Talvez Hoje escrita por Alyss Turner


Capítulo 2
Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Segunda parte do conto, a terceira ainda não esta escrita, mas pretendo termina-la em breve.



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08h45min da manhã

Depois daquilo eu e Lucas não trocamos mais nenhuma palavra. Eu finjo estar concentrada no livro, mas na verdade não li nem três páginas nesses 40 minutos, ele colocou fones de ouvido e esta observando paisagem que passa pela janela desde então.

Fecho o livro com um suspiro sem conseguir mais olhar para as palavras e não entender o que elas querem dizer. Ele desvia o olhar da janela para mim e assim nos encaramos por um momento, antes que eu desvie o olhar.

— É a primeira vez que vejo você deixar um livro de lado mesmo tendo tempo para ler — ele comenta, porém eu continuo em silêncio. — Ei! — exclama mais alto, tentando chamar minha atenção. — Estou falando com você! — continua, agora também estalando os dedos em frente aos meus olhos.

— Porque você tem que ser tão irritante? — xinguei já sem conseguir aguentar as provocações. O problema é que quando me virei para encará-lo percebi que seu rosto estava muito perto, muito perto mesmo.

Aparentemente ele também se assustou com meu movimento brusco, pois nenhum dos dois se moveu por um bom momento, até que ambos saímos do transe e nos viramos para lados opostos sem falar nada.

Tentei ao máximo fingir estar muito interessada no que havia no outro lado do corredor, mas na verdade eu só estava tentando manter meus olhos longe dele. Aquele simples acidente fora o suficiente para fazer meu pulso acelerar, era odioso.

O pior é que o problema real não era ter o rosto de Lucas perto do meu, o problema é que ele ficou perto o suficiente para que eu pudesse sentir seu hálito em minha pele e perceber o quanto seus olhos são azuis, perto o suficiente para me fazer lembrar outro acidente ocorrido anos atrás, o acidente que causou o maior erro da minha vida.

Talvez eu não tenha mencionado antes, mas além de colega de escola Lucas também era meu vizinho e nossas mães grandes amigas, o que fazia com que eu convivesse mais com ele do que qualquer outra pessoa que eu conhecesse na escola. Então embora nunca tivéssemos nos dado bem ao longo dos anos acabamos nos acostumando com a presença um do outro.

Até que há dois anos eu comecei a namorar com um garoto, Marcos, ele era bonito, legal e embora fosse um pouco idiota, como todos os garotos, estava em um nível suportável, eu realmente gostava dele. Nunca havia pensado que algo assim pudesse incomodar Lucas, mas desde que eu havia começado a sair com Marcos todas as vezes que nos víamos ele ficava encarando a nós dois de uma forma estranha, quase ameaçadora. No inicio não dei muita importância, até mesmo gostei de poder incomodá-lo um pouco, porém as coisas começaram a piorar.

Certa noite eu estava em uma festa de uma garota da nossa escola, eu realmente odeio festas, mas depois de ter recusado inúmeros convites de Marcos chegou um ponto em que eu tive de aceitar pelo menos um. Lucas também estava na festa e ele havia ficado a noite toda nos jogando olhares mortais, alguns dias antes nós havíamos tido uma discussão quando de uma hora para outra ele resolveu “mandar” eu ficar longe de Marcos, então a situação estava bastante desconfortável.

Após aguentar o suficiente do cheiro de cigarro e de álcool que havia em todo o lugar e observar todas aquelas pessoas agindo como babuínos loucos no cio, resolvi tentar achar um lugar onde pudesse respirar sozinha por um momento.

Depois de procurar um pouco finalmente encontrei uma pequena sala vazia, estava cheia de coisas velhas então deduzi que era um deposito, mas tinha uma janela pela qual entrava um pouco de ar puro e para mim isso era o suficiente.

Então eu estava lá, perfeitamente acomodada em cima de uma caixa de madeira velha quando Lucas entrou e vasculhou o local como um animal farejando a presa até me encontrar.

— Porque você sempre some desse jeito? Estou te procurando há uma meia hora — ele reclamou já se convidando para entrar no meu refugio.

— Eu não estou há meia hora aqui dentro — retruquei, mas tudo que ele fez foi cruzar os braços e me lançar um olhar incrédulo — tudo bem, talvez eu esteja — admiti.

— Qual é o sentido de vir a uma festa e ficar escondida em uma sala escura?

— É a minha natureza anti-social agindo, você mesmo sempre me chama assim, não é? — ele apenas deu de ombros diante da minha resposta — O que você quer? — completei, sabia que ele não estaria me procurando apenas para desfrutar o prazer da minha companhia.

— Achei que finalmente estivesse fugindo do seu novo namorado — respondeu com uma expressão bastante séria, o que era bem raro.

— Não comece! Qual é a dessa implicância com Marcos? Você nem o conhece direito — retruquei já começando a me irritar, não estava acreditando que ele havia ido até ali só para continuar aquela discussão.

— Se você confia tanto assim nele, não há o que fazer. Mas depois não diga que eu não avisei — ele falou soltando um suspiro cansado, depois pondo sua expressão arrogante de sempre no rosto e virando-se para ir em direção a porta.

— Me avisar de algo para o meu próprio bem? Desculpe, mas é difícil acreditar em algo assim vindo de uma pessoa que até hoje sempre fez de tudo para me ferrar! — acusei antes que ele pudesse sair do cômodo.

— O que? — ele perguntou virando-se para me encarar novamente — Não seja exagerada! — continuou se aproximando de mim, até ficar muito mais perto do que estava antes — Tudo que eu fazia eram brincadeiras infantis...

— Ainda bem que admite! — interrompi.

— Quieta! — ordenou chegando ainda mais perto, seus olhos denunciavam que ele estava realmente com raiva, o que me deixou um pouco assustada — Sim, eu sei que o que eu fazia era infantilidade, e daí? Isso é algum tipo de crime agora? Mas nunca fiz nada fiz nada para prejudicar ou machucar você! E não diga que fiz apenas coisas assim, porque eu não fiz! — ele estava certo, eu tinha que admitir, mas admitir que eu errei é algo extremamente difícil para mim, então tudo que fiz foi ficar idiotamente em silêncio — Desculpe! — falou soltando outro suspiro, provavelmente depois de ver minha expressão assustada — Só quero dizer que você merece alguém melhor que aquele idiota.

Aquela última afirmação me deixou surpresa, tão surpresa que a única reação que consegui ter foi rir.

— O que foi? — ele questionou parecendo nervoso.

— Por favor, repita o que acabou de dizer. Preciso ouvir de novo para acreditar! — falei depois de finalmente conseguir controlar o riso.

— Vá sonhando! — ele rebateu com uma expressão emburrada.

— Tudo bem, então me diga Sr. Lucas, quem seria a pessoa que me merece? — insisti, eu sabia que estava sendo implicante, mas ouvir um elogio vindo de Lucas era tão raro que seria um desperdício não tirar pelo menos um pouco de sarro da cara dele.

Ao invés de responder ele fez uma careta de desgosto, como sempre acontecia quando alguém tocava em algum ponto fraco seu. Achei que ficaria sem resposta, mas então ele me lançou um olhar indecifrável e em seguida virou-se e ficou ainda mais perto. Mais perto do que jamais havia ficado. Tão perto que a surpresa me fez prender a respiração por um momento, mas ainda podia sentir a dele em meu rosto.

— Talvez alguém que goste de você de verdade — ele sussurrou sem desviar os olhos dos meus por nem um instante.

E aquela foi a primeira vez que percebi o quanto os olhos de Lucas eram azuis, e também a primeira vez em que pensei que o impossível poderia acontecer, pois por um segundo realmente me passou pela cabeça que talvez ele fosse me beijar.

Mas isso não aconteceu. Talvez porque fomos interrompidos por Marcos abrindo a porta para me procurar, talvez porque simplesmente não era para acontecer e eu estava imaginando coisas.

E sobre Marcos? Digamos que não levou muito tempo para eu descobrir que Lucas estava certo. Talvez por isso eu o odeie ainda mais, porque diabos ele tem que ser o Senhor Perfeito, sempre certo sobre tudo?

Tudo bem, ele ganhou alguns pontos por não ter proferido um “eu te avisei” no dia em que peguei aquele canalha me traindo. Porém estes mesmos pontos foram perdidos assim que vi o olhar de compaixão no seu rosto quando me viu chorando logo depois.

E depois ganhos de volta com mais alguns acréscimos no dia seguinte quando vi Marcos com a cara inchada e um olho roxo e descobri que quem havia feito aquilo tinha sido Lucas. O motivo da briga aparentemente fora algo idiota como um tropeção que resultou em um derrubando bebida na camisa do outro na noite anterior, mas no fundo eu sabia que aquilo tinha sido só um pretexto.

À tarde quando minha mãe me pediu parar levar algumas coisas na casa da mãe do Lucas eu não reclamei, desta vez eu queria realmente vê-lo.

Quando bati na porta foi ele mesmo que atendeu, estava com o cabelo molhado, tentando estancar o sangue que saia de um machucado na sua testa usando a toalha de banho e por um momento pareceu ter ficado paralisado ao me ver ali.

— Isso parece feio! — apontei fazendo uma careta para o ferimento.

— É, eu já sei — ele devolveu com um olhar frio voltando para se jogar no sofá da sala e me convidando para entrar.

— Porque não fez um curativo? — perguntei enquanto depositava o que minha mãe havia mandado na mesa da cozinha.

— Minha mãe fez um mais cedo, mas saiu durante o banho — ele explicou dando de ombros, mas fazendo uma careta de dor logo em seguida.

— Você não sabe fazer um curativo em si próprio? — provoquei com um sorriso malicioso.

— É difícil em lugares que eu não posso ver, além disso, eu não me meto em brigas, nunca precisei saber essas coisas — ele retrucou já irritado, ele sempre ficava assim quando eu cutuca alguma fraqueza sua, mesmo que fosse mínima.

— Mas se meteu desta vez... — insisti para incomodá-lo um pouco mais.

Ele me lançou um olhar indecifrável antes de virar o rosto para o lado oposto ao meu e responder um simples “é”.

— Onde esta a caixa de primeiros socorros? — perguntei olhando em volta para ver se a avistava em algum lugar.

— Porque quer saber? — ele questionou com curiosidade.

— Para que eu possa fazer um curativo em você — falei revirando os olhos pela pergunta idiota.

— Por quê? — ele repetiu agora parecendo assustado.

— Porque desta vez você merece — anunciei com um pequeno riso pela sua desconfiança.

— Na segunda gaveta do balcão a sua direita — ele respondeu depois de me analisar por alguns segundos.

Depois de pegar a caixa com o que eu precisava fui até o sofá e subi de joelhos ao lado dele para poder ver melhor o ferimento.

— Então é só salvar a princesa do dragão para poder ganhar algumas regalias — ele comentou com um riso sarcástico se contorcendo para poder me olhar agora que eu estava mais alta.

— Pare de se achar o príncipe só por uma bobagem como essa — impliquei, mas não consegui esconder o sorriso em meu rosto — e pare de se mexer ou vou derramar remédio no seu olho — avisei.

— Você nunca fica contente com nada — reclamou, mas pude notar uma pontada de riso na sua voz.

Desta vez não respondi, me mantive em silêncio por algum tempo e ele também, o que foi bom, pois assim consegui falar o que eu queria antes que algum de nós falasse alguma coisa que me fizesse mudar de ideia.

— Obrigada... — disse em voz baixa mantendo-me cuidadosamente concentrada no curativo.

— Pelo o que? — ele respondeu também em voz baixa, depois de alguns momentos em silêncio.

— Por nada — falei logo depois, também me fazendo de desentendida.

— Garota estranha! — exclamou sem olhar para mim, mas pude notar um sorriso em sua voz.

— Idiota! — retruquei também sorrindo.

Era estranho, falar aquelas coisas daquela maneira, normalmente dizíamos aos gritos ou aos rosnados. Porém, mesmo sendo estranho era algo estranhamente agradável.

E foi assim, bastou uma atitude legal, uma conversa civilizada e tudo desmoronou. Logo depois lá estava eu, com o pulso acelerado toda vez que o via igual a uma idiota.

No fundo eu queria contar para ele, acabar de uma vez com aquela pontinha de esperança que sempre ficava me cutucando por mais que eu soubesse que aquilo era quase impossível.

Entretanto eu sempre me dizia “amanhã”, “amanhã eu falo”, “amanhã terei uma oportunidade melhor”. Amanhã, amanhã, amanhã... existe palavra pior para um covarde?

E então os dias foram passando, e ele começou a namorar outra garota, Luiza, enquanto eu continuava repetindo as mesmas coisas, e depois veio Carolina, Mariana, Eduarda... Até mesmo eu comecei a sair com outro garoto, enquanto me afogava em meio aos amanhãs que prometia a mim mesma, mas que nunca chegavam.

Por fim chegou um momento que eu simplesmente desisti, resolvi guardar para mim e esquecer tudo aquilo. Até que há um mês, no dia do meu aniversário eu descobri que havia sido aprovada na faculdade que tanto queria cursar. Na mesma tarde ele apareceu na minha casa por algum motivo que eu já não me lembro mais.

— O que foi? — ele perguntou quando viu minha expressão. Eu estava me segurando para não berrar de felicidade a cada dois segundos.

— Eu passei! — exclamei me contendo para não começar a pular de novo.

— Na universidade? — indagou parecendo um pouco confuso.

— Sim! — falei ainda mais alto.

— E você vai cursar? — ele continuou com uma expressão indecifrável, por algum motivo também parecia ter ficado pálido subitamente.

— Claro! Porque não iria? — questionei também confusa pela pergunta.

— Achei que fosse continuar na cidade — respondeu-me com a voz baixa, quase um sussurro, sem olhar-me no rosto.

— Se eu não passasse, sim. Mas agora eu não tenho mais motivos para continuar aqui, não é? — falei sem tirar o sorriso do rosto.

— É... — ele sussurrou novamente, começando a virar-se para ir embora.

Nesse momento eu notei o que havia acabado de dizer, eu estava mentindo. Eu tinha um motivo para ficar, ou pelo menos teria se por algum milagre ele também se sentisse como eu. Então eu pensei “eu deveria falar com ele agora, por mais impossível que possa parecer, talvez, só talvez...”

— Lucas, eu... — comecei a falar juntando toda minha coragem, mas não cheguei a terminar, fui interrompida antes disso pelo seu olhar gélido.

— Espero que finalmente faça algum amigo por lá — sua voz era dura como aço. Aquilo me surpreendeu, eu simplesmente não consegui dizer mais nada, tudo que pude fazer foi observá-lo ir embora.

E foi assim que ele me fez trocar o sorriso por lágrimas.


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Notas finais do capítulo

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