Recomeçar escrita por mybdns
Três semanas depois, numa sexta feira, Melanie estava de folga. Havia arrumado a casa e colocado o jantar no fogo. Ajudou Hazel tomar banho e depois as duas recolheram os brinquedos espalhados pelo quarto da menina.
- Você precisa ser mais organizada, sabia? Não pode deixar seus brinquedos espalhados deste jeito. – disse Melanie.
- Desculpa mamãe.
- Tá.
- Mamãe, me conta uma história? – ela disse se sentando na cama.
- Mais já? E na hora de dormir?
- O papai conta outra.
- Tudo bem. Qual você quer? – Mel perguntou, indo até a pequena estante de livros infantis que ficava no quarto da filha.
- Esse aqui. – ela disse pegando o livro de contos de Andersen. – eu quero a do soldadinho.
- Sente-se na cama.
- Senta do um lado, mamãe. – Melanie se sentou ao lado da filha e começou a contar a história.
- Numa loja de brinquedos havia uma caixa de papelão com vinte e cinco soldadinhos de chumbo, todos iguaizinhos, pois haviam sido feitos com o mesmo molde. Apenas um deles era perneta: como fora o último a ser fundido, faltou chumbo para completar a outra perna. Mas o soldadinho perneta logo aprendeu a ficar em pé sobre a única perna e não fazia feio ao lado dos irmãos.
Esses soldadinhos de chumbo eram muito bonitos e elegantes, cada qual com seu fuzil ao ombro, a túnica escarlate, calça azul e uma bela pluma no chapéu. Além disso, tinham feições de soldados corajosos e cumpridores do dever...
- Onde estão as mulheres da minha vida? – disse Don, subindo as escadas.
- Papai! – Hazel saiu correndo do quarto e pulou no colo do pai.
- Oi minha princesa. Onde está a mamãe?
- Ali no meu quarto. Ela estava me contando uma história.
- Ah, é?
- Oi querido. – ela disse lhe dando um beijo.
- Oi amor. Como passou o dia?
- Bem. E você?
- Ah, as mesmas coisas de sempre. O Mac voltou.
- Sério? Eu pensei que ele não iria mais voltar.
- Ele sentiu falta da equipe dele.
- Que bom. Vai lavar as mãos que o jantar já está pronto.
- E está com um cheiro ótimo.
- Eu sei. – ela sorriu e ele pôs Hazel no chão. Foi até o banheiro e lavou as mãos.
Eles desceram e se sentaram à mesa do jantar. Melanie colocou a comida de Hazel e depois a sua.
- Você quer cenoura, meu bem? – ela perguntou.
- Quero. – a filha respondeu. Melanie colocou um pouco de cenoura no prato e eles comeram em silêncio, até Hazel quebrar este silêncio. – mamãe? Posso te fazer uma pergunta?
- Claro amor, o que é?
- Porque a tia Savanah e a tia Abigail são casadas se elas são duas mulheres?
Don arqueou as sobrancelhas e começou a rir.
- Do que você está rindo? Você vai me ajudar a responder isso.
- Você é a mãe. É sua obrigação responder estas perguntas.
- Eu não a fiz sozinha!
- Ela está esperando uma resposta.
- Olha aqui meu amor. – Melanie se levantou e abaixou ao lado da filha. – você é muito pequena pra entender este tipo de assunto, mas a mamãe vai te dizer uma coisa: não há nada mais importante nessa vida do que o amor entendeu? A tia Savanah e a tia Abigail se amam, e isso é importante. E você tem que respeitar, tudo bem?
- Tudo. Elas se amam igual ao tio Tyler e o tio Cedric?
- Isso. Igual a eles.
- E igual a você e o papai?
- Isso. Você pega as coisas rápido.
- Eu vou entender isso quando eu for grande?
- Vai. Ai eu prometo que te explico tudo direitinho, okay?
- Quando eu for grande igual a você?
- Ah, princesa, quando você for do tamanho da sua mãe você vai ser confundida com uma criança. – disse Don, rindo.
- Não teve graça.
- Teve sim.
- Não ligue para as besteiras que o seu pai fala, tudo bem?
- Tudo.
- Termine sua comida agora. – ela terminou a comida e depois foi para a sala com Don. Mel lavou a louça e se juntou à eles. Don passava de canal e Hazel estava sentada ao seu lado.
- Quer assistir desenho, amor?
- Não. Quero assistir o jogo.
- Ah, você quer assistir o jogo? – ele se surpreendeu.
- É.
- Tudo bem. – Don colocou no jogo de Hóquei. Dez minutos depois, a criança estava dormindo.
- Você está vendo isso? Ela está me saindo melhor que a encomenda. – Don disse a colocando na cama.
- Ela não é uma criança comum. Ela é especial demais.
Os dois foram para o quarto e se deitaram.
- Essa menina é muito esperta, Don.
- Ela nos coloca em situações embaraçosas. Alguns dias atrás eu estava mexendo no closet, ai caiu uma foto sua grávida. Ele pegou a foto, olhou por alguns instantes, ela apontou pra sua barriga e me perguntou se ela estava ali dentro. Ai eu respondi que sim. Depois, ela me perguntou como ela foi parar dentro de você.
- E o que você respondeu? Você não disse nada sobre cegonha e essas coisas, não é?
- Não. E respondi que eu e você nos amávamos e que do nosso amor havia nascido ela.
- Você se saiu bem, detetive. – ela o beijou e apagou a luz do abajur. – boa noite.
- Boa noite, amor.
No dia seguinte, Marie, filha de Savanah e Abigail faria três anos e elas iriam fazer uma festa para os amigos mais íntimos.
- Hazel! Por favor, pare de correr pela casa! Você acabou de tomar banho! Vai se sujar! – disse Mel.
- Desculpa, mamãe. – ela se sentou no sofá.
- Está pronto, Don?
- Estou sim.
- Então vamos. – os três saíram e caminharam até o carro. Em trinta minutos, chegaram até a residência das amigas.
- Finalmente vocês chegaram! Pensei que não viriam. – disse Savanah, abrindo a porta.
- Não iríamos perder o aniversário da nossa afilhada. A propósito onde ela está?
- Ali com os meus sobrinhos. Entrem por favor. E você? Como está? – perguntou Savanah pegando Hazel do colo de Flack.
- Bem tia Savanah.
- Que bom. Você quer ir brincar com as outras crianças?
- Quero.
- Então vai. – Savanah a colocou no chão e ela se juntou às outras crianças.
- Oi gente. – disse Mel aos amigos que estavam sentados na cozinha.
- Oi Mel.
- E ai? – disse Don.
- E ai, detetive? Como vai. – respondeu Tyler.
- Bem.
- Sentem- se e peguem um salgado. – disse Abigail.
Eles conversaram, deram risada. Fazia tempo que não se juntavam para fazer isso.
- Olha só! Como eles crescem rápido. – disse Cedric. – ontem mesmo Marie e Hazel eram dois bebês!
- Para o Don, a Hazel vai ser sempre um bebê. – disse Mel.
- Claro! Ela é a minha princesinha. Sempre será.
- Quero ver quando ela tiver outro para chamá-la de princesa. – disse Tyler.
- Eu prefiro não pensar nisso.
- Vai ter que se acostumar. Ela vai ser uma adolescente linda. Aqueles olhos azuis vão deixar os caras do time de futebol loucos. – disse Abigail.
- Melhor pararem com isso, ele vai ter um ataque antes do tempo. – disse Mel, rindo.
O aniversário terminou e eles voltaram para casa. O fim de semana acabou e a segunda feira começou. Melanie e Don forma buscar a filha na escola. Don estacionou o carro. Melanie desceu e foi pegá-la.
- Mamãe!
- Oi meu amor, tudo bem? – disse abraçando a filha.
- Tudo. – Sra. Flack, nós podemos conversar por um segundo? – perguntou a Srtª Hunter, professora de Hazel.
- Claro. Querida, vai lá com o papai. Ele está ali. – disse apontando para Don, que estava encostado no carro. Hazel foi até ele. – o que foi, Sra. Hunter? Algum problema com a Hazel? Ela aprontou alguma coisa?
- Oh, não, pelo amor de Deus. Hazel é uma garotinha adorável. Muito disciplinada e amorosa.
- Então? O que foi?
- Eu estou um pouco preocupada com a Hazel, Sra. Flack. Hoje eu pedi para que as crianças desenhassem o que elas achavam que era o amor. A Hazel desenhou isto. – ela disse entregando-lhe a folha. Melanie analisou o desenho.
- Não vejo nada de errado.
- Olhe bem. Eu perguntei a ela o que significava e ela me respondeu claramente. O primeiro desenho é você e o seu marido. O segundo ela disse que era a tia Savanah e a tia Abigail e o terceiro, ela disse que era o tio Tyler e o Tio Cedric. Em cima de todos os desenhos tem um coração.
- Eu não sei onde você quer chegar com esse falatório todo.
- Eu não quero ser indelicada, Sra. Flack, mas eu acho que a convivência da sua filha com este tipo de gente é uma má influência para ela.
- Como? Eu não acredito no que eu estou ouvindo. É isso que você ensina para os seus alunos, Sra. Hunter? A serem intolerantes?
- Eu ensino os valores da bíblia e da Igreja para eles. O que os homossexuais fazem está completamente errado, Deus não vai perdoá-los.
- Eu acho que vou vomitar. Eu não posso acreditar! Eu não quero que a minha filha se torne uma adulta cretina como você! Eu vou tirá-la desta merda de escola agora.
- Senhora Flack, não é preciso!
- Você me diz que eu tenho que afastar a minha filha da madrinha dela porque ela é lésbica? Você é patética. – disse Melanie indo até a sala do diretor.
- Ele não pode te atender. Está ocupado.
- Ele vai me atender. Eu vou cancelar a matrícula da Hazel agora. – ela entrou na sala do diretor sem bater.
- Mais o que é isso? Eu vou chamar a polícia.
- Eu sou a polícia. Eu quero cancelar a matrícula da minha filha.
- Marque uma hora.
- Eu quero cancelar a matrícula dela agora. Minha filha não vai colocar nunca mais os pés dela dentro deste lugar.
- Senhora se acalme, por favor. Porque quer tirar sua filha daqui?
- Eu não quero que ela se torne uma pessoa intolerante.
- Nós só seguimos as leis de Deus.
- Eu não quero saber. Dá pra cancelar essa merda de matrícula logo?
- Tudo bem. Assine aqui. – ele disse e Melanie assinou.
- Pronto. Adeus. E me dá esse desenho aqui. – disse arrancando a folha da mão da professora.
Ela saiu da escola bufando de raiva. Don ainda estava do lado de fora do carro. Hazel tomava um suco.
- Vamos embora. – ela disse entrando no carro.
- O que foi? O que aconteceu lá dentro?
- Ela não estuda mais lá.
- Por quê?
- Porque eles são um bando de ignorantes, intolerantes e homofóbicos.
- O que aconteceu?
- Sua filha desenhou isto. – disse entregando-lhe o desenho.
- É o meu desenho, papai.
- Ficou lindo, gatinha.
- Eu e você, Abigail e Savanah, Tyler e Cedric. Para ela isso é amor.
- Todas as formas de amor.
- A vadia da professora me disse que a convivência com eles era um mal exemplo para a Hazel! Você acredita?
- Que filha da mãe!
- Eu não aguentei. Eu não quero que a nossa filha seja educada desta maneira, Don.
- Você tem toda razão. Vamos encontrar outra escola.
- Mamãe, você tá brava comigo?
- Não Hazel, claro que não.
- Você me tirou da escolinha?
- Tirei. Mais você vai para uma melhor, ouviu bem?
- Tá. Mamãe, a Srtª Hunter disse que o único amor que Deus reconhece é de menino e menina. Eu disse que era mentira, porque a tia Savanah e a tia Abigail são duas meninas e se amam do mesmo jeito e que Deus não iria ficar bravo com elas. Ela disse que elas duas vão para o inferno. Isso não é verdade, não é mamãe? Deus ama todo mundo. É isso que o vovô diz. E é isso que você e o papai dizem.
- Deus ama a todos, meu bem. Sem preconceito. Ele aceita todo mundo.
- Eu sinto orgulho dela. – disse Don olhando para a esposa com um sorriso nos lábios.
- Ela ainda vai nos surpreender muito, Don.
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