S.O.S Me Apaixonei Por Um Assassino Suicida escrita por Anthonieta


Capítulo 4
Wilt Chamberlain passou de defunto para adjetivo




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Pelo menos duas vezes ao dia, eu separo alguns instantes do meu tempo, que não é dos maiores, para dramatizar crises existências e adjacências. Por exemplo, na Avenida Nirt, de vez em tantas, perambulam homens moribundos em vestes deterioradas e sob condições desumanas, vítimas de alguma coisa não muito legal, provavelmente. Aqueles homens mal movem os músculos já fracos do pescoço para levantar a cabeça, pela tristeza deveras da vida, ou simplesmente, pelo sol ardente. Andam sempre cabisbaixos, envergonhados, sujos e sem força. Então me pergunto, qual a lógica da vida, digo, para alguns, para eles? Como chegaram naquela situação? Eles chegaram a chegar ou sempre estiveram? São perguntas retóricas, talvez, ou não, são apenas perguntas. Perguntas tão tristes que ficamos sem saber se queremos as respostas. Bem, eu nunca quero. Entretanto, eu poderia, sim, ter uma mini-crise, dentro daquele elevador, sobre Jason Santi e seus olhos de Gavial, maldito Jason Santi que eu mal conheço, mas não consegui. Até tentei bastante, e Gabriela não atrapalhou muito, ela estava em silêncio, nós estávamos em silêncio. Aquele olhar horrível bloqueou minhas vias cerebrais. Nada entrava. Nada saia. Eu estava paralisada em um tempo pouco passado, desaprendendo a pensar, mas pensando, como uma artimanha de Hécate, um roubo de consciência que fora quebrado pelo barulho importuno das portas idosas do elevador se abrindo e pelo ar quente do quinto Hall.

Gabriela saiu apressada, balbuciando sem pausas ''pizzapizzapizzapizzapizza...''. Eu pedi, educadamente, à minha maneira, que ela calasse a boca.

— Não posso comer pizza, meu Deus, como estou gorda! Preciso perder três quilos, mas quero comer pizza...

— Ga...

— Eu amo pizza, amo os tomates... E as pizzas! Mas não posso comê-las, porque. Estou. Gorda. Muito. Gorda.

— Acabou?

— Não zombe da minha condição árdua, complicada, triste e sombria.

— Gabriela, você não está gorda, okay?! Bem, mas devido ao colesterol, nós podemos pedir uma mussarela à couve e cenouras.

— Hum... Cenouras?

— Cenouras!

— É a única alternativa?

— Não, definitivamente, mas é a menos mortífera.

— Eu topo.

A primeira coisa que fiz ao chegar em casa (finalmente) foi ligar para Hecto, uma amigo entregador da Laserus. Tomei um banho, ainda com o pensamento embaçado, porcaria, e fui para a sala esperá-lo, junto com Gabriela, que assistia ao último dia de confinamento dos participantes de um reality show.

— Quem você acha que vai vencer? – perguntou-me.

— O prazo de validade desta Coca que você está tomando, se não já tiver vencido.

Gabriela cuspiu a coca-baba que estava em sua boca no carpete.

— Como pode armazenar alimentos estragados em sua geladeira?

— Não sei.

— Que nojo.

Peguei o controle remoto e passei de canal. Uma exposição de animais que fora realizada éons atrás, em algum lugar do universo, estava sendo retransmitida pela quinquagésima sexta vez – há margem de erro.

— Tira disso!

— É bem mais produtivo que passar horas observando aquelas mulheres de borracha se oferecendo para os rapazes musculosos. Olha só aquele bezerro, ele deu lugar ao irmãozinho na teta da mãe. Um ótimo exemplo de partilha que os seres humanos individualistas deveriam seguir.

— Você têm problemas, muitos problemas.

Dei de ombros, ignorando a afirmação equivocada de Gabriela, sim, muito equivocada, e peguei o notebook.

— O que vai fazer com isso?

— Pesquisar sobre Jason Santi. – sorri.

— Ah, depois diz que não está interessada.

— Não é interesse, digo, não é interesse hormonal.

— Aham. — ela debochou — Como você acha que vai encontrar sei lá o quê sobre um cara estranho, bonito, uau, muito bonito, mas... Estranho?

— P-e-r-f-i-s-s-o-c-i-a-i-s.

— Hum, ahh, bem... Você não explica.

— Eu esperava que você entendesse automaticamente.

Entrei no atual site de relacionamento mais utilizado, para tentar encontrar o perfil do jovem. Eu esperava, sinceramente, que Jason Santi fossem realmente o nome e sobrenome dele.

***

Primeira página, nada. Segunda, nada. Nada, também, na terceira. Porcaria alguma na quarta. Que diabos de cara é esse que não possui um perfil no Facebook? Mas enfim, na quinta página, Jason Marílio Santi!

— Marílio? — disse Gabriela, espantada. — Isso lá é nome?

— Broxante! — retruquei.

— Muito broxante! – ela completou.

— Bem, vamos dar uma olhada, procurar coisas... Ahn... Suspeitas.

Gabriela assentiu. Acessando o perfil do mancebo, percebi que ele tinha vários amigos em comum comigo. Inclusive uma colega da faculdade, o que me lembrou que eu ainda tinha uma síntese naturalista, para a entrevista de estágio, a fazer. Bufei e ignorei a lembrança. Interessante, o bairro onde Jason morava é bem mais evoluído, e bonito, e badalado, e moderno que Crouzi. O que levaria um cara, aparentemente rico, popular e desejado, mudar-se para este fim de mundo? Muito estranho. Na timerline, havia várias mensagens de mulheres vulgares tentando impor intimidade, amigos superficiais marcando partidas de futebol superficiais com mais sujeitos superficiais. Havia umas fotos repletas de pessoas bêbadas e drogadas, e algumas frases de cafajeste penejadas por pessoas que ele nunca ouviu falar. Gabriela e eu não tirávamos a cara do computador até a campainha tocar.

— Deve ser Hecto. – resmunguei.

— Eu abro! – disse ela.

Ela foi rapidamente até à porta, tropeçando em seus próprios pés. Hecto estava parador, em seu habitual sorriso que fazia com que qualquer pessoa o chama-se para uma partida de WAR.

— Boa noite, garotas, boa noite. Que delícia, olha só... Cheguei.

— Boa noite, Hecto! – respondemos em uníssono.

Ele sorriu e deixou a caixa da pizza sobre o criado mudo.

— Fique e jante com a gente. — sugeriu Gabriela — Você não está com fome?

— Eu? Muita, mas maior que a minha fome são as minhas dívidas. Preciso trabalhar, gatinha, mas se você quiser, mais tarde...

— Não, deixa pra lá. – ela interrompeu, eu ri. — Melhor deixar pra lá.

Eu paguei Hecto e ele estava prestes a abrir a porta e sair, quando, não sei porque raios, ele foi até Gabriela, no notebook, e fez uma carranca estranha.

— O quê? Jason... Chamberlain? Gabi? Você e o Chamberlain? Eca.

— Quem? – perguntei.

— Eu e o quê? – bradou ela.

— Esse cara! – Hecto continuou — O Chamberlain, o nojento Chamberlain!

Chamberlain... Eu já ouvira aquele nome antes, queria me recordar de onde, mas não conseguia. Com certeza já li algo relacionado a isso. Apenas uma vaga lembrança me veio em mente, mas eu não tinha certeza.

— Hecto... – chamei-o — Chamberlain... É... Hum... De Wilt Chamberlain?

— Isso! Esse cara aí mesmo. Eca.

— Isso não é bom. – sussurrei

— Eca! Gabriela, você... você está saindo com o Chamberlain? Como... Como pode?

— Não estou saindo com ninguém! – ela retrucou — Não por falta de vontade, mas enfim, não estou saindo com ninguém! E o que diabos é ''Camberlhin'' ?

— Wilt Chamberlain... — corrigi — bem, até onde eu sei, foi um dos maiores, ou maior, pegador de todos os tempos. E isso explica muita coisa.

— Justamente! — Hecto completou — Jason Santi recebeu esse apelido ridículo em função desse cara... Wilt... Sou fã desse cara... Desse cara... De Jason não. Eca.

Naquele momento senti uma náusea tão forte que tive a breve impressão de estar servindo de moradia para uma família nordestina de tênias. Perdoe-me o esteriótipo tosco e idiota, mas, convenhamos, foi uma piada bem aplicada.

— Hecto, você tem que ir, não é mesmo?

— Sim, realmente, Deus, tenho vinte e cinco pizzas de couve e cenoura para entregar. Melhor eu ir.

— Isso, vá, boa noite! – rebati, o empurrando porta a fora — Obrigada pelas informações, você não imagina o quanto foi útil. Obrigada. Obrigada. Obrigada.

***

— E agora? – perguntou-me Gabriela

— Agora eu sei exatamente o que fazer. Sei exatamente como tirar Jason Santi...

— Jason Marílio Santi! – ela interrompeu

— Sim, agora sei exatamente como tirar Jason... Marílio, que nome, Santi do Tude Empire.

— Eu estou com medo de você. Mentira, mas... O que planeja fazer?

— Vou te contar tudo, claro, óbvio, até por quê você faz parte do plano.

— Como? — ela fez uma careta — Ninguém me perguntou se eu queria.

— Isso não é algo para ser tratado como alternativa. Então... junto?

Ela deu uma longa pausa, encarando o carpete manchado de Coca.

— Estou com você.


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