Mantendo O Equilíbrio - Um Novo Amanhã escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 38
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Murilo reclamou bastante comigo nessa temporada por fazer gato-sapato dele. Pior, saco de pancadas. Num minto, ele se lasca bonito HAHAHAHA #soumá mas ele dá seu jeito de me driblar, senão, de termos peninha da criatura. Ô coisa pra roubar cena, hein...

Bora ver o que aprontei com ele? *traquina*
Enjoy :)

P.S.: Tbm um dos meus preferidos!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/419715/chapter/38

Murilo estava considerando pegar estrada, fazer uma surpresa no fim de semana, ver nossa mãe. Isso tudo foi por água abaixo quando na manhã da terça-feira topei com ele no corredor. Eu saía do banheiro, tinha levantado cedo só pra fazer xixi, provavelmente havia bebido muita água antes de dormir, resmunguei mentalmente, por ser forçada a me levantar tão cedo. Mal abri o olho na verdade, estava sem coragem alguma, eram 6h30 da manhã. Era de madrugada praticamente!

Meu mano me viu e, piscando, com a mão sobre o olho, perguntou onde tava o colírio, que ele tava doido atrás, o olho o incomodava, ele iria se atrasar. Eu ainda tava lerdona tentando assimilar o que me dizia. Quando ficamos cara a cara, que vi o que era, dei um grito:

– Meu Deus! Murilo, o que é isso?

Ele parou no mesmo instante, apreensivo.

– O que? Onde? Na minha roupa?

– Não, peste, é no teu olho. Tá super vermelho.

– Deve ser porque tá coçando.

E o bendito coça de novo!

– Não coça! Merda, isso tá feio, Murilo. Não viu no espelho não?

Ele aproveita que a porta do banheiro do corredor tá do lado, mete a cara lá e solta uns palavrões lindos quando se encara. Murilo sai do banheiro, caminha na minha direção e dou passos para trás. A situação não tava nada boa. Isso só poderia ser...

– Maninho, isso tá parecendo... errrrr... conjuntivite.

– Quê? Não, não pode ser, eu tenho que... e não... pera... Merda, isso coça.

– Eca, Murilo, não pega!

– Mas tá coçando, caramba!

Ele se aproxima de mim outra vez, que me afasto mais, vou deixando obstáculos entre nós para todo caso. Eu lá quero me contagiar isso? Quero não.

– Fica aí, que isso é contagioso. Não toca em mais nada, pelamor.

– Eu tenho que trabalhar, droga! Só me dá teu colírio.

Tem gente que ainda me pergunta por que uso colírio se não tenho problemas de visão. Mas quem disse que esse líquido é só para essas pessoas? Com dias quentes e passando dias e dias em salas com ar-condicionado, é fácil ficar com os olhos ardendo. Agora achar que um colírio simples desses de lubrificação vai arrumar esse olho esquisito dele, é outra história.

– Tá ficando maluco? Quer contaminar toda a cidade? Vai é pro médico, isso sim.

– Médico? Num vô nem fu...

Ignoro o palavreado “gentil” da peste, penso rápido num plano. Fugia cada vez que ele chegava perto. Qual parte do “fica aí” ele não entendia? Quem devia estar lerda era eu, não ele.

Precisava tomar banho, preparar o café da manhã e levar a criatura pra emergência. Como não podia dirigir, teria que ligar para um táxi e... Ai, ele ia reclamar disso até a outra vida, resmunguei para comigo.

Me virei pra peste inquieta e emburrada na sala.

– Fica nesse sofá. E ai de ti se tu tocar em alguma coisa com essa mão.

– E como eu vou comer?

Não tinha pensado ainda.

– Er... Resolvo quando eu estiver pronta.

Resmungão, ele senta e mantém os braços sobre as pernas. Categórico, Murilo começa sua resistência.

– Eu NÃO vou pro médico.

– Ou vai ou enfio um lápis nesse olho. E fica aí, melhor nem se mexer, nem tocar mais nada. Deixa que eu ligo pro Armando e pra Aline. Se eu te pegar fazendo qualquer coisa, vai ser pior.

Lá do banheiro quando vou me preparar para o banho ouço ele resmungar de novo. Tava como criança fugindo de hospital.

Imagine o estrago que ele faria se fosse trabalhar... Com um negócio desse, ele não vai poder ir para o centro meteorológico, pois se tem uma coisa que falta nessa criatura é cuidado.

– Eu só queria um colírio. Foi pedir demais? Não, não foi.

Qualé, até parece que ele vai levar agulhadas por isso. Eu acho...

Né?

~;~

Conjuntivite é altamente contagioso.

E não adianta o quanto eu digo pro meu irmão se afastar se ele torna a voltar para perto. Quanto tempo mais passa, parece que piora. Sai um troço do olho dele, o que o médico chama de secreção, que é onde tá o centro de contaminação. Quase colei um guardanapo no olho dele por isso.

Para os motoristas de táxi, tanto na ida, quanto na volta, menti dizendo que meu irmão tinha machucado o olho com uma raspadinha de gelo que espirrou do congelador. Foi o que deu pra inventar na hora, copiei de um episódio da série americana Friends. Ainda bem que o tio não assistia, pois, apesar de ter estranhado, não voltou a perguntar o que tinha acontecido com meu irmão e nem nos expulsou por carregar uma conjuntivite em seu carro. Foi por segurança a mentira.

Mandei o Murilo manter o olho tapado com uma mão pra todo caso, com cuidado para que ele não pegasse em nada mesmo. Ameacei chutar a canela dele cada vez que fizesse isso, até a hora que ele pudesse se policiar sozinho... Mas não tive coragem de realmente provocar isso no bichinho, principalmente quando ficamos na espera de sermos atendidos.

Quer dizer, lá tinha câmeras. Chega de vídeos comigo espancando meu irmão em hospitais. Como fomos a um próximo de nossa casa, não tinha mesmo como pegar uma cópia, já que não teria... err... contatos para conseguir um material desse. Não que eu quisesse. Mesmo. Só tô dizendo que eu tava evitando essa situação toda.

Murilo só se aquietou quando o doutor da triagem contou que não rolaria nenhuma seringa na hora de avaliar o estrago. Já na sala do clínico-geral da emergência, este nos aconselhou a consultar um oftalmologista para verificar melhor o caso, pois a versão perigosa da conjuntivite é a tal da bacteriana. Nesse meio tempo, indicou ter uns cuidados excessivos, como manter os olhos secos e limpos.

Comprei logo soro fisiológico e algodão na farmácia ao lado, eu teria que ficar de olho no meu irmão o tempo todo praticamente, e se dependesse de mim, ele passaria o dia debaixo de uma torneira lavando as mãos.

Deve ter pegado no trabalho, Aline me informou que outros cinco funcionários estavam de atestado por contágio; desses cinco, três eram do caso sério. O médico alertara sobre uma epidemia na cidade, registrou logo Murilo nas estatísticas. Como acompanhante, virei “enfermeira” mais uma vez, ganhei também meu atestado. Isso só significava uma coisa: ficar o dia em casa para cuidar do irmão dodói.

Estava mais pra “vigiar esse intransigente”.

De volta em casa, tentava marcar uma consulta de emergência numa clínica de olhos, seguindo a orientação do carinha da emergência. Como fomos bem cedo da manhã, não havia quase ninguém lá, então o atendimento fora rápido. Avisei Armando também, para ele ficar em alerta sobre o caso e, se ele tivesse precisando de alguma coisa relacionado ao projeto que está em desenvolvimento, que me ligasse e assim eu intermediaria a conversa dos dois.

Murilo estava proibido de pegar nas coisas, principalmente celular.

Tive que o isolar no sofá, só com coisas que ele poderia pegar. Emburrado, me provocou com uma mudança de canais, já que eu quem tinha o controle nas mãos. Teve uma hora que me irritei, desliguei a tv.

– Hey! Eu tava assistindo!

– Não, não tava. Tava era me atrapalhando. Já vou ligar para a quarta clínica, pra você ver como tá difícil. Nem vou poder ir pro estágio hoje.

Nessa hora ele parou, me olhou. Então veio o bico. Ai, dai-me paciência. Se pedir mimo, vou dar patada de tanto que ele já me estressou. Foi uma confusão pra metê-lo dentro do táxi, pra não dá vista ao taxista, outra confusão pra ele entrar na emergência, para ele passar pela triagem (porque achou que ia levar agulhadas, e o carinha só queria tirar sua pressão), esperar na sala para ser chamado, ficar atenta a qualquer movimento em falso dele.

Isso só numa manhã, imagina o que seria o dia todo...

– Você ainda queria me deixar sozinho?

– Você é um perigo pra cidade, sabia? Se te deixo sozinho, aí que o perigo aumenta. E ainda sou alvo, eu que cuido de ti.

Ele não tinha hora melhor pra arrumar essa conjuntivite? Tenho que vigiar até o copo que ele bebe água. O médico disse para trocar as fronhas todos os dias, além de separar todos os utensílios, deixando-os isolados. Isso pelas próximas duas semanas. Eu teria que ter um plano de regras e rápido, senão ele infecta todo mundo.

Por isso que quando chegamos, sozinha fui eu higienizar o quarto dele, de luvas, carregando uns materiais de limpeza num balde. Queria até chamar dona Bia para me ajudar, só que no dia anterior me falara sobre um compromisso importante que tinha, eu não iria atrapalhá-la. Pedi almoço por entrega, não tinha condições de eu fazer tudo e ainda manter meu irmão quieto.

No sofá, Murilo se vira, e resmunga baixo entredentes. Só que consigo ouvir, enquanto a musiquinha do atendimento da clínica rola pelo meu celular. A moça me deixou em espera.

– A gente dá amor, dá proteção, dá dinheiro, troca fraldas, dá comid...

– Há! Quem disse que você trocou minhas fraldas?

– Eu tentei uma vez, tá. Só que você se mexia muito, aí mamãe me dispensou.

Ia responder algo, mas a secretária deu sinal de vida, consegui marcar uma consulta para depois do almoço, depois de muita insistência com a moça, de nos encaixar. Quando me virei novamente para dar a feliz notícia, Murilo tinha sumido do sofá. Saltei os olhos ao vê-lo chegando na cozinha.

– Murilo, NÃO! O que eu te disse ainda agora? Ou TODA HORA?

E ele ainda tem a cara de pau de dizer que me zango fácil. Com ele fazendo essas besteiras todo momento é impossível não se zangar. Pelo menos cheguei a tempo, ele não havia aberto a geladeira ainda. Petrificou na hora que gritei com ele. Que bom. Aí ele meteu a mão no olho de novo.

Suspirei, cansada. Só abri a torneira da pia, com o detergente no ponto para colocar nas mãos dele. Perdi as contas de quantas vezes já fiz isso.

– Vai, cuida.

– Eu vou ficar com TOC de lavar as mãos desse jeito.

– Pra você aprender a não pegar nesse olho.

Dou mais uns guardanapos, ele enxuga as mãos, entrego mais uns para que passasse nos olhos quando a secreção começasse a sair novamente. Ainda bem que era somente um olho.

– E FICA no sofá dessa vez.

– Eu só queria uma fruta, poxa.

– Me pedisse, oras.

– Mas você só briga comigo, resolvi pegar eu mesmo.

– Ai, Murilo, não vê que quanto mais você faz as coisas que peço para não fazer, mais eu vou brigar?

Se arrastando pra sala após eu lhe entregar uma maçã, ele fala baixo para si. E eu ouço mais uma vez.

– Com o Vinícius ela cuida, nem reclama. Comigo é só gritaria.

– Quem disse?

Se faz de emburrado, deita no sofá, come de sua maçã. Pronto, agora ele não fala comigo, revoltadinho. Reviro os olhos. Volto para a cozinha pra preparar a compressa que devo passar, pra aliviar seus incômodos do olho. Eu que sou um anjo de candura de cuidar dele, e sou a renegada.

Recebo o almoço na porta, deixo na cozinha para depois. Primeiro iria desemburrar certa criatura que me torra a paciência. Acho que eu não tava com uma cara boa, o carinha da moto-entrega mal me dirigiu a palavra, foi logo embora. Pedi por mais paciência aos céus para empurrar meu querido irmãozinho para o banheiro. Ele se recusava, por isso tive de puxá-lo e empurrá-lo. O que ele tinha pra estar tão resistente? Fiz que sentasse sobre o vaso fechado enquanto lhe dava algodões molhados com soro fisiológico gelado, o que pareceu lhe aliviar aos poucos.

– Vai ficar sem falar comigo agora, é?

– Prefiro ficar calado a ser destratado. Eu só pego teu mau humor. Com o outro só ficava de chamego. Mas comigo? Pff.

Parei. Ri internamente.

Não.

Não, não, não, não. Murilo tava com ciúmes do modo que eu tratava de Vini? Fala sério! Ele não viu nada.

– Primeiro: ele só pegou uma gripe forte. Segundo: eu o deixei de castigo porque ele quis sair daquele jeito, com febre. Terceiro: não teve chamego algum, justamente pra evitar dengo. Pode perguntar pra ele.

– Eu não fico dengoso. Eu só tô... dodói.

Gargalho com essa. O modo que fala, que se emburra de novo, indignado, eu não resisto senão a gargalhar alto. Se ele não estivesse tão intocável, faria até um carinho nele. Ou talvez não.

– Além de gritar comigo, ainda ri de mim. Deixa tu ficar doente pra ver o que vou fazer.

– Vai fazer chazinho.

Brinco, enquanto lhe passo mais algodão para seu olho. Fico de vigia para ele não infectar o outro lado, que é bem capaz de acontecer.

– É, vai crendo... E o que a Aline disse? Eu sei que ela ligou ainda agora.

Sei que se remoeu pra perguntar, já que estava de “mal comigo”.

– Ela não vai poder vir te ver... Se bem que não sei se é uma boa vocês se verem esses dias.

– Por quê?

– Eu não sei se... se é perigoso para grávidas. Isso se ela estiver mesmo. O gênio aqui ficou enrolando. Agora não dá pra saber.

O prazo que ele mesmo havia selado havia sido para o dia anterior... Só que Aline, ao que parece, é sensitiva, e sumiu. Por quase um dia todo. Murilo comprou até um ursinho de pelúcia fofo, pra influenciar na conversa séria que teria com ela. Mas como se a garota sumia? Tava parecendo a Iara, falava que tudo era trabalho, trabalho, trabalho. Que tanto trabalho era esse que a fazia sumir com a diretora?

Ninguém sabe dizer.

– Argh, ainda tem isso? Vou ficar 2 semanas sem poder vê-la? Que merda é essa?

– Eu num sei, tá? Vamo perguntar pro médico hoje de tarde.

~;~

Vinícius respira rente ao vale de meu pescoço. Está preocupado com o fato de estarmos deitados juntos na cama do quarto de hóspedes de minha casa. A luz baixa do abajur que ele nos presentou logo que deixou minha casa no ano passado estava lá, me enchendo de sorrisos bestas, por me sentir boba com as lembranças do que foram as noites que passei com ele nessa mesma cama. De como eu programava o celular, como Murilo uma vez quase me pegou e... deixa pra lá. A conchinha com Vini me pede pra esquecer os motivos desesperadores que o levaram a ficar um tempo na minha casa.

– Pensei ter ouvido uma vez que ficar desse jeito, juntos, te dava paz.

– E dá. Mas não deixo de ruminar que seu irmão pode aparecer a qualquer hora. É diferente agora... E se ele levantar de madrugada?

Me aconchego mais ao travesseiro, engulo um riso.

– Ele não vai.

Vinícius insiste.

– E se ele precisar de algo?

– Ele não vai.

– Como você pode ter tanta certeza?

De repente não rir fica tão difícil de lidar...

– Eu o tranquei no quarto. Passei a chave.

– Nããao...

– Siiiim. Deixei umas coisas lá, pra todo caso. Você conhece a figura.

Ele levanta a cabeça, me repreende.

– Lena!

– Tá, porque você prefere que ele apareça ali na porta, né?

– Eu só acho que ele não merece esse tratamento.

Meu irmão querido merece coisa pior.

O cachorro quis me denunciar pra Djane! “Milena, não destrate seu irmão”, ela falou ao telefone, no viva-voz. “Ele que tá com frescura”, respondi. Murilo aproveitou a deixa:

– Reclama com ela, Djane, reclama. Ai, ela tá me maltratando. Ai, Milena, para com isso!

– Para de fazer drama, coisa, que eu num tô fazendo nada. Nem tô perto de ti.

Vini tomou meu partido, felizmente.

– Isso é verdade, mãe. Ela tá quieta no canto dela.

Como sua aula terminara cedo, veio me dar uma forcinha em casa já que alguém me explorava – se ele faz drama, eu faço o meu, qualé. Vini levou o jantar. Ainda bem que não havia pedido até então, senão daria pena de jogar fora o excesso de comida. Djane ligou para ver como seu “menino” estava, que, preocupada, pensava em algo que pudesse fazer. Vetei logo que não poderia rolar mimo algum, e foi aí que ele começou todo o drama. Mentiu na cara-de-pau.

Eu estava na mesa da sala, bondosa como sou, preparando a segunda leva de compressa do olho desse cachorro, enquanto ele me delatava para minha sogra. Se fosse por justa causa, só contornaria e tal; mas inventar que eu tava batendo nele? Bom, Vini, que preparava a mesa para nós – namorado prestativo o meu – se meteu para defender a minha honra. Meu mano se manteve emburrado. Djane se despediu e eu já tentava bolar algo para me vingar. Ainda me devia por ter brincado com minha cara no domingo, na casa de seu Júlio. Não, eu não tinha esquecido.

Como fiquei cansada de todo um “dia de trabalho” e Vini não iria pela manhã para o escritório – teve dispensa essa semana por um problema no sistema de canos do prédio, interditaram por uns dias – acabou que ele ficou para passar a noite na minha casa. No quarto de hóspedes, claro, Murilo ditou. Assim que o sono bateu nessa peste, dei uma última verificada no seu quarto e passei a chave, simples. Ele nem notou.

– De qualquer modo, não foi só por você estar aqui que eu o tranquei lá. Vai que ele realmente saísse perambulando pela casa? E espalhando o vírus? Não teria como saber, ele é que nem criança mesmo, não dá pra confiar nisso. Vou viajar daqui uns dias, nem sei se é permitido entrar no avião desse jeito. Eu não vou com isso no olho!

– Olhando por esse lado... tá, não digo mais nada. Aquilo é ruim mesmo, não tô a fim de ficar semanas off por causa de um olho. Só que ele me quebrou as pernas de qualquer maneira.

– O que quer dizer?

– Er... sabe aquela surpresa que prometi?

– Aham. A que não quis entrar em detalhes.

– Pois então, iria te comunicar hoje. Só que agora o meu plano melou, já que você tem seu irmão pra cuidar. Vou ficar pra escanteio.

Own, soa decepcionado. Se eu soubesse pelo menos do que fala...

– Ainda tô boiando, Vini.

Ele se remexe, ouço que toma fôlego, parece sério, sentou-se às minhas costas. Me virei para ele, que tinha uma carinha um pouco incerta de como tratar. Assenti, num incentivo para que contasse. E assim ele começou...

– Eu planejei aquela... aquela nossa noite. Uma noite apenas para nós dois. Queria que ter algo especial antes de você ir nessa viagem. Iara me falou que vai viajar com Filipe essa semana, deixará a chave do apartamento comigo... para que pudéssemos ter o apê.

Oh. As coisas logo se encaixaram na minha cabeça.

Ele brincava com os dedos de uma mão minha, o pensamento longe.

– Minha pergunta era sobre você estar pronta ou não... mas diante disso, talvez não seja o melhor momento...

– Não! Quer dizer, é... fica um pouco complicado, mas, sei lá, acho que dá pra contornar. Murilo tem que aprender a se virar, certo? Quão estrago ele pode fazer? Podemos dopá-lo!

– Lena.

Vinícius me olha sério.

– Eu sei. É que eu... queria mesmo essa noite. Podemos dar um jeito, sei lá. Talvez passar o dia? Porque a noite é mais complicado. Que dia seria?

– Essa sexta.

Me permito um momento mais confiante.

– Acho que podemos dar um jeito sim.

– Não tá esquecendo de nada, não?

Nossos dedos se cruzam, se juntam, se fortificam. Com ele me encarando sério, meio contido, tento imaginar do que possa se tratar, mas não chego a nada. Às vezes eu consigo ser essa tapada.

– O que, por exemplo?

– A pergunta crucial. Você está pronta? Para... ficar comigo?

Um sorrisinho sincero vacila no rosto familiar dele, um que não só me agrada ou me enternece o coração, mas que me passa mais segurança, por toda sua preocupação, cuidado, paciência. Confesso que sinto um leve tremor, um buraco de ansiedade na barriga só de pensar que teríamos todo o tempo do mundo para nós dois, como até então não havíamos conseguido.

Confiava nele acima de tudo isso. Acompanho-o esse sorrisinho, me sento melhor a sua frente. Com um toque no seu rosto, me aproximo mais, o cheirinho de sabonete pós-banho dele ainda estava sobre a pele. Consigo, segura, responder:

– Sim, estou pronta.

Com um beijo selamos a proposta aceita. Sei que se contém de qualquer movimento muito insinuativo, se contentando com os poucos beijos que nos mantêm entretidos. Calmos, lentos, sensíveis, exploradores. Eram a promessa de um momento só nosso.

Uma vez de volta à conchinha, fomos nos entregando ao sono. Aproveitaríamos enquanto podíamos, sem interrupções. Um tempo depois ouvi sua respiração se regular, quieto, pensei que dormira primeiro. Me espantei quando sua voz, mesmo baixa, veio ao pé de meu ouvido:

– Sabe, vi um ursinho na sala. Fiquei me perguntando se era seu... não tinha o visto antes.

– Ah. Não, Murilo comprou pra Aline, pra conversa definitiva que teria com ela. Só que não rolou... e o laço do urso se desfez. Ele trouxe para que eu ajeitasse. Eu disse que seria bom ele aprender a fazer laços... Vai que tem uma menina mesmo?

A cara do meu irmão me pedindo pra arrumar o ursinho foi impagável. Chegou como quem não quer nada, perguntou se eu poderia refazer um laço, boiei, então ele mostrou o ursinho, dentro de um embrulho transparente. Não sei por que ele ficou desconcertado... talvez pela minha reação de riso contido? Acho que não, porque não era um riso de deboche ou sacanagem, era de fofura mesmo.

Contou que havia comprado numa loja de presentes que passou a caminho do trabalho, andou com o bichinho escondido sobre uma manta por todo o prédio de meteorologia para entregar pra Aline e nada dela aparecer. Quem o via passando, achava que era sobre alguma surpresa de seu projeto. Ah, se soubessem...

Nisso, de um lado pro outro, o laço do urso se desfez.

Nessa manhã, depois de chegar do médico, bati o olho no urso e me toquei que por pouco eu não fui contaminada, assim como ao próprio bicho de pelúcia. Murilo já mostrava leves traços de incômodo no olho, nada que me ative a tempo. Só disse a ele para deixar na mesa que depois eu ajeitava, e assim eu esqueci. Por isso higienizei o urso, trocando o embrulho; reforcei também o laço.

– Murilo não sabe fazer laços? Como não? É como amarrar tênis.

– Ele só diz que não, que não consegue fazer se não for seu tênis. Se você visse como ele inventava de amarrar meu cabelo quando eu era pequena, colocaria ele num curso ou coisa parecida.

– Contrariando isso, ele tem muito jeito para cuidar de criança. Naquele dia que a garotinha se perdeu na praia? Poxa, ele sabia se comportar melhor que eu.

– Murilo é um mistério da natureza, isso sim. Diz que vou ser a tia trambiqueira.

Paro de rir quando o namorado diz que acredita.

– Vini! Essa seria aquela hora que você interveria com um “Trambiqueira? Não, você não é dessas coisas.

– Tô mentindo? Tô não.

Reviro os olhos, valeu a tentativa. Meu destino estava selado mesmo e não tinha porque mais ficar negando, se eu mesma faria questão de ser a trambiqueira da relação.

– Ele ficou bastante chateado com essa de não poder chegar perto de Aline agora. Se ela estiver realmente grávida.

– Espero que eles se resolvam logo.

– Eu também. Ele já é chato com esse olho problemático, imagina coração também.

– Lena, tenha consideração, poxa.

Vini que não largava de defender a peste.

– E eu tenho! Ele que não tem por mim. Mas que me espere... acho que já sei o que fazer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Curiosidade: eu tava numa época tão produtiva das ideias que qualquer coisa do dia-a-dia tava me fazendo pipocar cenas (vide o carro casamenteiro e a boneca falante). A da conjuntivite foi por um comentário por alto numa conversa. Juro que a cena se desenhou sozinha XD



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mantendo O Equilíbrio - Um Novo Amanhã" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.