Eu estava presente quando leram a minha carta. Eu estava presente quando baixaram meu caixão. Todos estavam muito tristes e abalados, mas seguiriam em frente como sempre fizeram.

Depois que morri, Gabriel permitiu que eu ficasse mais um tempinho na terra. Fiquei durante dois dias. Quando esse prazo esgotou eu estava no meu quarto tentando folhear meu diário quando a porta abriu e David entrou. Ele estava arrasado, com olheiras e aparentava cansaço.

Se sentou onde eu havia estado a pouco tempo, pegou meu diário e chorou. Ele abriu na página onde eu falava sobre minha morte.

“Diário,

Amanhã é o dia D. Estou me preparando pra isso agora. Eu tenho medo de morrer, de abandonar aqueles que amo. Papai passou aqui há duas horas e me deu um abraço apertado. Eu estou com uma estranha sensação com relação a ele, mas resolvi ignorar. Eu quero que, quando tudo isso acabar, ele possa parar de se esconder e viver uma vida plena novamente, montar uma nova família e ser feliz de novo... Ele merece tudo e muito mais.

Hoje eu me perguntei o que eu gostaria que escrevessem na minha lápide. Um assunto muito fúnebre, eu sei. Não quero que coloquem nada comum. Queria que colocassem um poema. O meu favorito de Shakespeare:

Soneto 30

Shakespeare

Quando à corte silente do pensar

Eu convoco as lembranças do passado,

Suspiro pelo que ontem fui buscar,

Chorando o tempo já desperdiçado,

Afogo olhar em lágrima, tão rara,

Por amigos que a morte anoiteceu;

Pranteio dor que o amor já superara,

Deplorando o que desapareceu.

Posso então lastimar o erro esquecido,

E de tais penas recontar as sagas,

Chorando o já chorado e já sofrido,

Tornando a pagar contas todas pagas.

Mas, amigo, se em ti penso um momento,

Vão-se as perdas e acaba o sofrimento.

Era isso que eu queria que escrevessem em minha lápide. Ele me passa conforto, eu espero que traga conforto a eles também...”

David chorou ainda mais, borrando um pouco a tinta. Havia sido justamente o que colocaram no meu túmulo. Quando David saiu do quarto, Gabriel apareceu e disse que já era hora. Eu me despedi do mundo mortal e fui levada até o meu destino final.

Quando saímos, um pedaço de papel se desprendeu do meu diário. Nele estava escrito: “Somos senhores do nosso Destino.”