Acordei às quatro e meia da manhã, com uma Sophie preocupada sentada na ponta da cama.

– Oh, Josh! - Gemeu Sophie, ao colocar a mão na minha testa. - Você está ardendo em febre!

– Não importa. - Resmunguei.

– É claro que importa. - Retrucou a ruiva.

– Eu não vou tomar remédio. - Falei.

– Hã, é claro que não. Eu vou tirar o excesso de temperatura de você. - Disse ela, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Para mim não era. Sophie colocou a mão em minha testa e eu comecei a me sentir menos quente (não, não naquele sentido. O da temperatura. Ah, você me entendeu!). Quando ela tirou a mão, por fim; não senti mais a ardência em minhas bochechas.

– Obrigado. - Agradeci.

– Não foi nada. Agora vamos. - Ela me puxou da cama. Eu quase caí, mas felizmente meus reflexos são bons.

Me levantei e Sophie já saía pela porta. Se não fosse seu cabelo ruivo dar certo brilho laranja, eu nunca desconfiaria de que ela estava ali. Engoli em seco. Lorrie estivera ali a noite, não sei em que horas. E o sonho que ela me mostrara me assustara muito. Eu tinha consciência agora de porque Lorrie havia ficado estranha comigo tão de repente. Era perfeitamente normal. Ela me "vira" discutir com Ed, ele implorando para mim não matar a irmã dela. Uma criança de 7 anos não deveria ver tantas coisas. Isso era anormal. Ela era tão novinha, mas agia como se já tivesse visto de tudo. O que eu suspeitava ser verdade. Peguei a mochila que estava encima da poltrona e coloquei no ombro. Saí pela porta e fui até o corredor, em que Raffael discutia alguma coisa com Sophie. Peguei apenas uma parte da conversa.

– A barreira de proteção está completamente destruída. - Dizia o rei.

– Como? - Eu mal ouvi o que Sophie dizia, porque ela sussurrava.

– Eu não sei. Mas a proteção do Castelo caiu ontem, antes de você e Josh chegar aqui. - Falou Raffael.

– Ontem?! - Sophie pareceu exasperada. - Mas como o Exército da Lua não entrou aqui até agora?

– Não faço a mínima ideia. - Respondeu o rei. - Mas por ora, esqueça-se disso. Você e seus amigos devem encontrar o Sol, encontrar o feitiço para salvar Anne e trazê-la de volta, antes que ela vá para o Reino das Trevas.

– Mas e se ela já tiver chegado lá? - Argumentou Sophie.

– Deveremos torcer para que isso não aconteça. - O rei parecia aflito. Com o quê exatamente eu não sabia. Mas se Anne estava em perigo, eu queria ajudar. Mas eu ainda não entendia a missão à caminho do Palácio do Sol. Nem o feitiço que Raffael queria. Nem porque precisariam do feitiço para "salvar" Anne. Ela deveria ser salva por quê exatamente? Havia muita coisa errada. Eu dei um passo à frente para confrontá-los, porém Millena chegou até eles.

– Vamos indo? - Perguntou ela.

– Claro, só falta... - Sophie girou em seus calcanhares, e me encontrou. - Ah, ali está ele.

– Bom dia. - Falei, sem nada melhor para dizer.

Todos olharam para mim. Odeio quando fazem isso. Peguei trauma depois de namorar Jessie. Como ela era a mais popular do colégio, quando passávamos de mãos dadas, todos olhavam. As garotas suspiravam com olhares para mim, e os garotos olhavam Jessie como se ela fosse um pedaço de carne. Depois de tudo isso, ainda fiquei com Hellen, que era praticamente uma Jessie. De novo, olhares apaixonados, e olhares canibais. Aliás, não consigo entender porque as garotas olham para um casal com inveja. E também não entendo porque os garotos tratam tão mal as meninas. Ou as olham como se elas fossem sua próxima refeição. De qualquer jeito, meus amigos frequentemente me pressionavam para ficar com Anne, mas eu nunca dava ouvidos. Eu gostava dela, claro, mas se ela estivesse feliz, qualquer jeito serviria. Ela estava feliz? Eu também estaria.

– Olá. - Falou uma voz atrás de nós. Lorrie, com um vestido azul-celeste e os cabelos dourados preso em uma trança. Ela parecia bem mais disposta do que qualquer um de nós.

– Olá Lorrie. - Cumprimentou Millena. Lorrie apenas lançou um olhar ressentido para Millena, como se ela tivesse feito algo errado.

– Bom dia. - A princesa desejou. Ela passou por mim, sem nem olhar. Analisou Sophie e foi até o pai. Ela puxou a mão dele, que se inclinou para a menina cochichar no ouvido do pai. Raffael apenas balançou a cabeça, em sinal de concordância.

– Muito bem. - Disse o Rei por fim. - Lorrie, pode entregar o presente.

Lorrie correu até uma escrivaninha e voltou com três caixinhas. Entregou uma a mim, Sophie e Millena.

– Isso é o melhor que podemos fazer para ajudá-los. - Disse ela.

Abri a caixinha. Lá dentro continha uma corrente grossa, sem nenhum pingente. Sophie tinha uma pulseira dourada, encrustada em rubis. Millena tinha um anel com uma esmeralda lapidada.

– Cada um dos presentes indicam qual é a Dominação de vocês. - Explicou Raffael. - Josh, como não sabe ainda qual é a sua, vai ficar com a corrente vazia. Quando descobrir, o pingente aparecerá sozinho. Elas o protegerão. E se precisarem dominar no meio das Trevas, irão dar certo domínio. Mas façam de tudo para não parar no Castelo das Trevas. Nenhum Feiticeiro da Luz voltou vivo daquele lugar. Quem sabe os horrores que existem lá?

Raffael falava como se já tivesse ido lá. Eu não sabia se ele já havia ido, mas tentei parecer natural, e não como eu realmente estava. Ou seja, me borrando de medo.

– Não vamos fracassar. - Disse Millena, com convicção. Eu quase me assustei com o jeito que ela disse aquilo. Parecia que iria matar alguém.

– Muito bem. - Raffael parecia orgulhoso. - Guardas! - Homens surgiram de sei lá onde, e nos cercaram dos lados, como uma espécie de corredor. - Acompanhem o trio até os portões do Reino.

– Desculpe, mas para quê isso, senhor? - Perguntei. Sophie me deu um tapa no braço. Raffael sorriu, e olhou para Sophie, que tinha uma expressão de "ele não tem ideia do que está falando". Fiquei sem entender nada.

– Vamos indo. Obrigada, senhor. - Agradeceu Sophie.

– Adeus. - Disse Raffael.

– Adeus. - Falei. Sophie acenou com a cabeça e saiu andando. Millena deu um abraço no Rei e saiu também. Apertei a mão de Raffael e me inclinei para abraçar Lorrie. Ela pareceu surpresa. Sussurrei em seu ouvido.

– Eu não vou machucar Anne. Obrigado.

A princesa sorriu, contente. Saí andando e as garotas estavam esperando por mim nos portões do Palácio. Passamos pelos portões e quando abri os olhos novamente, estávamos emergindo da fonte no centro do Parque, que estava com uma forte neblina encobrindo o chão. A Lua brilhava no céu azul-marinho, deixando as Estrelas parecerem inúteis diante de tamanho poder que o astro emanava. Ouvi Millena bocejar, e Sophie parecer cansada. Eu também estava, mas a empolgação por ver o Sol me deixava mais ligado. Logo depois, uns quinze minutos depois, eu estava quase desmaiando de cansaço. Estávamos já fora do Vale da Luz, passando pela floresta.

– Vocês estão muito cansadas? - Perguntei. Não precisava de resposta, eu sabia que sim. Sophie me olhou, sarcástica. Millena parecia indignada, mas sorriu, triste.

– Sim, muito. - Respondeu a loira.

– Concordo. - Disse Sophie.

– Mas onde é que fica o Palácio do Sol? - Perguntei.

– Não diga a palavra com "S"! - Me repreendeu Sophie.

– Por quê não posso dizer Sol? - Assim que perguntei, me arrependi. Sombras nos cercaram, como barras de ferro de uma prisão.

– Ah, ótimo. Nem uma hora de caminhada e já somos atacados. - Reclamou Millena. - Obrigada Josh, por dizer o nome com "S" no meio de uma noite de Lua Cheia.

Eu estava paralisado de choque. Foi tão rápido quanto um piscar de olhos, e nós já estávamos presos. E só por dizer "Sol". A Lua era muito exagerada.

– Ótimo. - Uma voz feminina, que infelizmente reconheci, disse atrás de mim. - Mais sacrifícios para a Lua? Isso é maravilhoso.

Me virei. Jessie, minha ex-namorada estava ali, na frente das sombras.

– Você também é Feiticeira? - Indaguei.

– Mais ou menos. A Lua apareceu para mim ontem, dizendo que meus pais são Feiticeiros. Mas eu não tenho a Magia correndo no meu sangue. Foi por isso que me atiraram em um Orfanato qualquer. - Havia mágoa e raiva na voz dela. - E agora vou poder me vingar de Anne, aquela pirralhinha, que tirou você de mim!

– Você a conhece? - Sussurrou Sophie.

– Sim. Foi minha namorada, há uns 2 anos atrás. - Respondi. Sophie fez uma cara de desaprovação.

– Bem, da próxima vez que for trocar alguém por outro alguém, veja se a pessoa não tem algum parentesco com Feiticeiros. - Aconselhou Millena.

– Ei, naquela época eu não sabia que existia esse negócio de Magia. - Me defendi. Sophie e Millena se limitaram a rolar os olhos. Nós três olhamos para Jessie.

– Bem, preparem-se. Vocês vão para o oeste. - Disse a Jessie. - Não tentem nad...

Ela foi interrompida por Sophie, que deu um berro e colunas de fogo apareceram na frente das Sombras, fazendo-as se desintegrar. Millena aproveitou a deixa e ergueu as mãos, fazendo a terra se erguer. Ela levantou rochas e jogou nas Sombras restantes. Sophie cercou Jessie com um círculo de fogo, e Millena ergueu uma "cela" de terra, que prendeu Jessie. Mas Jessie agarrou o colar que estava em seu pescoço, idêntico ao de Anne, com um pingente de Lua Cheia, e desapareceu.

– Que droga! - Gritou Millena. - Ela fugiu.

– Você acha? - Sophie retrucou, irônica.

– E agora? - Perguntei.

– Agora continuamos. - Respondeu Millena rispidamente.

– Millena está certa. Precisamos encontrar o Sol. - Sophie rangia os dentes. - Precisamos seguir em frente.

– A Lua ainda está brilhando na noite, precisamos é esperar os primeiros raios de Sol para encontrá-lo. - Argumentei. Sophie pensou por um momento em minhas palavras, enquanto Millena erguia um pedaço de rocha e se sentava nela.

– Vocês não entendem? - Questionou a loira. - Nossa sorte não durará muito. Logo vai acabar e nós seremos pegos. Temos que encontrar o Palácio do Sol o mais rápido possível.