Alegria Fugaz escrita por ThegleameyesGin, M A R S


Capítulo 1
Capítulo Único: Alegria Fugaz


Notas iniciais do capítulo

Olá minha gente! x3
Devo dizer, eu estou muito feliz de ter participado desta coletânea. Foi uma experiência que me ajudou a crescer em muito, e um desafio... Bem, desafiador IJASJAISJASIAIJSAIJS
Espero que aproveitem a história, e até as notas finais.
Gin-chan



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-Volta aqui, demônio! – Os policiais gritavam ao correrem atrás do albino que fugia, risonho e matreiro como sempre, mesmo que seu cérebro só tentasse se recordar de um lugar onde pudesse esconder-se dos perseguidores que, obviamente, eram burros demais para achá-lo ou reconhecê-lo na próxima vez que o perseguissem.

Então, como se acendessem uma lâmpada em sua cabeça, ele lembrou-se do esconderijo perfeito e virou à direita após subir numa árvore, metros à frente da polícia. Correu para a escola e ao chegar lá, entrou cumprimentando todos, afinal era um rapaz muito bonito e charmoso, todos que o conheciam como Gilbert gostavam dele.

Entrou numa sala há muito conhecida, de música. Seus pupilos, como gostava de chamá-los, estavam sentados no chão e assistiam à aula de um professor, aparentemente novato já que assim que o albino adentrou o recinto, franziu as sobrancelhas, mas não disse nada, pois quando abriu a boca para fazê-lo, as crianças, antes quietas, se levantaram e foram todas abraçá-lo.

- Calma, nanicos! Seu mestre vai dar atenção a todos, mas este também precisa descansar, compreendem? Ksesesese! – Riu aquela risada, no mínimo, estranha e se ajoelhou no chão. – Vou ficar pouco hoje. Estou meio ocupado – foi interrompido por uma menina de cabelos cacheados.

- ‘tá fugindo dos policiais de novo, mestre Gil? – ele suspirou e assentiu, maneando a cabeça.

- Infelizmente, Lina, mas... – foi interrompido de novo pela garota.

- Então vai ter que cantar ‘pra gente! Se não, não deixamos você ficar! – apontou e fez uma cara séria fazendo-o rir e suspirar dramaticamente, admitindo falsa derrota.

- Sim, Senhora! Violão por favor, Estefan – dessa vez, quem o interrompeu, causando um barulho do fundo da garganta, em protesto da parte do albino, foi Roderich Edelstein, o chamado “professor novato” que não fazia a mínima ideia do que acontecia ali.

- Desculpe, Senhor...

- Gilbert – completou.

- Senhor Gilbert, eu estou tentando dar uma aula de música, então, por favor, poderia retirar-se? – As crianças automaticamente começaram a falar, pedindo para que ficasse.

- Ouviu as crianças, maestro! O público manda, certo? Devem ter te ensinado isso na faculdade. Me passa o violão, Estefan? Vamos mostrar para seu “professor” o que é música de verdade – ele pegou o dito instrumento e sentou-se na mesa com este no colo para começar a tocar uma de suas músicas.

Agora eu era o herói, e o meu cavalo só falava inglês. A noiva do cowboy era você além das outras três. Eu enfrentava os batalhões, os alemães e seus canhões. Guardava o meu bodoque e ensaiava o rock para as matinês .

A sua graça e naturalidade ao tocar o instrumento eram tão surpreendentes que Roderich ficou embasbacado, assistindo o albino, que cantava e tocava de olhos fechados, envolvendo todas as crianças em seu show, com essa música de conto-de-fadas.

A voz do albino era compassada e as mãos que dedilhavam as cordas do violão pareciam incapazes de errar uma nota sequer. A melodia veloz e sua letra lhe eram desconhecidas, e Roderich só pode concluir que eram de autoria do rapaz que as cantava com tanta certeza e paixão. O sorriso que insistia em manter-se sobre seu rosto parecia convidar Roderich a entrar naquela roda que as crianças formavam a sua volta.

Quando ele virou-se para a porta, encontrou mais olhares sobre o albino, crianças e professores voluntários de outras turmas, todos ali para ouvir aquele rapaz tocar. E o mais surpreendente de tudo era que todos ali pareciam aceitar perfeitamente bem o fato de que o rapaz que chamaram de Gilbert era nada menos que procurado pela polícia.

Antes que ele pudesse cantar a próxima parte, porém, um estalo forte foi ouvido e o albino recuou a mão, surpreso pelo coice recebido pela corda que se soltara. As crianças começaram a reclamar em alto e bom som, aborrecidas com o instrumento antigo.

Roderich aproveitou a oportunidade para encontrar um caminho pelo mar de corpos sentados no chão e solicitar a devolução do violão.

-... Eu acho que conseguiria consertar... – Sussurrou consigo mesmo. Para sua surpresa, porém, foi respondido pelo rapaz que, ainda sentado, o observava com interesse parcial.

- Consertar? Pra que? Se você vendesse esse terno provavelmente poderia comprar um novinho!

- Não, provavelmente não. – O moreno respondeu, sem perceber que o outro debochava de si. – O terno é velho demais pra isso.

- E você? Com essa atitude eu pensei que você tivesse uns cinquenta, mas de perto você parece quase tão novo quanto eu. Aliás, qual seu nome mesmo?

Tentando não transparecer sua indignação em ser tratado tão rudemente, Roderich refez seu caminho até a mesa de trabalho num canto, depositando lá o instrumento danificado e recusando-se a encarar o albino nos olhos enquanto o fazia.

-... Roderich Edelstein. E minha idade não lhe diz respeito, senhor Gilbert. Quanto a minha atitude... Bem, não posse fazer muito com relação a ela, considerando que foi exatamente o que me tornou o maestro oficial a orquestra da cidade.

Por um momento, ele pensou ter ouvido algo como “grande bosta” vindo das crianças, mas quando virou-se para olhar, o que encontrou foi o albino, bem ao seu lado, observando-o como se esperasse algo. Ergueu uma sobrancelha.

- Algo de errado, senhor?

- O que o maestro oficial da orquestra da cidade faz num beco como esse?

-... O senhor critica a escola onde conseguiu refúgio?

- Sou só realista. Responde logo a pergunta.

- Eu sou voluntário, senhor. Um professor de música.

- Como se eu não tivesse notado isso... Que tipo de drogas te deram pra aceitar vir até aqui, afinal?

Roderich agora se encontrava abismado com a falta de tato do rapaz.

- Eu nunca em minha vida fiz uso de entorpecentes. E agradeceria se o senhor pudesse desaparecer da minha sala, antes que eu acabe por denunciá-lo eu mesmo.

- Ei, ei! Calma, jovem mestre! Eu não quis te ofender. – Ele soltou mais uma de suas risadas características. – Eu já estava indo embora mesmo, o violão parece não ter concerto... Vamos ter que comprar uma corda nova.

- O “você” do “vamos” não vai poder fazer muita coisa, já que é procurado. Eu consigo resolver isso sem problemas.

- Oh, é mesmo? Com que mágica impressionante?

O moreno ergueu-se depois de uma análise extremamente detalhista, os dois pedaços partidos da corda em mãos.

- Eu tenho cordas reserva em casa. – Respondeu simplesmente. – E você deveria estar preocupado com a dupla de policiais que esteve te procurando lá fora durante todo o tempo, o que me leva a minha pergunta inicial, o que você fez para que estejam sendo tão insistentes?

Ele não estava mesmo interessado na resposta. Para ele não fazia diferença quem eram aquelas crianças, contanto que estivessem interessadas na música que ele ficava feliz em compartilhar. A verdade era que, para Roderich, uma pessoa capaz de criar uma melodia e uma letra como aquelas não poderia ser uma má pessoa.

E Gilbert por si só não lhe parecia mal. As crianças pareciam gostar dele. E talvez ele fosse irritante e um pouco sem noção, mas muitas das crianças ali também eram assim, e nenhuma delas parecia fazer por mal.

Roderich também enxergava em Gilbert um talento raro, algo que ele lutara para desenvolver desde a infância, que ele muitas vezes perdera, antes de chegar ao que era hoje. Roderich viu em Gilbert a paixão inocente pela música.

- Bem, isso não é da minha conta de qualquer forma. – O austríaco concluiu, sem perceber a forma com que as pessoas ao seu redor suspenderam a respiração, aguardando a reação do albino. Roderich ajustou melhor o instrumento na capa de pano puída, colocando-a no ombro e pedindo educadamente a uma das meninas mais jovens que lhe entregasse suas partituras. – Obrigada, querida. Agora, se me dão licença, eu ainda tenho uma aula pela noite. Tenham uma boa tarde, e tomem cuidado na volta para casa, crianças.

- O senhor também, senhor Roderich. – Elas responderam em coro, como foram ensinadas desde o primeiro dia do moreno ali, poucos dois meses atrás.

Gilbert observou a cena meio surpreso pela forma com que suas crianças lhe pareciam domadas, assim como com a gentileza com que Roderich as tratara. Era raro encontrar um aristocrata disposto a descer de nível o bastante para subir um morro e juntar-se às crianças dos guetos. E ainda mais raro encontrar um que fosse bondoso o bastante para doar cordas novas a um violão danificado. Aquele homem não era exatamente normal, e isso intrigou o albino.

- Você também já vai, Gilbert? – Estefan murmurou, parecendo contrariado. – Senhor Roderich terminou a aula mais cedo hoje, então nós vamos ficar á toa por um bom tempo. Não quer terminar aquela música?

-... Na verdade, eu acho que tenho coisas pra fazer também, desculpem crianças.

- Você vai procurar por ele, não vai? Tente não espantar o Senhor Roderich, Gil. Eu gosto dele. Ele disse que eu poderia me tornar a primeira maestra do mundo, se quisesse. – Quem interrompeu-o foi Lina, segurando a barra de sua roupa com um bico. O albino olhou-a, surpreso por um momento, antes de sorrir e acariciar os cachos disformes dela.

- Não se preocupe, Lina. Eu vou tentar não assustar ele... Muito.

As crianças ainda debateram por um tempo, uns querendo que ele ficasse, outros que ele deixasse Roderich em paz. No fim, quando ele finalmente conseguiu sair da escolinha, já tinha perdido há muito o rastro do maestro de óculos.

Ainda decidido em sua busca, Gilbert decidiu-se por fazer a rota mais inteligente, seguindo para a sede da Filarmônica, embrenhando-se na proteção proporcionada pela pequena multidão que seguia no sentido oposto.

Para sua sorte, ele descobriu Roderich do lado de dentro de uma loja de reparos de instrumentos, conversando com uma senhora do lado de trás do caixa. Os dois pareciam debater sobre o instrumento que repousava no balcão de madeira, o assunto específico sendo um mistério para o albino, que hesitava do outro lado da porta de madeira, apesar de poder vê-los perfeitamente bem da vitrine. Sua atenção estava totalmente focada na lojinha, de forma que ele não pode escutar a aproximação do grupo de delinquentes de uma faculdade para ricos encontrada na rua de trás.

A primeira voz soou terrivelmente próxima de si, enquanto ele sentia um segundo corpo forçar-se contra o seu, desferindo-lhe um chute no estômago. Enquanto fazia seu caminho até o chão, Gilbert conseguiu identificar o grupo com o qual ele brigara mais cedo – o que levara a sua perseguição.

- Achou que fosse fugir, pé rapado? Só porque nossa briguinha foi interrompida hoje de tarde, não significa que acabou.

Gilbert tossiu, mas não pode evitar o comentário que seguiu.

- Heh, e pensar que vocês precisam de cinco riquinhos pra me machucar... Incrível como são patéticos.

Outro chute, dessa vez nas costelas. Mesmo se ele tivesse pensado em pedir desculpas, não teve a oportunidade. O albino se sentiu envergonhado por estar numa posição tão pouco favorável, mas viu-se incapaz até mesmo de se defender, e muito menos de desferir a rasteira que sua mente tentava obrigar seu corpo a dar.

- Ei, deixem de ser burros, vocês vão chamar atenção aqui. – O “líder” do grupo resmungou, e dois dos outros pegaram Gilbert pelos braços, arrastando-o para um beco lateral.

Por pura sorte alheia, Roderich escolheu aquele momento para virar-se, vendo pela vitrine da loja a cena de um Gilbert sangrando, sendo puxado pela rua de pedra. Ele fez seu caminho até a porta, num andar acelerado até que estivesse mais perto do grupo, sem nem saber o porque de estar se envolvendo num embate físico.

- Eu posso saber o que está acontecendo aqui?! – Os rapazes pararam e se viraram para encará-lo. Era mais que óbvio que ele pertencia à aristocracia, e isso intimidou o grupo. Gilbert foi solto e bateu com a cabeça no chão. – O que exatamente vocês pensam que estão fazendo com meu aluno?!

Os outros presentes pareceram surpresos, principalmente o albino, que recuperada a tontura tentava erguer-se do chão, limpando do rosto o sangue que ali se acumulara depois de um chute particularmente doído. Ele tentou encarar o moreno que parecia travar uma batalha silenciosa com o líder, seus olhos violáceos brilhando furiosamente.

-... O marginal é seu aluno, senhor...

- Roderich Edelstein. – Seu sobrenome causou um arrepio geral. Os rapazes que estavam mais próximos a Gilbert deram um passo e afastaram-se do rapaz, que agora estava sobre os joelhos, a dor de cabeça impedindo-o de erguer-se completamente.

- Oh. – Ele soltou uma risada nervosa – Eu não sabia que vocês Edelstein ainda tinham condições de praticar caridade.

- Não é caridade, meu jovem. E eu te garanto que minha família ainda tem condições de fazer muitas coisas. A questão é que o rapaz que vocês estavam espancando simplesmente tem mais potencial em qualquer coisa do que vocês cinco jamais terão. Agora se não se importarem de desaparecer da minha vista, eu agradeceria.

- Ou o que? – O líder perguntou, numa última tentativa petulante de se impor. Roderich fitou-o com uma expressão indecifrável.

- Ou seu pai, o reitor da faculdade e eu tomaremos um chá amanhã de tarde para discutirmos seu comportamento deveras incondizente com sua posição social.

- Oras seu...

- Eu acredito já ter dito para desaparecerem. Porque eu ainda consigo vê-los, senhores?

Com essa última frase, o grupo se afastou rapidamente, com o rapaz à frente ameaçando de todas as formas possíveis a vida de Roderich, que os ignorava como se não passassem de um ruído ao fundo. Gilbert, já de pé, lançou um olhar perplexo ao grupo que já desaparecia numa rua lateral. Roderich postou-se ao seu lado, com uma mão no ombro bom, os olhos faiscando por detrás das lentes.

- Agora que o problema está resolvido, acho melhor entrarmos e darmos uma olhada nestes ferimentos, não é mesmo senhor Gilbert?

O tom gentil que o aristocrata reservou a ele só serviu para deixá-lo ainda mais desconfortável, apesar de ser diferente do tom macio e ameaçador direcionado aos delinquentes ricos. Gilbert acompanhou mancamente o aristocrata para dentro da loja, e permitiu-se ser sentado num banquinho de madeira.

Ele foi meticulosamente analisado pelo homem que ocupou o espaço a sua frente. Gilbert sentia sua mente confusa, e corpo doía, desacostumado a receber ferimentos no lugar de desferi-los. Gilbert não costumava perder muito. Era desconfortável estar na posição de ser ajudado, e nem um pouco condizente com seu geralmente incrível desempenho.

-... Eles tiveram sorte. – Murmurou para Roderich, que agora limpava com um algodão um ferimento em sua testa.

- Uhm. – Foi tudo o que recebeu como resposta, e então uma reclamação breve quanto tentou mover o rosto para olhar o mais velho nos olhos. Por algum motivo, ele sentiu-se ansioso com a falta de atenção recebida por parte do moreno que agora tentava colocar sobre o ferimento um curativo.

- Eu não sou seu aluno.

- Eu sei disso.

- E nem seu amigo.

- Sim, eu sei disso.

-... Eu teria ganhado a luta, mesmo se você não tivesse aparecido. – Acrescentou, só para deixar claro, apesar de ter soado como uma criança pequena em busca da aprovação dos pais.

- Tente ser um pouco mais grato, senhor Gilbert. – Roderich respondeu inflexivelmente. – E, por favor, retire a blusa e fique parado.

-... E como eu vou fazer os dois de uma vez? – O albino questionou, simplesmente numa tentativa de conseguir a atenção desejada. Deu certo. Roderich pousou nele os faiscantes olhos violáceos por um breve instante. Suas sobrancelhas estavam arqueadas num ângulo particularmente sarcástico.

- Que tal fazer um de cada vez?

Gilbert abriu um sorriso que parecia servir-lhe bem, matreiro e divertido. Ele puxou para cima a camisa suja e inutilizável, jogando-a diretamente no cesto de lixo que fora arrastado para mais perto dos dois por Roderich. O moreno agachou-se na sua frente, curvando-se para o meio das pernas do outro, tocando uma área roxa grande nas costelas.

Não havia qualquer corte no tronco do albino, ou qualquer costela quebrada como temeu inicialmente o aristocrata, mas algumas partes já estavam roxas e a pele estava arranhada, de forma que Roderich fez questão de passar um anti-infeccionante que manchava-lhe a pele e era desconfortável, fazendo com que Gilbert resmungasse durante todo o tempo sobre como o rapaz era muito fresco e estava sendo ridiculamente protetor.

- Fale isso para sua mãe quando ela te vir assim então.

-... Eu não tenho uma mãe, jovem mestre.

Por algum motivo, ele ficou satisfeito por ter readquirido a atenção dos olhos do rapaz a sua frente. Ele pode ver neles o desconforto que costumava deixá-lo muito irritado quando vinda de outras pessoas, mas não se importou nem um pouco com ele.

Apesar de conhecer Roderich a menos de um dia, ele sentiu-se satisfeito com aquela proximidade, e com a expressão acanhada que ele fez enquanto recuava e erguia-se, para sua frustração. Ele limpou a sujeira das pernas e desdobrou as mangas da blusa branca. Sem perceber que era observado ele também passou a mão pelos cabelos que insistiam em cair sobre seus óculos, incomodando sua visão. Por fim ele virou-se e encarou o albino com um olhar intrigado.

- Nós já acabamos, o senhor pode... – Ele parou no meio da frase, lançando um olhar claramente repulsivo à blusa que estava no lixo. – Eu vou ver se consigo algo para você vestir, então espere aqui.

Por sorte a proprietária da loja tinha um marido que era quase do tamanho do albino, e não se incomodou em dar uma das blusas mais velhas para o mesmo. O resto da noite resumiu-se numa despedida silenciosa entre os dois, e depois de muita insistência por parte do moreno – não que ele estivesse tão interessado assim, era tudo por educação – uma promessa de almoço num restaurante da rua principal, que foi relativamente bem, salvo algumas pérolas por parte do albino.

E a partir dali, o relacionamento deles pareceu melhorar com o ritmo de uma escalada: Lento, mas progressivo. Roderich levou o albino para conhecer o lugar onde trabalhava, assim como - contou ele - levara Lina semanas antes.

Durante esse tempo o austríaco também tentou convencer Gilbert a tocar com a orquestra nos ensaios diversas vezes, sem sucesso. Por algum motivo, no mês que se sucedeu os acontecimentos aquela ideia decidira se fixar na mente de Roderich. Ele se sentia frustrado ao ver um dom como o do albino desperdiçado por culpa de sua origem humilde, ou de sua personalidade desinteressada. Antes que percebesse, passava tardes e noites tentando encontrar artimanhas que convencessem de tal. Ou, em outras palavras, ele via sua mente cheia do rapaz de cabelos brancos.

Apesar de lutar para conseguir se focar no trabalho como maestro, e nas aulas voluntárias, constantemente Roderich acabava por se perder nos próprios pensamentos, e geralmente estes momentos acabavam com um de seus alunos ou colegas alfinetando-o com um comentário desconfortável, e com o rapaz corando profundamente.

- Jovem mestre, você ainda está aí? – O tom irônico do objeto de seus devaneios trouxe-o de volta a realidade. Aparentemente, nem quando estava em sua presença Roderich conseguia se concentrar no presente.

- Sinto muito, sobre o que estava falando? – Desculpou-se devidamente, olhando em volta e percebendo que já estavam quase em frente ao prédio sede da orquestra da cidade.

- Nós chegamos. – Declarou o óbvio.

Roderich corou levemente e parou de andar, virando-se para ficar frente a frente com o albino. Era agora ou nunca.

- Gilbert, qual sua opinião sobre Lina?

O albino franziu o cenho e hesitou, provavelmente perguntando-se aonde Roderich chegaria com aquilo.

- A Lina, da escola? Bem, acho ela uma menina inteligente. Por quê?

- Eu a trouxe aqui, assim como Eustáquio, há algum tempo... Os dois são talentosos, e estou determinado a dar a eles oportunidades... O rapazinho aparentemente gostou do violino, e eu acho que lhe cai bem... Mas quanto a Lina-

- O que tem ela?

- Ela me disse que quer ser maestro... a. E o impressionante, Gilbert, é que ela tem potencial. Eu lhe imprestei meus livros, e ela leu toda a teoria em uma semana. Ela já sabe a maioria dos comandos pela única vez que veio aqui... A menina é um gênio, e é dedicada...

- Mas? - Gilbert perguntou antes que o outro pudesse dizer, prevendo pelo seu tom de voz.

-... Mas ela é mulher. E se as pessoas não conseguem enxergar como iguais um homem de classe mais baixa, diga-se lá de uma mulher, pior uma menina, de baixa renda tentando alcançar seu sonho, que chegou a mim tão facilmente?

- E porque você está falando isso pra mim, e logo agora?

- Eu preciso que você toque, que nos humilhe. Você é tão genial quanto Lina, mas você pode mostrar isso. E se eles te aceitarem, vão aceitá-la, um dia.

-... Então, você quer que eu toque na frente dos seus colegas.

- Bem, sim.

- E eu já disse que não...

- Senhor Gilbert, eu compreendo sua hesitação-

- Mas... – O albino interrompeu-o, fazendo com que Roderich se calasse e esperasse para ouvir a condição dele. – Se você fizer algo por mim, eu farei o que você quiser.

Os olhos violáceos do moreno encolheram-se levemente em desconfiança. Havia algo no tom do outro que o fazia recear o que seria aquele pedido. Parou a caminhada e esperou enquanto Gilbert fazia o mesmo. Ele encarava o menor com ambos os olhos vermelhos ansiosos, mudando o peso de uma perna para a outra, parecendo incapaz de ficar quieto num só lugar.

-... E então? – Perguntou o rapaz, depois de um silêncio desconfortavelmente longo.

- Nós vamos nos atrasar. Assista ao treinamento, reconsidere.

- Reconsiderar o qu-

- Se ao final do treino você ainda não quiser tocar por si mesmo – interrompeu-o novamente – eu escutarei seu pedido. Pode ser?

- É claro!

O albino sorriu. Não era um sim, mas era uma esperança. A verdade é que ele teria tocado de qualquer jeito, se Roderich tivesse insistido um pouco mais. Mas era muito mais conveniente para ele, se conseguisse convencer o aristocrata de fazer o que ele queria.

Depois de quase uma hora de preparações e adiamentos, Gilbert pode ver o que era uma verdadeira orquestra em harmonia. Ele não perdeu lá muito tempo observando qualquer um dos instrumentos, ou seus músicos, nem prestou tanta atenção na melodia. Seus olhos fixaram-se no maestro sentado ao piano, os olhos fixos nas teclas que regiam uma obra de Basch, cujo nome o albino não sabia.

Os olhos de Roderich brilhavam por detrás dos óculos, e Gilbert tinha a impressão de que ninguém poderia tirá-lo daquele torpor. Mesmo se gritasse seu nome, provavelmente não receberia a atenção que desejava. Seus olhos vermelhos encolheram-se enquanto ele lutava contra si mesmo. Queria tirar Roderich dali, queria sua atenção. Pensou em gritar, em simplesmente levantar o moreno do instrumento e carregá-lo para longe.

Sentiu ciúmes do piano.

E quando percebeu o quão estúpido aquilo era, ergueu-se e deixou a sala de treino sem cerimônias ou qualquer palavra de despedida. Não percebeu que Roderich seguiu atrás dele, provavelmente amaldiçoando-o por estar sendo forçado a correr.

Desceu o longo corredor e teceu um caminho aleatório que por sorte acabou no hall. Quando foi alcançado pelo moreno, já estava do outro lado da rua, barulhenta àquela hora da manhã. Parou por um momento e virou-se para ver o maestro andando apressado na sua direção, arfando enquanto tentava formular uma reclamação condizente.

- O que você...

Sem pensar, o albino interrompeu a frase e agarrou o moreno pelo braço, puxando-o para uma ruela paralela. Prensou-o contra uma parede qualquer, aproximando seus rostos e esperando enquanto Roderich recuperava o fôlego e a habilidade de formar frases com sentido, observou o rosto pálido do aristocrata corar, e ele desviar os olhos para um ponto aleatório acima de sua cabeça.

- Olhe para mim. – Rosnou assim que percebeu o movimento, sendo prontamente atendido.

-... Porque você saiu daquele jeito?

Gilbert abriu o mesmo sorriso matreiro de mais cedo, que infelizmente não chegou aos olhos vermelhos turbulentos.

- Porque, você pergunta... Quer mesmo saber, jovem mestre? Quer que eu te diga o porquê de ainda estar andando com você? Acha mesmo que só porque sou pobre eu deveria me sentir grato por sua atenção periódica? Acha que eu me contentaria com só isso?

-... Do que você está falando, eu-

- A culpa é sua. Deveria ter mantido distância quando pode, deveria ter me deixado apanhando.

O moreno pareceu indignado com o comentário.

- Eu não sou esse tipo de pessoa-

- Eu sei! – Gilbert exclamou, sentindo-se frustrado por não conseguir usar as palavras certas. Falar com aquela pessoa era difícil. Estaria se contradizendo, mas ter a atenção de Roderich atrapalhava seu raciocínio. – Caramba, porque você não pode ser feio?!

-... Perdão?

- Porque você não é irritante, ou egoísta, ou então, você poderia simplesmente odiar crianças ou algo assim! Até seus defeitos são aceitáveis!

- Gilbert, você não está fazendo sentido-

- Você deveria ser meu, jovem mestre. – Declarou finalmente, virando-se para encarar a face estupefata do moreno. – Não, você vai ser meu.

- Senhor Gilbert, isso é ridículo, eu não sou um objeto para pertencer a alguém-

Daquela vez, não foi interrompido com palavras sem sentido. Na verdade, o gesto que interrompeu-o fez muito mais sentido do que qualquer uma das palavras de Gilbert direcionadas a si no último momento antes de... Bem, beijá-lo num rompante, sendo ousado a ponto de lamber-lhe os lábios ao fim do carinho, recuando com a mesma velocidade que se aproximou, os olhos vermelhos demonstrando surpresa com a própria ousadia.

-... O... Que... Diabos...

- Você é meu. – O sorriso matreiro voltara ao lugar em sua face pálida. – Bem, acho que não faria mal humilhar um pouco alguns riquinhos.


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Notas finais do capítulo

Tenho certeza de que observaram uma marcação em negrito, e foi colocada ali para mostrar em que parte do texto eu começo a minha narrativa.
Obrigada a aqueles que leram até aqui, e espero que possam comentar em outras fanfics do desafio, porque pelo que eu li, são todas muito boas - e provavelmente melhores que isso xD
Comentários, críticas construtivas e apoio moral, eu aceito todos os três com muito amor.
Kissus, pequeninas, e até mais ♥
Gin-chan



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