Ébano escrita por Ferana


Capítulo 7
Decisão


Notas iniciais do capítulo

" Você já teve todas as suas crenças destruídas repentinamente e a sensação de que estava sem chão?

— ... Já. o olhar de Jack também ficou triste."



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Royena observou o garoto chegar flutuando em sua direção e pousar suavemente com os pés sobre o galho de árvore onde ela estava sentada, ficando agachado e a fitando, com sua expressão naturalmente zombeteira.

– Que cara é essa? Até parece que viu um fantasma! – ele ria, divertido.

– Olha, admito que não foi muito longe disso. – Royena riu, ainda tensa. – Digamos que tive alguns problemas com o bicho-papão.

– Com o Breu?! – a surpresa tomou Jack Frost. – E desde quando fala com ele?

– Desde que me juntei aos Guardiões. Fizemos uma aliança para derrotar Lucien, que ressurgiu das trevas recentemente.

– Calma, isso é muita informação de uma vez só. – ele levantou as mãos, pedindo uma pausa para pensar. – Está me dizendo que você agora é uma Guardiã e que está envolvida numa guerra?! Desde quando as coisas aqui nessa floresta ficaram tão badaladas?!

– Haha, longe de mim ser uma guardiã! – disse a garota abanando negativamente a mão. – Estou apenas temporariamente ajudando eles à derrotarem o Lucien, que escapou do exílio no qual eu prendi ele há alguns séculos... Não é como se fosse uma guerra, apesar de ser uma luta séria e perigosa.

– E quem é esse tal de Lucien? E por que Breu está envolvido em tudo isso se sua aliança é com os Guardiões?

– Por toda areia do Saara, você é uma catapulta de perguntas pior que o Breu, sabia?!

– Haha, calma, calma, estou brincando. Não quero me envolver nessas ladainhas de Guardiões, guerras e exílios... Meu negócio é mais... Diversão. Pense rápido!

Jack gritou e atirou uma bola de neve em Royena, acertando-a em cheio no rosto. Ela demorou alguns segundos para voltar à si e limpar a neve do rosto, mas quando o fez, estava rindo.

– Ora, seu picolé voador exibido, se atreva a chegar perto de novo que vou te mostrar o que é uma guerra, mas com bolas de barro! – ela rapidamente deslizou pelo tronco da árvore e rolou no chão, pondo-se de pé com duas bolas de barro nas mãos.

– Até parece que vou te dar chance de revidar, bode velho! – gritava ele flutuando próximo à uma árvore vizinha.

– Como se eu precisasse de alguma chance vinda de você! Vou te acertar tantas vezes que vai sair terra das suas orelhas até o verão!

Os dois passaram um bom tempo se divertindo na guerra de neve e lama. Riam quando acertavam um ao outro e quando eram atingidos, até caírem exaustos, encostando-se nos grossos troncos das velhas árvores que os cercavam. Royena tinha um sorriso largo no rosto, há quanto tempo não se divertia assim? Há algumas décadas, talvez séculos. Conhecia Jack não havia muito tempo, pois ele ainda era um espírito muito jovem - tinha cerca de 50 anos, que para a garota era como se o nascimento dele como espírito tivesse sido na semana passada -, mas sentia uma confiança simples e verdadeira nele.

– Você pegou pesado! Não sabia que tinha uma mira boa. – Jack estava enlameado dos pés à cabeça.

– Acha que eu uso arco e flechas para enfeite? – a garota riu, despreocupada. - Venha aqui, vou dar um jeito nisso. – disse ela, movendo a mão rapidamente no ar e fazendo toda a terra sair das roupas de Frost, deixando-o limpo como antes.

– Haha, está vendo? Não há nenhum problema que uma boa guerra de bolas de neve não te faça superar! Você já está até rindo!

A fala de Jack fez a expressão de Royena mudar automaticamente, indo do riso despreocupado à seriedade seca. Ela ficou muda e começou a encarar o nada, apertando os olhos, angustiada.

– Acho que falei besteira... – Jack coçou a cabeça, preocupado. – O que houve exatamente entre vocês, ele te ameaçou ou tentou te atacar? Isso se você quiser conversar sobre o que aconteceu, é claro.

– Sem problemas... Na verdade, foi só uma conversa pacífica que tivemos.

– Pela sua expressão não parece que a conversa foi tão pacífica assim...

– O problema é que... Que... – Ela parou de falar de repente, num suspiro, e encarou Jack acuada. – Você já teve todas as suas crenças destruídas repentinamente e a sensação de que estava sem chão?

– ... Já. – o olhar de Jack também ficou triste. – Na verdade, me sinto assim desde o dia em que acordei e a única coisa que eu sabia era meu nome... Mas já devo ter contado isso um milhão de vezes. O que Breu lhe disse pra ter te deixando perdida dessa forma?

– Bom, confio em você, então vou te explicar tudo. Pra começo de conversa, eu sou um espírito meio maligno e meio benigno, - o coração de Royena sentiu um aperto ao ver os olhos de Jack se estreitarem em sua direção. - porém eu uso só meus poderes bons. O problema é que meus poderes benignos estão enfraquecendo e não tenho como recuperá-los... A alternativa seria usar minha parte maligna para obter meus poderes de volta, mas... Eu não posso fazer isso.

– Você tem dupla personalidade então? – Jack a interrompeu, parecendo um tanto confuso.

– Não, eu tenho apenas poderes diferentes.

– Então por que pode usar só uma parte dos seus deles?

– Por que a outra parte são os poderes malignos! – exclamou a garota, como se fosse algo óbvio.

– E seus poderes te controlam?

– Não, por que eles me controlariam?! – a garota mostrou uma ponta de irritação na voz e começou a achar que Jack estava querendo fazer alguma de suas brincadeiras novamente, e neste caso seria de muito mau gosto.

– Então não é que vocês não possa usá-los, você só não quer usá-los. – concluiu o garoto.

– Jack... Qual parte do ‘poderes malignos’ você não entendeu? – Royena estava começando a ficar frustrada com a conversa. Começou a se perguntar se deveria mesmo estar falando disso com um espírito tão jovem.

– Se você não é controlada pelos seus poderes, o que a obriga a usar a parte que você esconde para fazer, de fato, algo ruim? – Jack disse com toda sua simplicidade. Royena abriu a boca para responder, mas se calou após alguns segundos sem falar nada. Jack apenas continuou em seu tom simples. – Seu poder é uma ferramenta, é você quem decide o que vai fazer com ela. É como o gelo: ele pode destruir plantações inteiras fazendo pessoas passarem fome ou até mesmo ferir e matar seres inocentes, assim como pode criar guerras de neve divertidas e renovar o ciclo natural da vida. – Jack empurrou com o pé um monte de neve próximo, revelando sob ele a relva renascendo mais forte após alguns meses sem ser pisoteada ou comida por animais.

– ... É isso. – a expressão da garota se iluminou aos poucos, até virar um sorriso.

– Viu? Eu sabia que você estava fazendo tempestade em um copo d’água. – riu Jack, cheio de si.

– Sim Jack, sim! Isso é algo que sempre esteve diante de mim e eu nunca fui capaz de ver! É algo que eu busquei a vida inteira e, mesmo depois de ter as ferramentas perfeitas para conseguir, eu não percebi! – Royena o circulava, bradando os braços, eufórica.

– Nossa, desde quando isso deixou de ser sobre a sua conversa de hoje e se tornou sobre sua vida inteira? – o rapaz riu, admirado.

– Na verdade, o que Breu me disse mais cedo faz todo o sentido depois do que você me disse. Finalmente vou conseguir colocar em prática algo que sempre tentei, mas sem sucesso: equilíbrio!

– Não sei se devo ficar feliz em ter ajudado um argumento do Bicho-Papão a fazer sentido, mas se consegui te fazer se sentir melhor, já me deixa mais do que satisfeito! – Jack sorria, apoiado em seu cajado de forma descontraída.

– Minha decisão está tomada, e graças à você, Jack Frost. Tem a eterna gratidão desta humilde cerva da floresta. – Royena fez uma longa reverência diante do rapaz.

– Ah, vamos lá, está me deixando sem graça! – Jack disse, levantando os braços enquanto ria. – Que tal pagar a sua divida comigo me dando uma revanche de guerra de bolas de neve?

– Você está querendo ficar com terra nos ouvidos até o próximo inverno pelo visto!

Jack riu e disparou na frente com uma bola de neve em cheio no rosto de Royena, pela segunda vez no dia. A guerra amigável dos dois durou horas e provavelmente valeu por todos os anos em que Royena não se divertia, o que deixou o orgulho de Frost nas alturas. Nascia ali uma longa e próspera amizade entre dois espíritos solitários, e eles sabiam disso.

Tarde da noite, quando todas as criaturas da floresta já dormiam, um enorme morcego negro cruzava a floresta, levando um pequeno pedaço de madeira talhado em suas presas. Ele voou até encontrar uma abertura num tronco velho e apodrecido, dentro do qual mergulhou e entrou numa caverna subterrânea fria e escura. Ele trissou com sua voz aguda e uma sombra veio em sua direção.

– Oh, mas que bela criatura veio me visitar. – disse Breu estendendo o braço, onde o morcego se dependurou de cabeça para baixo. – Isso no seu focinho é para mim?

Ele pegou a pequena placa de madeira, na qual havia entalhada apenas uma única palavra: Aceito. Ele não conseguiu evitar o enorme sorriso maléfico que tomou conta de seu rosto e, permitindo ao morcego alçar voo em direção à fissura no teto por onde entrara, retornou à escuridão, vitorioso.


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Notas finais do capítulo

Gente, um milhão de desculpas pela demora! Faculdade no final de semestre está TENSA, e esse final de semana que fui voluntária no FIQ (que festival maravilhoso ;_; *momento tiazona encantada*)... Mas enfim, pretendo retomar o ritmo agora, especialmente por que o Nyah voltou mais lindão ainda ;)

Obrigada por terem lido e desculpem a demora, novamente!
Até o próximo capítulo! ^-^/



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