Ébano escrita por Ferana


Capítulo 6
Ponto de Vista


Notas iniciais do capítulo

Feliz ou infelizmente, esse capítulo é mais 'blá blá blá' do que ação em si :/ Provavelmente isso desagrade alguns e agrade outros, vamos ver. Aviso já que o próximo capítulo também é mais 'blá blá blá' sem ação, mas com uma presença bastante requisitada ;)

Ps: a imagem no final é o Lucien, não tem relação nenhuma com o capítulo, coloquei mais pra vocês terem uma referência da aparência dele lol

Boa leitura!



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Novamente as atividades de Lucien aparentemente morreram durante os dias seguintes ao seu último ataque. Para os guardiões isso era um alívio e preocupante ao mesmo tempo, mas não havia muito que pudessem fazer desde o anúncio de Royena de que não deveriam ataca-lo em eu território, então cada um deles ocupava-se com seus afazeres diários... Mas nem todos estavam planejando ficar inertes. A quilômetros de distância, na floresta protegida por Royena, uma sombra brotava por um buraco entre as raízes de uma árvore. Ela rastejava cautelosa por entre outras sombras, tentando fugir do olhar vigilante da lua – era difícil, pois a neve derrubara a maioria das folhas das árvores, deixando apenas troncos expostos pelo caminho. Após uma viagem tortuosa e com muitos desvios, a sombra chegou à árvore gigante que ficava ao pé de um desfiladeiro, onde vira os guardiões se reunindo há dias atrás. Sorrateiramente ela deslizou por uma brecha das raízes da mesma e entrou na caverna de raízes sob a árvore. De início apenas observou o local para ter idéia do que poderia encontrar, mas tudo que via eram estátuas de animais cercadas de areia clara e no centro da caverna redonda a árvore gigante pela qual deslizara. A sombra escorreu por entre as raízes até atingir o chão e, após mais uma observação, tomou sua forma física e Breu surgiu da penumbra. Ele andava sem fazer barulhos e se aproximou das estátuas. Uma estátua de lobo chamara sua atenção e, ao se aproximar, o animal de pedra se esmigalhou ate virar areia. Sua primeira reação foi de espanto, seguida de um impulso de curiosidade. Quando se aproximou para tocar a areia, ouviu uma voz abafada vinda de algum lugar atrás dele.

– Nem se atreva.

Ele se virou e procurou a origem da voz, até finalmente localizar Royena ao pé da árvore, sentada, envolvida por placas de terra e pedra pelo corpo todo, quase como uma armadura. Cobria suas pernas, o peito, os braços e no rosto formava uma espécie de máscara que cobria sua boca e nariz, por isso sua voz estava abafada. Ela estava sentada com as pernas cruzadas e olhos fechados, como se meditasse. As placas cobriam as partes queimadas de seu corpo, ajudando-a se recuperar de forma mais rápida.

– Fazia muito tempo que eu não recebia uma visita espontânea... Principalmente alguma do tipo que entra sem bater na porta. – disse ela, sem sair de sua posição.

– Não está com medo? – Breu perguntou, se aproximando.

– Eu deveria? E se tem alguém aqui que saberia se estou com medo ou não, é justamente você.

– Pessoalmente, eu ficaria no mínimo apreensivo se alguém invadisse minha casa no meio da noite enquanto eu estou ferido quase de morte. – Breu falava divertido, observou apenas os olhos de Royena se abrirem e irem em sua direção, silenciosos. – Mas não se preocupe, eu vim apenas para conversar.

– O que um Espírito indefeso teria para te contar? – Royena disse, ainda séria, enquanto fazia um movimento rápido com a mão para cima e um bloco de terra se ergueu próximo à Breu, na forma de um pequeno trono. – Sente-se, por favor. Desculpe a minha falta de cortesia, mas isso é o máximo que minha condição física permite.

– Desde quando controla a terra? – perguntou Breu, se aproximando do bloco e o examinando com a ponta dos dedos.

– É o único elemento que eu controlo. – a garota se levantou com dificuldade e fazendo o mesmo movimento com a outra mão, criando outro trono e sentando-se nele. – Quando controlo as raízes e galhos das árvores, na verdade estou controlando a terra acumulada neles.

– E é normal você sair contando assim suas técnicas para desconhecidos? – Breu se sentou no móvel de terra e surpreendentemente era confortável e macio como terra afofada.

– Não sinto hostilidade alguma vinda de você, e atualmente nosso inimigo é o mesmo... É como dizem os humanos, ‘O inimigo dos meus inimigos é meu amigo’. – Royena riu brevemente e soltou um gemido de dor em seguida. – Você saberia disso cedo ou tarde... De qualquer forma, veio para conversar ou para um interrogatório?

– Oh, desculpe minha educação, há séculos não fazia uso dela. – Breu sorriu cinicamente e descansou os cotovelos no apoio do trono. – Na verdade vim por alguns motivos bem específicos. Um deles é justamente lhe perguntar se realmente não lembra mais nada sobre a mulher que evitou sua transformação em Hinkypunk.

– Não, tudo que eu sei disse á vocês há alguns dias atrás. Não tenho motivos para esconder qualquer informação, principalmente quando minha identidade verdadeira já foi revelada... Qual sua relação com ela? Afinal, o Bicho-Papão não viria até aqui pra me perguntar sobre alguém que mal conhece.

– Eu acho que... Era minha filha*.

–... Como é? – o sobressalto na voz de Royena foi bem audível.

– Se quem lhe ajudou for quem estou pensando que é, é minha filha... A Mãe Natureza. – a voz de Breus e tornou flexível pela primeira vez diante de Royena. Ele olhava para o chão enquanto falava. – Há séculos não a vejo. É difícil não saber se quer se ela está viva ou morta. Mas sua descrição me deu um pouco de ânimo com relação à isso.

– Desculpe não poder lhe dar mais informações sobre isso... Realmente, tudo que vi e ouvi na noite que morri foi o que contei à vocês. – Royena ficou um pouco triste pelo relado dado pro Breu, mas ao mesmo tempo feliz por saber que até o Rei dos Pesadelos tinha um coração, por menor e mais frio que fosse - Na verdade, você acabou de me dar uma resposta muito maior do que tudo que eu tinha. Muito obrigada.

– Considere isso uma desculpa pela minha entrada soturna. De qualquer forma, - Breu voltou ao seu ar de cinismo. – tenho outro assunto a tratar com você... Uma aliança.

– Não, obrigada – Respondeu Royena, breve e rápida.

– Mas eu nem disse qual a proposta.

– Mesmo assim, eu já estou atrelada à missão dos guardiões atualmente.

– Mas sua união à eles é temporária, como o próprio Homem da Lua frisou.

– Sei disso... No momento nosso inimigo é o mesmo, mas depois disso eles tem missões completamente diferentes da minha. O mesmo vale pra você.

– Mas eu poderia te ajudar a controlar seus poderes de Hinkypunk. Afinal, nossa fonte de poder é o mesmo: o medo. Você voltaria a ser respeitada e acreditada como nos velhos tempos.

Royena parou e encarou o Rei dos Pesadelos por um tempo, absolutamente tentada com a oferta do mesmo. Porém, como se uma flash tenebroso passasse á frente de seus olhos, pigarreou e encarou o chão.

– Não quero controla-los... Muito menos me alimentar do medo. Saber que esses poderes malignos fazem parte de mim já é ruim o suficiente.

– Por que é ruim? – indagou Breu, incentivando a garota a continuar.

– Não me agrada ter esse tipo de... de...

– Maldade?

– Isso... Esse é a palavra. – concordou Royena. – Prefiro apenas afogar meu mal interior ao invés de ser tomada por ele.

– Você jamais parou para pensar sobre como o conceito de Bem ou Mal é variável e contraditório? – Breu a fitava, sorrindo com a confusão que estava causando na garota. – Sempre existe o outro lado da moeda. Eu mesmo nunca causei mal algum à qualquer criança, como os guardiões afirmam tão veemente.

– Você, nunca causou mal algum? Haha! – riu Royena – Claro, aterrorizar criancinhas com pesadelos até elas fazerem xixi na cama é algo absolutamente normal. Acho que é o seu conceito de Bem e Mal que está deturpado, Breu. Eu mesma reconheço minha maldade quando exagero nos sustos que dou nos viajantes às vezes... Se mal não é o nome do que você causa, não sei o que é.

– Mas o que torna isso tudo ruim, afinal de contas? Qual a verdadeira essência que o torna o medo tão horrível e maléfico quanto dizem?

Royena abriu a boca para responder, mas, para sua surpresa, absolutamente nada lhe veio à mente. Como de repente ela não parecia ter sequer um argumento para defender um conceito que era tão enraizado em seus pensamentos? Sua busca por explicações foi interrompida pela gargalhada de Breu ao ver a garota de repente sem chão.

– Então, quais são seus motivos tão concretos? Será que os esqueceu? Ou... – ele abriu os braços, grandioso. – Talvez nunca tenham existido?

– Ora, não diga besteira! É claro que eles existem, eu só... Tenho que refletir melhor.

– Essa é a prova de que eles não existem. – riu Breu. – O que torna o medo tão horrível pra você são suas lembranças da vida humana, quando você era ameaçada constantemente e o medo se tornava um sentimento vil e desconfortável... Mas no fundo, o medo é na verdade o sentimento que te trazia segurança e te protegia contra ameaças externas.

– Como é? – indagou a garota, cada vez mais confusa com o discurso de Breu.

– Reflita comigo. – disse ele, sorridente. – Por que você não sente medo de mim?

– Porque não me sinto ameaçada por você. – Royena estava pensativa, tentando entender onde o Bicho-Papão queria chegar.

– Ótimo, exatamente aí você já tem toda a explicação! – disse Breu, balançando rapidamente a mão direita com o indicador levantado. – O medo é uma reação natural de animais e humanos quando encaram algo que os ameaça, seja física ou psicologicamente. Não passa de um instinto de sobrevivência: se você tem medo de algo, não vai se aproximar daquilo, logo, não correrá riscos e estará seguro.

Royena ficou quieta por um tempo, olhando para Breu enquanto tentava encaixar as peças que o mesmo lhe dava, a fim de montar o quebra-cabeças. Ela deixou um sobressalto passar pelos seus olhos quando finalmente entendera as coisas, e isso deu um ar de satisfação irritante à Breu.

– Está me dizendo então que tudo que tem feito desde o início foi proteger exatamente as mesmas crianças que os guardiões tentam proteger de... Você?

– Precisamente – ele sorriu. – Porém, não só as crianças, mas qualquer criatura com o mínimo de instinto... Não vou mentir que eu me divertia corrompendo sonhos infantis e vendo a agonia das crianças, mas que culpa tenho eu se isso me deixava mais forte? Eu estava fazendo meu trabalho, de uma forma ou de outra... Até os guardiões aparecerem para estragar tudo.

– Mas se teoricamente a missão de vocês é a mesma, por que se tornaram inimigos?

– Digamos que nossos modus opperandi são extremamente diferentes. – Breu estava sério agora. – Enquanto eu preparava as crianças para serem fortes para o futuro cruel que as aguardava, os guardiões apenas as agraciavam com presentinhos e mimos sem merecimento real algum. “Seja bonzinho e o coelhinho vai te trazer ovinhos! O Papai Noel vai te dar muitos presentes esse ano! Olha, o que é isso?! A fada do Dente te deu uma moedinha por ter usado fio dental no dente que caiu!, que tipo de objetivo real há nisso?! Estão criando gerações de crianças mimadas sem um pingo de senso do que é a vida real!

Breu havia se levantado do trono durante seu discurso, esbravejando. Agora estava em pé diante de Royena, os braços arqueados para trás com os dedos em formas de garra, o tórax levemente inclinado para frente e a fronte contraída emoldurando seus olhos que ardiam como dois sóis de fúria novamente. Era o retrato de um predador raivoso. Porém, calmamente ele voltou á sua pose comum de tédio e sua expressão se acalmou como se nada tivesse acontecido.

– Desculpe, eu sempre me empolgo quando esse assunto vem à tona. De qualquer forma, o que acha da minha proposta agora?

– Eu... Eu... – Royena engasgou. Estava cheia de dúvidas sobre tudo, até sobre si mesma.

– Vou lhe dar tempo para pensar, afinal, nosso inimigo em comum ainda não deu o menor sinal de que vai cair, então nos veremos muitas vezes ainda. Por hora era isso que precisava falar, agora vou me retirar pois a aurora está para nascer, e preciso estar à salvo dela antes disso.

Breu apenas fez uma breve reverência e mergulhou nas sombras novamente.

– Não, espere! – exclamou a garota.

Royena saltou do trono e desintegrou as placas de terra que cobriam seu corpo, mesmo ainda sentindo muita dor, e escalou a parede de sua caverna aos pulos, tentando seguir a sombra que Breus e tornara. Ele escorregou por uma das fendas entre raízes e a garota as atravessou logo em seguida, mas Breu já havia partido se misturando com outras sombras. Royena encarou o nada por alguns momentos, até sentir sua fúria borbulhando.

– ... Isso mesmo, fuja, fuja seu maldito covarde! Seu monstro sem pudor, a quem está querendo enganar com seus discursos mentirosos?! – Ela gritava, até que seu tom começou a baixar e virar um sussurro. – A quem eu estou querendo enganar?!

Royena juntou as mãos sobre o rosto, estava confusa e completamente sem chão depois do que Breu lhe dissera. Por um lado queria aprender a controlar seus poderes de Hinkypunk e usá-los para se fortalecer novamente, mas por outro queria seguir seus princípios de jamais ser como Lucien... Mas que princípios eram esses, se Breu acabara de destruir toda sua crença sobre bem e mal?! Era como se toda sua realidade tivesse sido subvertida por dúvidas de anos atrás. Ela não tinha mais certeza sobre nada, nem sobre o que deveria fazer. Royena apenas subiu em um galho de árvore despido de suas folhas e observou a alvorada fria chegar, junto à pequenos flocos de neve que caiam delicadamente do céu calmo da manhã. O furacão de ideias controversas em sua mente parou quando ela ouviu um riso divertido vindo do céu. Era Jack Frost.

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Lucien em toda sua glória e lindeza (-q):


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Notas finais do capítulo

* Novamente, na série de livros Guardiões da Infância, a filha de Breu é a Mãe Natureza mesmo, não é nenhuma loucura da minha cabeça =P

Ok, eu me empolguei e admito isso DDD: Mas acho que ao menos a idéia foi passada sem problemas ou correrias xD

Muito obrigada por lerem e até o próximo capítulo! ^^



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