terrores da Escuridão saem do seu torpor e encantados pela sinfonia final da destruição, dançam e cantam enquanto ficam hipnotizados pelo cheiro de morte e destruição. Na hora mais escura a Tenebras Noctem começa, e o seu inicio jamais encontrará um fim.

Dominic coçou os olhos enquanto lia novamente aquilo, sua cabeça latejava de dor, os punhos tremiam e seus músculos estavam totalmente contraídos. Aquele minúsculo pedaço de papel enrolado em forma de um pequeno pergaminho era o motivo que pela qual o Mestre havia criado os Filhos da Sombra e os guiado por séculos. A Tenebras Noctem deveria ser o que manteria os Filhos unidos mesmo após o desaparecimento do Mestre, mas ela caiu no esquecimento. Para Dom quanto mais ele lia aquilo menos sentido fazia, já que aquelas palavras não se encaixavam em nenhum contexto de algo que estaria acontecendo atualmente. Além disso, existia a possibilidade de ele não ler aquilo exatamente como deveria.

Elaborado unicamente para apenas uma pessoa ler, o alfabeto batizado de Umbra, fora criado pelo Mestre para registrar todo seu conhecimento durante os séculos. A Umbra era baseada em códigos de uma antiga e misteriosa civilização chamada de Zankarins. Leton certa vez disse que os outros Domínios tentaram em vão ler o que estava escrito naqueles tomos, muitos dos mais inteligentes Filhos da Sombra sequer conseguiram decifrar uma frase simples, com tamanha complexidade eles foram obrigados a abandonar a leitura. O que tornava a Umbra assim era que para que a escrita tivesse algum sentido, aquele que estivesse lendo precisaria regular a sua Sombra até a medida ideal para que as letras formassem seu aspecto verdadeiro, caso contrário, o que estava escrito ficava incompleto, muitas vezes mudando a grafia das letras e dos símbolos, deste modo o leitor precisaria aumentar e diminuir a manifestação da sua Sombra para conseguir entender toda a semântica de uma frase ou palavra. Sendo assim apenas o Guardião Sombrio era capaz de ler com precisão qualquer coisa escrita em Umbra, pois apenas ele podia ter tal controle sobre a manifestação da Sombra.

O grau de dificuldade entre os livros era variado, muitos deles bastavam apenas achar o ponto certo da Sombra e mantê-lo assim para que a escrita fizesse sentido durante o resto das páginas. Mas existiam casos extremamente complexos, como a própria Tenebras Noctem que Dominic precisava regular sua Sombra a cada conjunto de três palavras em uma mesma frase, o que deixava o processo de leitura extremamente desgastante fisicamente e mentalmente, aumentando muito a possibilidade de erros.

Porém existiam outros empecilhos para ler a Umbra. Os símbolos usados para a escrita fugiam completamente do padrão humano de escrever, complicando muito o processo de aprendizagem. Qualquer texto escrito naquela linguagem começava de baixo para cima na vertical da esquerda para direita. A caligrafia precisava ser precisa e cuidadosamente escrita, os símbolos de maneira geral eram parecidos em vários aspectos, então um traço assimétrico poderia ser confundido com outro símbolo que significasse algo totalmente diferente e consequentemente podendo mudar todo o sentido de uma frase ou até mesmo uma palavra.

Dominic demorou quase três anos para que ele conseguisse dominar as regras ortográficas do código base da Umbra, e mais um ano para que sua Sombra ficasse maleável o suficiente para ler algumas frases e pequenos textos que não requeriam muito da sua manifestação. Além disso, Dom precisou aprender tudo sozinho, já que nem mesmo Leton conseguia entender a Umbra. Seu único apoio era o material deixado pelo Mestre que explicava todas as regras em uma linguagem comum e compreensível o tornando autodidata.

Era tarde já e Dominic decidiu parar os estudos por ali. Ele se levantou e esticou os músculos doloridos, aumentou a potência da sua lamparina para observar o mural que havia montado na parede a frente da escrivaninha onde estava sentado.

Aquele mural era feito de imagens, recorte de jornais com trechos grifados, revistas, livros e enciclopédias. Tudo aquilo era o que Dom encontrara de pistas relacionadas a qualquer evento da Tenebras Noctem, desde catástrofes naturais ocorridas em diversas épocas diferentes, até estranhos fenômenos envolvendo desaparecimento de pessoas. Mas ainda assim, nada daquilo fazia sentido, era tudo um conglomerado de informações desconexas entre si e a profecia do Mestre.

— Nada faz sentido. — Ele disse consigo mesmo. — Qual é o significado disso?

— Eu disse que você falava sozinho! — Falou Vesta aparecendo subitamente ao lado de Dominic.

— Eu preciso falar em voz alta para colocar os pensamentos em ordem. — Dom respondeu ainda olhando para o mural.

— Tentando entender o que o seu antecessor deixou para trás? — Vesta sentou-se na única cadeira que havia ali.

— Inutilmente. — Dom respondeu. — Mas já que posso dormir apenas depois de três noites, eu preciso compensar esse tempo com alguma coisa.

— Se importa se eu acender as luzes?

— Fique a vontade.

Vesta foi até o interruptor e acendeu as luzes daquela sala, revelando as dezenas de prateleiras que quase iam ao teto, abarrotadas de livros e pergaminhos.

— É incrível não é? — Ele falou fascinado enquanto observava aquela biblioteca enorme. — Como apenas um único homem conseguiu fazer tudo isso.

Dom deixou de olhar para o mural e voltou-se para as prateleiras também.

— Eu sempre me pergunto, porque o Mestre fez tudo isso? Pra que ele criou algo desse tamanho só para que uma pessoa pudesse entender?

— É uma pergunta interessante caro Dominic. Talvez ele achasse que não seria sábio espalhar isso para os outros.

— Então, de certa maneira, ele já sabia que ele seria traído pelos próprios Filhos.

— Ele conseguia prever coisas simplesmente absurdas, não me surpreenderia que ele já soubesse que seria apunhalado pelas costas. Ou ele queria passar o conhecimento dele para aquela pessoa que era seu semelhante.

— Eu não sou como ele Vesta. — Dom sentou-se em cima da mesa pensativo. — A única coisa que temos em comum é o fato da nossa Sombra ser instável.

— Eu acho errado esse termo instável. — Vesta riu. — Dessa forma parece que isso é mais um problema do que uma coisa boa.

— Boa? Eu sequer consigo ficar acordado durante uma semana, sou quase tão frágil como uma pessoa normal, envelheço... — Dominic interrompeu-se por um instante. — Tudo bem, envelhecer é algo bom, particularmente ser imortal deve ser um porre.

— Você vê isso com o ponto de vista de um Filho da Sombra. Inverta um pouco os valores e pense como se fosse um humano.

— As coisas pioram ainda mais Vesta. — Dominic abaixou um pouco a cabeça. — Só de imaginar as coisas que eu faço como humano, a minha repudia só aumenta.

— Eu sei que é difícil, mas você é diferente de qualquer um Dominic. Qualquer outro no seu lugar já tinha pirado há muito tempo.

— Como será que o Mestre lidava com essas coisas? — Dom perguntou.

— Bom, ele não era muito do tipo que falava. — Vesta respondeu. — Às vezes ele ficava fora por uma semana ou talvez até mais caçando. Ou senão se trancava por dias em seu quarto escrevendo essa maravilhosa coleção. Mas eu me lembro de que mesmo ocupado, ele sempre arranjava um tempo para passar com seus filhos, nunca perdendo seu senso de orientação.

— Eu realmente gostaria que minha Sombra instável me concedesse mais inteligência.

— Inteligência? — Vesta parecia se divertir com aquele assunto, como sempre. — Por que diz isso amigo?

— O Mestre podia compensar as suas fraquezas com sua mente genial, pelo que vocês falam dele, criando um escudo contra tudo aquilo que poderia lhe dar um fim. Mas e quanto a mim? Eu tenho as fraquezas, apenas as fraquezas e nada mais, isso me deixa numa desvantagem muito grande para o posto que eu possuo.

— Você tem outras qualidades que suprem isso Dominic.

— E quais são?

— Basta se olhar no espelho. — Vesta se levantou e foi caminhando em direção da porta. — Eu preciso arrumar as coisas para a viagem, seria bom você sair daí também para tomar um ar.

— Olhar no espelho? Como assim? — Dominic perguntou enquanto via Vesta sair em silêncio. — A única coisa que eu vejo no espelho é uma pessoa usando várias mascaras! É isso o que eu sou, uma MASCARA! — Dom falava novamente sozinho. Ele socou a parede e grunhiu palavrões enquanto tentava dominar a sua ira, temporariamente ele conseguiu, mas ele sabia que não por muito tempo.

–----

Uma hora depois Dominic estava no corredor principal e ia em direção a janela no fim para descer até onde estava o furgão de Vesta.

Além da sua mochila ele ainda carregava cinco livros do Mestre nas mãos para exercitar sua leitura e seu manuseio na Sombra. Já havia virado um ato comum Dom sempre ler algo todos os dias para manter sua leitura sempre afiada e em dia, por mais cansativo que fosse de vez em quando, aquele era o seu hobby preferido e quando tinha tempo livre, Dominic o aproveitava sempre lendo.

— Quanto tempo vai demorar em ler esses livros? — Perguntou Siouxie que vinha andando logo atrás.

— O suficiente. — Dom respondeu ainda caminhando em direção a janela.

— O seu suficiente nunca foi o bastante. Se fosse o Mestre, em todo esse tempo ele já teria escrito o dobro.

Era a segunda comparação do dia. Dominic não gostou nada daquilo.

— É uma pena que eu não seja ele.

— Sem duvida, porque você e um peso morto é a mesma coisa. — Siouxie respondeu provocando.

— Sim eu devo ser um peso mesmo. Mas me diga, quem está aqui vivo agora? Eu não vejo nenhum Mestre.

A resposta não veio, mas no lugar Dominic foi agarrado pela cintura e empurrado violentamente em direção a janela. Siouxie o levantou no ar e correu com ele arrebentando a janela, fazendo os dois caírem quase cinco metros abaixo em cima de um latão de lixo. Dominic quicou e foi para o chão, Siouxie o pegou pela camiseta e lhe acertou um gancho que o fez voar quase um metro antes de cair novamente.

Os outros Filhos da Sombra foram pegos de surpresa. Alec tomou um susto e agarrou-se na perna de Samantha. Draen pegou um dos livros de Dominic e soltou um suspiro desanimado, enquanto isso, Vesta que fazia uma checagem no motor viu a confusão, meneou a cabeça e voltou a manutenção ignorando-os completamente.

Dominic ficou desnorteado um pouco tentando recobrar a visão que ficou turva. A primeira coisa que ele reviu após alguns segundos, foi dois dos livros que carregava na mão jogado dentro do lixo. Aquilo fez sua Sombra expandir o suficiente para reagir. Com um movimento rápido e preciso, Dom agarrou a cabeça de Siouxie com as mãos e a empurrou em direção ao seu joelho, acertando-lhe um golpe violento que a fez voltar para trás. Antes de ela poder reagir novamente, Dominic fechou o punho e estava para desferir um soco poderoso quando algo se enrolou no seu pulso que em seguida o puxou para trás o fazendo cair sentado.

— Podemos parar com isso? — Pediu Leton com a mão direita estendida segurando algo.

Ao olhar para trás, Dominic viu que o braço de Leton estava mesclado com uma matéria totalmente negra e que gradualmente se transformava no elástico que segurava seu pulso.

— Ela que começou.

— Independente de quem tenha começado, eu vou avisá-los que, se começarem com essa briga infantil novamente, seja durante a viagem ou quando chegarmos lá, eu colocarei vocês dois para dormir durante todo o tempo da nossa estadia. Fui claro?

O silêncio de ambos significou um sim.

— Ótimo, agora entrem, pois já estamos atrasados.

–----

Assim como a neblina no lado de fora, o silêncio dentro do furgão era absoluto. Já fazia quase cinco horas que eles estavam na estrada e mesmo com o amanhecer, Dominic ainda não podia absolutamente nada pela janela, ele também não conseguia ler devido a irregularidade da estrada por onde estavam o que causava uma constante quebra de concentração. Então ele decidiu encostar sua cabeça no apoio do banco e observar um pouco cada um.

Nos bancos da frente, Vesta ia dirigindo enquanto Leton o guiava ao seu lado, na primeira fileira estava Draen observando o nada, logo atrás Siouxie estava deitada no banco de braços cruzados e sem um pingo de bom humor no rosto. Ao seu lado estavam Samantha e Alec e os dois chamaram a atenção de Dom que percebeu a ligação que os dois haviam criado em menos de um dia.

— Interessante elo entre eles. — A voz do Mestre pipocou atrás de si. Para não chamar atenção, Dominic nem olhou para trás. — Provavelmente Alec associou Samantha como a pessoa mais próxima de se tornar uma mãe para ele, e ela tem um dom natural para acolher pessoas jovens.

Ele continuou:

— Talvez possa haver uma sintonia entre a Sombra de ambos, como o elo de mãe e filho? Se você pudesse sentir a movimentação dele com certeza tiraremos essa duvida. — O Mestre então pulou para o lugar vago ao lado de Dominic. — Ou melhor, pode ser que a Siela dos dois esteja criando esse laço. É incrível não? — Ele então olhou para os dois. — Dois Filhos da Sombra criando laços maternais um com o outro. Acho que a nossa teoria a respeito da conversão feita por Leton estava correto.

Dominic murmurou algo, da sua face um sorriso se formou levemente e logo desapareceu em uma expressão neutra e distante.

A viagem ainda perdurou por mais algumas horas e a neblina ainda cobria totalmente o percurso. A estrada não estava mais irregular e por quase uma hora o percurso era simplesmente reto. Foi quando Dominic tentava retomar sua concentração para voltar a ler quando Vesta falou algo:

— Aquilo é uma guarita?

— Nós chegamos. — Respondeu Leton.

— Você vê algo Leton? — Vesta perguntou forçando a visão.

— Tem cinco guardas ali, três deles são Filhos da Sombra, estão armados com armas de fogo, um deles reparou nossa chegada e está vindo ao nosso encontro. Provavelmente vai pedir para nós voltarmos, então fiquem em silêncio e deixem que eu resolva.

Não demorou muito para que alguém batesse no vidro ao lado de Vesta e pedisse para que ele o abaixasse.

— Propriedade restrita, voltem por onde vieram. — O guarda falou áspero.

— Saudações, caro amigo. — Leton respondeu. — Estamos aqui a convite de Maximilian. — Ele mostrou o diamante.

— Todos desçam do furgão.

— Obedeçam — Leton falou para quem estava atrás.

Um por um todos que estavam dentro do furgão saíram e ficaram lado a lado enquanto outros guardas apareciam. Todos usavam roupas aparentemente normais, a diferença estava no armamento pesado, pois todos usavam rifles, metralhadoras, cintos com granadas e pentes reservas.

— A que motivo Maximilian os trouxe aqui? — Perguntou o que provavelmente era o líder deles, um homem de cabelos curtos, alto, barba por fazer, queixo quadrado e um olhar ameaçador.

— Somos antigos amigos. — Leton respondeu amigavelmente. — Ele nos convidou para passarmos alguns dias na sua cidade.

— Maximilian não nos avisou nada. — O guarda respondeu com rispidez. — Lamento, agora voltem.

— E quanto a esse presente de boas-vindas? — Leton perguntou se referindo ao diamante.

— Escute aqui seu merda. — O homem se aproximou tanto de Leton que ambos ficaram a centímetros de não se encostarem. — Eu falei que vocês não vão entrar, independente se você tenha convite ou não. Então rapa fora daqui ou eu vou metralhar todos vocês.

Leton não gostou.

— Seria bom moderar o tom da sua voz e nos tratar com respeito caro soldado. — Leton deu um sorriso. — Ou quem vai perder os miolos aqui é você.

Quando o guarda olhou para os lados, viu que seus próprios companheiros apontavam a arma para ele mesmo. Mesmo que sua face não expressasse isso, por dentro o homem que era um Filho da Sombra estava pasmo.

— Por favor, caros amigos. — Leton falou para os outros guardas. — Digam a quem vocês servem.

— A Leton e ao Domínio da Última Noite. — Todos eles responderam uniformemente e simultaneamente.

— Agora se você zela pela sua vida, seria interessante que você se colocasse no lugar que realmente é digno. — Leton falou com um tom tão ameaçador e dócil, que até mesmo Dominic sentiu um arrepio na espinha.

— Leton! — De repente uma voz feminina que vinha da neblina chamou.

Leton olhou para onde vinha aquela voz e viu que a silhueta de alguém vinha caminhando em direção a eles.

— Alicia. — Ele respondeu. — É uma honra sermos recebido por você.

— Desculpem-me pelos inconvenientes causados pelos nossos peões. — Ela respondeu se aproximando, mas ainda oculta pela névoa. — Faz tantos anos que não recebemos convidados tão ilustres, que mesmo sendo convidados eles ainda os tratam mais.

— Tudo bem. — Leton encarou novamente o líder da guarda. Enquanto isso o restante já baixava suas armas e voltava a si. — Já resolvemos isso de maneira amigável.

— Que bom. E esse é o seu Domínio?

Ao finalmente ficar visível, Alicia imediatamente colocou Dominic e Vesta em um estado de transe, tamanha era a beleza daquela mulher.

As curvas perfeitas, o rosto liso, a expressão meiga, os olhos verdes, os cabelos tão loiros quase beirando o esbranquiçado eram um conjunto que seria impossível não chamar a atenção. A sua roupa ajudava a melhorar aquela imagem perfeita, um vestido de saia curta grudava-se ao corpo e os seus passos retumbavam sons de um sapato fino de salto.

— Sim, acho que já conhece quase todos. — Leton falou apontando para Alec. — Este é o mais novo Filho, se chama Alec.

— Que adorável criança. — Alicia se aproximou de Alec e esparramou sua mão pelos cabelos dourados do garoto. — Já consegue quebrar algumas coisas com sua Sombra?

— Nada. — Ele respondeu tímido. — Por enquanto.

— Logo você será indomável criança. — Alicia disse rindo enquanto notava a presença de Dominic logo ao lado. — E este deve ser seu serviçal humano?

Mesmo por trás do seu sorriso amável, Dominic pode ver o preconceito e o desprezo no olhar de Alicia.

— Sim. — Respondeu Leton.

— Ele é confiável? Sabe que Maximilian não gosta de humanos estrangeiros em sua casa.

— Não se preocupe. Dominic é de confiança.

— E quanto a vocês? Há quantos anos não nos vemos? — Alicia recuperou o animo olhando para os outros. — Siouxie, a sua beleza me causa inveja, não posso negar.

— Obrigado. — Respondeu Siouxie com um tímido sorriso. — Digo o mesmo para você.

— Draen ainda toma conta direito de Leton? — Alicia perguntou enquanto ria.

— É ele quem ultimamente toma conta de mim. — Respondeu Draen sorridente. — Aliás, como vai seu marido?

— Muito bem. Ele agora está vigiando as fronteiras das montanhas ao sul. — Respondeu ela sorrindo e se direcionando para Samantha. — É um prazer revê-la Sam.

— O prazer é meu, senti falta de vocês durante esse tempo.

— Vamos relembrar os velhos tempos juntos logo. — Alicia foi até a ponta da fileira. — Por favor, venham comigo, a cidade está logo a frente. Mas peço por gentileza que deixem seu veículo aqui, Maximilian os acha muito barulhentos. Garanto-lhes que nossos guardiões vão cuidar bem dele.

Todos seguiram Alicia ainda em fila. Os guardas abriram caminho e todos estavam de cabeça baixa, por vergonha, por medo ou pelos dois.

Dominic e Vesta foram eram os últimos.

— Eles sempre se esquecem de mim. — Vesta comentou ofendido.

— Quer trocar de lugar? — Dominic respondeu desanimado.

Dominic sempre achou aquilo o cumulo do ridículo. Desde que os Filhos da Sombra se fragmentaram nos sete Domínios, eles desistiram de fazerem aquilo para que foram criados e alimentar o próprio ego num ciclo infinito de prazeres. E um desses prazeres era o fato de se sentirem superiores a qualquer ser humano, aquilo os fazia para Dominic mais nojentos ainda. Mas o que mais cobria Dom de indignação era que os Filhos da Sombra decidiram criar pequenas cidades isoladas com uma população humana, as pessoas que vivessem lá trabalhariam para os Filhos em troca de casa, comida e segurança. Mas todo humano era proibido de sair dessas cidades a não ser que permitido, se eles comentassem algo sobre a existência dos Filhos da Sombra com alguém de fora ele seria caçado e morto. Além disso, os humanos eram tratados como meras peças de um tabuleiro para os Filhos da Sombra que não se importavam em descarta-las caso fosse necessário.

Os motivos dessas pequenas cidades eram vários. O maior deles era para alimentar o ego dos Filhos, os deixando um patamar superior a todos. O outro era que alguns Domínios ainda precisavam agir na sociedade humana, mas não podiam fazer isso diretamente para que a identidade da sua raça não fosse detectada, por isso eles criavam essas cidades pequenas para não precisarem viver à sombra do mundo, como era o caso do Domínio da Última Noite.

Enquanto eles caminhavam, a névoa aos poucos foi ficando menos densa e permitindo uma melhor visão do que estava em volta.

— Precisamos intensificar a névoa em quase trezentos quilômetros. — Explicou Alicia. — Ultimamente nossos batedores identificaram a aproximação de vários membros dos outros Domínios nessas bandas. Provavelmente eles sabem da localização da nossa pequena comunidade.

— Mas eu achei que vocês estavam em paz com eles. — Comentou Draen.

— Nunca estamos Draen. Nossas fronteiras foram atacadas por quatro Filhos recém-criados do Domínio da Força, além disso, foram vistos mais integrantes do Abismo Infernal circulando os desfiladeiros do oeste.

— Aqueles trogloditas deveriam ter desaparecido em suas cavernas. — falou Samantha.

— Concordo. — Alicia acenou com a cabeça. — Parece que eles decidiram sair dos seus confins.

— Isso é um problema sério. — Samantha pareceu um pouco chocada. — Precisamos fazer algo para que eles não cheguem no mundo civilizado.

— Não é nosso problema — Alicia respondeu com um tom claramente rude na voz. — Se os humanos quiserem que venham pedir nossa proteção.

Dominic grunhiu baixinho e esperou uma resposta a altura de Leton, mas ele nada disse. Talvez ele até quisesse, entretanto não seria sábio discutir com alguém em um território praticamente neutro.

Eles caminharam por mais alguns minutos e então a névoa se dissipou por completo, mostrando o verdadeiro cenário em que eles se encontravam. Eles estavam já não caminhavam mais sobre o asfalto, e sim em paralelepípedos negros, rochas escorregadias feitas apenas para a passagem a pé. Em volta o horizonte era coberto por cordilheiras de montanhas esverdeadas e esbranquiçadas nos seus picos, e iam os rodeavam formando uma muralha gigantesca e natural. Dominic se aproximou da borda esquerda da estrada, apoiou-se nas vigas de aço e concreto que o separava de um desfiladeiro tão alto que era impossível enxergar o chão, ele deduziu que eles estavam no mínimo a mais de três mil metros de altitude. Seguindo em frente, a estrada fazia uma curva inclinada para cima para direita. Ao finalmente terminarem a subida, Dominic finalmente viu o topo daquele lugar.

Aquele lugar era muito melhor do que ele imaginava em sua cabeça, vendo as belas casas que subiam e desciam nos relevos naturais, todas bem espaçadas uma das outras, as ruas ainda mantinham o paralelepípedo e nenhum edifício era maior do que três andares. O verde naquele lugar era abundante, deixando o cenário ainda mais natural e bonito. Ao fundo, cerca de cinquenta metros a cima da cidade erguia-se uma mansão gigantesca que chegava a quase trinta metros de comprimento, com seus quatro andares, arquitetura clássica. Seu telhado era na maioria triangular, mas as quatro torres nas extremidades diferenciavam-se pelo teto oval. Não havia qualquer tipo de pintura ou acabamento, a aparência externa era impactante pelas paredes erguidas com blocos de pedras cinza. Sem duvida era a maior construção daquele lugar.

— Senhores, sejam bem-vindos a cidade da Joia Despedaçada. — Alicia falou estendendo sua mão em direção à cidade.

Todos ainda estavam impressionados com a beleza daquele lugar simples e pequeno. Os habitantes circulavam por todas as ladeiras, sempre atentos aos novos e inesperados visitantes. Assim como uma cidade comum, havia diversos tipos de pequenas lojas, além de um mercado, hospital. Uma das ruelas era possível ver uma feira formada por várias barracas de frutas, ali o movimento era intenso e se concentrava pelo menos mais de cinquenta por cento da população. Exatamente no centro dos edifícios, existia um espaço aberto cercado por árvores, onde os ladrilhos deram lugar a grama verde, ali havia uma pequena praça, onde trafegavam algumas pessoas Não muito a frente havia o maior edifício do local, com cinco andares, a placa na sua frente era autoexplicativa: Hotel.

Dominic ansiava por encontrar um lugar sem a presença de pessoas comuns a tão próximo dele. Como Filho da Sombra ele possuía muitas desvantagens, mas como o Guardião Sombrio, Dominic era capaz de sentir muitas outras coisas que iam além da capacidade de qualquer um. Uma delas era o que ele havia chamado de Voele, que em Umbra significava sensação, sentir. A arte da Voele funcionava como um sexto sentido, onde ele podia sentir as vibrações da Siela humana, podendo dizer com exatidão qual era o sentimento que uma pessoa estava transmitindo naquele momento: raiva, alegria, tristeza, paixão, amor, vergonha, ciúmes, inveja, ansiedade e dentre outras coisas. Dominic nunca conseguiu descrever bem como ele era capaz de ter esse radar, já que ele não podia ver ouvir ou cheirar, apenas sentir.

A Voele, entretanto mostrava a Dominic como as pessoas realmente eram por dentro e o que elas poderiam esconder dele naquele momento. Aquilo automaticamente o afastou de qualquer humano com a convicção de que todos seriam pessoas diferentes de quem realmente são. E como a Voele não funcionava com Filhos da Sombra já que essa parte da Siela deles estava coberta pela Sombra, Dominic acabou encontrando neles um refugio temporário para sua solidão.

— Já reservei alguns quartos para vocês neste hotel. — Alicia explicou. — Infelizmente não podemos abriga-los em nossa casa devido a regras restritas.

— Aqui está ótimo. — Leton respondeu com um sorriso.

— Deixem suas coisas aqui, em algumas horas eu retorno para leva-los até Maximilian.

— Estaremos a sua espera.

Alicia se despediu e continuou andando.

–----

Dominic acabou dividindo o quarto com Vesta, o que não era de todo mal já que aquele incomum Filho da Sombra dificilmente abria a boca a não ser que fosse chamado. O local era espaçoso, com duas camas de solteiro, uma cozinha, duas poltronas, lareira com lenhas, televisão, um banheiro, além de algumas pinturas abstratas emolduradas em pequenos quadros por todas as paredes. No lado oposto da porta havia enorme sacada que tinha uma maravilhosa vista para as montanhas ao oeste. O ar que batia ali era gelado devido a altura da cidade, mas Dominic adorou o frio, e como Vesta era imune aquele tipo de coisa, estava tudo bem.

— Lugar agradável — Disse o Filho se espreguiçando na sacada e observando o movimento da cidadezinha. — Dê uma olhada aqui.

Dom se deixou levar e se apoiou na bancada de mármore com os braços e ficou observando o horizonte por alguns instantes.

— Como acha que seremos recebidos?

— Pelo Maximilian?

— Sim.

— Bom. — Vesta pensou um pouco enquanto endireitava seus óculos no rosto. — Se bem me lembro, ele era um dos mais carismáticos Filhos da Sombra antes da fragmentação.

— Carismático e Filho da Sombra na mesma frase? — Dominic se deu ao luxo de soltar uma risada que transbordava sarcasmo. — O cara deve ser um deus.

— Na minha visão de Filho da Sombra invisível é claro. — Corrigiu-se Vesta. — Mas ele e Leton eram grandes amigos, tenho certeza de que ele vai ouvi-lo.

— Tenho minhas duvidas. — Dominic coçou a nuca. — Se fosse isso mesmo, Maximilian responderia o chamado de Leton na primeira vez em que tentamos falar com ele.

— Você sabe como Filhos da Sombra são desconfiados Dom, até mesmo com os conhecidos eles tem lá seus freios. Provavelmente Maximilian vai ouvir tentar ouvir todos os lados e colocar numa balança, sendo o mais justo possível.

— É o mínimo que se espera de alguém que se considera líder de um Domínio. Enfim, nem sei o motivo de eu estar opinando, já que eu sou apenas um figurante dessa vez.

— Então aproveite essa sua posição amistosa e esqueça um pouco esse assunto Dominic. Não precisa achar que isso está tudo nas suas costas, você já tem muito com o que se preocupar.

— Falar é fácil. — Dominic bufou desanimado.

— Tente tirar um dia de folga. O que acha? — Vesta propôs com uma animação típica. — De uns tapas no seu lado humano e vá visitar aquela feira, ou comprar algum chocolate naquele mercado.

— Pensarei no seu caso. Mas existem necessidades maiores a serem tratadas no momento.

Dominic deu meia volta e entrou novamente no quarto do hotel o atravessou por completo e se trancou no banheiro.

Dominic jogou agua no seu rosto cinco vezes e se encarou no espelho por um bom tempo tentando achar nexo nas palavras que Vesta lhe dissera na noite anterior: “Basta se olhar no espelho”.

— O que eu vejo? — Ele se perguntou enquanto via seu próprio reflexo fazer a mesma pergunta. — O que eu sou?

Dom abaixou a cabeça novamente, fechou os olhos com força tentando não pensar naquilo tudo, tentando se esquivar da frase perturbadora de Vesta. O silêncio e a paz da cidade de Joia Despedaçada lhe deixavam com a consciência trazer seus pensamentos mais profundos a tona. Os assassinatos, a maldade dentro da mente humana, a falsidade, a ganância dos Filhos da Sombra, a sua frieza, o seu medo, a sua insegurança e sua incapacidade de lidar com os próprios problemas tornavam-se vozes de si próprio e berravam aquilo a todo o momento.

Dominic fechou os punhos e seu corpo começou a tremer, suas pernas perderam as forças e ele caiu de joelhos enquanto tentava se apoiar na pia do banheiro. Sua mente foi arrastada mais uma vez para aquele pesadelo sem fim onde os barulhos das correntes tilintavam uma nas outras, os cadáveres de porcos pendurados a ganchos balançavam num ritmo uniforme enquanto olhava para ele, o azulejo branco borrado de sangue pulsava a todo o segundo uma sensação de pavor e desespero. Suas mãos agora seguravam o caco de vidro e o choro desesperador ecoava pelo nada.

Alguém bateu na porta de repente.

— Dominic? — Chamou Vesta.

Dom imediatamente voltou a si e quase desabou por completo no chão, se segurando como pode na pia.

— Diga.

— Estou com visitas aqui na porta do nosso quarto. Será que você poderia recebê-los comigo?

— Só um minuto.

Ainda meio tonto Dominic se reergueu e borrifou o rosto mais três vezes para garantir que ele não desmaiaria nos próximos três passos. Encostou-se à parede e esperou suas pernas garantirem que poderiam aguentar todo o peso do seu corpo sem problemas, então foi até a porta e a abiu.

— Quem é? — Dom perguntou indo em direção a saída do quarto, onde Vesta conversava com alguém.

— Ah bem na hora! — Ele saiu da frente e revelou três pessoas no lado de fora. — Por favor, deixem-me apresenta-los nosso querido companheiro, Dominic.

Dom franziu o cenho ainda confuso tentando entender o que estava acontecendo. No lado de fora do quarto, duas garotas e um jovem rapaz de mãos dadas com uma delas.

— Olá? — Ele arriscou uma palavra sem saber exatamente o que dizer.

— Dominic? Muito prazer! — O jovem entrou de repente no quarto com a mão direita estendida. — Me chamo Jake, sou residente daqui e vim lhe dar as boas vindas.

Dom retribuiu o aperto de mão. Jake com certeza seria alvo de assédios diários pelas garotas de qualquer lugar, com seus um e oitenta de altura, encorpado, cabelos loiros curtos e arrepiados, olhos verdes, carismático, sorriso gentil e uma bela voz empostada. Usava uma camisa xadrez branca e marrom, calça jeans e um tênis.

— Boas vindas? — Ele perguntou ainda sem entender nada.

— Bom, sabemos que alguns Filhos estrangeiros chegaram a cidade hoje e que eles haviam uma pessoa comum como nós. — Ele respondeu com um sorriso sincero no rosto. Dominic também percebeu que a Voele dizia-lhe ansiedade e realmente verdade naquilo que dizia. — Então decidimos conhece-lo, há anos não vemos alguém diferente por aqui.

— Jura? — Dominic arregalou os olhos e realmente ficou assustado com aquilo. — Bom... Obrigado pela sua atenção.

— Por que não nos acompanhada numa volta pela praça? — Ofereceu Jake. — Só para você não se sentir tão acanhado assim.

Dominic a principio iria recusar, mas a curiosidade de conhecer alguém de “fora” era tanta que ele acabou cedendo mesmo um pouco relutante e seguiu Jake. Antes de sair, ele olhou para as mãos que estavam vestidas com suas luvas e garantiu-se que as suas tatuagens estavam totalmente escondidas em todos os ângulos possíveis.

As duas garotas que esperavam no lado de fora tinham ânimos totalmente diferentes. A da esquerda, que provavelmente era a namorada de Jake tinha um sorriso estampado no rosto, era morena, mais alta que Dominic, cabelos negros longos e escorridos, tinha os olhos castanhos e usava um casaco de lã cinza e jeans nas pernas. A outra Dominic nem precisou apelar para a Voele para ver seu mau-humor e falta de boa vontade estampada em sua cara, mas mesmo assim ele não pode de reparar na sua beleza um pouco incomum que raramente se via em outras jovens daquela idade. Sua estatura era a menor dos quatro ali, a pele branca deixava ainda mais evidente suas sardas que se desenhavam em seu rosto, os olhos mesclavam o verde escuro com o castanho e que pareciam mudar constantemente, assim como seus olhos, Dominic não conseguiu distinguir se a cor de seu cabelo era castanho ou ruivo que ia até não mais que os ombros e sua franja fazia desenhava-se apenas pelo lado esquerdo da sua face ocultando um dos olhos quase permanentemente.

— Deixe-me apresentar minha namorada Raquel. — Ele apontou para a morena.

— Muito prazer. — Ela estendeu sua mão. Dominic sem saber muito que fazer acabou ficando num aperto mais leve.

— E esta é a pessoa mais mal humorada da cidade, Gabriela. — Ele apontou para a ruiva que sequer fez um aceno ou disse qualquer coisa.

— Gabriela seja educada! — Pediu Raquel um pouco embaraçada.

— Pra que? Vocês já falaram tudo, não precisa de mais.

Jake e Raquel suspiraram.

— Não se preocupe. — Ele falou para Dominic. — Ela é assim mesmo, mas acredite ela está em feliz de ver pessoas novas.

— Fale isso por você — Gabriela rebateu no mesmo instante.

— É... — Dominic ficou um bom tempo caçando as palavras certas. — Olá.

Gabriela apenas meneou a cabeça em sinal de desaprovação e seguiu andando na frente.

— Essa garota nem parece que é minha prima às vezes. — Admitiu Raquel enquanto se enganchava no braço esquerdo de Jake.

— É o jeito dela, tenho certeza que no fundo ela também está animada por tudo isso. — Jake animou-se.

Ela é uma donzela perto da Siouxie” Dominic pensou consigo mesmo.

— Mas me diga Dominic, a que Domínio você pertence? — Jake puxou assunto enquanto eles cruzavam o salão principal do salão.

— Da Última Noite. — Dom respondeu com certo alivio, já que quanto aquilo ele não teria que esconder nada.

— O QUE? — Raquel e Jake berraram instantaneamente boquiabertos.

— O Domínio de Leton, O Primogênito? — Perguntou Gabriela que parou também para saber se tinha ouvido direito.

— É. — Dom respondeu. — Qual é o motivo da surpresa?

— Desde que nascemos falaram que este Domínio foi extinto pelos outros. — Jake explicou ainda pasmo.

— É realmente fácil dizer isso quando não se conhece o que Leton realmente é. — Dom respondeu.

— Mas ele está aqui? — Raquel indagou.

— Sim. — Dominic olhou para os lados. — Inclusive ele deve estar rondando por aí.

— E em quantos vocês são? — Jake atravessou a rua principal e agora iam em direção a praça que ali havia.

— Eles eram quatro, agora tem mais um. Uma criança para falar a verdade?

— Uma criança? — Raquel ficou assustada. — Desde quando crianças se tornam Filhos da Sombra.

— É um fenômeno meio incomum. — Dom explicou. — Mas existem alguns casos de conversões com crianças quando a sua manifestação da Sombra alcança um nível ameaçador. Quando existem manifestações em crianças, é comum que elas sejam temporárias e logo elas voltam ao estado normal, entretanto, quando isso acaba não ocorrendo é necessário forçar a criança a se tornar um Filho da Sombra.

Os três então foram até embaixo de uma arvore e sentaram-se na grama.

— Se importa se sua roupa ficar suja de grama? — Jake perguntou rindo. — Sempre preferimos sentar-se no chão mesmo, mas se quiser há algumas mesas ali.

— Está bom aqui. — Dominic sentou-se também.

— Mas a criança fica para o resto da vida sem ser capaz de crescer? — Raquel perguntou ainda instigada com o assunto.

— Ainda bem que não. Um Filho da Sombra foi criado para ser um guerreiro tecnicamente falando, e precisa ter o melhor porte físico e mental possível para que pudesse realizar suas funções originais. Por isso provavelmente a criança vai crescer até seus vinte e cinco anos e ficar por ali mesmo. O inverso acontece quando uma pessoa idosa se torna um Filho.

— Incrível. — Jake estava fascinado. — Como você sabe tudo isso?

Dominic quase foi pego de guarda baixa, respondendo que os livros do Mestre havia todas as respostas possíveis sobre os Filhos da Sombra. Mas ali naquele momento, ele era um humano.

— Ouvi por aí. — Ele respondeu meio sem jeito. — Filhos da Sombra gostam de contar histórias.

— E quanto a você, como se juntou a eles? — Jake falou enquanto aninhava Raquel em seus braços.

— Eu era uma criança de rua. — Mentiu Dominic. — Aí eles simplesmente me acolheram em troca de comida, roupa e moradia.

— Só? — Gabriela ficou absurdamente desconfiada. — Normalmente apenas humanos que se mostram fiéis aos Filhos da Sombra são escolhidos para serem seus servos.

— Disso eu não sabia. — Dominic continuou mentindo. — Enfim, talvez eles quisessem alguém que não tivesse noção de nada mesmo, para garantir.

— E o que você faz para eles? — Perguntou Raquel.

— De tudo um pouco. — Dom percebeu que estava ficando encurralado. Ele podia sentir que Gabriela estava desconfiada, enquanto os outros, apesar de acreditarem firmemente, sentiam tanta curiosidade que acabariam fazendo perguntas demais. — Na maioria das vezes eles precisam de mim para coisas corriqueiras, como comprar roupas, comida e movimentar dinheiro. — E quanto a vocês? Conhecem-se desde pequenos? — Aquela foi a única maneira que Dominic encontrou de se esquivar.

— Pois é. — Jake respondeu. — Acho que conheço todos dessa cidade desde pequeno, você deve ter sido o terceiro ou quarto que eu vejo de diferente por aqui.

Aquilo só aumentou ainda mais a repulsa que Dominic tinha sobre os Filhos da Sombra. Humanos ali eram tratados como animais presos em jaulas.

— E vocês não podem sair daqui? Por exemplo, querer estudar fora e arranjar mais oportunidades.

— Raramente alguém sai. — Gabriela respondeu. — Normalmente apenas uma pessoa por ano durante alguns meses, e é sempre vigiada por um Filho da Sombra.

— Gostaria de ter a sua chance de viver na Capital. — Jake respondeu. Dominic sentiu a sua tristeza retumbar como um acorde grave e desafinado de um instrumento musical. — Eu acho que jamais conseguiremos sair daqui.

— Não diga isso. — Dom tentou animá-lo, enquanto percebia que a sua escapatória foi o pior caminho para querer se seguir a conversa, já que agora os três ali se sentiam tristes por saberem que dificilmente sairiam daquele lugar em vida. — Vocês ainda vão conhecer o mundo lá fora.

— A única coisa que eu quero é tirar Raquel daqui — confessou Jake — e viver uma vida livre, em qualquer lugar que queremos.

Raquel deu um meio sorriso enquanto Gabriela arrancou algumas folhas da grama, e então Dominic percebeu o que a Voele daqueles três humanos estava transmitindo. Jake sem duvidas estava apaixonado por Raquel e aquele sentimento apenas ficava mais forte quando ambos trocavam alguns beijos, porém Dom sentia que um ciúme crescente acumulava-se dentro da Siela de Gabriela, além de um amor não correspondido deixando claro que havia um triangulo amoroso ali. Entretanto Raquel não demonstrava o mesmo por Jake, por mais que ela tivesse um afeto por ele, o sentimento não era tão grande como o dele e muitas vezes ele se mesclava com uma sensação de incerteza e desanimo. Dominic imediatamente ligou os pontos e entendeu que Gabriela amava Jake, que amava Raquel que estava confusa a respeito de tudo.

— Esqueça Jake, jamais sairemos dessa jaula. — Pestanejou Gabriela. — Espero que ao menos o meu corpo seja velado longe daqui. Não quero me manter aqui nem depois da morte.

— Você é pessimista demais. — Respondeu Jake tentando retomar o seu animo — quem sabe não saímos todos juntos daqui e depois vivemos uma vida feliz?

— Em três? — A indireta foi tamanha que Dominic perdeu o jeito e olhou para baixo desconcertado.

— Ah Gabriela... — Jake suspirou. Dom ficou ainda mais assustado por ele realmente não ter captado o motivo daquela frase. — Dom, posso te chamar assim?

— Fique a vontade. — Ele respondeu prontamente com um sorriso.

— Desculpe estragar todo esse encontro. Acabamos te desmotivando ainda mais.

— Não se preocupe. — Dominic não estava mais desmotivado, e sim mais irado pela situação daquelas pessoas. — Vocês têm seus motivos, mas acho que precisamos aproveitar o aqui e o agora, com o que temos. — Em uma ocasião normal, Dom sabia que jamais falaria aquilo para alguém, nem mentindo.

— Tem razão! — Jake falou ressuscitando seu animo de antes. — Vamos dar uma volta por aí? Para esquecer todo esse clima tenso.

Os quatro se levantaram e saíram por aí conversando. Durante o trajeto Dominic soube que Jake era filho dos donos da farmácia e seu sonho era ser um advogado ou qualquer coisa que trilhasse a área de Direito Civil, era filho único e era um verdadeiro campeão nos mais variados esportes que tinha na cidade.

— Você precisa ir ver uma corrida com o Jake. — Falou Raquel enchendo a moral do namorado. — Ninguém o alcança.

Dominic também soube que Gabriela morava com os tios, pais de Raquel e que ambas eram como irmãs, mesmo que aquele momento não mostrasse exatamente isso. Ele também soube que os pais de Gabriela foram banidos da cidade por algum motivo que elas não citaram, apenas disseram que foi algo terrível. Dom tentou não tocar muito no assunto, pois sentia que a Voele de Gabriela entrava numa depressão tão grande apenas de relembrar o assunto.

No fim do dia, eles voltaram para o hotel onde Leton e os outros os esperavam já na porta.

— Dominic! — Leton acenou com uma das mãos. — Finalmente apareceu, onde você estava?

— Por aí. — Respondeu ele direcionando o olhar para os três jovens que estavam consigo.

— É um prazer conhece-los nobres crianças. — Leton disse com um sorriso carismático. — Fico muito feliz que vocês tenham dado atenção ao meu garoto.

— Não foi nada. — Jake respondeu prontamente.

— Eu gostaria de poder deixa-los mais tempo, mas temos uma reunião de urgência na mansão de Maximilian, e ele faz questão que todos do nosso grupo vá. — Explicou Leton.

Dom virou-se para os seus novos colegas.

— Acho que vou ficar por aqui.

— Sem problemas! — Jake respondeu batendo no ombro de Dom. — Amanhã marcamos algo.

Eles se despediram, menos Gabriela que apenas soltou um murmúrio mal humorado. Enquanto os três se distanciavam, Dominic e os outros ainda puderam ouvir um deles dizendo:

—... Será que ele era Leton?

— Parabéns por se tornar uma celebridade. — Dominic falou enquanto entrava no hotel. — Irei tomar um banho e daqui a quinze minutos eu desço.

— Nós o esperamos. — Leton respondeu.

–----

Para chegar a mansão, era necessário subir um lance gigantesco de escadas, isso logo após passar por uma trilha dentro de um pequeno amontoado de copas. De cima era possível ter uma visão ampla e completa da cidade que agora se iluminava com as luzes após o crepúsculo. Os cinco pararam na frente das enormes portas frontais que davam acesso ao lado interno da mansão.

— Alec fique próximo de mim e tente ficar calmo ok? — Samantha orientava Alec que apenas acenava com a cabeça.

— Dominic, precisamos que você fique em total silêncio. — Draen o alertou. — Eu sei que você pode ouvir coisas que não vai gostar, mas estamos mais seguros se nada sair do controle.

— Não se preocupe. — Dominic lhe garantiu. — Eu vou me comportar.

— Certo, então vamos nessa. — Leton falou enquanto empurrava as portas com as mãos e as abria ao som de um ranger metálico.

Dominic não conseguiu manter a boca fechada enquanto observava aquele gigantesco salão em que estavam. Provavelmente do chão ao teto de vidro havia quase vinte metros de distância, o chão era circular e as seus ladrilhos eram feitos de um mármore fino. As paredes eram construídas com o mesmo tipo de tijolo da parte de fora, mas eram enfeitadas com joias dos mais variados tipos e cores, formando um anel colorido e brilhante. No fundo havia uma escadaria que se dividia em duas e ia cada uma para um lado, levando a diferentes alas superiores.

Alicia logo saiu por uma das portas laterais, continuava usando o mesmo vestido, mas ainda assim parecia que estava mais linda e mais elegante do que mais cedo.

— Leton! — Ela o saudou. — Seja bem vinda a nossa morada, por favor, me siga que eu irei levá-los até Maximilian.

— Estamos logo atrás de você.

Eles subiram a escadaria e seguiram pela ala leste, passaram por vários corredores, portas e diferentes cômodos. Todos vazios como se estivessem abandonados. Dominic se perguntou se ele conseguiria fazer o caminho de volta em caso de alguma emergência, e quanto mais eles adentravam no interior daquele lugar, mais ele tinha certeza que provavelmente precisaria usar as janelas.

Por fim eles ficaram diante de outra porta gigantesca que selava outra parte da mansão. Desta vez elas eram feitas totalmente de diamante e provavelmente nem mesmo um guindaste as tiraria dali. Alicia porém, apenas tocou um dedo no meio delas que ambas se abriram num movimento demorado e barulhento. Revelando-se um enorme salão, Dominic foi o último a entrar e teve ainda mais convicção de como era insignificante perto daquela magnitude titânica. Havia um corredor principal que ia do começo ao fim da sala, as laterais eram compostas por diversas bancadas que iam subindo conforme iam se aproximando da parede. Nessas bancadas estavam acomodados mais de cem pessoas que os observavam tão silenciosas que pareciam estatuas. Ao fundo havia uma coluna gigantesca rubra que ia do chão até atravessar o teto e continuar metros céu a fora, mais embaixo formava-se um trono onde um homem estava sentado.

— Senhores. — Alicia estendeu suas mãos. — Lhes apresento Maximilian, A Joia Despedaçada.


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