Pra Sonhar escrita por KatherineKissMe


Capítulo 16
Capítulo 16




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Beatriz - 4 anos e 11 meses, Maria Luiza - 4 anos e 6 meses

Cecília ligou no dia seguinte, logo pela manhã, convidando Lia para jantar na casa dela. Ela ainda não tinha dado uma resposta, mas disse que isso não tardaria a acontecer.

A jornalista ficou ansiosa por boa parte do dia. Depois do almoço ela ligou para a mãe, para conversar sobre o que ela tinha ouvido na noite anterior.

–E como ela está? -Raquel perguntou.

–Quem? A Cecília?

–Sim, ela aparentava uma boa saúde? Ela não parecia estar passando nenhum tipo de necessidade, não é?! -A médica perguntou obviamente preocupada.

–Não, ela parecia estar bem. Até brigou comigo para pagar o jantar. -Lia contou estranhando a pergunta. -Por que essa dúvida?

–Bom, a Cecília não tem um bom relacionamento com o pai, desde que ela saiu de casa. Eu já conversei com ele, e ele é extremamente ignorante.

–Por que você conversou com o pai dela?

–Lia, eu só vou te contar porque isso vai te ajudar a entender melhor a Cecília. O pai dela produz um dos vinhos mais famosos da região e construiu um império com isso, mas abandonou a filha à mercê da sorte quando o acidente aconteceu. Uma das enfermeiras ligou para ele para informá-lo do acontecido, disse que a filha tinha entrado em trabalho de parto e que o genro havia falecido. A resposta dele foi que nada disso o interessava, que ligassem para outra pessoa. -Raquel suspirou com a lembrança. -Eu conversei com a Cecília, sobre quem a ajudaria nos próximos dias, porque cuidar de um recém-nascido tendo passado por uma cesária de emergência, e estando com tornozelo fraturado, seria praticamente impossível. Como você vai perceber, ela é muito orgulhosa, e disse que conseguiria se virar sem ajuda. Foi preciso que eu desse uma bronca pra que ela percebesse que precisava de algum auxílio, mas ainda assim se recusava a aceitar caridade.

–E o que aconteceu? -Lia perguntou curiosa.

–Dois dias antes da Cecília e da filha terem alta, ela me pediu que entrasse em contato com o pai dela, dizendo que a presença dele no hospital era extremamente necessária. Não foi nada fácil, mas o homem disse que passaria lá para ver o porque de tanta insistência. Quando ele chegou lá, eu o acompanhei até o quarto onde a filha e a neta estavam, e o primeiro comentário que ele fez foi “essa menina ainda veio com problema?!”. Depois disso a Cecília pediu que eu tirasse a Malu do quarto pra que ela pudesse conversar com o pai. Não ouvi o diálogo, mas pelo que ela me falou, foi feito um acordo com o pai - já que legalmente ele não podia deserdá-la - que garantia a ela uma mesada, além do serviço de uma enfermeira, enquanto fosse necessário. Em troca, ela não entraria na justiça exigindo os seus direitos, e até assinaria um termo abrindo mão da herança do pai.

–Nossa! Que tipo de pai abandona a filha assim? -A jornalista estava chocada.

–Pois é. Como você deve lembrar, eu fiquei só por dois meses em Campinas, antes de voltar pra casa, e acabou que o contato com a Cecília ficou escasso. Eu dei o meu número pra ela, caso ela precisasse de qualquer coisa, e também a levei até a FS Down pra que ela tivesse toda a ajuda necessária. Depois disso não soube de muita coisa, só sei que a última vez que ela viu o pai dela foi na maternidade, desde então o advogado tem feito a ponte entre eles.

–Estou impressionada. A Cecília parece quase que uma boneca de porcelana, nunca imaginaria esse lado guerreira dela. -Lia comentou.

–E é por isso que eu queria que você a conhecesse. A Cecília é uma pessoa incrível e um exemplo de mãe, você vai aprender muito com ela. -Raquel disse.

–Isso se ela me permitir. -A filha acrescentou. -Ela ainda não me deu a resposta que eu tanto quero.

–Lia, seja mais compreensível. Você pode até não ter filhos, mas conhece muitas mães, e sabe que nenhuma delas exporia os filhos à uma desconhecida. Ainda mais uma jornalista.

–Senti um preconceito. -A roqueira brincou. -Mas entendi o que a senhora quis dizer. Se tem uma coisa que eu aprendi na faculdade é que a mídia nem sempre é vista com bons olhos.

–Isso mesmo, então seja paciente. A Cecília não marcou um jantar na casa dela hoje?

–Marcou.

–Pois eu já considero isso um bom sinal.

–Tomara doutora, por que eu estou muito empolgada.

–Vai dar tudo certo, Lia. Tenho certeza. -Raquel disse confiante.

Depois daquela ligação, a jornalista decidiu passear pela cidade para controlar a ansiedade. Ela encontrou um café e ficou por lá lendo as suas anotações das últimas semanas.

O tempo passou e Lia não percebeu. Ela só voltou à realidade quando o telefone tocou.

Era Cecília.

–Oi Lia, ta fazendo o quê? -Ela perguntou.

–Eu estou em um café aqui perto do hotel, por que?

–Então, eu saio do trabalho daqui meia hora. Será que você pode me encontrar aqui?

–Claro. Só vou passar no hotel para um banho. Me manda o endereço daí por mensagem, pode ser?

–Certo.

Após desligar o telefone, Lia pagou a conta e correu para o hotel. Ela tomou um banho rápido, procurou o endereço enviado no google e logo já estava dentro de um táxi.

Cecília trabalhava em uma escola infantil, localizada em uma das áreas mais ricas da cidade. Chegando lá, a marrentinha se identificou e foi levada até a sala onde a garota trabalhava.

–Oi Lia, desculpa ter te ligado tão de repente.

–Sem problemas, não estava fazendo nada demais.

As duas se sentaram no sofá para conversarem melhor.

–Eu pensei muito sobre tudo o que você me disse sobre o seu trabalho, li as matérias que você me deu e também fiz uma pesquisa rápida.

–E o que você achou? -A jornalista perguntou ansiosa.

–Honestamente, eu gostei. O seu trabalho é realista e é uma causa que eu abraço. A Síndrome de Down precisa ser exposta e, acima de tudo, desmistificada.

–Então você vai me ajudar?

–Antes de te dar uma resposta, eu quero que você conheça a Maria Luiza. Se ela gostar de você e não se incomodar com a sua presença, tudo bem. Do contrário, eu não vou poder te ajudar, entende? -Cecília disse.

–Claro que entendo e agradeço a oportunidade.

–Não me agradeça ainda. -A garota riu. -Agora vamos? A aula da Malu termina daqui cinco minutos.

–Ela estuda aqui? -Lia perguntou.

–Sim, se tem uma coisa com que eu me preocupo é com a educação da minha filha. Essa é a melhor escola da cidade, e trabalhando aqui eu consigo pagar a mensalidade e, ao mesmo tempo, ficar de olho no tratamento que a minha filha recebe.

–Entendi.

As duas caminhavam pelo colégio quando o sinal tocou, anunciando o fim das aulas. Logo o pátio estava cheio de crianças animadas para irem embora.

–A sala da Malu é aquela ali. -Cecília apontou.

Lia seguiu a garota até a sala apontada, desviando das crianças que saltitavam pelo caminho.

–Mamãe! -A marrentinha ouviu o grito assim que Cecília entrou na sala.

–Minha linda! -Ela respondeu, abrindo os braços para receber a filha.

Além de Malu, a professora estava na sala organizando os materiais e Lia a cumprimentou.

–Filhota, lembra que eu te disse que hoje ia te apresentar à uma pessoa? -A mãe perguntou.

A menina assentiu, balançando a cabeça.

–Bom, essa é a Lia. Ela é filha de uma amiga muito especial da mamãe. -Cecília disse aproximando a filha da jornalista. -Diz “oi” pra ela, princesa.

–Oi. -A menina disse sorrindo.

–Oi Malu, estava ansiosa pra te conhecer. -Lia disse. -Você é muito linda, sabia?

–Sabia. Sou uma princesa. -Ela disse apontando para a mochila da Cinderela que ela carregava.

–Que convencida. -Cecília brincou, fazendo cócegas na filha. -Agora vamos pra casa fazer um jantar delicioso pra Lia?

–PIZZA! -A menina gritou, batendo palmas.

–Pizza! -A mãe concordou.

–Espera, vocês vão fazer pizza? -A marrentinha perguntou surpresa.

–Vamos! Receita da minha avó, então não precisa se preocupar que a pizza fica gostosa. -A garota brincou.

–Bom mesmo. -Lia disse rindo.

As três foram até a casa de Cecília, que era um pouco longe, mas nada que um ônibus não resolvesse. O imóvel era simples e pequeno, mas bem arrumadinho.

–Sinta-se em casa. -A mãe disse. -Eu vou dar um banho rápido na Malu, se quiser ligar a TV ou algo do tipo, fique à vontade.

–Certo.

Lia ficou observando a decoração da sala, as inúmeras fotografias da filha e alguns brinquedos que estavam por ali. Mas o que chamou a atenção dela foi um álbum de fotografias que estava no armário.

–Cecília, posso dar uma olhada no seu álbum de fotos? -A jornalista perguntou.

–Hn, pode. -Ela respondeu meio incerta.

Lia pegou o material e se sentou em um dos sofás. Cecília tinha montado o álbum com fotos desde a gestação, até a idade atual da filha. As primeiras fotos mostravam o avanço da gravidez e o pai, Luiz, aparecia frequentemente. Em seguida veio as fotos da Malu recém nascida, começando pela clássica foto pós parto, com a mãe com os olhos cheios de lágrimas, com o rosto encostado no rosto do bebê. Raquel apareceu em algumas fotos também, e Lia reconheceu algumas pessoas da FS Down, mas no geral o álbum só tinha foto das duas. Cecília havia feito questão de fotografar o desenvolvimento da filha, desde o primeiro sorriso até a primeira birra. Aquele álbum era uma preciosidade.

–Já deu pra ver que eu gosto de registrar todos os momentos, né?! -Cecília perguntou aparecendo na sala com a filha enrolada numa toalha cor de rosa.

–Eu amo esses álbuns! -Lia exclamou. -Uma amiga minha tem uma filha mais ou menos da idade da Malu, além do álbum de fotos que ela montou, tem os álbuns à parte dos tios babões. Essas fotos são um tesouro.

–Foto! -Malu disse colocando a mão na cintura.

As duas começaram a rir, e Lia imediatamente pegou o celular.

–Segura a pose, que eu vou tirar uma foto.

Por fim, a marrentinha tirou várias fotos. Cecília fazia o tipo que morria de vergonha dessas coisas, então na maioria das fotos ela estava olhando para a filha e rindo.

–As fotos ficaram ótimas! Vou mandar revelar e depois trago pra você.

A mãe concordou sorrindo e chamou Lia para ir até o quarto da Malu, enquanto ela vestia a filha.

A decoração do quarto era de princesas da Disney e unicórnios, aparentemente as grandes obsessões da menina.

–Olha o Lalo. -Malu disse para Lia, segurando um unicórnio lilás.

–Muito prazer, Lalo. Meu nome é Lia. -A jornalista disse estendendo a mão para apertar a pata do unicórnio.

–Muito prazer. -A menina repetiu.

Depois que Malu estava devidamente vestida, as três foram até a cozinha para fazerem a pizza.

–Bom, primeiramente, eu gostaria de informar que cozinho muito mal. Tipo, eu não sei usar o fogão, vivo de microondas mesmo. -Lia disse.

–Como assim? Você não sabe usar o fogão? -Cecília perguntou assustada.

–É verdade, por isso que eu arrumei um namorado que sabe cozinhar. -Ela confessou.

–Você está falando sério mesmo? -A outra perguntou rindo.

–É sério, infelizmente.

–Ah não, eu vou te ensinar a usar o fogão.

–E eu vou ensinar como quebra ovo. -Malu disse com o ovo na mão.

–Então vocês vão ter que ser bem paciente comigo, porque eu sou um pouco, tipo muito, desastrada. Pode ser?

–Nós somos pacientes. -Cecília garantiu.

–Mãos na obra! -A menina disse com os braços pra cima.

–Não Malu, o correto é mãos à obra. -A mãe corrigiu.

–Mãos à obra. -Ela repetiu.

–Isso, então vamos fazer essa pizza? A Lia deve estar com fome.

As três na cozinha fizeram uma farra. E por incrível que pareça, as habilidades culinárias da Malu eram maiores que as da Lia, então a pequena ajudou a marrentinha com várias coisas.

Quando a pizza ficou pronta, elas comeram com gosto. A receita da vó de Cecília era espetacular e Lia foi rápida pedindo uma cópia por escrita, pra tentar fazer em casa.

–Eu quero assistir Bob Esponja! -Malu disse quando terminou de jantar.

Cecília ligou a TV para a filha e colocou num canal de desenhos.

–Tia Lia, vem também. -A menina convidou.

–Ih, eu adoro Bob Esponja, mas vou ajudar a sua mãe com a louça primeiro. Daqui a pouco eu venho pra assistir com você. -A marrentinha garantiu.

Quando as duas estavam na cozinha, Cecília se pronunciou:

–A Malu te adorou.

–Sua filha é uma graça. Se ela conhecesse a Bia, as duas fariam a festa. A dona Beatriz é obcecada com princesas, ela disse que é a Bela.

–A Malu antes dizia que era a Ariel, mas no ano passado ela viu o filme da Mulan e decidiu que era ela. Eu morri de ri quando ela chegou pra mim e disse: “olha mãe, o olho dela é igual ao meu”.

As duas riram com a lembrança.

–Bom, já que a Malu te aprovou, seja bem vinda a nossa humilde família. Como nós vamos organizar isso? -Cecília perguntou.

–Muito obrigada! Vai ser um prazer fazer parte dessa família, mesmo que temporariamente. -Espontaneamente, Lia abraçou a sua mais nova amiga. -Bom, me diz como é a sua rotina e a da Malu pra que nós possamos programar como vamos fazer.

Enquanto as duas lavam a louça e organizavam a cozinha, Cecília narrou o seu dia-a-dia e o da filha. Lia fez algumas perguntas e sugeriu um roteiro. O combinado é que a jornalista iria até elas pela manhã, e durante a tarde - que mãe e filha estavam na escola - ela ficava no hotel mesmo, ou fazendo o que quisesse, já na parte da noite, ela encontraria as duas no colégio e iria com elas até a casa.

–Eu vou precisar que você seja totalmente honesta comigo, Cecília. Se a minha presença te incomodar, ou se você estiver achando demais, ou se tiver um compromisso, é só me falar. Não quero abusar da sua boa vontade. -Lia disse.

–Certo, quando eu cansar, te dispenso. -Ela disse, rindo em seguida.

Os quinze dias transcorreram tranquilamente. Lia se deu muito bem com mãe e filha, se tornando parte daquela família.

A jornalista voltou para o Rio de Janeiro, prometendo que daria um jeito de voltar, mesmo que só para visitá-las.

Na editora, ela teve uma reunião com o seu chefe e apresentou todo o material montado até então e pediu para ficar mais um tempo em Campos, para dar continuidade no trabalho. Ela garantiu que mais quatro semanas de pesquisa seriam o suficiente para que ela tivesse mais autonomia para abordar o assunto pelo resto do ano, como havia sido proposto.

A resposta do jornal foi positiva, já que a coluna da marrentinha estava tendo um retorno maior do que o esperando. Quem não gostou muito da ideia foi o namorado. Vitor apoiava o trabalho de Lia e adorava vê-la tão empolgada com o que fazia, mas ficar mais um mês sem a namorada não era uma ideia agradável. Para convencê-lo foi preciso insistir, além de prometer passar um final de semana com ele nesse mês.

Voltando para Vinhedo, Lia foi muito bem recebida. Cecília a convidou para que ela ficasse na casa dela, ao invés de se hospedar em um hotel, e a marrentinha só aceitou quando a amiga aceitou que ela fizesse o supermercado do mês para ajudá-las.

A presença da tia Lia acabou facilitando a vida de Cecília, que sempre que tinha algo para resolver, precisava deixar Malu com a vizinha - que apesar de muito bondosa, já estava velha demais para ficar correndo atrás de uma menina de cinco anos.

A marrentinha fazia questão de participar de tudo o que podia, desde assistir algumas aulas - para entender melhor e poder explicar a educação inclusiva -, até dar algumas broncas quando necessário. Lia foi - naturalmente - eleita como madrinha da Malu.

Mas como nem tudo são rosas, um acontecimento acabou virando a vida delas de cabeça para baixo.

Aquele dia começou como um outro qualquer: Malu querendo dormir mais um pouquinho, pedindo chocolate no café da manhã e fazendo o dever de casa sem muita vontade. A tarde também transcorreu tranquilamente, cada uma em fazendo uma coisa diferente.

As coisas fugiram do padrão quando elas chegaram em casa e Cecília reclamou de uma dor de cabeça, que a havia infernizado durante toda a tarde. Buscando facilitar a vida da mãe e, também, dar à ela um momento para relaxar, Lia disse que levaria Malu para brincar no parque e depois as duas passariam em um restaurante para pegar o jantar.

Antes de sair de casa, a jornalista se preocupou com a amiga, que parecia estar muito abatida. Para ficar mais tranquila, ela pediu a dona Chica - a vizinha - que ficasse de olho na Cecília.

Quando as crianças começaram a se dissipar do parquinho, as duas foram à um restaurante de comida italiana - escolha da Malu - para comprar uma lasanha que a mãe dela amava. Às oito horas da noite, as duas caminhavam pelas ruas de Vinhedo, a dois quarteirões de casa.

–Uê ué uê ué! -A pequena imitou o barulho da ambulância que havia acabado de passar.

Lia ignorou o mau pressentimento e tratou de prestar atenção no episódio do Bob Esponja que Malu narrava.

Ao chegarem no inicio da rua, elas já avistaram a confusão. A ambulância estava parada na porta da casa delas e a dona Chica chorava, desesperada no jardim.

–O que é isso? -Malu perguntou correndo na direção de casa.

Lia a segurou, antes que ela chegasse perto demais. A jornalista ficou sem reação, parada com a menina esperneando no seu colo. Por fim, ela decidiu seguir em frente, e tentar descobrir o que tinha acontecido, sem desesperar Malu mais ainda.

–Mamãe! Mamãe! Mamãe! -A menina gritava.

Quando elas chegaram até a casa, dona Chica disse algumas coisas desconexas como “pobrezinha”, “Por que?” e “tão nova”.

O que aconteceu em seguida estava vago na mente de Lia. Os paramédicos saíram da casa com Cecília na maca. Lia só conseguiu ver que ela estava inconsciente e depois toda a sua atenção foi para acalmar Malu, que estava fora de controle. A menina chorava e gritava pela mãe, enquanto a jornalista tentava esconder o que estava acontecendo. Numa tentativa desesperada, Malu começou a bater em quem a carregava e até morder, na tentativa de ir até a mãe. Um dos enfermeiros, vendo a situação, decidiu sedar a menina, preocupado que ela estivesse em meio à uma crise.

Ainda atônita, um dos paramédicos a encaminhou até a ambulância, enquanto ela ouvia a dona Chica dizer que havia chegado tarde demais.

Dentro da ambulância, com Malu desacordada no seu colo e Cecília inconsciente na maca, ela finalmente voltou para a realidade quando o paramédico perguntou qual o parentesco dela com a enferma.

–E-eu sou amiga dela. -Ela respondeu, ainda um pouco fora da realidade. -O que aconteceu com a Cecília?

–Aparentemente um derrame.

–Mas ela é nova demais pra ter um derrame! -A jornalista protestou.

–Só o médico poderá dar o diagnóstico oficial.

–Ela-ela ta bem? -Lia perguntou sentindo as lágrimas escorrerem pelo rosto.

–Ela está viva, é só o que eu posso dizer. Mas preciso alertá-la que o caso dela é grave. -O paramédico alertou. -A dona que chamou a emergência disse que ela não tinha pra quem ligar, caso você saiba o telefone de algum parente, acho melhor contatá-lo.

Lia concordou e mesmo não tendo o telefone do pai de Cecília, ela pegou o celular e ligou para a primeira pessoa que lhe veio a cabeça: a sua mãe.

Raquel atendeu no segundo toque, felizmente ela não estava de plantão.

–Oi Lia! Que saudades de você. Como está tudo aí? -Ela perguntou animada.

–Mãe. -A marrentinha começou a dizer tentando controlar o choro.

–Lia, o que aconteceu? Por que você está chorando? -A médica perguntou já desesperada.

–Mãe, a Cecília. -Ela disse ainda fora de controle.

–O que aconteceu com ela?

–E-eu não sei. Parece que um derrame. Mãe, ela não pode ter tido um derrame, né?! -A marrentinha perguntou desesperada.

–Lia, você está no hospital?

–Ambulância.

–Passa o telefone pro paramédico.

A marrentinha obedeceu, mas não conseguiu se concentrar no diálogo. Tudo o que ela fazia era implorar para Cecília que ela acordasse.

O momento só foi interrompido quando o paramédico devolveu o celular.

–Lia, me escuta. -Raquel disse chamando a atenção da filha. -Eu preciso que você tente manter a calma. Estou indo pro aeroporto agora, vou pegar o próximo voo para Campinas e logo estou aí. Mantenha a calma, ok?!

–Vem rápido. -Foi tudo o que ela disse.

Quando eles chegaram ao hospital, Cecília foi encaminhada para a emergência, enquanto Malu foi direcionada para a ala pediátrica. Lia acompanhou a pequena e trazia consigo a obrigação de preencher a papelada das duas. Já prevendo a responsabilidade dela, o paramédico tinha dado a bolsa de Cecília para ela.

A marrentinha localizou o número do pai da amiga e ligou para ele imediatamente. Apesar de insistir, o máximo que ela conseguiu foi que o empregado anotasse um recado. Aparentemente dizer que o assunto era relacionado à Cecília, desestimulou o empregado a acordar o patrão.

Raquel demorou quase duas horas para chegar ao hospital e nesse meio tempo, a única médica com quem Lia conversou foi a pediatra de plantão, que garantiu que Malu estava bem e que acordaria no dia seguinte.

A primeira coisa que a doutora Raquel fez ao chegar lá, foi procurar informações sobre Cecília. Apesar do lado irracional gritar para que ela fosse acalmar a filha, o lado racional sabia que quem mais precisava dela estava na emergência.

Infelizmente não havia nada que Raquel ou qualquer um dos outros médicos pudesse fazer.

–A causa do óbito foi o rompimento de um aneurisma cerebral que… -Lia ouviu um médico explicar, mas sua mente se desligou.

–Lia? -Raquel a chamou, fazendo-a voltar a realidade. -O doutor Márcio perguntou se a Cecília estava ciente da sua condição.

–Con-condição? -Ela perguntou confusa.

–O aneurisma. -A doutora insistiu. -Filha, eu sei que você está sofrendo, mas é preciso que você responda as perguntas do médico.

–N-não, eu acho que ela não sa-sabia. -Lia respondeu tentando controlar as lágrimas.

Algumas perguntas depois e os médicos se foram. Raquel disse que tentaria falar com o pai de Cecília de novo e que providenciaria tudo o que fosse necessário.

A jornalista ficou ali no quarto, chorando abraçada à criança que dormia pacificamente. Como ela daria a noticia da morte da mãe para Malu e quem cuidaria dela de agora em diante, eram duas das várias perguntas que a atormentavam.

Lia não sabia como, mas a mãe havia conseguido arrastar Sebastião - o pai de Cecília - até o hospital. Apesar deles estarem no corredor, a marrentinha ouviu eles discutirem sobre o funeral, a falta de humanidade do homem e coisas do tipo.

Ela deixou o quarto e se meteu na conversa para saber do assunto que mais a preocupava.

–E a Malu? Quem vai cuidar dela agora? -Ela perguntou.

–Essa menina com defeito não é problema meu. -O homem disse. -Um orfanato vai resolver esse problema.

–A Malu não tem nenhum defeito! Lave a sua boca antes de falar qualquer coisa sobre ela! -Lia avançou em Sebastião, sendo segurada pela própria mãe. -Você não merece a filha e a neta que tem.

Se recusando a encarar aquele homem por mais um minuto sequer, a jornalista voltou para o quarto, onde velava o sono da pequena.

O dia seguinte foi o mais difícil. Contar para Malu que a mãe estava morta e enterrar Cecília no mesmo dia, fez do 8 de Agosto um dia negro.

–Bom, depois de tudo isso, começou a parte judicial. Eu já estava mais do que decida a adotar a Malu, já que pra mim, deixá-la ir para o orfanato estava fora de questão. -Lia contou para os amigos. -O tio Olavo nos ajudou com a parte legal e o Vitor foi até lá para me encontrar e resolver a questão da adoção comigo. Facilitou bastante o Sebastião, que era o único possível responsável legal, não ter o menor interesse na guarda da neta. E aqui estamos nós, eu e o Vitor conseguimos a guarda provisória da Malu.

–E a guarda definitiva? -Bruno perguntou.

–Nós temos uma audiência daqui a cinco meses, enquanto isso estamos sob avaliação. -Ela respondeu.

Um momento de silêncio tomou conta da mesa.

–Nossa! -Fatinha quebrou o silêncio e os outros amigos acabaram repetindo a mesma palavra.

O clima só foi amenizado quando Bia e Malu - que estavam jantando em uma outra mesa - foram até as mães para pedirem autorização para comer doces.

Não que Maria Luiza chamasse Lia dia mãe - ela continuava no tia Lia de sempre -, mas tinha nela a referencia materna, já que quase dois meses haviam se passado desde a morte de Cecília.

–Eu quero brigadeiro! -Bia disse.

–E eu quero beijinho. -Malu disse.

–Então vamos providenciar esses docinhos maravilhosos! -Lia disse se levantando.

–Ei, eu vou também. Adoro beijinhos, bate aqui Malu. -Fatinha disse e a menina respondeu ao pedido.

As quatro crianças encontraram os docinhos e comeram sem vergonha de serem vistas.

–Só uma pergunta, dona Lia. -Fatinha disse comendo o terceiro beijinho. -A Juliana está sabendo dessa história toda?

–E você acha que ela se atrasou tanto porquê? -Lia brincou.

–Bom, eu só tenho uma coisa pra dizer: bem-vinda ao time das mães! -A loira disse pulando para abraçar a amiga.


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Notas finais do capítulo

Links que eu esqueci de deixar no último capítulo e que foram essenciais para que eu escrevesse sobre a Síndrome de Down:

Movimento Down - http://www.movimentodown.org.br/
FS Down - http://www.fsdown.org.br/
Nossa Vida com Alice - http://nossavidacomalice.wordpress.com/
Vídeo excelente - https://www.youtube.com/watch?v=Ju-q4OnBtNU

Então, eu estou postando às cinco da manhã, então relevem os errinhos. Ou melhor, me avise onde eles estão para que eu corrija depois, ok?!
Gostaram? Comeeeentem! (sim, sou carente)
Beeeijos
Ps: eu sei que são links demais, mas entrem no blog e vejam o vídeo, garanto que vale a pena.



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