Mantendo O Equilíbrio - Um Novo Amanhã escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 55
Capítulo 25


Notas iniciais do capítulo

Ultimo desse combo.

Eis então merecidos comportamentos... para certos enganadores.



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Uma vez cheguei a ligar minha avó com Daniela, pelo modo como dizem as coisas, correlacionam outras, ativar nosso pensamento sobre o que realmente fazemos e no porquê de fazermos. Tomo isso de novo para mim. Tudo o que minha amiga me relatou naquele quarto de hotel é aceito como outras saídas e perspectivas, coisa que talvez ela nunca pudesse imaginar.

Como permaneci balançada pelos últimos acontecimentos, e mais ainda pelas dúvidas que me cobriam, algumas questões foram abafadas, porém, levantadas por ela. Enquanto ajudava a si mesma a melhorar, desabafar, eu quem estava precisando ouvir tudo, já que não sou de falar, mas de ouvir. Dani por fim me ajudou a decidir, que atitude primeira tomar.

E por causa dela, o tapa que guardei, eu fiz surpresa, tirei do chapéu num momento em que ele menos esperava. Afastados de todos, num dos jardins da faculdade que sediava o evento acadêmico, insisti em termos uma conversa a sós.

Confesso, bati com gosto, do tipo que faz zoada, rápida, que arde na mão, arde na face do outro, aturdido. E então revoltado:

– Que porra foi essa agora?

– Eu que pergunto. Que porra foi essa? Eu devia te trucidar, seu canalha!

Bruno esfrega o rosto com bico até compreender o que acontecia. Suspirou.

– Ah, ela contou.

Dei um soco de expressão no ombro dele, que dessa vez ele desviou, embora tenha pegado ainda um pouco nele. Seu rosto atingia certos tons avermelhados pelo meu golpe anterior. Minha mão ardia um pouco, e ainda coçava para dar mais.

– Yeah. E eu ficava te defendendo por torcer por vocês. Foi muita cafajestagem!

– Eu sei.

Pois num parece!

Entrefecho os olhos, crispo a boca pra ele, quem revira os olhos por eu não acreditar nele.

– Acredite, eu sei. Eu te disse.

– Não, a história TODA não. Não sabia que era tão sério até ela me contar, desgraçado. Devia levar um monte, sabia?

E dou no braço dele, quem merecia cada golpe espalmado lá. Quanto mais desviava, ou tentava, eu ia o seguindo e parecíamos dois idiotas ziguezagueando por ali. Ele ria, o descarado! Como se eu estivesse lhe fazendo cócegas. Fico é mais furiosa.

– Ai, Milena. Já deu, né?

– Tu me enganou, safado. Me disse a versão light.

Esfregando o braço que levou meus tapas, ele se rende:

– Tá, tá, desculpa.

– Desculpa o caramba. Ainda bem que vocês estão de boa agora. Senão eu seria presa e daria um jeito de terminar de te matar. Porque Murilo ia cair em cima de mim por parar numa delegacia de outro Estado.

Ia dar mais um tapa quando ele me segurou os pulsos, capturou-me fácil por estar mais atenta à discussão que aos seus ou aos meus movimentos. Bruno não mais sorria, se fazia de sério.

– Já entendi, Lena. Não foi justo. Mesmo.

Só que eu ainda tava irada. Fiz que tinha desistido, ao que ele diminuiu a força que detinha nos meus pulsos e aproveitei para um último tapa na cabeça dele.

– Justo é pouco.

– Ai. O que você quer que fale então? Pra parar de me bater? Eu gosto dela, oras. Demais. Tanto que fico maluco. É isso que você queria ouvir? Já te disse que você tava certa esse tempo todo!

Bruno declara tão determinado que realmente paro para admirá-lo. Ok, era isso que queria ouvir, que ele gosta dela e a coisa é forte, o que muito ele protelou a aceitar. E apesar de já ter me confessado isso no outro dia, dessa vez é diferente. Me comove lindamente a ponto de eu quase soltar um sonoro “own”.

Abraço-o de súbito. Sinto meu amigo meio vacilante de primeira, que corresponde ao carinho só uns segundos depois.

– Que é? Te peguei na TPM, foi?

Se eu tava vendendo essa história, teria que confirmar. Assinto ao seu ombro.

– Talvez.

E quando me aperta para ele, fecho os olhos reconhecendo que precisava de um abraço, sem que o outro soubesse o porquê. Mesmo rija, relaxo um pouco. Admito no silêncio dos pensamentos que boa parte da raiva que extravasei em Bruno era por outra pessoa. Quem me enganara também, embora meu amigo se encontrasse noutro estágio de confusão.

Infelizmente era provável que quem merecia minha reação violenta não a levasse de verdade, pois para mim, para atacá-lo teria que me aproximar. E por enquanto me mantenho longe de Sávio.

Só não era burra de acreditar que isso duraria muito tempo.

E nos enfrentamos naquela tarde mesmo.

~;~

Dizem que beijo no rosto é estranho quando duas bocas já se conhecem ou já se provaram. Bem sei que é verdade, vide toda aquela confusão que foi com Vinícius quando tivemos que passar um tempo separado, um tempo solicitado tão abruptamente, que até voltar às normalidades, era estranho. Pode ter isso durado apenas alguns dias, porém, em nossos íntimos, para o que já havíamos começado, era muito. E quanto mais distantes, mais magoados ficávamos. Pelo menos eu fiquei. Mas isso são outras histórias.

Digo isso porque o clima que ficou entre mim e Sávio é péssimo. Tão ruim que mal posso olhar cara a cara para ele, manter uma pouca distância, menos ainda sentir qualquer vibe que não seja a da decepção. Ele não era meu amigo. Não mais. Ele quebrou nossa ponte naquele bar, naquela dança, naquela conversa. Naquele beijo. E não estou nem aí se a culpa disso é o álcool, como me afirma – até porque dizem também que aquilo dito na embriaguez foi pensado em lucidez. Isso faria dele meio calculista e canalha mais do que já é.

Tem horas que eu mesma não posso acreditar nisso. Se não estivesse no meu lugar, as chances de pensar mal de Sávio dessa maneira eram quase nulas. Isso me assustava de um jeito tenso, pois, se ele fez uma merda dessas, que outras pode não ter feito também? Quem era esse Sávio? Me enganei tanto sobre ele, foi isso?

Não havia respostas, para meu descontento particular. Havia formas de evitar, no entanto, tanto perguntas demais como essas respostas de menos.

Admitir para Daniela que aquele seu pé em bota ortopédica trouxe boas rotas de fuga para mim era perigoso. Primeiro porque ela padeceu muito por machucar-se, tanto no quesito queda, quanto no quesito correria pelo susto que levou. Ela sofreu muito enquanto seu psicológico, emocional e nervoso, unido ao trauma dos cachorros e ao próprio problema com Bruno – eu poderia ter incluso meu amigo nessa referência aos cachorros, mas prefiro enfatizar cada ponto para não haver confusão. Além do mais já havia ralhado com ele. E batido também.

Segundo que eu teria que responder do quê ou de quem fujo, o que está fora de questão para toda e qualquer pessoa fora essa bolha problemática em que me encontro com Sávio. Permaneci no quarto pela manhã, e mesmo após ter pisado no evento, me afastei de possíveis observadores como Gui e Flá. Infelizmente, na hora de vir para a faculdade, no meio da tarde, Dani teve um vislumbre de Sávio, que ainda estava pelo hotel tal como nós e o chamou para ir conosco. No táxi, ainda bem, não precisei ir ao lado dele, nem conversar muito. A personalidade de Dani preenchia o veículo e achei muito bom Sávio ter ido no banco do carona, enquanto nós duas fomos atrás.

Só que a coisa toda mudou ao nos trombarmos, sozinhos, pelos corredores do evento. A faculdade era enorme, e ainda assim conseguimos essa proeza. Isso porque não quero pensar que ele me seguia ou coisa parecida.

O caso é que, após descermos do táxi, tendo ele ajudado Dani a se levantar e tal, logo Bruno apareceu e tudo se tornou muito meigo entre os dois e por um momento eu pude rir deles, pois sempre os imaginava assim, entregues ao que sentiam e livres para demonstrar, mas aí quando notei que ficara sozinha com Sávio, ou que na verdade ele só permanecera lá como vela também, dei no pé. Arrumei logo o que fazer, saí com qualquer desculpa para encontrar Flávia.

Mas primeiro fui me acertar com Bruno assim que vi que ele deixara Dani numa sala onde ocorriam umas apresentações que ela quis assistir. Chamei-o de canto, nos afastamos e foi aquela coisa toda de eu brigar com ele.

Fiquei então apreciando uns trabalhos que estavam à exposição no pátio principal, li uns panfletos e fiquei vagando sozinha, já que meus outros amigos estavam em minicursos e eu preferi não interromper se cheguei com horas de atraso. Dado momento busquei uma informação sobre os certificados que teria que receber e um monitor do evento me direcionou para uma ala mais afastada, onde já distribuíam alguns. Ia pegar o meu, de Flávia e Gui daquelas nossas apresentações. E aí aconteceu.

Eu ia caminhando distraída, observando o pátio ao lado e nem me apercebi a tempo. Que do outro lado do corredor vinha Sávio. E mesmo que eu não tivesse além-mundo, com certeza teria só o ignorado e passado reto. Mas ele não, ele preferiu vir falar comigo. Pior, resolveu me tocar. No braço, que seja. Aos olhos de qualquer outro era um encontro simples de amigos ao corredor e que pararam para uma conversa rápida. No meu íntimo, no entanto, aquele seu mínimo toque para me barrar foi nauseante.

Não tardou para um vago e fraco “precisamos conversar” sair de sua boca, boca essa que já fez mais que oferecer amizade noite passada. Como ele é grande e forte, me tapava toda a frente. Me irritei, claro, plenos direitos eu tinha. Por isso puxei bruscamente meu braço de sua mão, coisa que ele não pôde fazer coisa alguma, se ele era o vilão e eu não mais seria a vítima, e não queríamos dar na vista.

– Lena...

Já havia pensado alguma vez que com um beijo apenas eu queria tirar toda a dor que meu Vini guardava no coração, que um beijo pudesse resolver seu caso. Já havia pensado também que queria que seu beijo fosse esse libertador de minha alma e me desse toda a segurança necessária, coisa que o beijo roubado de Sávio, pelo contrário, fez por me causar dano.

Tive, entretanto, uns poucos tempos de solidez pelo dia, que me deu certa firmeza para seguir.

Como a conversa com Vini mais cedo e seu pequeno surto cômico por ter o professor Carvalho como convidado essa noite no jantar. Eu fugia dos meus problemas, podem me apontar, mas fora bom ouvi-lo de tão distante e me fortificar, nem que fosse um tantinho só, por sua voz que relatava toda a problemática de receber o “cara que tava pegando a mãe dele”. Na verdade era surpresa, Djane havia apenas anunciado que teria alguém mais na mesa, e Vini acabou por ouvi-la numa conversa no celular quem era que apareceria. Aí ele surtou e me ligou.

Era bom aconselhar quando eu não podia fazer muito por mim. Sempre foi assim na realidade. Sempre gostei de ouvir do que pedir ajuda. Até porque era muito orgulhosa para isso até então, e Vini entrou na minha vida mudando tudo isso conforme eu fazia por ele. Continuo a ouvir dos outros, porém passei a escutar as verdades atreladas também, e, dessa vez, contudo, eu precisava apenas me desligar de mim e conferir o que era o problema do outro, por mais que ele parecesse tão bobo. Era Djane afinal, Vini só está prezando pelo bem dela. Era fofo de qualquer forma.

Murilo estaria lá, assim como minha mãe. Consegui conversar por um instante com meu irmão, quem me disse que iria dar um jeito para meu namorado se comportar. O que, ok, foi muito estranho partindo logo dele, mas diante de nossas questões, era de se imaginar que ele também se comportasse ou mesmo se forçasse a isso. E minha mãe faria mais uma média, se enfim Djane precisava de mais um apoio para revelar esse lado que teve que deixar enquanto sua vida não estava muito lá essas coisas.

Meu irmão aproveitou a ligação e me atualizou rapidamente do caso de Filipe. Continua em recuperação, Iara tem cuidado excessivamente dele e ela mesma está a frente na busca pelos dados de Viviane, por ter alguma experiência nesse tipo de investigação. O detetive já está em campo, ainda que nenhum relatório concreto de notícias fora feito por parte do profissional sobre essa busca.

Me orgulhei muito de Murilo por ter intercedido por Vini nessa questão da mãe dele, desde aquela primeira conversa com Filipe, no dia em que este decidiu nos comunicar que tirava sua barraca da guerra. E me orgulhava mais dele por aos poucos ele vir aceitando e mudando sua mentalidade sobre as coisas que antes repudiava sem ter um conhecimento a mais. Antes ele nem falava com Iara, imagina Filipe. Aquele meu voto de confiança nele foi determinante, é o que por vezes penso.

Só que ambos, Murilo e Vinícius, estavam longe demais de mim no momento. Àquele instante era eu e apenas eu, minhas decisões e minhas colocações. Eu quem pedi por oportunidades para mostrar minha força interior, aquela que pode com tudo e com todos e lá estava eu, carecendo de um pouco sensatez e segurança.

Pois era difícil manter-me passiva quando o que mais queria era estapear o rosto de Sávio, uma, cinco, vinte, mil vezes e infligir nele todo o ardor que aquele seu beijo, ou melhor, invasão, repercutira em mim. Não era apenas por mágoa que me afastava dele, era pela raiva que poderia sucumbir antes de mais nada, e tudo pelo qual batalhei, seja com mentiras e omissões, ficasse às claras.

Pareço redundante em citar, mas as palavras de Daniela rondavam minha cabeça. Mais precisamente em questão de reação. Todo mundo soube que havia algo errado desde que começou um pé de guerra entre ela e Bruno. Ainda que ninguém se metesse, ficávamos todos alerta para qualquer coisa. E isso de fato deu uma virada na vibe do grupo. Não que tenha nos separado, digo, ficou... aquele clima em suspenso.

Por causa disso tenho pra mim que se soubessem do que houve comigo e Sávio naquele incidente de sermos deixados para trás, não iria somente estragar a viagem como todo o comportamento da galera. Sei que Gui defenderia minha honra, não porque lhe foi solicitado, era também de sua natureza, como meu melhor amigo, de me proteger. Bruno do mesmo modo partiria pra cima, a la seu jeito prestativo e agressivo que pode ser quando mexem com quem ele ama.

Não virariam bicho como meu irmão, mas passivos não seriam. Quanto às meninas, imaginar o que elas poderiam fazer não consigo. Não me detive a refletir muito sobre isso, tive mais foi uma visão geral. De que mesmo que eu implorasse para que não contassem para os dois homens da minha vida, todos me acatariam, ainda que sob censura e fitar desviado. Principalmente Gui e Flávia.

Então a primeira coisa que tenho em mente é manter as aparências. Qualquer olhadela indiferente capturada por eles pode ser um indício ruim – eu sei, sou paranoica a esse ponto – e, logo, preciso treinar como encarar Sávio sem transparecer tamanha rejeição minha. Assim como não poderia lhe dar um soco merecido se marcaria visivelmente sua face.

Esse era o novo plano. Não ter qualquer comportamento diferenciado meu se isso poderia entregar os pontos de que há algo. Ou que houve algo. Não é possível me afastar com brusquidão de alguém que até então era muito ligado comigo se não quero dar na vista.

Por tudo isso que me permiti falar com ele. Porque teria que deixar tudo isso às claras a Sávio, já que não adiantaria de nada meu esforço se ele não participasse de meu teatro.

Além do mais, não admitiria que ninguém mais tivesse o poder de me acabar, uma vez que já me enganara.

– Eu posso explicar, juro. Por favor, me ouve? Apenas uma conversa.

Assenti de má vontade.

~;~

Embora houvesse toda uma força para querer arrebentar Sávio, por outro lado, eu não conseguia. Culpo a velha crença de que ele havia sido um bom amigo até então e, por mais que eu quisesse ser injusta de acreditar no contrário, algo dentro de mim não aceitava. As merdas de meus princípios talvez. Que ali se fechavam para ele.

Decerto não estava em conformidade comigo mesma para lidar com Sávio, menos ainda com sua insistência, pois ele continuou a me barrar naquele corredor enquanto não o seguia para conversarmos. Respirei fundo antes de qualquer coisa. Já havia sido infantil de ignorá-lo – tive pelo menos essa opção, né? – mas diante dessa sua atitude, me vi sem muitas alternativas.

– Mi... e-eu...

Me revolto por essa sua hesitação. Depois de toda aquela persistência sua no corredor, eu seguir para a sala de aula ao lado, vazia, apenas com a vontade de resolver logo isso e aproveitar que todos estavam ocupados o bastante para estar por perto, ele queria fazer graça? Só o que ele sabe dizer são meias palavras, abaixar a cabeça e se fazer de culpado.

– Você não consegue nem dizer.

Cuspi, ríspida. Me sentei sobre uma mesa que lá dispunha, braços cruzados. Ele, por outro lado, permanecia de pé e inquieto. Ao mesmo tempo em que parecia sair do lugar, ele não saía. Fincou à minha frente, pesaroso e desnorteado.

Na outra noite não fora nada assim.

E minha mente ainda era boba de tentar comparar esses comportamentos.

– Foi... a bebida... E André... E, meu Deus, Lena... m-me perdoa. Não me trate assim.

Me soou absurdamente absurdo. Como falara, como expressava, quase jogando razões para cima de mim, meras justificativas. Bebida. André. Até aí eu mal o ouvia, mas quando me chamou por um apelido carinhoso... Argh, fechei os olhos e contive a vontade de segurá-lo pela mandíbula e o pará-lo bem ali.

E quando tornei a abrir, ele estava próximo demais, a ponto de me tocar novamente. Suas mãos estavam como que a meio caminho de me tocar nos braços cruzados, o que me espantou um pouco e quase pulei de onde estava para dar espaço. Acho que minha expressão foi tão mortal que ele mesmo se afastou.

– Assim como? Essa é boa. Eu devia era te dar umas na cara.

Se ele não tivesse que explicar a origem dos hematomas, dessa vez eu teria o acertado. Ainda assim, ele se mantém em sua defesa, um pouco desvairada, já que não mais me olha e sim para o ambiente e fica como se tivesse falando sozinho.

– Mi, foi um erro. Não era pra ter acontecido daquela maneira. E-eu...

Aí minha raiva sobe e salto da mesa, para a surpresa dele:

– Não era pra ter acontecido daquela maneira? Quer dizer que era pra ter acontecido, pra começo de conversa?

Ele se desembesta todo, nervoso:

– Não! Não, não foi isso que eu quis dizer, Mi!

– Olha, para de me chamar de Mi ou de Lena. Você não tem mais essa intimidade comigo, tá me ouvindo? Daqui pra frente é apenas Milena e...

Fui andando para me distanciar dele novamente, só que acho que ele entendeu que eu ia embora:

– Lena, apenas me deixe falar. Prometi que seria apenas uma conversa.

Voltei-me com fúria contida. Lá estava ele me chamando pelo apelido de novo. Mas eu não iria mais repetir discurso, queria era me livrar daquilo, não ficar me alongando.

Da última vez ele disse que seria apenas uma dança... Olha no que deu.

– Estamos conversando e te juro que não é por minha vontade.

Como se tivesse muito cansado (e provavelmente ainda sob efeito da ressaca), ele sentou-se numa carteira de aluno logo atrás de si e se apresentou muito derrotado. Quase desistente de continuar tudo aquilo.

– Eu só queria que você pudesse me ouvir.

– E eu só queria entender... Por quê?

Ele respirou profundamente enquanto bagunçava um pouco de seu cabelo. Olhava para o chão, piso limpo e claro que se escureceu logo que movi minhas botas para lá. Ele não fez muita menção de que ia se levantar, tampouco de que iria sair daquela posição. Assim mesmo começou:

– Como eu havia dito, eu não tava muito bem das ideias. E faz um tempo que André me aporrinhava. Não que eu entrasse na dele e tal... mas... sei lá. Uma coisa foi levando à outra e... algo mexia comigo, num sei. Mas não foi assim, quero dizer. Te admiro desde aquele primeiro dia, que te ajudei a escapar de prováveis assaltantes e... não sei como posso dizer isso, mas desde dali vi que você era diferente.

– Diferente como?

Dito firme. Sávio hesita, aparenta estar mais calmo. Até levanta seu rosto e me prende com seus olhos, afirmativos de que ele era sincero, mas eu não queria saber disso senão o que era aquela porra toda que me relatava.

– Diferente a ponto de... Você me via, Milena, como eu era.

– O que você qu...?

Por um momento tenho um vislumbre do meu amigo, aquela pessoa centrada, mas tímida; quieto, mas desconfortável.

– Não costumo me abrir fácil. E com você as coisas fluíram assim, sem esforços. Foi uma amizade natural como quem respira. Você não me via como um atrativo, nem me olhava como muitas outras que só pensavam na minha imagem... E eu sei que as pessoas me olham e não gosto de ser perscrutado assim. Elas avaliam a embalagem, não o conteúdo.

– E o mundo é assim, Sávio. São poucas as pessoas que...

Ele me corta, determinado.

– Você foi uma delas, é o que quero dizer. Em poucas horas, éramos amigos. E eu sempre quis apenas amizade mesmo.

O franzir de sua testa revelava quase uma inocência. Aquela que sempre admirei nele. Só que pra mim aquilo havia se quebrado. Não conseguia confiar, era isso.

– Então o que foi aquele surto de ontem?

– Começou ainda naquele primeiro dia. André me provocou um pouco sobre nos ver juntos, ficava falando aquela história de “queridinha” e como... como ele queria ter se aproveitado de você.

Essa última parte eu quase não ouvi por ele ter sussurrado tão baixo. Se falava para si mesmo, tanto faz, eu captei e não gostei. Nada muito diferente de tudo que está relacionado com André mesmo. Ainda assim, nojo desse cara.

Sávio percebeu minha expressão.

– Eu sei! Discuti diversas vezes com ele por causa disso. O caso é que ele também só vê as coisas pela imagem. E me admirou muito o fato de você não ter... se aproximado de mim por isso. E não falo pela questão do assalto. Não gosto de chamar atenção, você sabe... E pensei que isso não aconteceu por você gostar de outro cara. Então por um tempo achei isso. Até você mesma me apresentar sua versão de mim. Que, ok, via o que sou por fora, mas mais que isso. Você, Milena, via através de mim.

– E isso o quê? Te influenciou para gostar de mim, foi isso?

– Sim. Quer dizer! Não! Não desse jeito, entende?

Tava me dando impaciência aquilo. Era ou não era, ele não era direto.

– Não, não entendo. Explica isso direito.

– Temo que explicar isso seja complicado demais. E temo perder mais do que já perdi pelo erro que cometi.

Sávio parece se fechar em si, sério. Inquieta pelas meias respostas dele voltou-me para trás, zanzo um pouco naquele espaço de sala de aula. Há uma energia me consumindo, por isso a extravaso um pouco.

– Mas eu preciso sab...! Argh... Você sabe que eu amo outra pessoa!

– Sim, eu sei.

– Então que porra foi aquela?

Ele finalmente parece despertar, move os braços e mãos em gestos como se tivesse provando e termina que elas, ao final de seu discurso, apenas caem moles, pois não podiam mais articular seu argumento senão como se sentia. Culpado.

– Aí que está. Não foi uma coisa e pronto. Foi um conjunto de coisas, uma encaixando na outra até eu fazer merda. Mas acima de tudo, Lena, é tão difíc... é vergonhoso admitir que fui capaz disso. E tô aqui pedindo perdão. Quando disse que não tava bem da cabeça, não tava mesmo.

Por um momento nos calamos. Zanzo mais uma vez pelo espaço à sua frente, abraço-me mais, quero entender aquilo. A frustração pela conversa infelizmente me leva à cena novamente e como me fez sentir. E então vem o pensamento... de que...

– Você... sentiu algo? Tipo, algo?

– Sinceramente não sei... Como eu disse, foi uma série de cois...

– QUE série de coisas, droga!

Ficou perceptível que eu não ia mais aturar aquelas desculpinhas, então ele se arranjou logo de começar a se explicar. E infelizmente, fazia rondas de novo.

– Eu sei, Lena, que quando tô perto do André, você some. E não falo isso como uma coisa ruim, ainda bem que você permanece longe. Ele não é uma boa pessoa... Por vezes a gente discute. E não foi diferente na praia, quando voltamos da trilha. Quer dizer, foi diferente no sentido de...

Ele parece escolher bem as palavras sobre o que me dizer. E sobre o que me esconder. Sempre quando o assunto envolve André, sinto que tem algo nas entrelinhas de nossas conversas. Coisas que eu não perguntava, e nem sabia dizer se era a hora delas.

– De...?

– Ele me deixou pilhado com algumas coisas que foram surgindo no papo da mesa. Papo de homem. Besteiras.

Insisto, curta e ríspida.

– Que tipo?

Sávio meneia a cabeça, titubeava em acrescentar as informações que eu queria. Suspira por ver que eu não ia desistir. Calmamente ele as menciona, sem olhar pra mim por um segundo sequer:

– Que tinham nos observado na outra noite, na boate, conversando. Insinuavam que estávamos juntos. Que você tava muito linda pra tomar chá de cadeira comigo. Que devia tá rolando algo entre a gente. Principalmente naquela hora que levantamos pra dançar e... ok, eu não danço, mas tive vontade de dançar. Com você.

Um flashback me vem com áudio, de quando Gui dançou comigo e algo do tipo escapuliu dele. Engulo em seco.

– E eu argumentei, claro, te defendi que não havia nada e nunca haveria, porque com a gente nunca era assim. Nunca foi. E que você não me via como um pedaço de carne como eles costumam falar. Só que insinuavam mais e mais, e já meio puto, eu continuei a beber, esperei que mudassem de tópico...

Entremeio ao relato, meus pensamentos se embaralham em fúria. Por que ele só não levantou e se retirou da mesa, caramba? Pra que foi dar trela pra quem não devia? Por que ele tinha que dar satisfações? E, principalmente, por que ele continuava com aquelas companhias, por quê? Mas mantenho-me calada, se sabia que ele não iria tocar no assunto, tampouco me dar respostas certas ou diretas sobre elas. Seria perda de tempo.

– ...só que na confusão de minhas ideias, e dos comentários deles sobre eu não ter tido uma relação qualquer com as garotas da faculdade por esse período, não minto, passei a considerar você... mais que uma amiga.

Wow, pera, isso não é bom. Melhor encerrar isso, minha mente me grita.

Só que uma vez que começara, Sávio se mantém falando e dá uma de esclarecedor logo que percebe minha expressão:

– Mas não como você tá pensando!

Mais um instante calados ficamos. Então ele recomeçou:

– Acontece que muitas vezes, Milena, acho que você sentiu também... uma espécie de clima entre a gente. Um feeling diferencial. Era uma coisa só... nossa. Uma sintonia. Gostava de como isso era único. Porque eu podia ser eu mesmo sem qualquer outra impressão. Só que eu tinha minhas dúvidas se você se sentia assim também. Algumas horas parecia que sim, outras não. Você sabe do que tô falando, não sabe?

Abaixo a cabeça um pouco, o que entrega meu vacilo. Porque sei. Sei muito bem. Lembro-me, na verdade, de algumas delas. Conversas aleatórias, discussões de trabalhos, brincadeiras, provocações, salas de aula, biblioteca, pátio, estacionamento... moto. Quando ele foi assaltado e cuidei de seus ferimentos. Quando pedi que me acompanhasse para ver Eric. A valsa. Os seus olhos. Aquela sensação de haver algo.

– Então você quis deixar de ser meu amigo? Pra tentar outra coisa?

– Não! Nada disso. Ontem eu só... tava perdido. Você me entendia. A única praticamente. Até mesmo quando estava fora de mim. E quando eu tirei a camisa naquele posto... Vi que mexi com você. Isso mexeu comigo também, não sei explicar como. Sei lá se eu tava vendo coisas!

Eu que não ia confessar que mexeu mesmo comigo!

A sua pausa quanto ao fato, no entanto, criou um suspense. Principalmente se ele se botou de pé e ficamos cara-a-cara dessa vez. Ele não se aproximou, contudo.

– Mas lá, Lena, vi, acreditei que vi, e aí a coisa toda meio tomou outra proporção. Quis que você admitisse também... De todo esse tempo, você foi a única praticamente com quem me senti à vontade.

– E a garota que você disse que gostava? Ela existe?

– Falei de você para você própria. Pensei que eu estava gostando de verdade... só que até hoje não sei se admitir aquilo foi verdadeiro. Eu não sei o que existe entre a gente.

– Não existe nada, Sávio.

Apontei, firme. Ele, por outro lado, sorriu um sorriso descrente.

– Você admitiu ainda pouco. E eu vi naquele posto. Eu só precisava que você também reconhecesse lá. Podia estar desorientado pelo que bebi, porém, havia um sentido. E esse sentido me dizia que se fosse essa única vez mesmo com quem me sentia assim, e que acontecesse o mesmo com você, eu devia tentar algo. Provar a nós mesmos.

Ele deu um passo pra frente, eu dei dois pra trás. Os gestos dele dessa vez eram mais sutis, enquanto eu permanecia distante observando clinicamente para o caso de tentar algo mais uma vez.

– O álcool conforme me dava sustância para falar todas aquelas coisas, desconexas talvez, ele também me embaralhava muito. Fiquei um pouco irado por ter, por exemplo, me olhado feio por ter estado com André e bebido daquele jeito... Mas eu queria sentir mais uma vez aquela velha sensação que sempre gostei, precisava dela, por isso ficava impondo minha presença. Esqueci meu lado cavalheiro. Esqueci que você...

Algo na boca dele morre e o suspense aumenta.

Insisto mais uma vez, duvidosa a respeito de querer ou não saber.

– Que eu o quê?

– Que tinha alguém. Que Vinícius era seu namorado. Pra mim, ali era o momento de descobrir. Se o que sentia e desconfiava era verdadeiro... Eu precisava testar, apenas. E eu ia só falar, o álcool me deu coragem. Só que você foi se irritando mais e mais, e eu perdi um pouco do controle. Além do mais... voc... deixa pra lá.

– Não, começou, termina.

Sávio umedece um pouco os lábios, olha para o teto e fica sem jeito de continuar. Fincou ali onde estava, colocou as mãos dentro do bolso da calça, precisou de uns segundos consigo mesmo até que pudesse voltar a falar. Não ousou me fitar diretamente e agradeço, de um modo muito incomum, a mim mesma, que foi bom não ter feito isso olho no olho.

– Você estava linda. Dentre nossas discussões naquele bar, eu... senti... veio um súbito desejo. Sou homem, afinal. E foi fácil me deixar levar por isso. Tava tudo tão bagunçado. Quando me vi, já dançava com você, como queria na noite anterior. Aí, embalado pela música, você tão próxima, e-eu... S-sinto muito.

Novamente, ele não consegue nem falar. Mas parece se forçar a isso logo em seguida. Para isso ele levanta sim o olhar, e eu dou mais dois passos para trás, mantendo nossa distância segura. Buscava também uma maneira de poder respirar sem colocar em evidência que aquilo tudo me afetava.

– Desculpe se a beijei. Desculpe se invadi seu espaço. Desculpe por ter sido rude e ter dito coisas que nem teria como explicar as razões. E acima de tudo, desculpe por ter descontado parte de meus problemas em você. Você merece mais que isso, Mi. Você é uma pessoa boa demais para uma coisa dessas... e, infelizmente isso vai mudar as coisas entre a gente.

Não sei por que quero chorar novamente. Ou se eu me culpava também. Mas não tardo a sentir tudo mais uma vez, revivendo aquele momento que foi a nossa quebra. O beijo. O modo. Como aquilo se revolvia por dentro. Parecia que sua boca estava junto da minha novamente, e podia sentir o gosto dela. Amargo. Umas poucas desculpas não seriam o suficiente para apagar aquilo.

Por isso mesmo tomei um tempo pra mim, assim como ele tivera durante nossa conversa. Fui paciente de organizar minhas ideias e até de “aceitar” essa sua versão. Na minha cabeça isso se encerrava, não tinha porque alongar mais isso. Tomei logo uma atitude, a mais firme que consegui botar pra fora.

– Já mudou, Sávio, já mudou. E meu nome é Milena, não esqueça.

– Ok.

– Eis o que acontece agora: não confio mais em você. Não importa bem o que me diz ou deixa de dizer, isso não vai fazer diferença. Você me enganou. E continua me enganando, ambos temos noção. Mas não quero saber disso. O que manteremos será apenas de aparências. Pois não quero estragar o fim dessa viagem. Ninguém saberá, tá me ouvindo?

– Mi...

– Não me faça repetir.

– Ok. Prefiro isso a te perder por completo.

– E para de dizer essas coisas.

– Se é o que me pede...

Sou a primeira a caminhar para a saída, sem replicar coisa alguma mais, nem olhar para trás. Porém, quando estou quase à porta, me vem uma súbita lembrança de uma conversa nossa de não faz muito tempo. Paro e, ainda sem me virar, deixo que as palavras saiam de mim a uma altura compatível para que ele possa ouvir:

– Você tava certo, Sávio, você não é nenhum santo. Gentileza é outra coisa.

Logo mais ele me daria outra prova disso. E mesmo com toda minha aversão momentânea para com ele, me veria sem outra saída senão aceitá-la.


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Notas finais do capítulo

Ele enrolou, enrolou e enrolou! Alguém pra sacar do que Sávio estava falando? Chutes?
Melhor, alguém acredita nele?
A Milena agora tem um pé atrás...

O próximo combo vai finalizar a temporada. Trechinho pra aguçar?

[...]
Tenho que tomar cuidado com Flávia. Embora muitas vezes inocente, ela consegue captar umas coisas de bem longe e, ainda sendo essa “boa atriz”, acho que decaí um pouco desde minhas últimas performances. Desde o caso do professor Bartolomeu ela tem sido mais cuidadosa comigo. Na verdade, todos, mas apenas ela e Gui estavam comigo nessa viagem. E Gui também não fica muito atrás quando ligava o estado de desconfiado.

[...]
Acho que até eu fico chateada com ele, só preciso primeiro ir à fonte para me certificar que história foi essa. O que tanto tinha na cabeça de Vinícius. E por Murilo ser o apaziguador, aí que sinto o mundo estranho mesmo. Fui parar no país das Maravilhas ou atrás do espelho e ninguém me avisou, é isso. É assustador vê-lo com essas mudanças e é horrível pensar isso dele, não tenho culpa se é inevitável.
— Não acredito que ele fez isso.
— Foi bem péssimo da parte dele.

Hmmmmmmmm... Alguém já aprontou.



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