Além Da Amizade escrita por Esc L


Capítulo 19
Continuação Capítulo 8.




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Depois de estar de banho tomado, vesti uma roupa qualquer e me sentei na cama, o Felipe ainda não tinha voltado, talvez por perceber que eu precisava de um tempo sozinha. Deixei-me ser levada por meus pensamentos mútuos e quando me dei conta, estava parada na frente da porta do quarto meu pai, caminhei pra dentro do quarto, eu precisava sentir seu cheiro por pelo menos uma última vez. Caminhei até o closet dele, adentrando o mesmo e já dali, pude sentir o cheirinho dele invadindo minhas narinas, respirei fundo para sentir melhor seu cheiro e trinquei os dentes, segurando o choro de todas as maneiras possíveis, mas era inevitável, deslizei meus dedos por suas camisas de trabalho, andando vagarosamente, peguei uma delas, segurando a mesma em meu rosto, na direção do nariz, sentindo o adorável cheiro que ele tinha, cheirinho de pai, do meu pai.

Chorei baixinho, deixando longos soluços escaparem, tirei sua camiseta do cabide e com ela em minha mão, arrastei-me até sua cama, onde me deitei, abraçada ao seu travesseiro, em que seu cheiro era mais forte que o de sua camiseta, inalei aquele cheiro, sabendo que aquela seria a última vez de fazer aquilo, me aninhei ao seu travesseiro e o abracei, como sempre fazia com meu pai quando sentia medo de algo, e eu realmente estava com medo, estava com medo do futuro, medo de seguir em frente, medo das consequências que sua morte poderia causar, e foi aí que então, caiu-me a ficha definitivamente. Morto, ele estava morto.

Pra quem eu ligaria quando eu precisasse? Nos braços quem eu iria me refugiar além dos dele? No colo de quem eu iria chorar? Quem iria me incentivar nos momentos mais difíceis? Eu não o tinha mais, não em corpo presente. Mais uma vez o desespero me invadiu, e eu passei a chorar desesperadamente, eu o queria ali, queria ele me abraçando e me acalmando, dizendo que tudo passaria, que era só uma fase ruim, mas eu não o tinha. Porque tinha que der tanto? Porque?

Agarrei seu travesseiro com força, chorando tudo que eu podia. Eu me sentia fraca, impotente, vazia e sozinha.

Uma das empregas entrou no quarto e me viu ali, se fosse outro momento, eu iria me recompor e dizer que não era nada demais, mas era, era tudo e meu orgulho não conseguiria ser maior, eu estava numa maré brava, e ela só me lançava e me puxava pro fundo afim de me sufocar de vez.

— Ei, calma, calma. - o Felipe pegou-me em seus braços, me trazendo pra perto.

— Porque dói tanto assim? Me diz? - falei em meio aos soluços o desespero era nítido - Tá doendo, tá doendo muito, não tenho forças, não quero viver num mundo sem ele.

Ele acariciou meus cabelos enquanto me abraçava numa intensidade que só nós dois sabíamos, passou as mãos em meu rosto, secando minhas lágrimas e selou nossos lábios, como se dissesse um "eu estou aqui".

— Vem, vamos pro seu quarto.

Ele se levantou e estendeu a mão para mim, eu peguei o travesseiro do meu pai e o levei comigo, o Felipe pegou em minha mão e envolveu seu braço em torno da minha cintura, conduzindo-me até meu quarto, deitei em minha cama e o Felipe me fez tomar dois comprimidos, abracei o travesseiro, o Felipe jogou a coberta por cima de mim e me deu um beijo na testa, depois de poucos minutos, senti meus olhos pesarem e tudo em mim adormecer, assim como eu.

— Como ela está? - ouvi uma voz familiar sussurrar baixinho, era a minha mãe, provavelmente não querendo que eu acordasse.

Decidi ficar ali, fingindo que estava dormindo, seria o melhor naquele momento.

— Sofrendo com tudo isso... - ouvi o Felipe falar e dar um longo suspiro - Só o que ela sabe fazer é chorar e chorar, isso me agonia tanto!

— Ele era tudo pra ela, vai ser uma fase difícil, foi uma perda muito grande. - minha mãe falou, como se soubesse a dor que eu sentia, mas era inimaginável.

Eles permaneceram em silêncio, e eu sentia olhares sob mim, eles provavelmente deveriam estar me olhando daquele jeito que eu não suportava e saber que eu seria motivo de olhares assim por algum tempo, me agoniava.

— Ela não saiu do lado dele , foi difícil até pra fazer ela comer alguma coisa. - O Lipe falou.

— Eu imagino meu querido, eu queria vir à alguns dias atrás, mas não pude... A Giovanna, a Luciana, sabe delas? O garotinho... Gustavo né? Como ele está? Você sabe?

— A Luciana estava resolvendo todas as coisas do enterro, o Gu ainda não sabe de nada, mas sente isso tudo, ele é muito novinha, e a Giovanna não passou bem, estava como a Gabi, então deram um calmante pra ela também, ela está dormindo.

Seja lá o que foi que me deram, eu tomaria mais uns vinte, só pra não ter que passar por tudo que estava a vir, só para não ter que viver sem ele. E então me recordei da Giovanna, ela devia estar em pedaços, como eu havia sido egoísta, como pude pensar só na minha dor?

Senti-me culpada por não dar a assistência que minha irmã merecia. Me remexi na cama, afim de que percebessem que eu havia acordado, mesmo já tendo um tempinho que eu tinha despertado.

— Oi minha princesa - a mamãe falou e no mesmo instante veio a voz do meu pai me chamando assim, mal pude conter o choro.

Ela me abraçou forte e que saudades daquele abraço, que saudades da minha mãe.

— Vai passar meu amor, vai passar. - ela falava enquanto colocava minha cabeça em seu colo, acariciando meus cabelos, com a voz embargada.

— Não fala nada não, mãe, só fica assim comigo. - pedi abraçando sua cintura e chorando em seu colo.

Ela atendeu meu pedido, permaneceu em silêncio, apenas acariciando meus cabelos enquanto eu permanecia agarrada a ela, com o rosto escondido em seu colo. Ficamos assim por uma hora seguida, e então eu tomei a iniciativa de ir até o quarto da Giovanna, ver pelo menos como ela estava, falei pra minha mãe que já voltava e fui até o quarto da Gigi, entrando sem bater, ela estava deitada na cama, encolhida, chorando baixinho. Eu me via nela, sentia a mesma dor que ela sentia, talvez só um pouquinho mais, por ter perdido tanto tempo da vida dele longe.

— Oi. - sentei-me ao seu lado na cama.

Ela soluçou e virou o rosto pra mim, eu a abracei, apertando-a contra mim. Talvez fosse a forma de nós duas tentarmos aliar a dor uma da outra, mesmo sabendo que seria impossível. Ficamos naquele abraço que parecia ser infinito, somente com os soluços importunos do choro se manifestando entre nós. Choro e mais choro, esses foram os longos minutos que fiquei ali com ela, logo a Lu chegou, parecendo mais acabada do que nunca e se juntou a nós. Nós três nos abraçamos e mais uma vez choramos, parecia que era só isso que sabíamos fazer, chorar, chorar, chorar e chorar... Parecia que era só esse o efeito que a dor de uma perda como aquela surtia. O Gustavo chegou ao quarto e nos olhou da porta com aqueles olhinhos curiosos dele, como quem quisesse saber o que acontecia. Ele se aproximou, sentando na cama junto de nós três.

— Que foi mamãe? Porque vocês tão chorando? - ele passou as mãozinhas no rosto dela, secando as lágrimas da mesma.

Ela se sentou, colocando ele em seu colo. Ele ainda não sabia da verdade, e era um tanto complicado contar isso pra uma criança de cinco anos de idade.

— Lembra quando a mamãe te contou, que um dia, todos nós fazemos uma viagem pra um lugar bonito e beeeem longe, e que demora muito pra nós vermos a pessoa de novo? - ele assentiu que sim e então ela continuou - Então... O papai - ela soluçou, dando uma pausa breve, parecendo procurar as palavras a falar - o papai precisou fazer essa viagem, ele precisou viajar pra esse lugar longe.

Ele olhou pra ela com os olhinhos perdidos, como se não entendesse.

— Mas porque mamãe?

— O papai estava dodói, lembra, precisava descansar, ele estava sentindo muita dor, e lá pra esse lugar onde ele foi, ele tá melhor agora, tá bem, não tá mais doente - algumas lágrimas escorreram de seus olhos, e dos olhinhos do Gu também - lá nesse lugar, ele vê tudo que acontece aqui, e cuida da gente, cuida de ti, te protege, meu amor.

— Ele não vai mais voltar pra ver a gente? - ele perguntou já chorando.

— Nós é quem vamos nos encontrar com ele, amorzinho, mas só daqui á algum tempo. Mas enquanto isso, ele tá bem aqui - ela colocou a mão no lado esquerdo do peito dele - guardadinho no seu coração, o papai virou um anjinho, e vai estar contigo todos os dias, vai dormir contigo todas as noites.

— Ele não vai me deixar então?

— Não bebê - ela secou as lágrimas dele - ele vai estar sempre contigo, assim como vai estar sempre comigo e com as suas irmãs. - ela tentou dar um sorriso incentivador pra ele, dando um beijinho em seu rosto.

Ele ficou nos olhando, parecia confuso. Como eu queria ter uma explicação dessas e ser criança, assim como ele, assim não precisaria entender muita coisa.

— Eu vou sentir saudades do papai - falou tristinho - mas enquanto ele estiver viajando, eu vou cuidar de vocês três, ta bom? - ele tentou abraçar nós três.

Eu e a Giovanna que só chorávamos no decorrer da conversa toda, o abraçamos, junto da Lu que também o abraçou, ficamos os quatro ali, abraçados consolando um o outro, buscando forças um no outro, pois sabíamos, ou pelo menos tínhamos uma pequena noção do quão doloroso estava sendo.

— Tá pronta? - a mamãe perguntou, parada na porta do meu quarto.

Eu assenti que sim com a cabeça e nós saímos do quarto, indo em direção a garagem. Nós estávamos indo ao cemitério, onde aconteceria o velório e sepultamento do corpo do meu pai, eu sei lá de onde tirei forças para fazer aquilo, eu odiava ir a velórios, odiava enterros, o último que eu havia ido era o do avô do Felipe, e se já foi um momento difícil, só Deus sabia o quanto seria aquele.

Nos dividimos em dois carros e o Felipe foi comigo, com a minha avó que havia ido de Gramado pra lá e com a minha mãe e no carro em que ela dirigia, o silêncio era tanto que até pesava. Ao chegarmos no cemitério a mamãe achou uma vaga pra estacionar o carro e parou o mesmo, pedi a ela e a minha avó que me dessem alguns minutos e pedi também que o Felipe ficasse comigo, assim eles fizeram.

— Tem certeza de que quer fazer isso? - ele se referiu a fazer parte do velório.

— Tenho, eu só - respirei fundo, buscando as palavras, era a primeira vez que eu falava sem chorar - só preciso de alguns minutos, sabe? - fiz gestos com as mãos, na tentativa de explicar - Só preciso ser forte.

Ele me olhou assentindo, e se sentou do meu lado no banco do carro.

— Eu to aqui contigo, viu? - ele deu um beijo em minha bochecha - Te dou as minhas forças se precisar.

Eu olhei em seus olhos, me perguntando como estaria sendo pra ele me suportar em meio a tudo isso.

— Eu te amo, viu? - eu o abracei, acariciando os cabelos perto de sua nuca - Obrigada, por tudo. - por fim beijei sua bochecha, olhando em seus olhos.

— Melhores amigos são pra isso, lembra? - ele sorriu, selando nossos lábios, fazendo-me lembrar do quão bom era tê-lo comigo - Eu te amo demais. - ele me abraçou novamente.

Ficamos assim, eu acariciando seus cabelos,abraçados por longos minutos, aquele abraço gostoso de ser recebido.

— Vamos? - respirei fundo, tomando coragem.

— Tem certeza? - ele me olhou com receio.

— Aham.

Ele pegou em minha mão, ajudando-me a sair do carro, trancou o mesmo e me abraçou de lado pela cintura, caminhando comigo em direção a onde o corpo do meu pai estava sendo velado.

Senti as lágrimas rolarem pelo meu rosto, eu já tinha total visão do caixão, e lá estava ele, deitado dentro do mesmo, aproximei-me ainda mais, afim de poder tocá-lo e ao fazer isso, senti suas mãos geladas. Ele vestia um terno preto, um de seus preferidos e por baixo dele estava uma das camisetas que eu havia dado a ele.

Não pude conter o choro, comecei a chorar compulsivamente, eu apertei suas mãos, para que ele reagisse ao toque, mas nada, nem uma reação de seu corpo havia sido retribuída.

Haviam aquelas flores típicas de velório até a sua cintura, e em baixo de suas mãos tinha a foto da nossa família, e ah, que saudades, muitas saudades! Sua expressão dentro daquele caixão era tão serena, que ele parecia dormir tranquilamente e Deus, antes fosse isso, antes fosse apenas um sono tranquilo, mas já era muio mais, era um sono profundo e sem volta.

Senti uma leve vertigem e toda aquela cena do hospital me veio a tona, senti que ia cair e então me segurei firmemente no caixão,levando uma de minhas mãos em seus cabelos, os poucos que lhe sobraram. Acariciei os mesmos, fechando os olhos e sentindo aquele toque, mesmo que sem retribuição, não tinha igual.

Á Benção papai - eu sequei as lágrimas com uma das mãos - sei que agora o senhor está num lugar melhor, e sei que tá me guardando também, eu sinto isso. - solucei - Só quero que saiba, que o senhor sempre - dei ênfase - sempre será o meu herói. Obrigada por tudo que já fez por mim e por ter sido o melhor pai que alguém pode ter. Eu te amo mais que tudo, nunca vou te esquecer pai, nunca mesmo. - eu beijei sua testa e aquele foi o último beijo que dei no meu doce e amado pai.

Quando vi que não me aguentava em pé, abracei o Felipe com toda força que pude, ele me abraçou em retribuição, acariciando minhas costas.

— Vem, vamos sentar ali. - ele me ajudou a andar até um dos bancos e eu me sentei do lado da Gigi.

Ela me olhou, chorando e me abraçou, repousando a cabeça em meu ombro. Eu acariciei seus cabelos, na tentativa de acalmá-la.

— Vai ficar tudo bem, viu? - eu funguei, engolindo o choro - Pode contar comigo pra o que precisar. - eu dei um beijo em sua testa.

Ficamos sentadas e na maioria do tempo rodeadas de cumprimentos de pessoas que vinham desejar os pêsames e forças, foram tantas pessoas que eu já estava cansada e sabia exatamente o que cada uma diria, eu sabia que estavam querendo ser gentis, mas elas não sabiam que todos aqueles olhares, aquelas palavras, todos os "eu sinto muito, meus pêsames" ditos, eram como facadas dadas diversas vezes em cima do mesmo corte, só faziam-me lembrar cada vez mais, que ele estava morto e que eu jamais o teria comigo novamente.

As horas foram passando e com ela a noite chegou, logo em seguida a madrugada, e então o dia raiava novamente. Eu estava exausta, queria ir embora, mas só sairia dali quando tudo se acabasse de vez. O enterro seria as dez e meia da manhã, e a cada vez que as horas passavam chegava mais e mais pessoas das quais eu desconhecia, sabia que meu pai conhecia muita gente, mas não sabia que era tão querido pela maioria delas, isso só mostrava o bom homem que ele era.

As nove e quarenta da manhã chegou um pastor, amigo do meu pai, ele faria a cerimônia fúnebre do meu pai, quando eram dez horas em ponto o pastor se localizou no centro do salão e começou com a cerimônia, ele falava várias coisas sobre como temos que ser generosos e bondosos uns com os outros, que só estávamos de passagem pela terra, as pessoas ao redor, choravam ao ouvir o pastor relembrar a boa pessoa que meu pai era, e aquilo piorava a cada vez, doía ainda mais.

Logo ele iniciou uma oração, para que por fim meu pai descansasse em paz, no meio dela, ele pediu pra que de onde meu pai estivesse, cuidasse de nós, e por alguns segundos, senti-me acolhida com aquilo, ao terminar a oração, ele anunciou o encerramento da cerimônia. Um dos caras da funerária veio até nós avisar que era a hora de fechar o caixão, então iniciou-se a pior parte de todas.

Todos dirigiram-se a parte de fora do salão, que dava caminho ao cemitério enquanto ficou dentro do salão apenas os mais íntimos, todos despediram-se pela última vez dele. A Gigi e a Lu se despediram do corpo dele, e antes da Lu dai um beijinho rápido nele, ela colocou junto com a nossa foto, o desenho que o Gu tinha feito, no desenho estávamos todos nós, incluindo o Felipe, todos juntos do meu pai, ele colocou um sorriso enorme no rosto de cada um e vários corações pela folha, e escreveu com aquela letra de forma de criança que está começando a escrever, um "eu te amo papai". Eu então acariciei seus cabelos por uma última vez, gravando seu rosto em minha memória, só pra ter o prazer de nunca mais esquecê-lo e eu tinha plena certeza de que jamais o esqueceria. Após todos terem se despedido, o caixão foi fechado, eu não queria ver aquela cena, então abracei o Felipe, escondendo meu rosto em seu peito, ele também pareceu não querer ver, pois pousou seu rosto em meu pescoço, talvez porque tudo aquilo lembrasse seu avô. Caminhamos até fora do salão e fomos para dentro do cemitério, o Felipe ajudou a carregar o caixão, junto dos meus tios, irmãos do meu pai, eu e a Gigi estávamos à frente dele, junto da Lu e da vovó que me lançava um olhar totalmente confortante, ela não chorava, na verdade, parecia bem conformada, ela havia aparecido alguns dias no hospital para falar com o meu pai, e assim como ele, ela era uma das melhores pessoas que eu já havia conhecido, tinha um coração enorme e literalmente bondoso. Ao chegarmos no túmulo, todo aquele processo de enterro foi iniciado e enquanto as pessoas jogavam flores e choravam, eu caí na certeza de que nunca mais o veria.

O choro era impossível de ser contido e a dor, de ser cessada, eu me perguntava diversas vezes o porque de estar acontecendo tudo aquilo, mas não tinha resposta alguma. Senti-me fraquejar por diversas vezes, já não me aguentava mais, tudo doía, mas não tinha dor maior do que a que meu coração sentia. Eu caminhei até a minha mãe e a abracei, chorando ainda mais, ela acariciava os meus cabelos na tentativa inútil de me acalmar, nada adiantaria, só doía e doía cada vez mais, a dor já vinha sendo um sentimento contínuo dentro de mim.

— Me leva embora daqui, por favor. - pedi em meio ao choro.

— Vamos querida, só vou avisar a sua avó. - ela se afastou, indo até minha avó.

O Felipe que estava perto me abraçou de lado, caminhando comigo até o lado de fora do cemitério, não demorou muito e minha mãe estava de volta, junto da minha avó e a Gigi, que ainda chorava. Eu me desvencilhei dos braços do Felipe e a abracei de lado, a deixando pousar a cabeça em meu ombro, entramos no carro e finalmente fomos pra casa.

Assim que chegamos subi pro meu quarto e fui direto pro banheiro, quando entrei no banho, me permiti chorar tudo que havia guardado dentro de mim, eu queria me libertar de toda aquela dor, toda aquela saudade que estava me matando, era sufocante, eu queria meu pai e talvez a única solução de estar com ele, seria morrer também.

Depois que saí do banho, vesti uma roupa e deitei na cama na intenção de tentar dormir, mas eu estava com os pensamentos tão tumultuados, que estava sendo quase que impossível o sono chegar. Eu nunca havia tido uma visão completa da morte e ela nunca havia sido tão dolorosa para mim, eu sempre tive medo da mesma, sempre tive medo de perder as pessoas que eu mais amava, esse era o meu maior medo, mas por alguns minutos, fazer parte dela para me juntar ao meu pai, foi um pensamento completamente viável, seria uma jogada de três em um, me juntaria ao meu pai, me livraria do risco de perder as pessoas que mais amava e de quebra, me livraria de toda a dor que sentia. Morrer, a partir daquele momento, era uma possibilidade não descartável.

— Gabi? – minha mão me chamou da porta.

— Oi? – respondi sem ânimo algum.

— Comprei passagens para voltarmos amanhã, tudo bem?

— Aham. Que horas? – a olhei.

— Nove e meia, tem problema?

— Não, tudo bem.

— Então ta. – ela sorriu, mandando-me um beijo no ar, saindo do quarto.

Voltar para o Rio seria bom, ficar naquela casa só me trazia mais lembranças e naquele momento, eu não as queria. Eu estava quase pegando no sono, quando senti alguém se sentando atrás de mim, olhei pra trás, tendo a visão do Felipe sentado ao meu lado, ele estava de bermuda e sem camisa, ele sorriu ao me ver olha-lo.

— Te acordei?

— Não. – prendi os lábios, o olhando.

— Posso deitar aqui contigo? – ele me olhou, já se ajeitando.

— Já que já tá se ajeitando, pode sim. – dei um sorrisinho.

— Não me quer aqui? – se fingiu incrédulo.

— Quero. – falei com dengo, o abraçando.

— Ata. – falou se fazendo superior.

Eu deitei em cima do seu braço direito, passando meu braço esquerdo em volta dele, colando meu rosto em seu pescoço, inalando o cheiro maravilhoso que só ele tinha.

— Lipe?

— Oi? – abaixou um pouco a cabeça pra me olhar.
Fitei o nada, pensando se perguntava o que tinha em mente ou não.
— Como seria se você me perdesse?

Eu o olhei, e o sua expressão mudou completamente ao ouvir minha pergunta. Ele me olhou sério, seu olhar era confuso.

— Porque ta me perguntando isso? – me olhou sem entender.

— Curiosidade. – disfarcei o tom de voz e o olhei – Hein?

— Não suporto nem pensar como seria viver sem você, chega a me dar um aperto no peito só de pensar. – ele engoliu em seco – Eu não sei se saberia viver sem você. – ele me olhou nos olhos.

O olhei surpresa, jamais imaginaria que o sentimento dele seria tão grande assim e saber daquilo, de alguma forma, me confortava bastante. Eu acariciei seu rosto, o olhando e selei nossos lábios demoradamente.

— Eu te amo, amo muito mesmo!

Ele me olhou, tentando entender o que acontecia e me abraçou.

— Eu também te amo. – ele beijou o topo da minha cabeça.

Eu o abracei novamente, fechando meus olhos e sentindo o cheiro de seu perfume invadir minhas narinas, não demorando muito a pegar no sono.

— Vamos, filha? - a mamãe perguntou, parada na porta do quarto.

Eram oito horas da manhã e eu estava terminando de me arrumar para que pudéssemos finalmente voltar para o Rio de Janeiro.

— Aham, só to terminando de me arrumar. - falei ajeitando minha roupa dando uma última olhada no espelho.

— Ok, vou pedir ao Antônio que ele desça com as malas.

— Ok. - falei dispersa.

A verdade, é que eu estava com os meus pensamentos longe, tão longe que estavam me deixando completamente aérea. A ideia da morte para aliviar minha dor era contínua e literalmente sem descarte. Eu já não aguentava mais a agonia e saudade que sentia, não aguentava mais chorar e não aguentaria de forma alguma suportar a dor de uma próxima perda. O medo, junto da minha dor e pensamentos, vinham sendo um dos meus maiores companheiros.

Peguei meu celular e coloquei na bolsa, junto de mais algumas coisas que faltavam, conferi se não estava faltando mais nada e enfim, estava pronta para poder ir embora. Fui caminhando calmamente pelo corredor e quando notei que passei pelo quarto do meu pai, dei dois passos para trás, voltando e tendo a vista do mesmo, dei uma última olhada pelo quarto, adentrando, andei até o closet e parei guardando cada pedacinho como se fosse ele, eu sabia que as coisas não estariam mais do mesmo jeito quando eu voltasse lá, talvez fosse dor demais guardar tudo aquilo. Senti uma lágrima escorrer pelos meus olhos, mas ainda assim, continuei a olhar e guardar tudo mentalmente, nos mínimos detalhes, suas camisetas, sapatos, cintos, paletós, tudo que tinha ali.

— Podemos ir? - assustei-me, olhando para trás e deparando com a minha mãe.

Eu me limitei a falar, apenas assenti que sim com a cabeça, e caminhei até a porta do quarto, dando uma última olhada e seguindo corredor a frente. Quando cheguei lá em baixo, todos me esperavam na sala principal, me despedi dos meus irmãos, e da Lu, prometendo que a visitaria novamente se ela deixasse a Gigi me fazer uma visita no Rio de Janeiro, e é claro que a mesma concordou, fazendo os olhinhos da Giovanna brilharem. O Gu não queria que eu fosse embora, ficou o tempo todo pedindo pra que eu ficasse e não o deixasse, não tinha coisa mais fofa que ele se fazendo de triste. Finalmente terminei de me despedir de todos, indo em direção ao carro, junto da minha mãe e do Felipe, o Antônio deu partida no mesmo e nós saímos da casa, deixando-os para trás e principalmente, deixando um pedaço de mim.

Felipe narrando: Finalmente havíamos chego no Rio, eu estava morrendo de saudades da minha cidade maravilhosa, e claro, que dos meus pais também. A Gabi tinha ido a viagem toda em silêncio e estava bastante estranha, e pra falar a verdade, estava me deixando bastante preocupado. Assim que chegamos ao aeroporto, pegamos um táxi e fomos em direção a casa dela, ela mal abria a boca, até mesmo quando as perguntas eram direcionadas a ela, ela apenas assentia ou concordava com a cabeça, sem dar a mínima atenção ou demonstrar entusiasmo e o fato de eu não saber o que se passavam em sua cabeça, me desesperava completamente.

— Quer que eu deixe suas malas onde? - perguntei enquanto terminávamos de subir as escadas de seu apartamento.

— Pode deixar em qualquer lugar ai do quarto. - falou com desânimo.

Eu coloquei as malas num canto e caminhei até ela, sentando-me junto dela em sua cama.

— Tá tudo bem? - a olhei nos olhos, tentando entender o que se passavam em sua cabeça. Ah, como eu queria ter o dom de ler pensamentos naquele momento!

— Uhum. - ela prendeu os lábios.

Eu arqueei uma de minhas sobrancelhas, em sinal de que me falasse a verdade.

— É só que... - pausou - Dói bastante, dói tanto que chega a sufocar. - ela respirou fundo, olhando pra cima como se estivesse prendendo o choro.

— Eu sei, eu sei o quanto dói. - falei com sinceridade, por ter passado por algo parecido quando perdi o meu avô. Eu a abracei, deixando-a pousar sua cabeça em meu ombro - Você precisa seguir em frente, amor.

— Não posso, não consigo. - falou com a voz embargada - Não sem ele. Minha única vontade é não estar mais viva, queria ter morrido em seu lugar. Eu daria minha vida por ele, e agora ele se foi, me sinto vazia, sem vida.

— Não fala isso, por favor. - pedi, apertando-a contra mim em meio ao abraço, eu não suportava pensar em perdê-la, eu precisava dela mais que tudo.

Ela deu um breve soluço e enfim retribuiu o abraço, caindo no choro. Ver ela chorar daquela maneira acabava comigo, eu faria qualquer coisa para trocar de lugar com ela e livra-la de todo sofrimento.

Ficamos um bom tempo no quarto, mas logo fomos chamados para comer, eu desci com ela na tentativa de fazê-la comer alguma coisa e tudo que consegui foi fazer ela comer um pedaço da torta de frango que a Andrea tinha feito.

Estávamos em seu quarto, ela ainda continuava quieta, mas conversava algumas coisas, eu sabia o quão difícil era perder alguém importante assim, e eu faria o possível e o impossível pra que ela melhorasse e voltasse a dar um daqueles sorrisos lindos que só ela tinha. Eu havia proposto de ajuda-la a arrumar as roupas que ela havia levado pra viagem e assim estávamos fazendo, até que escutamos alguém bater na porta.

— Pode entrar! - a Gabi gritou enquanto pendurava uma blusa sua.

Mais duas batidas foram dadas na porta, fazendo com que ela me olhasse.

— Não sei quem é. - falei divertido. Mas sim, eu sabia quem era.

Ela arqueou uma de suas sobrancelhas saindo do closet e parando alguns passos antes da porta, olhando para a mesma.

— Pode atender, não é nenhum assassino Gabi. - eu ri enquanto ela revirou os olhos, me olhando.

— Ninguém nunca bate na porta. - ela falou quase que sussurrando - Tudo bem que morrer não seria nada mal - ela falou pensativa e eu a olhei sério - mas pode ser um assassino e você não pode morrer.

— Atende a porta, não é um assassino. - fiz careta, rindo de sua conclusão.

Ela deu dois passos até a porta, segurando na maçaneta da mesma com cautela e pra ser sincero, aquela cena estava bastante engraçada. Ela abriu a porta vagarosamente e se deparando com nada mais, nada menos do que a parede do corredor a sua frente.

— Felipe - ela me olhou assustada, me fazendo segurar o riso - acho que...

— SURPRESAAAA!!! - a Manu e a Karol gritaram, pulando em sua frente, fazendo-a colocar a mão no peito, mostrando que ficou assustada.

— Que saudades que eu estava de você, amiga! - a Manu falou a abraçando.

— E eu então... - a Karol juntou-se ao abraço - Quase morri de saudades.

Elas a abraçaram, fazendo um sanduíche com a mesma. Foi a primeira vez que eu a vi sorrir verdadeiramente naquele dia.

— Eu também estava com saudades, morrendo. - ela falou chorosa, em meio ao abraço.

— Ih Manu, olha como ela ta chorona. - a Karol zombou, dando um beijo em sua bochecha.

— Pára Karol - reclamou desvencilhando-se do abraço, secando uma das lágrimas que escorria.

— Tá sensível, tadinha. - a Manu entrou na brincadeira, fazendo com que a Gabi ficasse séria.

Elas permaneceram em silêncio, uma olhado para outra, como se entendessem o que cada uma sentia, a Manu abraçou a Gabi novamente e dessa vez o abraço pareceu mais intenso.

— Eu sinto muito. - a Manu falou com tristeza.

— Eu também. - a Gabi falou, enquanto algumas lágrimas escorriam de seus olhos.

— Ai gente. - a Karol - resmungona, como sempre - reclamou, meio manhosa - Eu também sinto muito, viu? Mas eu sei que mais do que eu, você sente também, e não quero ficar te lembrando disso. - falou enquanto via a Gabi chorar - Então vamos parar com essa choradeira? Temos muito o que conversar. - ela falou bastante animada, era meio difícil desanimar perto dela.

— Verdade. - Manu falou enquanto secava algumas lágrimas de seus olhos e em seguida dos olhos da Gabi - Viemos aqui pra te fazer companhia e.. - ela olhou para a porta do closet, onde eu estava - Ah, oi Lipe! Pensei que já tivesse ido embora. - sorriu alegre, vindo em minha direção e me abraçando.

— Oi loirinha. - a abracei com carinho - Estava com saudades.

— Eu também estava e bastante. - ela beijou minha bochecha.

— Minha vez! - a Karol falou enquanto me abraçava apertado - Senti saudades também.

— Eu também senti saudades suas, ogrinha. - falei brincalhão, chamando-a pelo apelido que ela odiava, fazendo com que ela revirasse os olhos.

— Ai. Meu. Deus. - a Manu falou quase gritando - Nós não atrapalhamos nada não, né? - ela falou olhando pra nós dois.

— Na verdade - olhei pra Gabi, rindo - atrapalhou sim. A Gabriella arregalou os olhos, vendo a cara de espanto que as meninas fizeram e segurando o riso - A gente tava se pegando ali no closet.

Elas automaticamente olharam para o closet, vendo algumas roupas jogadas no chão, e outras espalhadas por ele, por conta da arrumação que estávamos fazendo. Elas olharam pra Gabriella com cara de assustadas, a Karol principalmente. A Gabi soltou uma risada longa e as duas olharam confusas para ela.

— Como vocês são bobas, caem facinho na dele - riu - nós só estávamos arrumando as roupas da viagem. - esclareceu.

— Tá, mas... - a Karol falou, dando uma pausa, parecendo tentar entender.

— Estamos juntos. - a Gabi falou com firmeza, me fazendo sorrir.

— Juntos, mas tipo, juntos? - gesticulou, tentando explicar.

— Juntos, Karol - deu um risinho - estamos ficando sério. - ela me olhou sorrindo.

A Karol alternou o olhar entre eu e a Gabi diversas vezes, parecendo assimilar o que acontecia, mas ao meu ver, não era tão difícil assim.

— Eu sabia! - ela falou sorridente, toda entusiasmada - Sabia, sabia, sabia! - ela abraçou a Gabi, fazendo com que eu e a Manu dessemos risada - Tinha certeza que vocês ficariam juntos um dia.

Ela estava parecendo uma daquelas crianças que ganham o presente que mais queria.

— Viu, só você quem não sabia que nós ficaríamos juntos um dia. - olhei para a Gabi, rindo, que me mostrou a língua em retribuição.

— Você sabia, não é? - a Karol olhou para a Manu, cerrando os olhos - Porque ela sabia e eu não? - perguntou, indignada.

— Ninguém sabia. - a Gabi esclareceu - não que estávamos ficando sem esconder de ninguém. - ela me olhou, fazendo-me rir - mas acho que o Felipe contou para a Manu.

— Contou, e todo apaixonado ainda. - a Manu riu, fazendo-me ficar sem saber onde enfiar a cara.

A Karol sorriu, parecia realmente estar feliz com a novidade. Novidade da qual vinha me fazendo feliz a semanas. Sorri de canto para a Gabi, que me olhou com ternura, fazendo meu coração acelerar. Eu faria tudo por aquela baixinha!

— Bom, não queria interromper o lero, lero - brinquei - mas preciso ir embora.

— Mas já? - a Gabi falou manhosa.

— Tenho que ir, eu tenho uma casa, tenho pais que estão morrendo de saudades de mim... - falei a olhando - Eu sei que você também vai morrer de saudades, mas eu volto. - gabei-me, me aproximando dela e dando um selinho na mesma.

— Te amo. - sorriu, fazendo meu coração acelerar. 

— Eu também te amo. - dei um beijo em sua testa, indo em direção ao elevador, sorrindo feito bobo.


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Notas finais do capítulo

O Capítulo foi longo, eu sei, mas finalmente foi finalizado!



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