Paralelo T. escrita por Tom


Capítulo 7
Capítulo 7 - Encontros


Notas iniciais do capítulo

As coisas ruins aparecem quando menos esperamos. Resta-nos saber como resolver isso.



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O clima na cidade de Torie havia esfriado. Talvez não passasse nem dos quinze graus, mas isso era ótimo. Na verdade, era daquela forma que a garota se sentia naquele dia. Fria, como o tempo. Não havia saído de casa nenhuma única vez e ficaria assim pelo resto da tarde. Ela escreveria, dormiria, lancharia e leria, mas nada que se assemelhasse a ir para a escola ou coisa do tipo.

Ela queria se isolar pelo menos das outras pessoas.

E o que ela faria agora? O melhor para aquele momento seria se entregar para a sua história. Pelo menos lá ela poderia fazer o que quisesse sem ser, de certa forma, “condenada”. E assim seus dedos começaram a digitar as palavras de forma rápida.

“A neve caía, branca, pelas ruas da cidade de Amerie. Seus passos eram abafados pela textura fofa que cobria todo o caminho que ela seguia para o orfanato. Era lá, naquele lugar terrível, que ela assassinaria mais uma pessoa para o seu chefe.

Lyana Labrouth.

Quem era essa mulher? O que ela havia feito? Por que o Chefe havia mandado Amerie matá-la se nem ao menos conhecida ela era? Pelos seus pensamentos a morena tendia a acreditar que o seu chefe queria alguma vingança sobre a classe burguesa que tinha dominado a cidade, vulgo a família do prefeito, e era por isso que ela havia aceitado trabalhar para ele.

- O que você está pensando? – Murmurou a mulher para alguém invisível. A assassina estava confusa e isso era incomum. Aliás, ela nem gostava de se sentir assim. Parecia que tudo daria errado. Tudo. E pareceu mesmo quando Ame entrou na rua que dava acesso ao orfanato e reconheceu um carro de luxo preto estacionado a alguns metros de distância.

Era o carro do prefeito.

Havia apenas o orfanato naquele lugar.

O que ele estaria fazendo ali?

Amerie franziu as sobrancelhas e enfiou as duas mãos nos dois bolsos do casaco branco. Agora que seus cabelos estavam negros, achava que o contraste das cores seria uma mudança diferente para quem quer que já a tivesse visto com suas típicas vestes negras. Mas algumas coisas não mudavam e a cor escura ainda predominava na calça colada e nas botas da mulher.

Sua adaga, afinal, havia mudado de lugar novamente. Dessa vez voltara a ser presa no cinto, já que Ame achava que não precisaria seduzir qualquer homem naquele lugar. Decididamente ela não queria pensar em homens mais. Eles a atrapalhavam na maioria das vezes, principalmente Antti Charlisle.

O prefeito não saia dos pensamentos de Amerie. Recordava seus momentos bons, seus momentos ruins. Recordava o motivo de seu ódio, mas também o motivo por tê-lo amado. Era isso. Era a vida de Ame se tornando a total e profunda confusão. Ela já não se suportava. E ainda havia Matthew.

Ela não poderia ignorar a atração que tivera por ele. O homem era forte, era bonito, era inteligente e... Ele era praticamente o que Amerie queria e precisava. Sem mencionar o fato de que ele conhecia o trabalho da mulher e parecia não ter o mínimo medo de que a qualquer dia desses, se ficassem juntos, ele poderia acordar morto.

Mas Amerie odiava bastante o prefeito para não criar sentimentos ou se envolver seriamente com um homem para o resto de toda sua vida.

- Grande imbecil. – Ouviu-se em alto e bom som a voz da ex-loira na rua silenciosa. Ela suspirou, o ar saindo condensado de sua boca, e foi se aproximando mais e mais da estrutura que a abrigara logo após a morte do pai. Foram dois anos terríveis, mas também dois anos de decisões.

‘- Johann Piktrius, você foi condenado a pena de morte pela forca. Seus crimes cometidos, tentativa de tomada de poder, alusão da verdade, roubo e assassinato foram julgados por um júri fechado e decretado o veredito. Você será executado em praça pública às três da tarde do dia de hoje. – Disse o antigo prefeito, Leroy Charlisle, na praça principal para quem quer que quisesse ouvir. O homem acusado estava de pé ao lado de seu antigo rival político, os olhos fixados em um ponto distante na multidão.

Esse ponto distante era uma Amerie com seus dezenove anos totalmente desesperada. Era segurada por dois outros guardas, que a impediam de gritar ou correr em direção ao pai. Ela não conseguia entender o porquê daquelas injustiças cometidas a ele. Johann era o homem mais correto que ela conhecia!

E ela era uma adolescente que não desistia.

Mordeu a mão do guarda da esquerda, que lhe tapava a boca, e soltou o grito mais alto que pode pelo tempo mais longo que conseguiu. Não era simplesmente um grito, era um chamado pelo pai. Lágrimas escorreram por seus olhos e, a mando do prefeito, o guarda que ainda a segurava, o da direita, lhe deu uma apunhalada na cabeça, fazendo com que a menina desmaiasse.

Quando acordou ela já estava no orfanato e o seu pai, morto. ’

Amerie foi tirada de seus devaneios quando Antti Charlisle saia pela porta dos fundos do local. Rapidamente a mulher se jogou para o lado, onde havia uma grama alta e coberta por neve. Ninguém poderia vê-la ali, mas ela poderia ver tudo. Quem dera se ela conseguisse ouvir daquela distância, mas na verdade, não precisava.

A barba mal feita do prefeito, seus cabelos desgrenhados e suas olheiras diziam tudo.

Eles ainda estavam procurando pelo filho desaparecido.

Uma satisfação pareceu inundar o coração de Amerie. Não pela morte da criança, claro. Mas pelo fato de ter conseguido atingir o prefeito com tanta intensidade. Ele estava horrível. A morena, na verdade, queria ver a cara de Agnes. Sua cara de desespero quando ela entrou no quarto de Rodolf e o menino não estava mais lá.

Pela primeira vez a Assassina sentiu prazer com o que fazia.

[...]

Amerie se adiantou para o balcão que divida o espaço entre as cadeiras de espera e a cadeira da secretária.

- Com licença. – Falou Ame em voz baixa e simpática. A mulher demorou alguns segundos para erguer a cabeça, já que estava concentrada demais em algum jogo do celular, e franziu as sobrancelhas sem qualquer entusiasmo.

- O que quer? – Perguntou rispidamente. Amerie ergueu as sobrancelhas e abriu um sorriso discreto. Debruçou-se sobre o balcão e olhou fixamente para a mulher em sua frente.

- Você poderia disponibilizar para mim a ficha com o nome e foto de todas as crianças? – Perguntou em resposta. Na verdade, não havia sido um chute ou coisa do tipo. Ela sabia que ali, antes de um casal desesperado por um filho quisesse ver as crianças, eles viam uma espécie de catálogo. Como se elas fossem animais. Para a morena, isso era ridículo. A secretária remexeu em uma gaveta e de lá tirou uma pasta contendo duas folhas.

- Aqui. – Disse a mulher entregando-lhe o objeto. Amerie o pegou e se direcionou para as cadeiras, passando os olhos pelo nome de todas as crianças. A, B, C, D... J, K, L. Nas crianças que tinham o nome iniciado com L não havia nenhuma que se chamava Lyana Labrouth. A assassina franziu as sobrancelhas.

O chefe teria mesmo errado?

Levantou-se e seguiu de volta para o balcão, contorcendo a sua face em uma falsa simpatia novamente.

- Ahn... Aqui não havia antes uma garota que se chamava Lyana? – Perguntou em voz mais alta dessa vez e com certa urgência. A secretária imediatamente levantou o rosto, os olhos prendendo o medo que ela possuía quando era mencionado aquele nome.

- Ly-Lyana? Claro... Claro que não. Só há essas crianças aqui. – Disse a mulher, gaguejando no inicio e recobrando a confiança no fim. Mas Amerie não precisava nem ser a especialista que era para perceber que a secretária estava mentindo. Abriu um curto sorriso e fechou a pasta, entregando-a de volta à mulher.

- Existe algum lugar aqui em que eu possa ver as crianças todas juntas? – Retrucou Ame em uma pergunta, novamente. A secretária começou a se levantar, mas a morena estendeu a mão esquerda, parando-a. – Por favor, não quero te atrapalhar em... – Desviou o olhar para o celular da moça. – o que quer que seja que você está fazendo. – Completou. A secretária também olhou para o seu celular, mas pareceu confusa. – É só me indicar o lugar. – Tentou mais uma vez Amerie, sendo mais simpática e afável do que o de costume.

- É só você pegar esse corredor e segui-lo com retidão. No final ele se abrirá para o pátio e as crianças estarão lá. – Ela disse, por fim. Amerie sabia daquilo, claro, mas não poderia sair simplesmente andando até lá. Afinal, ela estava sendo uma pessoa nova na cidade. Acenou com a cabeça para a mulher e saiu pelo caminho que ela indicara.

[...]

Não era preciso dizer que Amerie não havia seguido para o pátio. Ela estava no corredor do segundo andar, o local onde se localizavam os quartos, e procurava em um por um alguma outra criança que estivesse escondida por ali. Provavelmente, se Lyana estava por ali.

Pelo o que tinha percebido no nervosismo da secretaria, a garota não fazia o estilo de que brincava com o resto das crianças, então ela deveria estar presa em algum lugar. Protegida. Ame só não sabia por que. Na verdade, ela desconfiava que tivesse algo a ver com o prefeito, mas não. Ele só deveria ter ido procurar o filho.

Simplesmente de se lembrar do desespero da família de Rodolf a assassina se sentia revigorada.

[...]

Não restava nenhum quarto para se revistar. Lyana não estava em nenhum lugar e Ame começou a ficar preocupada e estressada. O que o seu chefe estava pensando? Que poderia fazê-la agir daquela forma feita boba? Pelo tempo que havia decorrido, ela tinha certeza que a secretaria já desconfiasse de seu sumiço.

Estava começando a dar tudo errado.

- Se você fosse uma garota protegida por sei lá quem, onde você estaria? – Sussurrou para si mesmo apertando as têmporas. Começou a pensar nos lugares em que ela tinha conhecido ali, que ela havia usado para chorar. Quando se tinha dezenove anos era mais fácil encontrar os lugares e saber se esconder.

E foi se recordando desses esconderijos que Amerie soube onde é que Lyana estava, ou poderia estar escondida. Subiu rápido mais um lance de escadas, até parar no terceiro andar, e foi até o fim do corredor. No forro de madeira  se encontrava um quadriculado de 60x60cm. Ame sabia muito bem o que estava ali.

A porta para o sótão era tão reconhecível como uma prostituta usando uma roupa florescente. Qualquer um conseguiria ver mesmo a distância. Ela sabia que os responsáveis pelo orfanato usavam espátulas para abrir aquilo, mas a morena teria de ir com as unhas. Pelo menos fora assim que ela sempre fizera em sua estada naquele lugar.

Com rangidos, a passagem se revelou.

Uma escada de metal simplesmente foi se expandindo até se chocar com o piso do prédio. Amerie subiu por ela e a puxou novamente, fechando a minúscula porta. Não precisou se virar para saber que a garota estava ali, mas ainda assim tinha que conferir de qualquer forma.

A assassina se surpreendeu.

Não era uma criança ou adolescente. Era uma mulher. Ou pelo menos, parecia ser uma mulher. Seu rosto estava totalmente desconfigurado por queimaduras de terceiro grau. Ela parecia não comer havia séculos, pois era tão magra quanto um palito. Seus cabelos, castanhos, caiam em cascata pelas costas e isso era a única coisa bonita nela.

Amerie sentiu repulsa.

Quem sobreviveria àquilo?

Abriu um botão estratégico de seu casaco, enfiando a mão por lá e retirando a adaga de bronze do seu esconderijo. Aproximou-se da mulher, que estava com os olhos fechados. Ela parecia estar dormindo, então isso facilitaria muito mais a vida de Ame. Sem hesitar realmente, deslocou a sua arma em linha reta até encostar-se ao pescoço de Lyana. De repente, a mulher abriu os olhos. Dois grandes olhos cor de mel.

- Por favor... – Sussurrou ela com dificuldade. Não era um pedido para Ame parar, era um pedido para que ela retirasse o sofrimento de Lyana. Ela já havia suportado aquela sua vida por tempo demais.

E então Amerie terminou o serviço de forma rápida. O corte foi rápido naquela pele tão frágil.

O sangue do pescoço de Lyana Labrouth vazava com intensidade, sujando-lhe as vestes e o piso de carvalho. Ela havia dado o seu último suspiro.

[...]

Agora Amerie andava depressa pelo corredor, procurando uma saída alternativa. Havia visto o prefeito escapulindo dali pela porta dos fundos, então era isso que ela tentava encontrar. Sua mente estava enevoada demais para que ela se lembrasse de seu passado no orfanato. Aqueles olhos da mulher, agora morta, lhe lembravam de alguma coisa.

Mas foi mais fácil do que Ame pensou. A porta se encontrava na cozinha do orfanato do lado da geladeira cor de metal. Ninguém a tinha visto andar por ali, o que era bem plausível já que na tarde todos eram responsáveis por cuidar das crianças.

[...]

O ar puro inundou as narinas de Amerie enquanto ela saia para o dia gelado. Nada havia mudado desde o tempo que passou no orfanato a não ser, talvez, que a neve tivesse aumentado. Não esperou nem sequer para olhar se alguém a estava seguindo. Partiu em direção a sua casa pela rua que dava para a avenida.

Depois de dois minutos andando, Ame começava a se aproximar do cruzamento.

O que era horrível, porque o prefeito havia acabado de virar a esquina e estava na mesma rua que Ame. A mulher prendeu a respiração, sentindo alguma coisa estranha acontecer com o seu coração.

Ela sentia ódio e alguma outra coisa... Alguma outra coisa que ela não queria pensar.

Tentou se lembrar de Matthew, tentou se lembrar dos tempos bons com o seu pai, mas a única coisa que lhe vinha à mente era que Antti Charlisle estava andando em sua direção. A assassina apertou o passo. Quanto mais rápido passasse por ele mais rápido ela poderia dobrar a esquina e correr dali.

E ela já estava quase perdendo o seu controle quando começou a ouvir a conversa que o prefeito estava tendo pelo seu telefone celular.

- Como assim, morreu? – Perguntou ele quase gritando. Seus olhos estavam vidrados para frente, desesperados. Alguém falou mais alguma coisa no telefone e dessa vez o homem perdeu as estribeiras. – ELA ERA MINHA IRMÃ! – Gritou e apertou o botão de desligar a ligação. Ele andou mais rápido.

Faltavam poucos metros para que os dois passassem um do lado do outro.

E agora o prefeito não estava mais distraído com a sua ligação.

Assim que Amerie Piktrius e Antti Charlisle se encontraram naquela rua, eles trocaram olhares.

Amerie fixou o olhar por alguns breves segundos em olhos da cor de mel. Antti fixou o olhar por alguns breves segundos em olhos azuis elétricos.

E a Assassina reconheceu com quem os olhos de Lyana se pareciam.

E o Prefeito reconheceu Amerie. Mas assim que ele virou para chamá-la, a mulher já dobrava a esquina, correndo.”

Torie esfregou as mãos nos olhos enquanto se levantava da cadeira que ficava defronte ao seu computador. Partiu para o seu quarto, local onde havia deixado o celular que apitara com uma nova mensagem há pouco tempo.

 “Ai Deus. Eu deveria parar de comer.” Era o que dizia a sms de Ilee. A loira revirou os olhos, escrevendo sua resposta. Depois de todo um clima tenso e pesado com a sua própria história, Torie teria que aguentar os lamentos de uma amiga desesperada. 


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Notas finais do capítulo

Desculpem a demora, eu meio que estava sem ideias. -q

Espero que tenham gostado. :3