The Big Four escrita por Viic Martins


Capítulo 4
Capítulo 4




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Não foi fácil convencer minha mãe a me deixar levar Soluço de carro para a sua casa, tive que prometer que voltaria em meia hora, e mesmo assim ela ficou resmungando. Não é fácil entrar em um acordo com a minha mãe quando eu tenho que sair de carro à noite e ir para o bairro perigoso que era o de Soluço. Mas minha mãe sabia que de ônibus as possibilidades de ele ser assaltado ou alguma coisa do tipo acontecer eram maiores, então ela teve de ceder.

Soluço passou a viajem inteira falando de como foi difícil passar tanto tempo longe de sua amada, e como passou mais tempo ainda para perceber o que realmente sentia por ela, e como vai passar ainda mais tempo para ele ter coragem de contar o segredo de seu pai. E eu fiquei calada ouvindo o que aquele garoto tagarelava, ele não parava de falar um minuto, exceto quando tomava folego para falar mais e mais. Se não fosse uma amigona mesmo mandaria ele calar a boca e dizer logo o que sentia para Merida, mas como eu sou...

Quando estacionei na frente da casa de Soluço eu o vi. Ele estava sentado na calçada com uma jaqueta azul, calças marrons e descalço, estava olhando para a lua. Jack Overland. Tinha uma coisa diferente nele, ele não parecia aquele garoto rebelde que estava na aula de história, seu olhar melancólico para a lua mudava tudo, ele parecia... frio.

– Aquele é Jack Overland, não é? – perguntei para Soluço já sabendo a resposta.

– Sim, ele se mudou para aquela casa velha faz uma semana. – disse Soluço sem se importar muito.

Aproveitei o tempo que Soluço pegava seus pertences para observar Jack enquanto ele parecia ter uma conversa mental profunda e importante com a lua. Ele não parecia o tipo de garoto que desabafa seus pensamentos com a lua, mas por algum motivo eu não estava surpresa.

E então, no momento em que eu estava mais concentrada, Jack desvia sua visão da lua para a minha e nossos olhares se chocam fazendo um calafrio atravessar minha espinha. Ele me pegou no flagrante. Os cantos de sua boca se curvam vagarosamente para cima formando um sorriso preguiçoso. Quem diria, ele gesticula com a boca. Volto meu olhar para Soluço para tentar disfarçar meu desconforto.

– Hum... Você quer que eu te leve pra aula amanhã? – perguntei.

– Talvez.

– A Merida vem também.

– Aceito!

Dei uma risada curta e saímos do carro. Percebi que Jack não estava mais sentado na calçada, ele estava dando passos leves e vagarosos na nossa direção.

– Hey Soluço. – chamou Jack, me ignorando.

– Jack. – os dois fizeram aquele bate-soco que todos os garotos fazem. Me surpreendi, não sabia que já eram amigos. – Estou esgotado, cara, vou entrar. Boa noite.

– Boa noite. – disse Jack. Soluço entrou em sua casa e mandou um tchauzinho para nós dois. Senti que Jack estava me encarando e olhei para ele. É, ele estava encarando. – Rapunzel, não sabia que era amiga de Soluço.

– Pois é, somos velhos amigos. – felei em um tom casual.

– Só amigos? Não há algo mais?

Me assustei com a pergunta. Soluço e eu somos amigos desde a primeira série, nós crescemos juntos, somos quase como irmãos. Eu amava Soluço, sim, mas como um irmão. Namorados era a última coisa que seríamos.

– Não! Não, somos amigos mesmo, quase irmãos. – afirmei.

Os lábios de Jack se curvaram em um sorriso.

– Que bom. Não seria legal da minha parte roubar a garota dele.

Droga, ele estava fazendo de novo. Dei dois passos para trás enquanto seus olhos glaciais me seguiam. Eu deveria falar com ele sobre isso depois da aula de amanhã, mas isso iria acabar hoje, ele já estava passando dos limites.

– Jack, pelo bem dos nossos trabalhos escolares, como colegas...

– Não quero ser só seu colega. – disse ele me interrompendo.

– Como amigos...

– Não quero ser só seu amigo. – ele me interrompe de novo.

– Mas pensei que fosse essa relação que quisesse entre nós, amizade. Você deixou isso bem claro na aula passada.

– Há uma porção de relações que podem complementar a amizade, e eu gostaria de utiliza-las com você.

Senti meu rosto ficando vermelho. Eu não estava acostumada com aquele tipo de atenção, e Jack estava piorando tudo. Ele tinha que parar ou eu ficaria com uma cara vermelha igual a um tomate pelo resto da vida. Tirando que Soluço e Merida ficariam gozando de mim até seus últimos dias de vida.

– Você tem que parar com isso! Está me deixando envergonhada e sem jeito. Seria muito pedir para você me tratar como uma pessoa normal só por um segundo?

– Mas você não é uma pessoa normal, você é especial.

Respirei fundo.

– Você pode pelo menos parar de olhar pra mim assim?

– Assim como?

– Assim... como se soubesse tudo sobre mim.

Jack olhou para baixo, seu sorriso se alargou e eu pude ver seus dentes brancos como a neve. Depois seus olhos subiram e se encontraram como os meus, e eu senti que ele tinha algo escondido.

– Tudo bem, eu prometo que vou tentar.

– É. E pare de dar em cima de mim. – falei, andando até o meu carro – É constrangedor.

Ele andou até mim e se recostou na porta do carro, me impedindo de abri-la.

– Me desculpe, mas isso eu não posso prometer. – disse ele chegando perto – Estou interessado demais. – ele chegou tão perto que eu pude sentir seu cheiro, não era perfume, era um cheiro forte e frio que queimava minhas narinas, tão frio que quando soltei minha respiração uma fumaça branca saiu de minha boca – Alguém alguma vez já te disse que você fica linda á luz do luar?

Não respondi, eu era incapaz de responder. Estava hipnotizada pelo azul glacial de seus olhos. Quanto mais ele chegava perto mais ficava frio. Jack era uma cabeça mais alto que eu, então ele tinha que se curvar para baixo se quisesse ficar cara a cara comigo. Meu rosto estava totalmente vermelho pela aproximação, e Jack se divertia com isso. Ele adorava me deixar sem jeito.

Pelo canto do olho vi uma silhueta masculina na frente da casa de Jack. Nós dois nos viramos e o vimos, sua sombra era tão negra que eu não conseguia ver seu rosto, apenas seu cabelo formalmente penteado para trás. Ele estava de pé em uma postura elegante com as mãos cruzadas, mas, pela escuridão, eu não conseguia distinguir se eram para frente ou nas costas. O homem deu um pequeno aceno e eu olhei de relance para Jack.

A mandíbula de Jack estava tensa e seus olhos não estavam mais brincalhões como a alguns segundos atrás, estavam frios novamente. Ele ainda encarava o homem, mas se virou para mim.

– Boa noite, Rapunzel. – ele se afastou de mim e sussurrou: – Cuidado no caminho para casa. – depois foi embora.

Jack caminhou em passos pesados até sua casa e entrou rapidamente sem ao menos dar uma última olhada para trás. Minha intuição dizia que aquele homem tinha deixado Jack daquela forma, tenso e nervoso, ele devia ser o pai de Jack. Queria vê-lo, queria ver a forma de seu rosto, mas a escuridão impedia. Dei um tchauzinho para o homem e ele deu um leve aceno com a cabeça, se virou e fechou a porta.

Eu fiquei parada encarando a escuridão da rua. A casa de Jack parecia exalar frio e medo, e me lembrava um filme de terror. Suas paredes eram gastas e as janelas eram bloqueadas com cortinas rasgadas, contando que olhando de um angulo frontal parecia que a estrutura era caída para o lado.

Me virei rapidamente me lembrando que deveria voltar logo para casa se não quisesse ganhar um sermão bem dado de minha mãe. Abri a porta, entrei e liguei o carro. Depois de dar uma última olhada para a casa sombria de Jack e seu pai, arranquei o carro dali antes que ficasse com medo demais para voltar. Ou antes que Jack voltasse para falar comigo.

Atravessei a cidade dirigindo e já estava na estrada de minha casa, faltavam alguns quilômetros para eu chegar. A rua estava totalmente vazia, não vira um ser vivo desde que saíra da casa de Soluço, e isso me deixa um tanto nervosa. O que me deixou mais nervosa foi quando achei que tivesse visto algo se mexer nas árvores ao lado da pista. Da primeira vez eu achei que era apenas minha imaginação, mas da segunda, meu coração começou a bater desesperadamente rápido.

Uma terceira vez e foi quando eu vi a fumaça negra, a mesma que vira no telhado quando estava na janela do quarto, pisei no acelerador tentando despistar alguma coisa que não sabia. Na quarta, uma onda gigante de fumaça praticamente inundou a pista e começou a vir na minha direção, fiquei paralisada, a única coisa que pude fazer foi cobrir minha cabeça com os braços enquanto a onda se chocava contra o carro causando um grande e brusco empurrão, tão forte que por um momento fiquei zonza.

Pisei no freio e olhei para frente, mas não havia nada. Achei que o que quer que tinha visto, já tinha ido embora, mas estava enganada. Em um segundo, um punho de fumaça negra socou o vidro do carro, quebrando-o. Pequenos pedaços de vidro voaram para cima de mim, alguns atingindo meu rosto fazendo pequenos cortes. Senti as lagrimas descerem pelo meu rosto enquanto um grito fino saia de meus lábios. Olhei para o lado e a fumaça estava mudando de forma, estava se transformando em um humano. Uma risada maldosa e rouca ecoou na estrada. Não pensei duas vezes em sair rápido dali.

O carro cantou pneu quando meu pé desceu no acelerador. Olhei uma ultima vez para o local onde a fumaça negra estava, mas não tinha nada. Me virei para frente e continuei dirigindo. Tentei respirar normalmente e acalmar meu coração enquanto pensava no que tinha acabado de ver. Fumaça não faz aquele tipo de coisa, fumaça nem ao menos machuca, como poderia explicar que um punho de fumaça havia quebrado o vidro do para-brisa do carro. Mas meu maior medo agora era como explicar para a mamãe.

Quando estacionei na garagem, sai correndo para trancar o portão. Depois voltei e abri vagarosamente a porta e olhei para dentro de casa. Tudo escuro. Passei pela sala e a cozinha sem encontrar ninguém, quando subi para olhar o quarto de minha mãe, lá estava ela, dormindo. Ela devia estar muito cansada, mas eu sabia que iria brigar muito comigo quando acordasse, então decidi apenas descansar e tentar esquecer aquela história.

Entrei no meu quarto e me joguei na cama, cansada demais para tirar a roupa, antes de adormecer, um pensamento entrou em minha mente.

Cuidado no caminho para casa, dissera Jack.


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