Crônicas Do Olimpo - O Último Olimpiano escrita por Laís Bohrer


Capítulo 8
Trauma! Uma velha amiga me dá conselhos...




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Eu poderia simplesmente poderia definir uma viajem nas sombras como "Fantástico", mas era uma palavra fraca demais. Vejamos, você se desloca tão rápido que dá a impressão de que a pele do seu rosto vai se soltar e ficar para trás e essa... Estranhamente, eu nunca pensara que poderia ser uma sensação tão boa!

Num minuto, eu não conseguia ver nada. Só conseguia sentir o pelo da Sra O’Leary e meus dedos entrelaçados nos fios de bronze de sua coleira No minuto seguinte, as sombras transformaram-se em uma imagem nova.

Estrelas revestiam o céu, eu conseguia ver a constelação da caçadora - um tributo para uma velha amiga. - dali aonde eu estava, nos bosques de um penhasco em Connecticut. Bem, pelo menos me parecia ser Connecticut, eu já havia ido lá para um missão uma vez junto com Jake e Benjamin. Um ataque de um drakon filhote e acredite em mim, depois de ver um Drakon filhote, desejo nunca ver um adulto.

Sob um dos lados do penhasco, uma estrada surgia por entre um desfiladeiro. Sob outro lado tinha o jardim de alguém. A propriedade era grande – mais mato do que grama. Era uma casa branca dois andares colonial. Mesmo a propriedade sendo do outro lado da colina da estrada, era como se a casa estivesse no meio do nada. Eu conseguia ver a luz brilhando pela janela da cozinha. Um velho balanço pendia abaixo de uma macieira gemendo de modo metálico. A pouca presença no lugar tornava-o um poco macabro, eu não me surpreenderia se fantasmas começassem a brotar do chão.

Mas se aquela era a casa de Luke, eu me perguntava o motivo real dele ter fugido. 

Senhora O’Leary cambaleou. Eu me lembrava do que Nico havia dito sobre as viagens pelas sombras cansá-la, então eu desci de suas costas. Ela bocejou, mostrando grandes dentes que botariam medo até em um T-rex, depois rodou em um círculo e deitou tão forte que o chão tremeu.

Eu cocei sua cabeça.

- Você mandou bem, garota. - murmurei.

No instante seguinte, Nico surgiu ao meu lado, como se as sombras tivessem escurecido e criado ele. Ele cambaleou, mas eu o segurei pelo braço.

- Nico, você...

- Estou bem... Pode deixar. - disse ele, mas quando eu o soltei ele quase caiu. - Estou bem... Estou...

- Como fez aquilo? - perguntei.

– Prática. Umas poucas corridas pelas paredes. Poucas viagens acidentais para a China e o fato de ser filho de Hades ajuda também... - disse ele.

Senhora O’Leary começou a roncar. Se não fosse pelo barulho do tráfego atrás de nós, tenho certeza que ela teria acordado toda vizinhança.

– Você não vai cochilar também, não vai? – eu perguntei a Nico.

Ele balançou sua cabeça.

– A primeira vez em que viajei pelas sombras, eu dormi por uma semana. Agora ela só me deixa um pouco sonolento, mas só posso viajar uma ou duas vezes por noite. A Sra O’Leary não vai a lugar algum por enquanto.

– Então acho melhor aproveitarmos nosso tempo aqui. – Eu olhei para casa branca colonial. – E agora? O que fazemos?

– Tocamos a campainha – Nico disse.

Se eu fosse a mãe de Luke, não teria aberto a porta no meio da noite para duas crianças estranhas, ou talvez eu não queria que ela abrisse. A Medida que nós nos aproximávamos da casa, mais eu me sentia hesitante. 

A calçada era rodeada por aqueles bichinhos de pelúcia que você vê em lojas de presente. Havia miniaturas de leões, porcos, dragões, hidras, até mesmo um pequeno Minotauro, enrolado em uma fralda de Minotauro. Em razão das condições em que ele estava, a criaturazinha devia de estar sentada ali já há um longo tempo – desde que a neve derreteu com a chegada da primavera, pelo menos. Aquilo ali era um paraíso "Octaviano".

Uma das hidras tinha uma arvorezinha nascendo por entre seu pescoço. A frente da varanda era cheia de mensageiros dos ventos. Pedaços de vidros brilhantes e metal tilintavam com a brisa. Fios de cobre soavam como a água e não sei como a Sra. Castellan conseguia suportar esse barulho sempre.

Eu e Nico paramos em frente a porta. 

- Pronta? - perguntou-me o filho de Hades.

- Não tenho opção mesmo...  - resmunguei.

A porta da frente era pintada de turquesa. O nome CASTELLAN estava escrito em inglês, e abaixo em Grego: Δτοικήτής φρούρίον.

Antes mesmo de Nico tocar na porta, a mesma foi escancarada me fazendo dar um pulinho de susto.

– Luke! – a senhora choramingou feliz e deu um abraço de urso em Nico.

Seu cabelo branco estava em tufos em pé por sua cabeça. Seu avental rosa tinha marcas de queimado e manchas de cinzas. Quando ela sorria, seu rosto parecia ser esticado de um jeito não natural, e a luz forte em seus olhos me fez perguntar se ela era cega.

Quer dizer, eu estava meio assustada, Podemos dizer que uma vida inteira lutando contra monstros e quase morrendo em missões, mas isso não me preparava para o fato de encarar uma senhora que parecia o tipo de pessoa que adorava enfiar o dedo em tomadas.

– Oh, meu menininho! – Ela abraçou Nico. Eu estava tentando entender por que ela pensava que Nico era Luke (eles não tinham nada a ver, qual é... Nico é muito mais bonito.) 

Quando ela o soltou, me encarou por um menino e me abraçou.

- Luke! - repetiu.

Ok, agora eu estava realmente assustada.

Ela cheirava a biscoitos queimados. Ela era tão magra quanto um espantalho, mas isso não a impediu de quase me esmagar e me levantar no ar. Eu olhei para o Nico pedindo ajuda. Mas antes que ele abrisse a boca, repentinamente ela me soltou, eu ajeitei o cabelo e ela sorriu para nós.

- Oh, seu almoço está pronto! - disse ela com um sorriso.

Ela praticamente nos empurrou pra dentro. A sala era mais estranha do que o jardim. Espelhos e velas ocupavam cada lugar vazio. Eu não podia olhar pra lugar algum sem ver meu reflexo. Acima da lareira, um pequeno Hermes pendia do segundo ponteiro de um relógio. Eu tentei imaginar o deus mensageiro se apaixonando por essa senhora, mas a ideia era muito bizarra, cara... Mas algo me dizia que ela não havia sido sempre assim.

Então eu notei uma porta retrato na lareira, e congelei. Nunca havia visto a foto de Luke mais novo, ele deveria estar por volta dos nove anos, com cabelo loiro e um grande sorriso sem dois dentes. A falta da cicatriz em seu rosto o fez parecer como uma pessoa diferente – descontraído e feliz.

- Por aqui, meu filho. - a senhora me puxou pelo ombro até os fundos da casa. - Eu disse pra eles que você voltaria. Eu sabia!

Ela nos sentou na mesa da cozinha. Empilhado no balcão, havia centenas – eu digo centenas mesmo – de vasilhas com sanduíches de pasta de amendoim e geleia. Os do fundo eram verdes e embolorados como se eles tivessem lá há muito tempo. O cheiro me lembrava do meu armário da sexta série – e isso não era muito bom.

Em cima do fogão havia formas de biscoitos. Cada uma tinha dúzias de biscoitos queimados. Na pia tinha montanhas de garrafas de Kool-Aid. Um bichinho da Medusa estava sobre a torneira como se ela estivesse protegendo a bagunça. A senhora Castellan estava cantarolando enquanto pegava a pasta de amendoim e geleia, começando a fazer novos sanduíches. Algo estava queimando no forno. Tive a sensação de que mais biscoitos estavam a caminho.

Sobre a pia, colocados ao redor da janela, havia dúzias de recortes de figuras de revistas e matérias de jornais – fotos de Hermes dos logos da FTD Flores e Lavadores à Jato, fotos de caduceus de anúncios médicos.

Meu coração apertou. Eu queria sair daquele lugar, mas a Senhora Castellan continuava sorrindo para mim enquanto ela fazia os sanduíches, como se ela estivesse certificando-se de que eu não fugiria.

Nico tossiu:

- Sra. Castellan, nós viemos aqui para perguntar sobre seu filho.

Os olhos da mulher eram foscos e sem vida... Aquilo me deixava assustada... Mesmo.

- Bem... Eles me disseram que ele não voltaria. Mas eu não acreditei.

Ela apertou minhas bochechas com carinho me deixando com manchas de pasta de amendoim.

- Quando foi a... - Nico olhou para mim hesitando e depois ele voltou-se para a Sra. Castellan. - Quando foi a última vez que a senhora o viu?

Seus olhos perderam o foco.

– Ele era muito novo quando se foi – ela disse melancolicamente. – Terceira série. É muito jovem para fugir! Ele disse que voltaria para o almoço. E eu esperei. Ele gostava de sanduíches de pasta de amendoim, biscoitos e Kool-Aid. Ele voltará para o almoço logo... – Então ela olhou para mim e sorriu. – Por que, Luke, aí está você! Você está lindo. Você tem os olhos de seu pai.

Eu de repente olhei mais curiosamente para a senhora... O que havia acontecido com aquela mulher?

Ela virou para as fotos de Hermes sobre a pia.

– Agora, esse é um bom homem. Sim, ele é. Ele vem me visitar sempre, você entende... 

O relógio tiquetaqueava na sala. Eu limpei a pasta de amendoim de meu rosto e olhei para Nico suplicantemente, tipo, Podemos sair daqui?

– Senhora – Nico disse. – O que... O que aconteceu com seus olhos?

Seu olhar parecia desfocado – como se ela estivesse tentando focar ele por um caleidoscópio.

– Luke, querido, você sabe da história. Foi bem antes de você nascer, não foi? Eu sempre fui especial, capaz de ver por aquele véu estranho...

- Névoa? - eu finalmente falei.

- Sim, meu menino. - ela alisou meus cabelos até a altura dos meus olhos, como se eles acabassem ali. - E eles me ofereceram um emprego importante. Pelo quão especial eu era!

Nico franziu as sobrancelhas, nós nos entreolhamos, ambos tão confusos quanto o outro.

- Que tipo de emprego era esse? - eu perguntei. - O que houve?

A Senhora Castellan franziu a testa, ela deixou a faca cair aos seus pés.

-  Seu pai me avisou para não tentar. Ele disse que era muito perigoso. Mas eu tinha que tentar. Era meu destino! E agora...eu ainda não consigo tirar as imagens da minha cabeça. Elas fazem as coisas parecerem tão estranhas. - ela fechou os olhos por um momento e eu percebi que ela estava tremendo.

- Senhora? - chamei.

Depois de três segundos ela abriu os olhos e me encarou, e por fim ela sorriu e perguntou-me:

- Você gostaria de alguns biscoitos, meu filho?

Ela tirou a forma do forno e despejou um monte de biscoitos de lascas de chocolate carbonizados.

- Ele foi embora para me proteger. - ela murmurou. - Ele disse que se ele partisse, os monstros parariam de me ameaçar. Mas eu disse a ele que os monstros não eram problema! Eles sentavam na calçada o dia todo, e eles nunca entravam. 

– Ela pegou a Medusa de pelúcia do parapeito da janela. – Eles entravam, Senhora Medusa? Não, sem problema algum. – Ela olhou para mim alegremente. – Estou tão feliz que você tenha voltado para casa, meu querido... Podemos viver como antes.

Eu cambaleei quase caindo da cadeira quando ela segurou meu rosto entre as mãos. Eu me imaginei como Luke, sentado nessa mesa, oito ou nove anos, e começando a perceber que minha mãe não estava realmente ali.

- Sra. Castellan.

- Mãe. - corrigiu ela.

- Mãe. - eu disse percebendo o quão estranho era e reconhecer tal palavra. -  Você já viu o Luke desde que ele saiu de casa?

- Claro. - disse ela.

Eu não sabia se ela estava imaginando isso ou não. De tudo o que eu sabia, sempre que o carteiro batia na sua porta, ele era o Luke. Mas Nico se endireitou esperançosamente.

– Quando? – ele perguntou. – Quando Luke visitou a senhora da última vez?

– Bem, foi...Oh meu deus... – uma sombra passou por seu rosto. – Da última vez, ele estava tão diferente. Uma cicatriz. Uma cicatriz horrível, e sua voz estava cheia de dor...

– Seus olhos – eu disse. – Eles estavam dourados?

– Dourado? – Ela piscou. – Não. Que bobagem. Luke tem olhos azuis. Lindos olhos azuis!

Então Luke tinha vindo aqui mesmo, e isso tinha acontecido antes do último verão – antes dele se tornar Cronos.

- Senhora Castellan. - disse Nico. - É muito importante, Luke te pediu algo quando veio?

Ela se endireitou e franziu a testa como quem força-se a lembrar de algo.

- Minha... A minha bênção. - disse ela. - Não é meigo? – Ela olhou para nós insegura. – Ele estava indo para o rio, e ele disse que precisava da minha benção. Eu a dei para ele. É claro que dei.

Nico olhou para mim triunfante.

- Obrigado, senhora. Era tudo o que precisa... - a voz de Nico vacilou.

A Senhora Castellan ofegou. Ela se dobrou, e sua bandeja de biscoitos caiu no chão. Nico e eu pulamos da mesa.

– AHHHH – ela endireitou-se.

Eu me afastei e quase cai por cima da mesa, por causa de seus olhos – eles estavam com um brilho verde tão... Familiar.

- O Meu filho! - ela lamentava com uma voz profunda e rouca. - O meu filho não! Hermes, me ajude... Não o deixe! 

Tá... Agora eu estava muito assustada.

Antes que eu pudesse reagir, a senhora Castellan me segurou pelos ombros.

A Garota... O Destino da garota... Tantas vidas... O Meu filho!... Tantas vidas sacrificadas. 

Meu coração disparou, a mulher enterrava as unhas nos meus ombros.

Eu me forcei para trás fazendo a mesa atrás de mim tremular. Nico segurou o punho da espada.

- Megan, hora de ir. - disse ele.

De repente a Senhora Castellan caiu. Eu deslizei para frente e a peguei antes que ela pudesse bater no tampo da mesa. Eu consegui colocá-la numa cadeira.

– Senhora C.? – perguntei.

Ela murmurou lentamente para mim:

Os olhos dele... Olhos que perfuram a alma.

Então ela tossiu muito, eu estava pasma. 

- Se... - eu comecei, mas ela me olhou feio. - Mãe, está tudo bem?

- Oh Deus... Os biscoitos, eu derrubei todos. Que descuido meu.

Ela piscou, e seus olhos voltaram ao normal – ou pelo menos, o que eles eram antes. O brilho verde tinha ido embora.

- Você está bem? - perguntei.

– Mas é claro, meu querido. Estou bem. Por que pergunta?

Eu olhei para Nico, ele mexeu sua boca, falando a palavra Sair.

– Senhoria C., você estava nos contando algo – eu disse. – Algo sobre seu filho, você disse sobre os olhos dele...

 – Sim, seus olhos azuis. - ela disse de modo sonhador. -Estávamos falando de seus olhos azuis. Um belo rapaz!

– Temos que ir – Nico disse com urgência me puxando pelo braço. – Diremos a Luke...uh, diremos a ele que você mandou um oi.

– Vocês não podem! - gritou ela batendo o pé. Era estranho ainda ter medo dela, mas ela se alterava de um modo sobrenatural. O modo como sua voz mudou, o modo como ela me chacoalhou e nós confundia com Luke. - Hermes chegará logo – ela prometeu. – Ele vai querer ver seu garoto!

- Talvez na próxima. - eu disse. - Obrigado por... – Eu olhei para os biscoitos queimados no chão. – Obrigado por tudo.

Ela tentou nos parar, oferecer Kool-Aid, mas eu tinha que sair daquela casa. Na varanda, ela agarrou minha cintura e eu quase pulei.

– Luke, se cuide pelo menos. Me prometa que você vai se cuidar. 

- Eu...

Ela puxou meu braço me fazendo ficar de frente para ela, ela segurou meu rosto com as duas mãos. Eu estava com o coração disparado de medo.

- Prometa que vai comer direito, e não fique acordada até tarde... Não faça nenhuma besteira que a prejudique no final...

Eu hesitei, engoli seco, mas disse:

- Eu... Eu prometo, mãe.

Aquilo a fez sorrir. Ela me soltou, e enquanto ela fechava a porta da frente eu podia ouvir ela falando para as velas:

– Você ouviram isso? Ele se cuidará. Eu disse a vocês que ele iria!

Enquanto a porta fechava, Nico e eu corremos. Os bichinhos de pelúcia da varanda pareciam sorrir para nós enquanto passávamos e isso era algo muito assustador.

De volta ao penhasco, Senhora O’Leary parecia ter encontrado uma amiga. Uma agradável fogueira crepitava em um anel de rochas. Uma garota por volta dos oito anos estava sentada com pernas cruzadas próxima a Senhora O’Leary, acariciando as orelhas do cão infernal.

A garota tinha um cabelo castanho cinzento e vestia um vestido simples marrom. Ela usava um lenço sobre sua cabeça, então ela parecia uma criança da época dos pioneiros – como o fantasma de Uma casa na campina ou algo assim. Ela mexeu no fogo com um graveto, e ele pareceu brilhar um vermelho mais forte do que o fogo normal.

- Olá, crianças. - disse ela amigavelmente.

- É... Héstia? - eu disse reconhecendo a garota.

- Olá, minha senhora. - Nico se curvou.

Quando você é um semideus e você encontra uma garotinha meiga sozinha na floresta – essa é uma ótima hora de você pegar sua espada e atacar. Porém, quando está é a deusa da lareira, ganha uma exceção.

Ela me estudou com os olhos tão vermelhos quanto bolas de fogo. Eu decidi que o mais seguro era me curvar.

- Quanto tempo, Megan. - disse ela. - Juntem-se a mim.

Depois de olhar sanduíches de pasta de amendoim mofados e biscoitos queimados, eu não estava com muito apetite, mas a garota balançou sua mão e um piquenique apareceu em cima do fogo. Havia pratos de rosbife, batatas fritas, cenouras amanteigadas, pão fresco, e um monte de outras comidas que eu não via fazia um tempo. Meu estômago começou a roncar. Esse era o tipo de comida caseira que as pessoas supostamente deveriam ter, mas elas nunca tinham. A deusa fez um biscoito de um metro e meio aparecer para Senhora O’Leary, que começou a deixá-lo em migalhas.

Sentei perto de Nico. Pegamos nossa comida, e eu estava prestes a comer quando eu pensei melhor. Tirei parte da minha comida para as chamas, do mesmo jeito que fazíamos no acampamento.

– Aos deuses – eu disse.

Héstia sorriu radiante para mim, eu havia conhecido a deusa há muito tempo no acampamento, no primeiro dia ela sempre aparecia, porém, muitos não falavam com ela. 

– Obrigada. Na oferta da chama, eu tenho um pouco de cada sacrifício, você sabe.

- Eu me lembro agora. - eu disse para ela. - Me lembro de vê-la quando Percy me levou ao acampamento pela primeira vez.

Ela sorriu.

- Você estava muito sozinha. - disse a deusa para mim. - Você entende, normalmente não sou eu que falo com os semideuses. Eles que falam comigo.

Eu dei um meio sorriso para ela.

- Mas você foi uma exceção. - disse ela. - E Nico, ele foi o primeiro em muitos anos. Todos apressados. Sem tempo para visitar a família.

Nico assentiu.

- Não sabia que conhecia Megan, senhora. - disse ele.

- Pois sim... - disse a deusa. - Megan sempre foi uma garota muito gentil... É estranho vê-la tão crescida.

Ok... assim ela parecia ter oito anos. Eu não perguntei. Aprendi que deuses assumem a forma do que quiserem.

– Minha senhora – Nico perguntou, – por que você não está com os outros Olimpianos, lutando contra Tifão?

– Eu não sou muito de briga. – Seus olhos vermelhos faiscaram. Eu percebi que eles só estavam refletindo as chamas. Eles eram ocupados por fogo – mas não como os olhos de Ares. Os olhos dela eram cômodos e quentes. – Além do mais – ela disse – alguém tem que manter as chamas caseiras acesas, enquanto os deuses estão ausentes.

- Você... - comecei. - Você está guardando o Olimpo.

- "Guardar" pode ser uma palavra muito forte. Mas se você precisar de algum lugar quente e comida caseira, você é bem vindo. Agora coma, precisa recuperar as forças.

Meu prato estava cheio antes que eu percebesse. Nico começou rapidamente.

– Isso aqui está muito bom – eu disse. – Obrigado, Héstia.
Ela acenou com a cabeça.

– Vocês fizeram uma boa visita a Senhora Castellan?

Por um momento eu havia me esquecido da velha senhora com seus olhos brilhantes e seu sorriso maníaco, o modo como ela de repente pareceu estar possuída.

– O que ela tem de errado, exatamente? – eu perguntei.

– Ela nasceu com um dom – Héstia disse. – Ela pode ver através da Névoa.

Rapidamente, eu pensei em Daniel Kane, o mortal com a mesma habilidade. Pensei em como eu nunca mais eu o vira. 

– Mas aquela coisa brilhando em seus olhos...

– Alguns lidam com a maldição da visão melhores que os outros – a deusa disse tristemente. – Por um tempo, a Senhora Castellan teve muitos talentos. Ela atraiu a atenção de Hermes. Eles tiveram um lindo bebezinho. Durante um curto tempo, ela foi feliz. E então ela foi longe demais.

Lembrei do que a Senhora Castellan havia dito: Eles me ofereceram um trabalho importante... Não funcionou. Perguntei-me que tipo de trabalho a deixou assim.

- Em um instante ela estava normal e alegre. - eu disse. - Depois ela mudou totalmente como se estivesse possuída... Começou a falar de destino... O destino da garota... Provavelmente seja eu. Ela também falou sobre os olhos de Luke...

- Megan, como você já deve imaginar, a alma de Luke foi totalmente tomada e está fora de controle. - disse ela. - Cronos tomou sua alma por completo tornando-a parte dele... Eles são um só agora.

Eu deixei aquilo amadurecer na minha cabeça.

- Eu estou quebrando regras dizendo sobre isso, mas... Para proteger minha casa... Estou lhe dizendo, a Senhora Castellan viu demais. Se você quer entender o Luke, primeiro você tem que entender sua família.

Eu pensei nas tristes fotos de Hermes coladas acima da pia da Senhora Castellan. Perguntava-me se ela já era louca quando Luke era pequeno. Aqueles olhos verdes poderiam assustar seriamente uma criança de nove anos. E se Hermes nunca o tinha visitado, o deixado sozinho com sua mãe durante todos esses anos...

– Não me surpreendo por Luke ter fugido – eu disse. – Digo, não foi certo deixar sua mãe assim, mas ainda - ele era só uma criança. Hermes não devia tê-los abandonado.

Héstia acariciou atrás das orelhas de Senhora O’Leary. O cão infernal abanou seu rabo e acidentalmente bateu em uma árvore.

– É fácil julgar os outros – Héstia alertou. – Mas você seguiria os passos de Luke? Procurar pelos mesmos poderes?

Nico abaixou seu prato.

– Não temos escolha, minha senhora. É o único jeito de Megan ter uma chance.

- Não é... Megan tem um poder muito maior do que poderia imaginar. - ela olhou para mim. - Mas para desperta-lo é preciso um sentimento muito forte... Como ódio, como raiva, e isso é muito arriscado... O ódio é... algo maligno que escurece o coração das pessoas.

Héstia abriu suas mãos e o fogo zuniu. Chamas atingiram dez metros de altura no ar. O calor me atingiu no rosto. Depois o fogo voltou ao normal.

- Nem todos os poderes são incríveis e sempre há riscos. – Héstia olhou para mim. – Às vezes o maior poder que se tem é o poder de ceder. Você acredita em mim, Megan?

– Sim – eu disse.

Qualquer coisa para ela manter as chamas como estavam. A deusa sorriu.

- Você é uma guerreira de verdade, Megan... Não é muito orgulhosa, Seu objetivo é algo muito mais importante do que poder. Eu gosto disso. Mas você ainda tem muito que aprender. Quando Dionísio se tornou um deus, eu dei meu trono para ele. Era o único jeito de evitar uma guerra interna entre os deuses.

– Isso desequilibrou o Conselho – eu lembrei. – De repente havia sete caras e cinco garotas.

Héstia deu de ombros.

– Essa era a melhor solução, não a perfeita. Agora eu controlo o fogo. Eu desapareço vagarosamente nos fundos. Ninguém jamais escreverá poemas épicos sobre os feitos de Héstia. A maioria dos semideuses nem param para falar comigo. Mas isso não importa. Eu mantenho a paz. Eu cedo quando é necessário. Você é capaz de fazer isso?

- Eu... - hesitei, a verdade... Eu tinha que pensar.- Não, não consigo. Senhora Héstia, sinto muito... A senhora me conhece a muito tempo, entende minha pessoa, não é? Eu não sei a hora de desistir, principalmente por um amigo.

Ela me estudou.

- Entendo... Mas eu não concordo com Atena, Megan. - disse ela. - Eu acredito em você. Você continuará com sua missão?

– É por isso que você está aqui, para me alertar sobre o caminho?

Héstia balançou sua cabeça.

– Estou aqui porque quando tudo falha, quando todos os outros deuses tiverem ido para a guerra, serei a única restante. Casa. Fogo. Eu sou a última Olimpiana. Você deve se lembrar de mim quando você encarar a sua decisão final.

Eu não gostei do modo como ela falou última.

Olhei para Nico, e depois de volta aos olhos acolhedores de Héstia.

– Eu tenho que continuar minha senhora. Eu tenho que parar  Cronos, tenho que salvar Silena.

Héstia acenou.

– Muito bem. Eu não posso ser de muita ajuda, além do que eu já lhe disse. Mas desde que você se sacrifique por mim, eu posso retornar para seu próprio fogo.

- Só... tem um problema. - disse Nico. - A Bênção?

- Bênção? - repeti.

- Não conhecemos muitas pessoas que possam dar essa bênção para Megan. - disse Nico.

Héstia encarou as chamas por um instante, depois se voltou para mim.

- Têm uma pessoa. - disse ela. - Menga, você sabe, aquela mulher que lhe deu este nome.

Eu parei um instante para pensar, e quando me liguei no que ela estava querendo dizer, não me senti muito animada. 

- Sei. - eu disse. 

- Você entende os riscos? - perguntou.

- Entendo... Mesmo assim não posso desistir. - eu disse.

Héstia suspirou.

- Foi-se aqui minha última tentativa. - Disse ela. - De qualquer modo, lhe desejo sorte Megan, muita sorte. Te verei de novo, Megan, no Olimpo.

Seu tom era agourento, talvez nosso próximo encontro não fosse muito feliz. A deusa balançou sua mão e tudo desapareceu e de repente nós não estávamos lá.

Estávamos diante de dois portões negros. Por trás deles, era algo como uma casa antiga, tijolos cinzentos e um jardim com um gramado verde-escuro, quase morto. Abaixo de uma árvore estava um balanço enferrujado. 

- O que... O que aconteceu? - perguntou Nico. - Onde estamos?

Eu hesitei, o som de vozes infantis por toda a parte, eu conhecia aquele lugar. Acima da porta de entrada, algo confirmou todas as minhas suspeitas, as letras que diziam:

Orfanato Dixon de Nova York.

Eu tive vontade de desabar, odiava aquele lugar. De qualquer modo, sem dizer nada, atravessei os portões com Nico logo atrás de mim. 


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