Uma coisa que Belle nunca precisaria de memória para se lembrar era de como domingos são tediosos, principalmente à noite. Procurando algum filme interessante para assistir, achou uma coleção admirável de filmes de terror.

- Nossa, to vendo que você ama filmes de terror. – Belle virou para Ruby, mostrando os DVDs.

- Você também gosta sabia? – Ruby pegou a pipoca que acabara de fazer e sentou no sofá.

- Eu? – A castanha perguntou incrédula.

- Pois é, eu te levei pro mau caminho. – A outra sorriu. – A maioria desses que estão aí foi você que comprou, tem um ótimo gosto.

- Então eu posso arriscar a escolha? – Ruby assentiu e ela olhou para as capas dos DVDs, nem dava para acreditar que ela gostava de filmes desse tipo.

O filme mal começara e Belle já estava quase arrancando o braço de Ruby, qualquer movimento suspeito dos personagens era motivo para Belle apertar o braço da outra com a maior força do mundo e se enterrar mais no cobertor. Aquele costumava ser o filme preferido das duas. Ruby segurava o riso porque logo chegaria à cena em que ela sabia que Belle ia gritar de susto.

Ruby não sabia se tinha se assustado com o barulho de vidros quebrando na cozinha ou com o grito mais que desesperado de Belle. Ela foi ver o que tinha acontecido, enquanto a outra vencia o seu choque para tirar o filme o mais rápido possível. Foi só a lâmpada, ela a esquecera acesa e provavelmente estourou, a afiação da casa não era das melhores mesmo.

- A LÂMPADA QUEIMOU, SÓ ISSO! – Ela gritou da cozinha, o silêncio reinou na casa. – Belle, pelo amor de Deus! – Começou a rir ao ver a garota enrolada de baixo das cobertas.

- Eu. Nunca mais. Vou assistir. Um filme de terror. Na minha vida! – Foi o que Belle respondeu.

- Qual é cara! – Ruby arrancou o cobertor de Belle.

- Como se você não tivesse se assustado! – Belle fez cara de emburrada.

- Ta, eu me assustei. Mas a sua reação foi exagerada. – Ela começou a rir.

- Você é muito chata!

- E você é medrosa. – Lágrimas caiam dos olhos de tanto que ela ria.

- Vou pegar ali uns cacos de vidro e você vai ver quem é a medrosa. – Belle ameaçou.

- Nossa, senti sua ousadia assassina agora!

- Aé? – Belle foi se aproximando lentamente de Ruby, esta parou imediatamente a risada. A castanha chegava cada vez mais perto, um corpo compartilhando calor com o outro, as respirações se misturaram. Belle viu a mudança rápida no comportamento da morena e se perguntou por que aqueles olhos verdes ficaram assustados tão de repente. Seus batimentos cardíacos se aceleraram quando Ruby sussurrou rouca “Belle...”, talvez como um aviso.

De súbito, Ruby deitou no sofá e gargalhadas involuntárias saíram de sua garganta quando sentiu os dedos de Belle fazendo cosquinhas na sua barriga, ela odiava isso.

- BELLE PARA! VOCÊ TA ME MATANDO! – Gritou quase sem fôlego.

- SENTIU O ESPÍRITO ASSASSINO AGORA NÉ? Muahahahaha! – Ela ria com sua vingança.

- SOCORRO!!!!

- Ninguém vai te resgatar agora, princesa!

Em algum momento durante aquela guerra, conseguiu prender os braços de Belle e ficar por cima, a olhou ameaçadoramente. As duas estavam ofegantes de tanto rir, Belle observou a sincronia enquanto elas buscavam ar, e com o olhar feroz de Ruby, sentiu um choque passando pelo seu corpo, que se misturou com o formigamento brincando em sua pele, ao redor de onde a morena a tocava.

- Nós... Realmente deveríamos limpar os restos da lâmpada. – Ela disse enquanto desviava o olhar, tentando prestar atenção em qualquer outra coisa.

- Você é uma sem graça, nem me deixou ter revanche. – Ruby ficou em pé novamente, tentando quebrar aquele clima.

- Eu sou apenas responsável. – Belle andou de modo autoritário, pegou uma vassoura e foi limpar a sujeira.

- Sorte sua que a gente sempre compra uma lâmpada extra. – Ruby voltou à cozinha quando Belle havia terminado. – Vamos, me ajude aqui, segure a escada pra mim.

Elas abriram a escada e Ruby subiu.

– Não vai me deixar cair hein! – A morena riu enquanto tirava nova lâmpada da caixa. Belle se juntou aos risos. - Eu não vou, pode deixar.

Pela segunda vez na noite, Belle sentiu aquele choque passeando pelo seu corpo. Observava o rosto de Ruby pela luz da lanterna, os seus traços fortes concentrados para não quebrar a lâmpada nova. E aqueles olhos verdes... Ah, aquela maravilhosa floresta verde, densa e feroz, que a confundia mais do que as memórias perdidas. Seus músculos fraquejaram enquanto assistia as longas pernas de Ruby se movendo para descer, a escada balançou. – Desculpe. – Belle prontamente pegou a mão de Ruby para lhe dar suporte enquanto chegava ao chão. – Tudo bem. – A outra deu um sincero sorriso. Aquele sorriso era a luz que a ajudava a caminhar no meio daquela floresta, Belle pensou poética. Balançou a cabeça tentando afastar esses pensamentos.

- Aqui está. – Ruby ligou o interruptor para checar se a lâmpada estava funcionando. – Bom, agora tenho que arrumar minhas coisas pro trabalho amanhã.

- Posso ir com você? – As palavras escaparam da boca de Belle. Ruby a olhou curiosa e não conseguiu conter um sorriso.

- Por que?

Belle abaixou os olhos, tímida. – Você disse que eu fazia isso...

- E o que você vai fazer, já que não precisa ir pra biblioteca? – Logo em seguida, Ruby se amaldiçoou por falar isso. Não queria que Belle pensasse que ela não a queria por perto.

- Eu posso levar um livro... – Belle olhou pensativa para a prateleira que havia na sala. – O que você me sugere?

- Depende, o que você está a fim de ler? Romance, política, fantasia, terror... – Ruby ia apontando para um grupo de livros enquanto listava os vários gêneros.

- Fantasia. – Belle respondeu prontamente. – Depois de hoje, acho que nunca mais vou tocar em algo relacionado a terror.

- Você vai superar. – Ruby falou com graça e tocou o braço de Belle. – Certo. Fantasia... Aqui, “A Ilha Misteriosa” de Júlio Verne. Você me fez amar esse livro!

- Assim como você me fez amar filmes de terror?

- Vai me culpar o resto da vida pela lâmpada quebrada?

- Se eu puder passar o resto da minha vida com você, vou sim! – As duas sentiram suas bochechas esquentarem. Ruby respirou e olhou para cima, tentando conter algumas poucas lágrimas que queriam aparecer. Belle abaixou a cabeça. – Quero dizer... uh...

- Eu saquei. – O brilho maroto que sempre estava presente no olhar de Ruby havia sumido, Belle notou. – Vamos, se você quiser ir comigo amanhã, tem que descansar. Já são quase duas horas da manhã.