Um silêncio mortal paira no ar, enquanto as duas mulheres se olham, o ódio explícito que uma sente pela outra. De forma disfarçada, Richelle olha em volta do túnel e percebe que os mafiosos cercaram todo o local, de forma que ela não teria como escapar dali mesmo se quisesse.

O olhar de Kammi é confiante, e o ódio que ela sente é visível, pois seus olhos castanhos brilham, um brilho que deixa bem claro que ela não irá parar enquanto não tiver destruído Richelle completamente! Enquanto não tiver acabado com a vida da mulher!

Richelle sorri, um sorriso que mostra um pouco de medo. O medo que sente dos mafiosos a quem Kammi se aliou, como também o medo da própria Kammi, pois ela não é boba e, sabe que esta mulher à sua frente não é, nem de longe, a garotinha assustada que ela conseguira enganar e condenar tantos anos atrás.

Esta Kammi é uma das pessoas mais perigosas que já conheceu e, seria burra se não reconhecesse isso. Essa Kammi, está jogando um jogo para lá de perigoso, em que somente uma das duas irá sobreviver e, está disposta a fazer de tudo para que ela seja a vencedora!

Com toda a sua coragem, encara Kammi nos olhos e sorri com uma confiança que está longe de sentir.

― Precisava de todo esse teatrinho só para encontrar comigo, querida? – questiona Richelle, com um sorriso sarcástico.

― Se fala do meu pessoal, é só ter certeza de que você não vai se acovardar e fugir, querida. Não tenho medo de você, não sou mais aquela garota ingênua de vinte anos atrás. Aquela que você enganou morreu há muito tempo.

― Se você pensa que eu também tenho medo de você, porque se aliou a um mafioso, está redondamente enganada! Você não me assusta, queridinha!

― É mesmo? – a voz de Kammi é pura ironia – Pois não é o que parece, Richelle, seu corpo está trêmulo desde o momento em que você me viu!

― Você apenas me pegou desprevenida! Pode estar aliada a gente poderosa agora, mas não passa de uma mulherzinha com sede de vingança! Quem vive de passado é museu, queridinha, vá viver sua vida e me esquece! Caso contrário, posso te mandar para a cadeia de novo, como fiz vinte anos atrás!

― Tente! – ameaça Kammi – Porque eu duvido que você vá conseguir! Eu já disse, não sou mais aquela tonta de vinte anos atrás! Você não tem prova nenhuma contra mim! Vai fazer o que, Richelle? Achar alguém com quem eu me importo para matar e me fazer pegar a arma do crime? Me desculpe, queridinha, mas eu não caio no mesmo truque duas vezes!

― Existem outras formas de te tirar do meu caminho!

― É mesmo? Me diga uma delas? Porque eu estou muito curiosa!

― Eu tenho algo com o que você se importa, esqueceu?

A simples menção a filha faz com que o sorriso no rosto de Kammi suma por um instante. Mas, a mulher logo se recupera e volta a sorrir da mesma forma. Richelle não vai sair por cima novamente! Nunca mais!

Vendo que conseguiu exatamente o que queria, Richelle sorri de forma cruel para Kammi antes de dizer:

― O que foi, Kammi? Toquei no seu ponto fraco? Ainda se sente a mamãe injustiçada que teve a filhinha arrancada dos seus braços? Não perdeu grande coisa querida! A Belinda foi uma criança incrivelmente chata, só podia ser sua filha mesmo! Nem parece ser filha do Mark, que era um homem maravilhoso, pelo menos até me trocar por você!

― Como se atreve a falar assim da minha filha?

― Sua filha? Faça-me o favor! Você só gerou a Belinda com o homem que devia ter sido meu! E agora fica aí, bancando a mulher ofendida que quer se vingar! Eu criei a chata da Belinda durante esses vinte anos só para te provocar daquela vez, se é isso que quer saber! Não imaginava que um dia fosse sair daquela prisão na qual eu te joguei, minha cara Kammi, mas, caso o fizesse e viesse me procurar, poderia jogar na sua cara que a sua filhinha me chama de mamãe!

Por mais que a raiva esteja lhe consumindo ao ouvir as palavras de Richelle, Kammi não consegue deixar de sorrir, pois, esta maldita mulher está tornando as coisas fáceis demais! Richelle nem imagina o tamanho do jogo em que ela está metida! Ela nem imagina tudo o que o Alcir é capaz de fazer!

― Por que está rindo? – quer saber Richelle – Não lhe incomoda o fato de sua filha me chamar de mamãe?

― Mais do que você imagina, Richelle. Eu amei a Belinda desde o dia em que descobri que ela estava em meu ventre! Você pode ter me roubado a filha, mas jamais o amor que sinto por ela! Durante estes vinte anos que passei na prisão injustamente, enquanto a verdadeira assassina ficava em liberdade, eu jamais a esqueci, em nenhum minuto sequer. Não havia um dia em que eu não me lembrava da forma cruel em que Belinda foi arrancada dos meus braços.

― Nossa Kammi, eu vou chorar com toda esta sua declaração melodramática! – a voz de Richelle é pura ironia – O que quer que eu faça em seguida? Peça perdão por eu ter conseguido tirar a sua filhinha enquanto você apodrecia na cadeia?

A cada palavra dita por Richelle, o sorriso de Kammi aumenta em seu rosto.

“Isto, continue falando, sua desgraçada! Quanto mais você falar, melhor!”

Até aqui, o plano de Alcir tem funcionado muito bem e Richelle está tão nervosa que está falando tudo, sem nem pensar duas vezes. Ela nem imagina a agradável surpresa que a está esperando!

Agradável pelo menos para ela, porque para Richelle será totalmente o oposto, totalmente o contrário! Para ela, para a mulher que acabou com sua vida e lhe tirou tudo, este será o começo do fim!

A ruína de Richelle começa agora!

Richelle simplesmente não consegue entender o motivo de Kammi estar rindo tanto. Não depois de tê-la insultado de todas as formas e pior, ter insultado à cata da filha dela.

― Do que está rindo, sua idiota? – quer saber Richelle – Qual é a graça?

― Você é a graça, queridinha. – responde Kammi, sem deixar de sorrir – Pode insultar a mim e a minha filha o quanto quiser! Não tenho medo de você, e, se você fosse esperta, teria medo de mim! Sua ruína começou, minha cara!

― Não vai fazer nada contra mim enquanto eu tiver a sua filha!

Ouvir essas palavras faz com que Kammi gargalhe alto.

― Por que você continua a rir desse jeito? – a voz de Richelle é furiosa – Acaso ficou louca?

Propositalmente, Kammi olha para o fim do túnel onde, um carro com vidros insul filme e os pneus furados está parado. Richelle entende o sinal e seu rosto fica pálido como o de um fantasma, o que só faz com que Kammi ria ainda mais.

Richelle corre até o carro e abre a porta de trás, para encontrar Belinda soluçando de tanto chorar, abraçada a uma mulher que ela vira na noite do leilão em que reencontrara Kammi.

No mesmo instante, a palidez no rosto de Richelle se transforma em ódio e, a mulher não pensa em mais nada, avança com tudo na direção de Kammi, querendo tirar esse sorriso do rosto dela de qualquer jeito.

― DESGRAÇADA EU VOU ACABAR COM VOCÊ!!!

Mas, Richelle não consegue chegar a meio metro de distância de Kammi, pois, dois mafiosos a seguram com força, impedindo que ela se mecha e, Alcir se coloca de forma ameaçadora na frente dela:

― Ninguém ameaça a minha bela noiva e saí impune, madame! – a voz de Alcir é uma clara ameaça – Está ouvindo? Estou dando o recado. Da próxima vez que se atrever a ameaçar a minha noiva, pagará caro e sim, madame, isso é uma ameaça!

Alcir faz sinal e seus dois homens soltam Richelle, em seguida, com outro sinal, o mafioso libera as ruas e, Richelle entra no carro, e, acelera com tudo, querendo mais do que qualquer outra coisa, sair dali.

Após este explosivo encontro, Kammi respira aliviada e olha para o carro parado a frente, onde sua filha ouvira toda aquela conversa com aquela mulher, mas, sabe que não é hora para isso. Belinda acabou de saber a verdade da pior forma possível.

― Vamos, Alcir. – fala Kammi, a voz cansada – Não quero ficar neste lugar nem mais um minuto sequer.

*****

Belinda chora desesperada nos braços de Melody, que, embora não tenha nenhum instinto para isso, acaba tendo que consolar aquela Kammi em escala mais nova. A menina chora de forma compulsiva e, não sabe porque, mas ver Belinda chorando assim faz com que se lembre de quando conheceu Kammi, vinte anos atrás. Kammi era uma gatinha assustada e chorava como a filha dela chora agora.

O plano fora um sucesso e agora Belinda sabe o verdadeiro caráter de Richelle, resta agora dar tempo ao tempo e saber se ela irá querer procurar a mãe verdadeira.

― Belinda... – Melody tenta dizer qualquer coisa.

― Por favor, Melody...! Eu não quero ouvir nada...! Já ouvi demais...! Já ouvi demais...!

Melody volta a abraçar a jovem, que continua a chorar de forma descompassada. Depois, precisará dizer a Kammi que terá de ter paciência com ela, pois, não será fácil para essa jovem aceitar a verdade que lhe foi revelada de forma tão inesperada! Durante um jogo em que duas mulheres disseram coisas que há vinte anos estavam engasgadas em suas gargantas!

― Vai ficar tudo bem, querida! – fala Melody, tentando acalmar a filha de sua amiga.

― Não vai não...! – a voz de Belinda é puro desespero – Aquelas duas mulheres são monstros! Não são pessoas! São monstros!

― Belinda...!

― Por favor, me deixe sozinha...! Eu quero ficar sozinha...!

E, dizendo isto, Belinda deixa o carro e, começa andar sozinha, saindo do viaduto, agora sem qualquer sinal de pessoas e andando sem destino pelas ruas da cidade.

*****

Alcir entra com Kammi no apartamento dela e, em silêncio, acompanha Kammi até o quarto, deitando-a na cama com uma delicadeza que lhe é estranha. Tira os sapatos de Kammi para que ela fique mais à vontade e fecha as janelas para que o quarto fique escuro para que ela durma.

Sabia que este encontro seria um desgaste emocional muito grande para sua bela Kammi, porém, era necessário, para que o clone de olhos claros de sua noiva soubesse pela própria boca da mulher que a criou quem ela é realmente.

A sua bela Kammi, restará ter paciência pois, a hora dela irá chegar. Tem a certeza absoluta de que, após a menina Belinda se refazer do choque, vai cair em si e ver que a verdadeira vilã da história é Richelle, e que Kammi é uma mulher amargurada que só quer de volta o que a vida injustamente lhe roubou.

Mas, no que depender dele, ela terá tudo de volta! Com juros e correção monetária! Dará a sua bela Kammi tudo o que ela quiser e, iniciara um perigoso jogo para devolver a ela o que ela mais quer: a filha Belinda!

Avisara a Kammi que esse seria um jogo extremamente perigoso e que Belinda não iria aceitar logo de cara a verdade, que a menina precisaria de um tempo para digerir tudo isso.

Kammi aceitara, assim como aceitara todos os riscos do jogo e este primeiro passo, é o mais difícil. Imagina que o que Kammi mais queira no momento é abraças a filha, mas, ela terá que ter paciência. Quando se joga, ganha aquele que sabe ter as melhores estratégias e a paciência de se saber fazer a jogada na melhor oportunidade.

Ele é um bom e experiente jogador, e, nunca em sua vida perdeu um jogo e, não será agora que vai começar a perder! E esse jogo, só estará terminado quando Richelle estiver morta e Kammi for a única vencedora!

*****

Richelle dirige de forma desesperada pelas ruas da cidade, totalmente furiosa por ter caído tão facilmente na armadilha da maldita da Kammi! Como fora tola! É claro que aquela maldita mulher tinha tudo muito bem planejado! Ela é quem fora a idiota em cair nas claras provocações daquela maldita mulher!

Se alguém tem culpa por ter falado demais e Belinda ter escutado tudo, este alguém é ela, Richelle, e ninguém mais!

Mas, Kammi irá pagar por isso! E vai pagar caro!

Ainda com raiva, Richelle estaciona o carro, pega seu celular e liga para o número da única pessoa em quem pode confiar neste momento. Ao terceiro toque, uma voz conhecida atende e, ela não perde tempo e vai logo dizendo:

― Sebastian, eu preciso te ver agora! É urgente! Deixe tudo o que você está fazendo e venha me encontrar!

Ela ouve a resposta de Sebastian e sorri aliviada. Por sorte, o homem não demorará a chegar e então poderá contar a ele tudo o que aconteceu e exigir que ele conte qual é o grande plano dele, que irá acabar com a Kammi de uma vez por todas. Seja lá o que for que ele esteja pensando, é hora de colocar em prática!

Enquanto espera Sebastian, continua dentro do carro, não dá para negar que está com medo de, por ventura, ter sido seguida por um dos mafiosos que trabalham para o noivo daquela desgraçada da Kammi, e, embora tenha olhado meia dúzia de vezes para todos os lados, para verificar e ter a certeza de que não estava sendo seguida, nunca se sabe. Ainda mais se tratando de um homem tão perigoso como aquele que a desgraçada arranjou como noivo.

No momento em que ele claramente a ameaçou, sentiu medo, como nunca antes havia sentido na vida. Não é burra e sabe que aquele mafioso é o tipo de homem que não se deve enfrentar e, ele deixou claro que ela será uma mulher morta se, por um acaso, ela se atrever a chegar perto da Kammi. Porém, ela também sabe que morrerá pelas mãos da maldita da Kammi se não fizer nada e, não é covarde a ponto de se deixar intimidar!

Se Kammi quer guerra, é guerra que ela terá!

Está chegando o momento de colocar um ponto final definitivo nisto tudo!

*****

Laureen simplesmente não consegue acreditar que Kammi seja tão inocente quanto ela quer se fazer passar. Seu instinto de advogada lhe diz que tem muito mais nesta história do que a prima quer deixar transparecer.

Tomara uma decisão e, nada e nem ninguém vai fazer com que mude de ideia. A partir de amanhã, vai começar a seguir Kammi para tentar descobrir o que a prima anda escondendo, porque, de uma coisa, ela tem certeza, e esta coisa é de que Kammi está escondendo alguma coisa desde que saiu da prisão.

E ela está disposta a descobrir o que a prima está escondendo! Leve o tempo que levar!

*****

Para Richelle, os minutos parecem demorar uma eternidade e, exatamente uma hora depois que desligara o telefone, Sebastian estaciona o carro dele ao lado do seu, abre a porta do passageiro e faz sinal para que ela desça de seu próprio carro e entre no dele.

Sem pensar duas vezes, a mulher desce apressadamente de seu carro e entra no de Sebastian e, quando o homem tenta lhe cumprimentar com um beijo, ela imediatamente vira o rosto, evitando propositalmente o cumprimento de seu melhor e mais cínico amigo.

― Que cara de quem comeu e não gostou é essa, Richelle?

― Até onde eu sei, nasci com essa ara, idiota. – responde Richelle, com cara de bem poucos amigos.

― O que houve que a deixou de tão mal humor? Não, espera, deixe-me adivinhar, foi a tal da Kammi de novo.

― Quem mais, idiota? Ela está tornando a minha vida um inferno! E pior, pode me matar a qualquer instante! E além de tudo, me fez falar em alto e bom tom tudo o que penso da Belinda, e, a filhinha dela estava ouvindo, lá se foi o meu último trunfo contra aquela maldita mulher!

― Então é por isso que está tão nervosa?

― E por que mais seria? A chata da Belinda era meu trunfo para manter a Kammi longe de mim e minha garantia de que ela não me faria nenhum mal. Agora graças a maldita Kammi e aquele bando de mafiosos dela o meu trunfo não vai querer me ver nem pintada de ouro e eu serie um alvo fácil para a desgraçada da Kammi!

Sebastian encara Richelle e apenas ri cinicamente para ela, do jeito que somente ele é capaz de fazer. Sua amiga está tão tomada pela raiva que, esqueceu-se completamente de que tinha dito que tinha um plano para tirar a tal de Kammi de suas vidas de uma vez por todas.

E, seus planos são tão eficientes que dificilmente falham. Aliás, a única vez que um plano seu falhou foi quando teve a ideia de contratar um mafioso para acabar com a vida da tal Kammi, pois, ele não tinha como imaginar que a “amiguinha” de Richelle era noiva do homem mais perigoso da cidade. Tem que confessar, a tal Kammi sabe encontrar aliados poderosos e, tem sorte dela não saber que ele existe, caso contrário, ele também estaria na listinha de pessoas para morrer da tal de Kammi.

― Minha cara Richelle, você está com tanta raiva que se esqueceu de um pequeno detalhe.

― E que detalhe seria esse?

― Eu tenho um plano!

― Espero sinceramente que este seu plano seja melhor do que o de contratar um mafioso para acabar com a vida da Kammi.

― Não seja mal agradecida, Richelle. Afinal você sabe tão bem quanto eu que, eu não tinha como imaginar que a sua “amiguinha” era noiva do maior figurão do submundo.

Nisso, Richelle é obrigada a concordar que ele tem razão.

― E então, qual seu plano para acabarmos de uma vez por todas com a desgraçada da Kammi? – pergunta a mulher.

― Lembra quando eu disse que agradecia imensamente por você não ser uma mulher apegada a família, Richelle querida?

― Sim, e daí?

― Não entendo como você ainda não percebeu o óbvio, querida.

― O que quer dizer com isso?

― Quero dizer que a tal Kammi é exatamente o contrário de você. Ela se importa com a Belinda, é sangue do sangue dela! E o que nós vamos fazer é simples, vamos sequestrar a Belinda e atrair a Kammi para uma armadilha e matá-la, e aí acaba o jogo!