De manhã bem cedo Daniel levanta-se, evitando fazer barulho, para não acordar Suzana.

Teve uma noite intranqüila, acordou várias vezes, procurando não se mexer muito para não acordá-la. Vários pensamentos vinham a sua cabeça: remorso por estar enganado-a, medo de ser descoberto, medo de não resistir e de não se controlar na presença de Suzana.

Sim, pois ela o atraia muito! Daniel tinha medo de se entregar a essa atração de se envolver e depois se complicar ainda mais. O que no caso de Suzana era o mais certo, pois ela era casada!

 Que noite!

 No entanto, ela dormia feito um anjo. Parecia tranquila, como se ela pertencesse realmente àquele lugar, como se ele fosse realmente o seu marido.

 O semblante dela era sereno e terno.

Daniel notou que várias vezes, mesmo dormindo, Suzana se aconchegava a ele, parecendo querer sentir o calor do seu corpo.

Meu Deus! Como teve que se controlar para não acariciá-la, abraçá-la e beijá-la. Só de saber que ela estava ali juntinho dele, o fazia ter mil pensamentos!

 Carinhosa e meiga como ela se mostrava, Daniel tinha certeza que ela o queria tanto quanto ele a ela. Mas não! Tinha que manter-se frio, distante e impenetrável!

Era difícil, ele o sabia, mas seria o melhor para ambos.

“Acho que os medicamentos que ela tomou são muito fortes, pois ela não acordou nem quando tirei os seus braços que estavam ao redor do meu corpo”. - pensava ele.

Daniel vai ao banheiro da suíte, para tomar um banho, está confuso, seus pensamentos são conflitantes, não tem certeza de nada. Só sabe que não pode continuar assim. Tem que fazer algo, ficar o mais tempo possível longe de Suzana!

 Mas ao mesmo tempo quando pensa naqueles olhos azuis que parecem pedir atenção e carinho! Seu coração sempre tão duro, tão indiferente a tudo e a todos, parece amolecer quando se trata de Suzana!

Daniel sabe o quanto é duro ficar sem amor, sem carinho e sem atenção! Sentiu isto na própria pele!

Desde que perdeu seus pais, em um acidente de avião. Daniel era ainda muito pequeno. Só ele sabe o quanto sofreu, o quanto ficou carente de atenção, de amor, de carinho dos pais tão amados. Sua vida se transformou. Ele e de suas irmãs mais novas: Marcela e Maria Beatriz, sendo criados pela família Mendoza, que eram amigos e sócios de seus pais.

 Os Mendoza fizeram o que estavam ao seu alcance para que eles estudassem e tivessem um bom futuro. Mas faltava o amor de seus pais.

Daniel, como era o mais velho dos irmãos sentiu mais que nunca a perda deles.

Ainda hoje a falta dos pais, tocava fundo em seu coração!

Talvez por isso sempre se revestiu de uma couraça onde se mostrava a todos como uma pessoa dura, orgulhosa e impenetrável.

 Daniel evitava se apegar às pessoas, pois tinha medo de perdê-las como aconteceu  de perder seus pais. Pensava que assim se protegeria de possíveis decepções futuras.

Após o banho, Daniel se veste para mais um dia de trabalho.

 Faz tudo em silêncio e sempre observando Suzana. Não quer fazer barulho, pois quer que ela descanse o máximo possível. Quer que ela recupere a memória e retorne a sua vida normal.

Quando pensa nisto, não sabe porque mas sente um aperto no coração!

Assim que fica pronto para sair, escreve um bilhete para Suzana e o coloca no criado mudo ao lado da cama.

Ali está escrito:

“Suzana, tenho que ir trabalhar, deixo aqui o telefone do meu trabalho e o número do meu celular, se precisar me ligue. Deixo também dinheiro para que você pague as refeições de hoje. Peça que entreguem aqui no apartamento, pois você tem que repousar.

Volto a noite. Os remédios e a receita média estão sobre a mesa. Daniel.”

“Obs: deixo uma chave de reserva para você, está pendurada do lado da porta da sala no porta-chaves.”

Olha mais uma vez o rosto tão lindo de Suzana, que continua a dormir serenamente.

Daniel sai, fecha a porta bem devagar e se dirige ao elevador, quando chega à portaria o porteiro, seu Dito o cumprimenta:

- Bom dia doutor Daniel!

- Bom dia!- responde Daniel automaticamente, sem pensar.

O porteiro fica admirado.

“Poxa ele respondeu ao meu cumprimento, que milagre! Deve ser a boa influência daquela garota tão simpática que estava com ele ontem.”- pensa o porteiro intrigado.

O dia de Daniel era sempre muito cansativo. A repartição em que ele trabalhava tinha sempre muito trabalho, não parava um minuto. A parte financeira ficava toda em suas mãos. Ele era um alto executivo desta empresa, ganhava muito bem, mas tinha que responder a todas as exigências do cargo que ocupava.

Tentou se concentrar ao máximo no seu serviço. Mas vez ou outra dois lindos olhos azuis turquesa, teimavam em povoar sua mente.

Ficou tentado por várias vezes a ligar para Suzana, para saber como ela estava, mas assim que pegava no telefone, mudava de idéia. Não queria se apegar àquela moça, pois sabia que mais cedo ou mais tarde assim que ela recuperasse a memória, iria embora. Para o marido que com certeza a esperava com ansiedade.

Por fim a noite chegou e Daniel teria que voltar para casa.

“E se ela recuperou a memória e já foi embora”. – pensa ele com uma dor inexplicável no peito.

“Tenho que aceitar a idéia de que logo ela irá embora. E logo eu terei a minha vida de volta novamente. Uma vida triste e solitária.”- conclui pensativo.

Daniel segue dirigindo, com a mente povoada de pensamentos conflitantes:

“Será que quando ela for embora, terei a minha vida de volta? Será que ela vai estar ainda lá? Será que ela lembrou-se de tudo e foi embora?”

Chegando ao prédio onde mora, estaciona o carro e vai até a portaria, lá está o seu Dito, que agora o cumprimenta sorridente.

Daniel responde a saudação e sobe no elevador.

Assim que chega coloca a chave na fechadura da porta de seu apartamento, escuta a voz de Mariah Carey cantando “Without you”. Sem saber porque sente uma alegria inexplicável.