Então, as quatro da manhã em ponto, lá estava Luca batendo na porta do quarto de Afrodite. Ele bateu incontáveis vezes antes de enfim ouvir um barulho do lado de dentro do quarto.

Quando finalmente ela abriu a porta, Luca pôde ver que havia atrapalhado algo realmente importante. Afrodite estava com o cabelo levemente bagunçado, apesar da maquiagem impecável, vestindo apenas uma espécie de roupão de seda fino que a lingerie vermelha facilmente visível, ainda mais se contarmos com o decote do roupão. Para completar aquela cena, Ares estava deitado na cama, com as cobertas cobrindo até metade do peito nu e com uma cara de poucos amigos. Ou melhor, cara de amigo nenhum.

–Oh! – Afrodite exclamou, parecendo surpresa. Entretanto, por alguma razão que Luca não entendeu, a mesma tinha um leve sorriso nos lábios – O que faz aqui a essa hora, Luca?

–Eu... ham... preciso perguntar algo. É importante.

–Ah... bom... Tudo bem. Entre.

O ruivo entrou no quarto ignorando o olhar inconformado do deus da guerra sobre sua pessoa e sentou-se no banquinho que costumava sentar sempre que ia ali.

–Afrodite, você falou que não havia uma solução para a poção que fosse em seu poder, não foi?

–Sim...

–Mas... há uma solução, certo? Mesmo que não esteja em seu poder.

–Sim, mas... não entendi onde você quer chegar com isso.

Então Luca expôs sua ideia. Afrodite não ficou surpresa, ela já imaginava algo do tipo, mas não esperava que ele fosse ter coragem de fazê-lo.

–Sim, Luca. Isso resolveria tudo – ela falou, por fim – Mas você sabe o que há em jogo, não sabe? Vai ter que abrir mão de muita coisa para isso. E você acha que ela concordaria? Ela precisa concordar.

–Claro que sim – ele abriu um enorme sorriso e levantou-se – Vou agora mesmo falar com ela.

–Não, espere – ela chamou antes que Luca saísse dali – Melhor que você fale com seus pais antes, depois com os dela.

–Mas se ela não aceitar, vou ter falado da poção para eles à toa.

–É... Então vamos convocar uma reunião. Aqui, com eu, você, ela, Artemis, Apolo, Poseidon e Atena.

–Pode ser, mas está muito tarde para chamar todos, não acha?

–Hm... é. Então façamos o seguinte, você volta para casa, eu mando um aviso para que eles estejam aqui pela manhã e você aparece aqui com Artemis e Apolo, certo?

–Certo.

–Ótimo – a deusa do amor exibiu um lindo sorriso – Agora eu vou terminar de aproveitar minha noite.

Após aquela frase, Luca achou melhor se despedir de uma vez e sair dali, e foi exatamente o que fez. Aparatou novamente em seu quarto e deitou-se na cama, com um sorriso no rosto. Ele sabia tudo do que estava abrindo mão, mas por alguma razão aquilo deixava-o feliz e finalmente em paz por ter achado uma solução.

Coincidentemente ou não, Luca enfim conseguiu dormir, caindo em um sono tranquilo até que estivesse de manhã.

Quando ele acordou, o sol já estava bem forte, e ele supôs que fossem entre dez e onze da manhã, mas não tinha certeza daquilo. Bom, não importava. Aquele seria ‘O Dia’. Ele levantou da cama de um salto, e foi logo até a sala de estar procurando por seus pais. Bom, isso não foi tão difícil quanto ele imaginou. Logo que chegou lá, encontrou Artemis sentada no sofá, lendo um livro qualquer de capa azul, enquanto Apolo descansava a cabeça no colo dela.

–Mãe, Pai, preciso de vocês. Urgente. – falou Luca, chamando a atenção dos dois deuses. Artemis, preocupada, levantou-se logo, fazendo Apolo rolar e bater a cabeça no estofado do sofá. Ela foi até Luca e perguntou:

–O que houve, meu filho? Está tudo bem?

–Sim, mãe – ele riu um pouco – Só preciso que vocês me acompanhem numa visita a Afrodite.

–Afrodite? – Artemis e Apolo perguntaram em uníssono.

–O que você quer com ela? – Artemis indagou.

–Ih, sinto que aí vem... – esse foi o dispensável comentário brincalhão de Apolo, que agora estava apenas com a cabeça em cima do braço do sofá, olhando para sua esposa e seu filho.

–É complicado. Lá eu explico, pode ser?

Artemis não gostou nada daquela resposta, mas não disse mais muita coisa. Em pouco tempo, ambos concordaram e já estavam prontos para irem até o quarto de Afrodite.

–Só espero que você não tenha se metido em confusão, garoto – falou Apolo, antes de estalar os dedos e aparecer no quarto da deusa do amor.

Quando chegaram lá, o único que não estranhou o fato de o quarto estar cheio foi Luca. Ali estavam ninguém menos que Atena, Poseidon, Sharon e a própria Afrodite, todos esperando por Luca e seus pais.

Bom, finalmente a espera havia chegado ao fim e agora tudo seria acertado.

*.*

–Apolo, você sabe por que estamos todos aqui? – indagou Poseidon.

–Eu adoraria saber, só vim porque o Luca me arrastou – respondeu o loiro.

–Ah, nós viemos por causa de um bilhete perfumado e cor-de-rosa que apareceu voando e tilintando pelo nosso quarto – Atena rolou os olhos – Infelizmente, aquilo nos intimava a comparecer aqui.

–Não senhora, convidava – corrigiu Afrodite.

–Aquele treco tilintava – falou Poseidon.

–Luca, você sabia? – essa foi a pergunta que fez todos se calarem. Sharon que dirigiu-a ao ruivo, que não sabia ao certo como responder.

–É, eu... Eu consegui uma solução para aquele problema...

–Problema? Você quer dizer o da... – indagou Sharon, com uma fagulha de esperança se acendendo em seu peito.

–Sim, exatamente isso.

–E porque isso envolve nossos pais? – ela indagou.

–Faço a mesma pergunta, porque eu não faço ideia do que está acontecendo aqui – falou Artemis.

–Você não é a única, acredite. – suspirou a deusa da sabedoria.

–É que é algo sério... – murmurou Luca – muito sério.

–Tipo o quê?

–Tipo... você se tornar mortal.

Silêncio reinou na sala por alguns segundos, até que todos os deuses ali presentes (com exceção de Luca e Afrodite) começassem a falar juntos. Poseidon e Atena reclamavam que não entendiam absolutamente nada, Apolo e Artemis perguntavam entre si o que aquilo tinha a ver com eles, e Sharon murmurava algumas coisas desconexas.

Isso até que finalmente Afrodite colocou ordem naquela bagunça e todos se calaram novamente.

–Se você aceitar, precisaremos explicar as razões, Sha. – falou Luca – Mas primeiro você precisa aceitar.

–Luca... explique primeiro. Eu preciso pensar.

Luca assentiu com a cabeça e deixou Sharon pensando sozinha enquanto explicava para os pais ali presentes toda a história da poção (omitindo detalhes como a noite que tiveram, óbvio, e mudando o “pegou várias pessoas enquanto estava bêbada e até mesmo sóbria” para “agiu inconsciente e imprudentemente”) e focando no fato de que não havia solução ou antídoto... além daquele.

Poseidon e Atena ficaram calados durante toda a explicação, e até mesmo após essa. Eles não sabiam o que dizer, e o primeiro a quebrar o silêncio foi Poseidon, com uma frase que traduzia exatamente o maior desejo de Luca desde que toda aquela confusão havia começado:

–Esse tal de Aaron tem muita, mas muita sorte mesmo de ser imortal.

–É, mas... Poseidon... – começou Atena – Se não há outra maneira...

–Não me diga que você está pensando em deixá-la ir, Atena – falou Poseidon, olhando para a loira, que tinha um semblante pesaroso.

–É o mais sensato a fazer, não podemos deixá-la viver sem sua consciência para sempre, Poseidon! Isso é quase uma maldição!

–Mas se ela for... Nem para sempre viverá... E nós a perderemos.

O coração de Sharon doía ao presenciar aquela discussão, mas como sempre, qualquer tipo de remorso que ela pudesse sentir foi simplesmente apagado da sua mente. De uma forma ou de outra, sua mãe estava certa, mas... ainda havia um porém.

–Luca – Sharon falou, chamando a atenção para si novamente – Eu sei que é o mais correto, sei que preciso disso, e você sabe o quanto eu quero ser “normal”, mas... Eu não quero ficar longe de você.

Ela ruborizou, mesmo falando aquela última parte bem mais baixo na tentativa falha de que seus pais não escutassem. Com isso, os lábios de Luca se franziram num pequeno sorriso, mas ainda assim, triste.

–Nem eu de você. Por isso meus pais estão aqui também – ele falou, surpreendendo a todos ali, menos Afrodite – Se você for, eu vou também.

–O quê?! – indagou Artemis – Você? Tornar-se mortal e nos abandonar para sempre? Por que, Luca?

–Mãe, eu sinto muito...

Artemis talvez fosse falar algo mais, no entanto Apolo tocou o ombro da deusa, fazendo com que ela olhasse para ele e entendesse que ele tinha algo a falar.

–Tudo bem, Luca – o loiro falou – Apesar de não gostar da ideia, eu entendo e até mesmo aprovo. Se você for – ele andou dois passos a frente, colocando a mão sobre o ombro do filho – Saiba que vou sentir muita falta de você.

–Você aprova? – indagou Artemis, estarrecida, ao que Apolo virou-se para ela com um leve sorriso no rosto e falou:

–Sim. Eu faria o mesmo por você se precisasse.

Os lábios da deusa ficaram entreabertos por algum tempo, mas nenhuma palavra saiu dali. Apolo puxou-a para um abraço, envolvendo a deusa no calor de seu corpo e acariciando seus cabelos enquanto a mesma aceitava o fato de que talvez ele estivesse certo.

Aproveitando-se do silêncio, Sharon caminhou até Luca e segurou nas mãos dos garotos, para dizer;

–Luca, eu sei o que a divindade e a imortalidade representam para você. Eu jamais lhe pediria para abrir mão disso, mas não consigo amá-lo estando enfeitiçada por essa poção. E se essa é a única solução... Eu fico com uma escolha em mãos.

–Sim, eu queria viver para sempre – ele murmurou, olhando direto nos olhos dela – mas queria viver para sempre com você. Há uma grande diferença nos dois. Se eu não puder ter o “felizes para sempre”, aceito só o ‘felizes’ mesmo.

A garota sentiu os olhos marejarem naquele momento e se perguntou se seu pai por acaso se irritaria se ela beijasse Luca naquele momento.

Ah, eu já não posso me arrepender mesmo, pensou ela, dando de ombros e aproximando-se ainda mais do ruivo. E foi com um lindo sorriso que ela jogou os braços em volta de seu ombro e o beijou.

Mesmo assim, o beijo não durou muito tempo. Foi apenas uma rápida confirmação do que eles sentiam e um agradecimento pelo que ele estava fazendo por ela.

Na verdade, ela já estava decidida a passar toda a sua vida de mortal agradecendo a ele por aquilo.

Todos os deuses ali presentes, então, foram falar com Zeus e pedir que transformasse os dois em mortais. Uma rápida audiência com todos os outros foi convocada, mas não que a opinião de Hades, Hera, Dionísio, Ares e Hermes fosse muito relevante contra a de Atena, Poseidon e Artemis, então no fim a decisão de conceder a mortalidade a Luca e Sharon foi unânime.

Como Zeus estava sem paciência alguma para burocracia naquele dia, fez tudo o mais rápido que pôde, e logo todos estavam no grande salão, despedindo-se pela última vez. Artemis chorava sem se conter, Atena tinha em seus olhos um cinza tempestuoso, Poseidon exibia uma expressão triste no rosto e Apolo parecia meio conformado e meio orgulhoso da atitude do filho. Vai entender...

De qualquer forma, os únicos que não sabiam como se sentir eram Luca e Sharon. Eles estavam com aquele frio na barriga por saber que estariam começando uma nova aventura, que dessa vez seria arriscada e não teriam seus poderes para ajudá-los. Ao mesmo tempo, estavam tristes por ter que deixar suas famílias para trás, mas... Fazer o quê, era a melhor solução possível para ambos.

Dessa maneira, um a um foram se despedindo. Artemis e Apolo abraçaram Sharon e despediram-se dela, daquela garotinha que conheciam desde antes que nascesse e da qual também sentiriam muitas saudades. Da mesma forma, Poseidon e Atena desejaram sorte a Luca, claro, com uma ordem adicional de Poseidon para que o ruivo cuidasse bem de sua garotinha.

–Filho, lembre-se – começou Artemis, falando com Luca enquanto passava os dedos pelos cabelos do garoto – os humanos estão correndo sempre atrás das coisas erradas. Espero que você ao menos se lembre disso e tente fazer as coisas diferentes, Luca. Você já experimentou da imortalidade, então enquanto estiver lá, lembre-se de que você abriu mão de viver para sempre. Este é, aliás, um grande erro dos mortais, pensar que são imortais. A vida deles não tem duração alguma se comparada a nossa, meu filho, mas se eles fizessem as escolhas certas, os poucos anos de vida deles valeriam muito mais que nossos éons de existência. Seja diferente entre eles, e sua saída daqui terá valido ainda mais a pena.

–Eu juro pelo Estige que vou tentar, mãe – Luca falou, abraçando-a e deixando-se ser envolvido pela pele fria da deusa. Antes que aquele abraço se desfizesse, Apolo abraçou os dois juntos, apreciando uma última vez a sensação de ter sua família toda reunida.

–Cuide-se, garotão, e cuide dela também – falou Apolo, bagunçando os cabelos do filho quando se separaram daquele abraço em família.

Luca prometeu que faria aquilo, e então estava pronto para partir. Olhou para Poseidon, Atena e Sharon, que se abraçavam também enquanto as duas choravam.

É, nenhuma partida é fácil, e ele sentia aquilo enquanto olhava aquela cena.

Felizmente ou não, Sharon também estava pronta. Ela parou ao lado dele e ambos esperaram Zeus despachá-los dali.

–Então, se essa é a escolha de vocês... – o deus dos céus falou – que assim seja.

E, antes que sentissem aquele familiar repuxo no estômago que indicava que estavam indo embora dali, eles deram uma última olhada para suas famílias, sorrindo. Em seguida, olharam um para o outro, e aqueles sorrisos foram a última coisa que viram antes de tudo desaparecer.