Belle tinha medo de se perder naquela cidade, mesmo que fosse pequena. Felizmente, as direções que Ruby lhe apontara deram no lugar certo. Ela entrou no edifício que se localizava debaixo do grande relógio da cidade.

Mesmo com as sombras projetadas pelo sol quase no centro do céu, aquela visão era deslumbrante. Infinitas prateleiras se estendiam aos seus olhos, o cheiro de livros novos e velhos entorpecia sua mente, Belle estava maravilhada.

– Belle! – Uma jovem mulher loira veio sorrindo em sua direção.

– Hum... Oi?

– Sei que não se lembra, sou Ashley. – A moça deu um sorriso compreensivo e estendeu sua mão. – É bom tê-la de volta.

– Obrigada. – Ela cumprimentou a mulher.

– Bom, eu sei que você está doida pra explorar a biblioteca. Vá em frente, nós conversamos depois.

Belle agradeceu mais uma vez e foi em direção aos livros. Aquele lugar tinha um ar acolhedor e familiar, assim como o apartamento que dividia com Ruby, e Belle sentia como se isso fosse um remédio para sua memória. Ela já estava absorta em alguma história que escolhera quando a moça, Ashley, interrompeu sua leitura.

– Belle, você se importa de cuidar da biblioteca por uma hora? Eu normalmente fecharia para meu horário de almoço, mas sei que o lugar está em boas mãos com você.

– Tudo bem, eu tenho que esperar a Ruby aqui.

– Olha lá hein. – Ela tentava conter o riso. – Não sei se é sensato deixar Ruby Lucas sozinha com Belle French numa biblioteca.

Ela estava prestes a perguntar o porquê quando Ruby apareceu carregando uma cesta.

– Que tipo de ideias você está colocando na cabeça da menina, Ashley? – Ela veio toda sorridente e abraçou a mulher loira, Belle sentiu uma pontada estranha no estômago, e não era uma sensação igual às outras vezes que estava sozinha com Ruby.

– Nada demais. – Ashley tentou disfarçar o constrangimento depois que Ruby sussurrou “Somos só amigas” e deu um sorriso triste. Belle observava aquela cena completamente confusa.

– Eu cansei de perguntar as coisas. – Ela disse mais para si mesma. Mas, e essa era uma característica um tanto incômoda, Ruby tinha uma audição sensível.

– Nunca pensei que fosse escutar Belle French dizer que está cansada de fazer perguntas! Se bem que eu sempre adoro responde-las.

– E eu tenho que almoçar, adeus meninas. Comportem-se! – Ashley deixou a biblioteca.

– Falando em perguntas, o que tem nessa cesta? – A pequena levantou-se e se aproximou de Ruby, tentando espiar por debaixo do pano.

– Você não tinha se cansado de perguntas?

– Não quando eu estou com fome e sinto um cheiro muito bom vindo daí.

Ruby finalmente se entregou e tirou a toalha dobrada que cobria a cesta. Ali dentro tinham alguns sanduíches, muffins e outras coisas que exalavam um cheiro tão delicioso e vieram como uma benção ao olfato de Belle. Depois de ajeitar tudo no chão da biblioteca, só sobrava um item na cesta.

– Vinho? – Belle perguntou com uma cara desconfiada.

– Foi a única coisa que eu pude “pegar emprestado” do Granny’s.

– “Pegar emprestado”? Ruby, Ruby... – Agora ela falava com um tom de advertência na voz.

– Tenho dinheiro suficiente para repor depois, ok? Pode parecer surpresa pra você, mas eu trabalho de verdade.

– Eu não estou duvidando de você! – Elas encheram suas taças com vinho mais uma vez. – Adoraria voltar... – Belle suspirou e olhou em volta.

– Quando você estiver pronta. – Ruby respondeu com aquele sorriso de sempre e tomou um gole.

– Sinto que já estou pronta!

– Nós podemos terminar o almoço primeiro? – A morena fez uma expressão preguiçosa.

– Não precisa ser tão rápido assim. – Elas riram. – Sabe... – Belle tinha um tom de voz mais sério. – Eu estou curiosa sobre uma coisa.

Ruby arregalou os olhos, fingindo surpresa. – Estou chocada! – A castanha riu. Como Ruby conseguia colocar humor em qualquer situação?

– É sério! Eu queria conversar sobre aquela visita do meu... pai.

– Oh, hum... O que você quer saber? – O coração de Ruby começou a palpitar aceleradamente, suas mãos suaram frias e ela tentava olhar para qualquer coisa que não fossem os olhos de Belle.

– A única coisa que eu sei sobre ele é que não gostava de você.

– Certo, entendi. Bom... Eu não sei de muita coisa para falar a verdade. – Ela tentava buscar na sua memória algum fato sobre o homem que Belle já tinha lhe contato, mas o passado parecia algo tão vago naquele momento. – Desde que eu me lembro... Desde que te conheço, você já estava afastada dele.

– E eu me afastei por que...?

– Porque ele não gostava de mim? – Ruby usava qualquer habilidade para mentir que tivesse naquela hora, e ela estava se odiando por isso.

– Então, deixe-me ver se entendi: eu virei sua amiga e meu pai simplesmente cortou relações comigo? Porque ele te odiava tanto?

– Bem... Não foi exatamente quando nós éramos só amigas. – Ela pressionou os lábios, com raiva da má escolha de palavras. – Tudo começou quando decidimos morar juntas. Eu acho que seu pai vem de uma família bem tradicional porque, bem... – Respirou fundo. – Eu não gosto de homens... Não do jeito que a maioria acha que eu deveria gostar. – Ela olhou para o rosto de Belle, esperando qualquer tipo de expressão, mas a outra continuava neutra, apenas querendo saber mais sobre seu passado. – E eu acho que ele tinha medo que eu, sei lá, me aproveitasse de você ou algo do tipo...

A única coisa que Belle fez foi dar um sorriso compreensivo, embora lá no fundo, a mente dela trabalhava. Não era burra é claro, mas a parte sã de seu cérebro fingiu não entender.

– Ruby, você não precisa ter vergonha disso.

– Eu não tenho. - Ela encolheu os ombros. - Só estava com medo que você não quisesse mais morar comigo ou sei lá. – Aquilo era parcialmente verdade.

– Quem iria fazer minha comida se eu não morasse com você? E, aliás, ia dar muito trabalho tirar aquela estante de livros do apartamento. – Ruby riu, estreitou os olhos e negou com a cabeça, olhando para Belle. Aquela garota era incrível.

– Palhaça.

– Certo, agora que eu matei minha curiosidade, que tal meu cão guia me guiar nessa biblioteca maravilhosa pra eu conhecer meu futuro ambiente de trabalho? – Belle se levantou e limpou as migalhas de sua saia. Ela não sabia por que (ou pelo menos fingia não saber), mas estava se sentindo feliz e disposta.

– Eu te odeio sabia? – Ruby se levantou também e começou a recolocar as coisas na sua cesta de piquenique.

– Não, você me ama. – Belle se juntou àquela tarefa. Ela não sabia, mas essa frase causara mais impacto em Ruby do que ela podia imaginar. – Só não tente me beijar, sabe.

Ruby deu uma risada nervosa, suas mãos tremeram um pouco e ela se concentrou à responsabilidade de não deixar o prato de vidro cair no chão. Sabe aquela característica de ter uma audição sensível que Ruby nunca gostou? Ela passou a amar no momento em que escutou Belle sussurrar bem baixinho “Se bem que...”. Não queria se iludir, mas não conseguiu impedir seu coração de falar mais alto.

Belle sentiu sua mão ser segurada pela de Ruby, não pode conter um sorriso. Olhou para o rosto da mais alta e encontrou a Ruby mais radiante que havia visto até agora. Ela tentava se concentrar no que a outra lhe dizia sobre a divisão de livros por gêneros e autores. Tentava aprender o máximo que podia sobre cataloga-los e atualizar a seção da biblioteca no site da prefeitura. Mas nada disso entrava em sua mente enquanto Ruby continuava segurando sua mão, dando a ela mais atenção do que merecia e fazendo brincadeiras que quebravam aquela gentileza não tão comum. Isso porque grande parte do seu cérebro trabalhava para conter sua vontade de aceitar que estava apaixonada por Ruby Lucas.

E Ruby admirava Belle sorrindo quando via algum livro que parecia ser interessante (o que ocorria frequentemente), ficava feliz em ver aquele brilho apaixonado nos olhos dela. Ela sabia que Belle era apaixonada por livros, mas agora ela também sabia, ela sentia.