Born to Die escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 65
♪ This Is War ♪


Notas iniciais do capítulo

Não sabemos se vocês gostam ou não de capítulos grandes, já que eles tendem a ser cansativos. Nos desculpem, foi sem querer. Quando percebemos, as quatro narrações acabaram sendo maiores do que pensávamos, e não deu pra postar na quarta. Se ficou muito grande, avisem que vamos tentar maneirar mais daqui pra frente.
Não tinha como colocar o Jared Leto na fic e não usar uma música do 30 Seconds to Mars. Apesar de o título ter tudo a ver com essa fase, a letra não se assemelha muito, então acabamos apenas associando alguns trechos.
Leiam as notas finais!
Boa leitura!



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*Narrado por Frederick West

Os tiros eram um aviso para as pessoas. Estávamos em uma guerra. Eu podia ver a fronte de batalha de onde estava, nossos homens próximos ao local onde deveria ficar a porta de vidro do prédio comercial onde me encontrava. Do outro lado, protegidos pelos veículos em que chegaram, estavam os Salvadores. Eles vinham em grande número, como sempre, e provavelmente haviam saído dos postos avançados. Essa era a nossa situação havia pouco mais de dois dias. Depois de termos sido encurralados, tivemos que batalhar por várias horas seguidas, sem outra opção.

Deveria ser apenas uma curta estadia para que os feridos, inclusive minha irmã, se recuperassem, e logo em seguida voltaríamos para o Alto do Morro. Acabamos sendo surpreendidos por algo próximo de cinquenta Salvadores, armados a muito bem treinados para aquele tipo de situação. O cansaço parecia não incomodá-los, outro ponto que nos desfavorecia na batalha, uma vez que, depois de dezenas de horas atirando e se escondendo dos disparos e três dias fora de casa, já era de se esperar que nossos homens fossem tomados pela fadiga.

O mais preocupante era que não sabíamos os limites do inimigo, os Salvadores pareciam brotar de todas as direções possíveis. O lado bom, se é que existia, era que o Santuário estava bloqueado, e, com sorte, Negan ficaria isolado por certo tempo. Eu não sabia quantas pessoas nos restavam, nem as munições, mas se as coisas continuassem daquele jeito, não suportaríamos muito.

Sarah estava me preocupando muito desde a nossa retirada da fábrica. Depois de vagar no meio do tiroteio, ato completamente inconsciente que eu ainda tentava compreender, ela fora baleada no braço direito. Glenn havia me ajudado a tirá-la do chão e, assim que chegamos ao prédio, Dr. Carson e eu começamos a fazer a cirurgia de remoção da bala, sem anestesia. Quando minha irmã acordava se contorcendo de dor, tínhamos que parar a operação para não machucá-la. Era duro vê-la sofrendo, chamando involuntariamente por Grace e Rick. Em delírios mais profundos, podia ouvir Sarah chamando por nossos pais.

Depois do momento mais difícil, minha irmã passara a primeira noite ardendo em febre. Não pude dar a ela a atenção que queria, pois precisava ajudar Harlan com os outros feridos, entretanto, entre um paciente e outro, eu a visitava para conferir seu estado. No dia seguinte, a ferida do braço começara a dar os primeiros indícios de cicatrização, e Sarah permanecera desacordada, apenas tendo alguns períodos de agitação com longos intervalos. Ao menos a febre passara, mas eu não sabia se isso era um bom sinal, já que em dois anos de Medicina eu havia aprendido muito, porém sem ter prática alguma.

Tinha resolvido passar a noite anterior com ela, já que faria uma missão no dia seguinte. Jesus não dera muitos detalhes do plano, apenas havia dito que isso serviria para conter os reforços que os Salvadores enviavam constantemente. Fui até a porta dos fundos no primeiro andar, que dava para uma rua paralela à da batalha. Jesus estava me esperando lá, acompanhado por dois homens que eu não conhecia. O primeiro tinha cabelos claros e longos, acima dos ombros, e parecia estar bastante cansado. O outro era moreno, alto e forte e aparentava estar bem disposto, fora por um corte na lateral do rosto.

– Fred, estávamos te esperando. Estes são Aaron, de Alexandria, e Richard, do Reino – ele nos apresentou rapidamente, apontando para cada um enquanto dizia seus nomes, e eu apenas assenti. Não era necessária muita formalidade naquele momento. – Eles vão te acompanhar na missão. Separamos todos os objetos pontiagudos disponíveis para bloquear a estrada, vocês têm arames farpados, pregos e parafusos.

Era um plano fácil de ser executado, apesar do risco de sermos encontrados por tropas que eventualmente estariam indo até prédio. Só precisávamos colocar os arames na estrada e espalhar os outros objetos ao redor, para impedir que mais carros passassem por lá. Se funcionasse, os Salvadores teriam que ir a pé e, isso nos daria mais tempo.

– Sigam pela estrada ao norte, se distanciem alguns quilômetros, mas não cheguem muito perto dos postos avançados, nem daqui. Alguma dúvida?

– Não, Jesus – Richard respondeu por nós.

– Boa sorte – ele desejou antes de ir embora.

Seguimos pelos fundos, Richard tomou a dianteira, levando duas armas e assumindo o volante. Aaron se encarregou de levar os objetos pontiagudos e o arame farpado, que eu nem imaginava onde tivesse sido encontrado. Ele parecia um pouco aliviado por estar saindo da zona de combate, em primeiro momento julguei ser covardia, entretanto afastei esse pensamento, eu não o conhecia para fazer isso. Tentei me concentrar na estrada, quanto mais nos distanciávamos, mais baixos ficavam os sons de tiros. Eu não confiava naquela sensação de paz, apesar do silêncio. Isso era guerra.

– Acho que já estamos a uma distância razoável – Richard comentou enquanto parava no acostamento para que descêssemos.

– Sabe, estou me sentindo bem por termos saído daquele tiroteio. Parece estranho, mas eu passo mal quando vejo sangue – o loiro disse assim que nos juntamos no meio da estrada, explicando o motivo do alívio. Ele começou a esticar o arame ao longo da pista, e eu o ajudei enquanto Richard espalhava pregos, parafusos e tachinhas pontudas no asfalto, formando um bloqueio improvisado. – Mesmo assim, estou preocupado. Eric ficou lá, e ele acha que sabe se cuidar sozinho. Deixou alguém, Fred?

– Minha irmã mais velha, ela ficou no prédio porque foi baleada – respondi me sentindo confortável pela maneira informal com que ele se dirigira a mim. – A minha sobrinha ficou no Alto do Morro. E você, Richard?

– Deixei alguns amigos... Ninguém em especial.

– Já vi que você não é muito de conversar – Aaron falou ao ouvir a resposta superficial dele. – Fred, você conhece o namorado do Jesus?

– Espera, até você que é de Alexandria, sabe que ele tem um namorado? Eu não sabia de nada! – exclamei fingindo um pouco de desespero, o que fez o homem rir. Jesus sempre fora muito reservado, todavia Aaron e ele deveriam se conhecer havia muito tempo.

O clima descontraído foi quebrado pelo som de pneus deslizando sobre o asfalto. O carro prateado parou a alguns metros de nós, e dele saiu um homem armado. Tudo foi muito rápido, quando me dei conta, Aaron já estava no chão, com a cabeça perfurada por uma bala. O sangue, que teria o apavorado caso estivesse vivo, formou um poça avermelhada que contornou seu corpo estirado no chão. Era estranho ver aquilo pois, segundos antes, Aaron estava lá, conversando e rindo normalmente e, naquele momento, não pude ver mais vida em seu corpo.

Desviei o olhar do sangue e, no momento em que Richard sacou sua arma, outro disparo cortou o ar e foi a vez do habitante do Reino cair diante de meus olhos. Eu seria o próximo. Estava completamente desarmado, tudo o que eu poderia usar para me defender ficara no carro, e com certeza não dava para chegar até ele sem ser atingido.

Entre encarar o assassino com aquele sorriso sanguinário no rosto e não ver absolutamente nada, preferi fechar os olhos covardemente. Meu coração disparou, em uma daquelas reações de luta ou fuga, mas não havia nada que pudesse ser feito. Comecei a suar, o desespero tomava conta de mim. Em poucos momentos da minha vida parara para pensar na morte, a única coisa que sabia era que temia esse dia. Eu só não esperava que fosse algo tão agonizante, saber que sua vida estava chegando ao fim e não poder fazer nada.

– Alguém covarde como você bem que merecia sobreviver pra assistir seus amigos morrerem, mas Negan disse que não poderíamos poupar ninguém – ele vociferou demonstrando completo desprezo.

Então a arma disparou.

Cerrei os punhos com força, mas permaneci parado. O som ecoou pela minha mente, eu estava morto, ou pelo menos era isso que deveria ter acontecido. Não sentia dor alguma, então a única explicação era que o tiro não tinha me atingido. Fiquei por algum tempo tentando me decidir se abria os olhos ou não, até que optei pela primeira opção. Minhas pálpebras se levantaram lentamente, e o que eu encontrei só me deixou mais confuso. Esperava ver aquele mesmo homem me fitando ameaçadoramente. Ao invés disso, o vi jogado no chão, assim como Aaron e Richard, completamente estático. Voltei-me para trás, e só então entendi o que ocorrera. Jesus estava lá, com uma pistola na mão e olhava para os cadáveres na estrada.

– Obrigado, cara – consegui dizer depois de algum tempo, sentindo um alívio indescritível. – O que aconteceu?

– Os Salvadores já esperavam isso, foi uma emboscada. Eles estavam esperando que vocês saíssem para atacar – ele explicou e, em seguida, observou nossos aliados mortos. – Eu percebi isso a tempo, mas não consegui salvá-los... Temos que ir embora, sua irmã acabou de acordar e ela vai precisar de você lá.

*Narrado por Sarah Grimes

Apesar de ter acordado, preferi não abrir os olhos. Algum tempo antes, eu não sabia se minutos ou horas haviam se passado, eu acordara muito mais cansada e dolorida, e Doutor Carson pedira para que eu voltasse a dormir. Tentei me mover um pouco na cama, porém meus músculos estavam doloridos e dormentes de mais para isso, como se eu tivesse ficado parada por dias. Um gosto amargo tomava conta da minha boca, que se encontrava completamente seca. Apesar de me sentir tão mal assim, nada disso era válido comparado à dor que dominava meu braço direito, que ardia intensamente, por isso preferi não tentar movê-lo. Em suma, era como se eu tivesse sido atropelada ou algo pior.

Depois de algum tempo parada, resolvi observar o local. O colchão em que eu estava ficava ao lado da janela, que permitia a entrada de pouca luminosidade. As paredes escuras e desbotadas denunciavam o abandono do local, que se assemelhava a um depósito. Uma porta do outro lado levava ao banheiro, mais escuro do que o cômodo em que me encontrava. Decidi ir até lá para molhar o rosto e espantar a sonolência, que me convidava adormecer novamente.

Eu não queria pensar no que havia acontecido antes, doía de mais. Não era nada físico, a visão do carro se aproximando da cerca não saíra de minha memória, e fazia meu coração pulsar dolorosamente com maior intensidade. Tudo o que eu mais queria era que fosse apenas um pesadelo, mas não dava para continuar tentando me enganar por muito tempo e, mesmo que houvesse alguma chance de Rick não ter morrido, algo dentro de mim dizia o contrário. No fim, aquilo era real, a dor insuportável em meu braço era a lembrança da bala que eu havia tomado naquela hora, por ele.

Enquanto tentava me sentar na cama, pude ouvir o som de tiros mais ao fundo. Poderia ser apenas a minha mente, mesmo assim fiquei intrigada. Depois de me esforçar muito consegui me pôr de pé, eu tinha que voltar logo para ajudar. Mesmo incapacitada, poderiam estar precisando de mim no combate. Eu só estava naquelas condições por causa de uma idiotice minha, mesmo que naquela hora parecesse a atitude mais viável, por isso me sentia na obrigação de continuar lutando.

Bastou fitar meu reflexo no espelho por alguns segundos para perceber como a minha aparência era deplorável. Meus cabelos estavam desgrenhados e completamente soltos, o rosto demonstrava todo o cansaço que sentia, minha pele estava extremamente pálida, os lábios não tinham cor alguma e minha expressão ainda era sonolenta. Abri a torneira e aproximei meu rosto da água corrente, usando a mão esquerda para molhá-lo.

Só depois disso reparei na bandagem, exatamente no local onde eu havia sido baleada. Observei o curativo atentamente, era um trabalho bem feito, na medida do possível. Como ainda estava manchado de sangue fresco, deduzi que o ferimento não cicatrizara completamente, isso já era de se esperar. A dor pareceu aumentar instantaneamente, entretanto eu sabia que era apenas psicológico. Ao avistar um pano sobre a pia, passei um pouco de água nele para umedecê-lo e o pressionei levemente sobre o machucado, optando por não retirar o curativo para evitar uma infecção.

Enquanto fazia isso, caminhei lentamente pelo local, me sentindo melhor do que quando acordara. Quando estava a alguns passos da cama, ouvi três batidas na porta e, antes que eu pudesse dizer algo, ela se abriu. Pressionei o pano sobre a bandagem novamente antes de me sentar na cama e olhar para a pessoa que começava a entrar no quarto. Não pude deixar de sorrir ao constatar que era o meu irmão se aproximando, com uma expressão feliz e preocupada ao mesmo tempo, típica dele.

– Que bom que você já acordou – me surpreendi ao notar o tom decepcionado na voz de Fred. – Que ideia estúpida foi aquela de sair andando no meio do tiroteio? Queria me matar do coração? Garanto que você quase conseguiu isso – ele se sentou ao meu lado, desviando o olhar para suas mãos entrelaçadas.

– Eu não sei o que deu em mim... Eu apenas fiz. Me desculpe.

– Eu estou sendo muito duro com você, tinha acabado de perder alguém no momento... – meu irmão admitiu, mesmo assim eu sabia que ele tinha todo o direito de me criticar. Tentei não pensar em Rick, talvez se eu adiasse aquilo doeria menos. Fred voltou a falar, dessa vez com um tom mais terno. – Apesar de ser mais novo, eu sempre tentei te proteger. Me lembro muito bem do interrogatório que fiz quando você começou a namorar sério... – dei um pequeno sorriso ao me lembrar daquilo, e logo ele mudou de assunto. – Como está o braço?

– Doendo, mas vai passar. Só espero poder voltar a atirar logo – respondi tentando não pensar na cicatriz que aquilo deixaria.

– Eu gostaria de dizer que você precisa descansar, mas muitas pessoas morreram durante esses dias, e com certeza precisamos de ajuda.

– Quanto tempo se passou depois do Santuário? – na minha mente, eu estivera desacordada por algumas horas, em momento algum cogitara a ideia de ter passado dias daquele jeito.

– Três dias. Paramos aqui durante a noite para descansar e recuperar os feridos depois de atacarmos um posto avançado, então os Salvadores nos encurralaram e estamos tendo que lutar.

Eu tinha perdido completamente a noção de espaço e tempo, e aquelas informações me deixaram mais desnorteada. Olhei para Fred, que também me encarava. Havia um corte em no queixo e seu rosto estava um pouco sujo, provavelmente resultados de alguma queda.

– Você está bem? Parece um pouco machucado... e assustado – comentei.

– Eu fiquei a maior parte do tempo ajudando Carson com os feridos – ele já me dissera que trabalhava na enfermaria do Alto do Morro, seus dois anos de Medicina somados com os ensinamentos de Carson já eram o suficiente. – Eu vi muita coisa aqui, tive que tomar decisões. Foi estranho ver o que os Salvadores fizeram, o que eles estão dispostos a fazer por isso. Agora eu finalmente decidi que vou lutar até o fim, não vou abaixar a cabeça enquanto eles fazem isso.

Poucas vezes eu vira meu irmão tão convicto. Eu o conhecia o suficiente para saber o quanto era indeciso, por isso aquele tom de confiança me deixou orgulhosa. O abracei e ficamos daquele jeito por algum tempo até que outro sentimento tomou conta de mim. Afastei-me um pouco e voltei a olhá-lo, dessa vez mais séria.

– O que aconteceu com Rick? – Fred ficou em silêncio, o que aumentou minha agonia. Aquilo respondia a minha pergunta, então a mesma sensação ruim que eu havia sentido ao ver a explosão na base militar tomou conta de mim. Ele desviou o olhar, provavelmente notando a mudança gradual na minha expressão.

– Posso entrar? – alguém perguntou do lado de fora do quarto, mas não me importei. Eu já estava prestes a chorar quando meu irmão se voltou para mim, dessa vez mais animado.

– Por que não pergunta para ele?

– Rick? – indaguei assim que a porta se abriu e ele entrou. Não consegui me levantar, minhas forças já estavam esgotadas. A única coisa que consegui fazer foi continuar fitando seus olhos azuis, ainda sem acreditar no que via.

Ele se aproximou de mim lentamente, com um olhar um pouco relutante. Assim que Rick parou ao meu lado eu me ergui e o abracei com força, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Só quando senti seus braços ao redor do meu corpo pude entender que Rick estava lá, vivo. Quando me dei conta, já estávamos sentados na cama, Fred havia se levantado e apenas nos observava. Encostei minha cabeça no ombro de Rick e fechei os olhos, me lembrando da dor que sentira minutos antes.

– Então... Rick, ainda não tivemos essa conversa, e talvez agora não seja o melhor momento, mas já que podemos morrer a qualquer momento, eu preciso saber quais são as suas intenções com a minha irmã – ele disse caminhando pelo local, parecendo um tanto intimidador. Eu sabia que, no fundo, Fred já aprovara meu marido, isso era visível pelo pequeno sorriso no canto de seus lábios. Tudo aquilo não passava de uma de suas brincadeiras. Rick se voltou para ele, aceitando o desafio. – Sabemos que a sua possível morte deixou a Sarah desesperada a ponto de quase se matar, tenho que certificar de que você não vai machucá-la.

– Asseguro que as minhas intenções são as melhores possíveis. Tudo que eu mais quero é fazê-la feliz, é tudo o que eu preciso. Juro que vou fazer de tudo para que nada nem ninguém a machuque, nem mesmo eu – dei um pequeno sorriso ao ouvir aquilo.

– Sua palavra basta... Porém, se fizer a minha irmã chorar, ou simplesmente ficar com os olhos marejados, pode ter certeza que as coisas entre nós não ficarão nada bonitas. Estamos entendidos, senhor Grimes? – por um momento, ficamos em silêncio. Rick parecia estar sem reação, peguei sua mão e notei que ela estava suada. Ele estava tenso. Eu já chorara muito por ele, isso era um fato. – Relaxa, cara. Eu só estou brincando! Você já faz ela muito feliz, é o que importa pra mim. Mas vou continuar de olho... Vou deixar os dois a sós agora.

Fred saiu, e tive que me segurar para não rir do nervosismo de Rick. Quando a porta se fechou, entrelaçamos as mãos nos olhando fixamente. Ficamos em silêncio, o único som presente era o dos tiros, mas resolvi ignorar aquilo. Por mais que a guerra fosse mais importante, estar com ele, e bem, trazia uma sensação de segurança.

– Por que você fez aquilo? – Rick passou a mão pelo meu rosto e foi descendo até o braço machucado, que havia parado de doer. Aquilo não era mais importante para mim no momento.

– Na hora eu só consegui pensar em você, te tirar de lá.

– Nada disso teria acontecido se você tivesse ficado vigiando – ele disse com um pequeno sorriso. – Por isso eu não queria que lutasse, eu sabia que você tentaria fazer algo.

– Como você acha que eu ficaria depois, quando me dissessem que tinha morrido? Eu fiquei desesperada... Devia ter conversado comigo, tínhamos que tomar essa decisão juntos – falei um pouco chateada.

– Você nunca me deixaria ir, e eu não conseguiria te contar isso.

– O importante é que agora você está aqui. Mas como escapou? – era uma pergunta que eu queria fazer desde o momento em que ele entrara lá.

– Eu nunca escapei, porque nem cheguei a entrar no carro. Alguém foi no meu lugar – Rick explicou olhando para o chão por alguns instantes. – Alguém fez esse sacrifício por mim. Disse que, além de ser o líder, eu tinha algo a perder, tinha uma família, pessoas que sentiriam a minha falta.

– Quem foi? – eu devia muito a essa pessoa, sabia que seu sacrifício não fora em vão.

– Precisamos ir – Jesus disse escancarando a porta e interrompendo Rick antes que ele pudesse me responder. – Negan não mentiu sobre Gregory, ele assumiu o controle do Alto do Morro e está ameaçando os moradores.

*Narrado por Gabriela Hopper

– Avery! Eu disse que não ia te contar, precisa mesmo que eu repita?

– Mas, mãe! – ela tentou novamente. A minha paciência já estava praticamente esgotada depois de tanta insistência. – Antes eu pensava que você estava com o Jesus, até você falar que era sério...

– Por que todo o mundo acha que nós estamos juntos?

– Ele é um homem, você é uma mulher, e os dois ficam andando juntos o tempo inteiro. O que querem que os outros pensem?

– O que tem de errado nisso? Por que um homem e uma mulher não podem andar juntos sendo apenas amigos? – minha filha pareceu não se convencer com aquilo, então eu suspirei pesadamente, tentando deixar evidente o meu cansaço antes de usar meu último álibi. – Ele é gay.

– Uau! Por essa eu não esperava – Avery falou de uma vez, ficando com a boa aberta e um olhar estranho, como se ainda associasse as minhas palavras.

– Acho que você já estourou sua cota de irritação por hoje. Fique satisfeita por saber que eu não estou com Jesus e vá embora de uma vez. Que eu me lembre, você tinha que estar vigiando o muro agora – a dispensei praticamente empurrando minha filha para fora.

– Você ainda vai me contar o que está acontecendo! – Ave cantarolou enquanto saía do quarto.

Finalmente pude ficar sozinha novamente, ou pelo menos quase. Eu tinha muito a fazer, e dessa vez não eram questões do Alto do Morro, só queria passar um tempo com Sam. Tentava revezar meu tempo entre os afazeres da comunidade, olhar as crianças enquanto Mika estava fazendo vigília e ficar com meu filho. Mesmo que isso significasse não ter tempo livre, era bom poder descansar das responsabilidades da guerra por algum tempo.

Eu estava me saindo relativamente bem em todas as funções, apesar de ser obrigada a andar de um lado para o outro pelos corredores, colocar Brianna na cama de madrugada e ouvir os problemas relatados pelos moradores, além de fazer relatórios sobre os estoques de comida e a produção de balas. O fato do Alto do Morro ter sobrevivido por dois dias sem ajuda indicava que eu estava fazendo um bom trabalho. Por mais que às vezes eu tinha vontade de largar tudo e me jogar na cama por cinco minutos, continuava firme.

Aqueles dois dias sem notícias poderiam ser bons ou ruins. O grupo deveria ter voltado na noite anterior, depois do ataque. Eles poderiam estar muito ocupados atacando os postos avançados, em uma possível mudança de planos, ou, na pior das hipóteses, a ataque teria falhado, e isso significava que todos estavam mortos. Com toda a certeza eu preferia a primeira opção, por isso depositava toda a minha fé naquela possibilidade. A comunidade dependia de mim, eu precisava ser forte. Se continuasse acreditando no sucesso da missão, talvez o Alto do Morro não perdesse a fé também.

Depois de fechar a porta, me voltei para o armário do quarto, onde Sam e eu procurávamos um antigo pertence: meu machado. Desde que Grace vira o tio pela primeira vez, meu filho começara a se interessar pela família, me fazendo diversas perguntas. Não chegava a ser a montagem de uma árvore genealógica, entretanto Sam havia ficado surpreso ao descobrir que eu possuía um pai, então resolvi mostrar o único objeto que eu guardava de seu avô, aquela arma. O único problema era que eu não me recordava em que lugar o deixara. Eu costumava usá-lo para cortar lenha na base, todavia isso não era necessário no Alto do Morro, e o machado, que salvara minha vida tantas vezes, havia se tornado uma relíquia dentro daqueles muros.

Quando me voltei para o móvel de madeira nobre, me controlei para não correr até lá imediatamente. Sam se encontrava fazendo algo que eu nunca poderia imaginar, o garoto estava escalando o armário. As gavetas estavam abertas e foram usadas como degraus. Naquele momento ele tentava passar da gaveta superior para uma das divisórias, feitas do mesmo material.

– O que você está fazendo? – tentei perguntar mantendo o tom calmo com que sempre me dirigia a Sam, por mais que minha mente já previsse um grande acidente. Peguei meu filho pela cintura e o carreguei até o chão, notando como ele parecia estar mais pesado do que eu me lembrava.

– Eu estou tentando achar o machado do vovô – Sam explicou se voltando para mim, sem parecer contrariado por ter sido pego no colo.

– Ele não está aí, eu já olhei. E nunca mais escale o armário, você pode se machucar.

– Então cadê ele? – era a mesma pergunta que eu fazia a mim mesma. Corri os olhos pelo local, até encontrar o baú onde guardava as roupas de cama. Era o único lugar do quarto onde eu não tinha procurado.

Afastei os lençois de lá cuidadosamente, eu havia colocado meu machado lá exatamente para que ninguém, principalmente Sam, o encontrasse. Ele estava lá, intacto, e dei um pequeno sorriso ao segurar seu cabo de madeira. Fiquei por algum tempo admirando a lâmina avermelhada com uma faixa prateada na ponta e a madeira escura. Talvez estivesse enferrujado e pouco afiado, apesar disso ainda servia para perfurar os crânios dos walkers. Sentei na cama e Sam ficou ao meu lado, sem tirar os olhos do machado em minhas mãos, com um olhar curioso e atento.

– Então isso é um machado. O que ele faz? – meu filho perguntou inocentemente.

– É um objeto usado para cortar lenha, muito afiado e perigoso, por isso as pessoas precisam tomar cuidado.

– O vovô usava ele? – o garoto parecia ter se interessado bastante pela história do meu pai, provavelmente por ter descoberto que possuía o seu nome.

– Sim, no outono e no inverno ele cortava lenha para aquecer a casa nas noites mais frias – expliquei me lembrando de como eu gostava daquilo.

– Você também tem uma mãe?

– Sim, ela se chamava Barbara.

– Você tem algum irmão?

– Não, eu era filha única.

– Então eu não tenho tios? Pensei que todos tivessem irmãos, que nem o Hesh, a Grace, Sarah e eu tenho a Ave.

– Quem disse que você não tem? Seu pai tinha um irmão, Merle.

– Onde ele está?

– Junto com o vovô e a vovó, em um lugar melhor – era difícil explicar para uma criança sobre morte.

– Você tem um tio?

– Uma tia. Ela era irmã do meu pai, se chamava Carmen. Ela não morava comigo, mas sempre que podíamos estávamos juntas – eu me lembrava muito bem da tia Carmen, de como éramos muito parecidas fisicamente, de nossos vinte anos de diferença e da certeza que eu tinha de que nunca haveria no mundo uma pessoa igual a ela. Sempre que minha tia me visitava em Columbus, no verão, passávamos a tarde tomando sorvete, e ela fazia questão de ressaltar o quanto eu era certinha e sem graça, como meu pai, apenas por optar pelo sabor creme. Para ela as escolhas indicavam a personalidade de alguém, até mesmo o tipo de sorvete. Tia Carmen costumava se classificar como exótica, de personalidade forte e determinada, apenas por escolher rum jamaicano como sabor favorito. – Ela era divertida, e uma ótima tia.

– Eu queria ter tido a sorte de conhecer todos eles... – Sam lamentou.

– Você tem sorte por ter uma família que te ama muito. Não precisa ficar triste por isso – para acabar com a tristeza dele de vez, resolvi mudar de assunto. – O que você quer fazer? Temos a tarde toda.

– Me ensina a jogar damas?

*Narrado por Avery Hopper

Tudo ia muito bem, aquela tarde até poderia ser chamada de monótona. Eu estava com Kal e seus amigos vigiando a parte da frente dos muros. Ele, apesar de ter pouco menos de 30 anos, era muito legal, parecia mais um adolescente. Kal não estava mentindo quando dissera que aquela tarefa era tediosa, segurar uma lança maneira o dia inteiro ma dava vontade de arremessá-la a qualquer sinal de movimento exterior, mesmo sabendo que eu teria que buscá-la depois.

Apesar da conversa descontraída que mantinha com o pessoal, já que Carl, Scott e Mika não estavam lá, o diálogo com minha mãe não saía da minha cabeça. Eu já sabia que ela não poderia estar namorando Jesus, o que era uma pena, e que todo aquele mistério envolvia algo perigoso. Isso me deixava poucas opções, e provavelmente tinha algo a ver com a guerra, ou com o Alto do Morro. Com toda a certeza era um assunto delicado, já que minha mãe não podia confiar em mim, e todos esses fatores só aumentavam a minha curiosidade. Por outro lado, aquele segredo todo me deixava preocupada com ela.

A tarde entediante de inverno, caracterizada pelos ventos gelados e nada além disso, mudou completamente quando avistamos um carro se aproximando. O veículo cinzento parou a alguns metros do muro e, antes que pudéssemos erguer nossas lanças ou sacar nossas armas, Dwight saiu por uma das portas. O homem de rosto desfigurado gritou algumas palavras obscenas antes de puxar algo da parte de trás do carro e jogar para fora. Sem mais nem menos, eles foram embora, deixando apenas um corpo com a cabeça coberta por um saco marrom.

No mesmo instante desci pela escada de madeira, não antes de pedir para que continuassem lá, indo em direção ao meu quarto. Com certeza minha mãe estaria lá com Sam, e ela precisava saber do ocorrido antes que fizéssemos algo a respeito. Ao parar de frente para a porta, me apoiei nos joelhos para recuperar o fôlego antes de girar a maçaneta.

Minha mãe e meu irmão estavam sentados no chão, de pernas cruzadas, jogando uma partida de damas. Pela rápida visualização que fiz do jogo, deduzi que ela estava deixando Sam ganhar. Sobre a cama se encontrava seu machado, que estivera sumido por muito tempo.

– Mãe, precisamos de você nos muros – foi o máximo que consegui dizer, meu irmão não podia ouvir muito. Ela apenas balançou a cabeça em concordância e se levantou. – Acho melhor levar o machado – sugeri.

– Tudo bem. Sam, tenho que ir lá fora resolver algumas coisas, não demoro – minha mãe pegou a arma com uma expressão séria e, quando saímos do quarto com passos apressados, ela finalmente se voltou para mim. – O que está acontecendo?

– Estávamos vigiando o muro, como sempre, nada estava acontecendo... – seu olhar me cortou e entendi aquilo como “Isso não tem nenhuma importância, vá direto ao ponto”. – Os Salvadores jogaram um cadáver perto do muro!

– O que eles queriam com isso?

– Eu não sei, eles só passaram lá e se mandaram, não antes de Dwight dizer umas palavras chulas – respondi assim que chegamos ao lado de fora. Minha mãe, mesmo sem entender, assentiu.

– Fique lá em cima. Se alguma coisa acontecer, atirem – ela falou e, em seguida, se voltou para os homens que permaneciam em cima do muro. – Fiquem a postos e abram os portões!

Observei minha mãe passar por lá com o machado em mãos antes de subir e pegar um fuzil de precisão. Lá fora, tudo estava quieto de mais, o que só aumentava a desconfiança. Algo que eu não havia reparado era que o corpo se movia, na tentativa inútil de ficar de pé. Só podia ser um walker, a julgar pelo objeto metálico, que eu não tinha identificado, atravessado em seu corpo.

Mamãe caminhou, reduzindo a velocidade conforme se aproximava do mordedor. Mentalmente, tentava pedir que ela tomasse cuidado. Minha mãe chegou mais perto e, após algum tempo de relutância, esticou os braços para tirar o saco que cobria a cabeça do errante. Prendi a respiração enquanto ela fazia aquilo, ignorando a inquietação do caminhante desorientado. Eu deveria ter prestado atenção antes, os cabelos, as roupas, a arma... Não tive dúvidas de quem era ao ver seu rosto, os olhos que, apesar de possuírem algo mais selvagem, quase irreconhecível, tinham o mesmo brilho penetrante. Pareciam os mesmo olhos castanhos que eu vira quando havia me despedido daquela pessoa.

Minha mãe pareceu sair do transe depois de andar um pouco para trás com o intuito de desviar das investidas do errante, entretanto eu permanecia paralisada. Não dava para acreditar naquilo, parecia algo inimaginável. Impossível. Michonne sempre estivera viva, do nosso lado, uma espécie de heroína para mim. Uma lágrima solitária rolou pelo meu rosto, tão solitária quanto ela costumava ser, era nossa companheira e amiga, e sem dúvida alguma faria muita falta. Eu não sabia o que acontecera na batalha, mas Michonne seria mártir.

Isso era guerra. Ninguém poderia escapar, o civil, a vítima, o honesto, o mentiroso, o líder, o soldado. Todos estavam comprometidos. Só havia uma certeza para nos apegarmos, quem nós éramos. Para continuar e criar um admirável novo mundo, teríamos que enfrentar a guerra.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Deu pra entender tudo, a passagem temporal e tudo mais? As duas últimas narrações aconteceram um dia antes das primeiras. Na parte da Gabriela e da Avery se passaram dois dias. Na parte do Fred e da Sarah, é o terceiro dia depois do ataque ao Santuário. Nós "voltamos no tempo" para explicar o que o Jesus disse. O Gregory ainda não se apossou do Alto do Morro, estamos dando um contexto para isso e então no próximo todas as narrações estarão acontecendo no mesmo dia.
A Carmen (tia da Gabriela) é uma personagem que foi citada em Last Hope, uma spin off de Born to Die. Quem leu talvez se recorde dela. Antes que perguntem, ela não irá aparecer que nem o Fred. Seu paradeiro é desconhecido, mas preferimos dizer que a Carmen está morta.
Com esse capítulo estamos em contagem regressiva. Faltam exatamente cinco capítulos para o fim, terminaremos a fic no 70.
É isso, não esqueçam de comentar e deixar sua opinião. Até semana que vem!