A capa de Belle farfalhava entre as folhas e galhos. Assim que ela perdera o castelo do Dark One de vista, pôs-se a correr. Não sabia por que fugia, afinal, o próprio homem havia lhe dado a chance de ir embora, mas mesmo assim, ela sentia que alguma coisa podia dar errado.

Ela estava cansada e perdida, apenas com a luz da lua cheia para iluminar seu caminho através da densa noite. Decidiu parar numa pequena caverna e pela manhã procuraria a aldeia, ou então comida e um abrigo melhor.

Seus olhos pesavam e ela quase dormia quando uma grande criatura apareceu. Belle se esforçou para não gritar, mas o animal nem parecia perceber sua presença enquanto devorava uma pequena presa. Um som de lamento escapou de seus lábios quando o que quer que fosse passou por um feixe do luar, revelando-se um lobo, e atravessou para o outro canto da caverna, ficando em frente a ela.

Um arrepio percorreu o corpo de Belle quase ao mesmo tempo em que os olhos amarelos do lobo brilharam. Ela engoliu o seco e fechou os olhos, pronta para seu fim. Mas ele não veio. O animal estava sentado de forma relaxada, observando a jovem mulher. Eles ficaram se encarando por um bom tempo, Belle tentava controlar o medo e a tremedeira, sem ter ideia do que se passava na cabeça da sua companhia.

Aos primeiros raios de sol, Belle observou os traços do que percebeu ser uma loba, eram iguais aos que os livros descreviam. A loba se levantou e aproximou-se lentamente de Belle. Mas esta não estava mais assustada, apenas curiosa em qual seria a próxima ação do animal. A luz do dia iluminou a caverna e banhou o pelo macio e escuro da loba e, diante dos olhos de Belle, se transformou em uma bela mulher, morena e alta. Belle soltou um ar que não sabia estar segurando, certo, talvez ela tivesse mesmo tido um pouquinho de medo.

A moça se afastou e sentou de pernas cruzadas, olhando-a de jeito estranho e depois de algum tempo decidindo o que dizer, falou:

– Você precisa descansar, durma um pouco.

Belle estava prestes a contestar quando acrescentou. – Nós podemos conversar depois. – Ela deu um sorriso gentil e caloroso. – Vou buscar água e alimento, fique aqui e você estará segura. Se estiver com frio, pode usar. – A estranha lhe estendeu uma capa vermelha, que parecia estar escondida ali desde antes de sua chegada.

Seu nome era Red. Era um pouco mais nova que ela em idade, muito mais madura em aventuras. Red não tinha destino, assim como Belle, portanto decidiram traçar um caminho juntas. O passatempo preferido de Belle era fazer mais e mais perguntas sobre Red, ela nunca havia conhecido alguém com uma aura tão forte, confiante e misteriosa. Ela adorava provocar a companhia listando suas características mais marcantes: Red era engraçada, teimosa e amava carne mal passada. Aposto que mais até do que essa sua capa né? Você tem isso desde quando? Parece antiga. Ela acrescentava.

Depois de muita insistência, Red lhe contou um pouco sobre seu passado.

– Sou amiga de Snow White, ela me ajudou quando descobri esse meu “outro lado”. Algum tempo depois, estava no seu exército para ajuda-la a retomar o trono da Evil Queen.

– E o que você está fazendo no meio da floresta?

– No momento, descansando antes de irmos em direção a aldeia. – Belle lhe deu um leve soco no ombro.

– Não foi isso que eu quis dizer! – Red deu de ombros, pensando em uma explicação.

– Por mais que eu estivesse entre amigos, não sentia que lá era o meu lugar, então eu parti. Decidi viajar um pouco, talvez encontrar meu próprio bando, visitar a minha avó.

– E nós estamos indo para sua avó agora...

– Sim, o que tem isso? – Red se virou para a outra.

– Isso significa que já viajou e encontrou sua alcateia. – Ela não sabia se aquilo era uma pergunta, mas respondeu:

– Bem, eu estou viajando agora e... Eu encontrei você.

– Você me encontrou. – Belle repetiu.

Um clima quieto e ansioso pairou por alguns segundos antes de, ao mesmo tempo, as duas decidirem fazer algo que queriam há muito tempo. Seus lábios se encontraram em um beijo calmo e inocente, apreciando a sensação da solidão as deixando de uma vez por todas.

Elas não planejaram chegar à casa de Granny com essa nova relação selada. Não pretenderam ficar lá por meses, ou arranjar uma casa própria aos redores da aldeia. Mas aconteceu, e assim o tempo mais uma vez passou.

A ameaça que a Rainha jogara no casamento de Snow White fora desaparecendo das preocupações dos camponeses ao longo dos meses, assim como os antigos avisos pregados nas árvores, dizendo que Belle era uma princesa desaparecida. Já passara a época em que as duas descobriram que os guardas de seu pai a procuravam desde que se ficou sabendo que o Dark One não tinha mais uma servente. Primeiro ela quis voltar para mostrar que estava bem, rever seu pai e seguir sua vida com Red, mas isso foi antes de Belle escutar um guarda dizendo que as ordens eram para encontrar a princesa a qualquer custo, um sequestro seria aceito se fosse preciso.

Era mais um dia tranquilo na aldeia. Belle abria a pequena biblioteca, enquanto Red se preparava para juntar-se ao grupo responsável pela proteção do lugar. Recentemente, a pequena cidade recebia exércitos de vários reinos que estavam envolvidos na guerra dos Gigantes e, no momento, mais um deles passava buscando alimentos e um local para descansar.

Um homem, ainda vestindo parte da armadura, entrou no estabelecimento de Belle e pareceu interessado em alguns livros. Ela saiu de trás da mesa, oferecendo ajuda ou sugestão. Quando o soldado percebeu a presença da mulher, derrubou o livro, chocado. Senhor seja mais cuidadoso! Ela o repreendeu, pegando o livro, limpando-o e o colocando no devido lugar. Enquanto fazia isso, o homem saiu correndo em direção ao resto do grupo, gritando que A princesa fora encontrada! No tempo que o soldado conseguiu passar a notícia a todos e voltar à biblioteca, Belle já estava a metros de distância. Ela precisava achar Red, tinham que partir. Felizmente, conhecia sua aldeia muito melhor que aqueles homens, mas ainda assim, escutava o som dos cavalos trotando logo atrás.

Red estava na fronteira fazendo seu trabalho de vigia e achou estranho ouvir o exército se aproximando, geralmente eles só passavam por ali na manhã seguinte. Quando se virou, assustou-se ao ver Belle com lágrimas nos olhos, quase sendo alcançada pelos guardas. Ela chamou por Red, e gritou mais ainda quando um deles conseguiu puxá-la pela capa, colocou-a em cima de seu cavalo e partiu.

Dias, semanas, meses, Red já não contava mais. Voltara à sua antiga vida, afinal, estava acostumada a ficar sozinha na floresta, sempre foi assim... Até Belle entrar em sua vida para nunca mais sair. Viajar entre as árvores era bem mais rápido para ela e, obviamente, mais prático já que ela conhecia cada folha, cada raiz com a palma de sua mão (ou talvez pata, o lobo dentro de si merecia créditos por esse conhecimento); além do mais, partiu com a esperança de encontrar os cavaleiros em algum atalho, na intenção de esconder a princesa, mas ela não havia sido rápida o bastante.

Agora, Red observava a entrada do castelo, claramente Belle já estava lá. Os portões estavam fortemente protegidos, enquanto, por eles, entravam de nobres a camponeses, todos levando presentes e enfeites para comemorar a volta da princesa perdida. Ela queria invadir agora mesmo, resgatar Belle e sair com ela em seus braços, mas isso não daria certo. Belle sempre dizia que para tudo na vida era necessário um plano, e Red ria rolando os olhos, já que gostava de agir de acordo com seus instintos; desta vez Belle ganhara a discussão sem nem estar presente. Red esperou a noite chegar, ela teria que usar a lua cheia a seu favor.

A loba se movimentava com destreza. Na parte de trás do castelo, como tinha visto de manhã, havia uma falha entre a grama e a parede de pedra e apenas alguns minutos cavando foram o suficiente para conseguir passar para o outro lado. Mesmo no meio da palha e outros animais, ela tinha que tomar cuidado para passar despercebida, ainda mais carregando seu precioso tecido vermelho entre os dentes. Já dentro do castelo, percebeu que a movimentação pela festa era ainda maior, se escondeu atrás de uma grande escultura quando ouviu um servo se aproximar e colocar mais um pacote na pilha de presentes, ele trocou palavras com uma mulher, pediu ajuda para levar tudo ao quarto da princesa e deixaram a pilha sozinha por momento. Essa era chance de Red. A loba correu até lá e enterrou sua capa vermelha em meio aos presentes, quando Belle visse o objeto, ela entenderia seu recado. Seguiu os servos de perto, mas com cautela, até o quarto de sua mulher. Se um lobo pudesse rir, ela o faria quando Belle mandou ir embora quem quer que fosse a pessoa esperando do outro lado. A dupla não insistiu e informou que deixariam os presentes no carrinho de madeira em frente à porta. Quando tudo voltou ao silêncio, Belle abriu a porta com cautela e estudou a pilha, seu plano era juntar todos os tecidos que ganhara e formar uma corda para, finalmente, fugir. Sua concentração foi quebrada quando achou a capa de Red no meio das coisas e um lobo entrou correndo no seu aposento em seguida. Tudo aconteceu muito rápido: ela jogou a capa sobre o animal; Red apareceu; as duas se abraçaram; Belle suspirou o nome de Red entre beijos.

Depois de matarem a saudade, elas colocaram o plano de Belle em prática. Amarraram cada vestido, tecido e edredom que havia no quarto – novo ou velho. Belle desceu primeiro enquanto Red segurava a corrente improvisada, depois a amarrou no pé da pesada cama de mogno, desceu todo o caminho que a corda cobria e pulou no telhado de palha do depósito de arsenal que ficava praticamente encostado à torre, Belle a esperava lá. Juntas, correram até o lugar que Red havia entrado, onde ela teve que se transformar em loba novamente para aumentar o buraco e poderem passar na forma humana. Assim, as duas fugiram e já estavam muito, muito distantes e seguras quando o rei percebeu a ausência de sua filha.