Mistérios de Frost Ville escrita por Isa Holmes


Capítulo 16
Debaixo do nosso nariz.


Notas iniciais do capítulo

Preparados para mais um capítulo de Frost Ville, meus queridos detetive? Então corre lá pra baixo!



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As últimas palavras que ouvi, antes de um silêncio sóbrio ocupar o outro lado da linha, fora o grito inquietante e abafado de Jack.

Fiquei perplexa, o celular pendurado no ouvido. O que acabara de ouvir? Meu Deus, o que eu acabara de ouvir?

—Rapunzel? Rapunzel! — um grito distante ecoou. Saindo de devaneios e olhando para frente, encontrei o rosto sardento e preocupado de Soluço. — Punzie, o que houve? — perguntou ele — Está tudo bem?

— Jack... — sussurrei, o telefone ainda pendurado na orelha. — Devalos, Soluço! Se não fizermos nada ele vai matá-lo!

— Matar quem? — perguntou Soluço, mal entendo. Na verdade a culpa era minha. Eu que não estava colaborando para que meu amigo entendesse alguma coisa.

Finalmente desliguei o telefone e o coloquei em cima das coisas da Merida. Sentei numa poltrona e Soluço me seguiu.

— Respire fundo e diga o que houve.

— Ele estava de baixo do nosso nariz! — explodi — Era ele o tempo todo!

— Ele quem?

— Devalos! — sibilei — E o pior é que ele não é quem pensamos que é!

— Se acalma, Punzie...

Respirei fundo, pensando em como articular as palavras. Estava totalmente aflita!

Não tardou e eu ouvi o ranger da porta do vestuário. Olhei por sobre o ombro e encontrei Merida num vestido quase de época, cheio de detalhes em dourado, a cor azul-escuro como a coloração principal de todo o tecido.

Aproximou-se de mim, mal dando atenção ao Soluço, e perguntou:

— E esse aqui? — ela girou nos calcanhares — Bonito, não acha? Pra mim é o único que deu certo.

Encarei-a, desesperada.

— Não é mais hora pra isso... Jack precisa de nós. Ele está em perigo, Meri.

— O quê? — sussurrou ela, desabando em outra poltrona.

Não demorou e Violeta e Wilbur apareceram.

Em segundos todos estávamos reunidos.

— O que aconteceu com o Jack? — Merida tornou a perguntar — Punzie, o que foi?

A adrenalina me preenchia até os pulmões, minha cabeça à mil. Parei alguns segundos para articular a história.

— O começo você já sabe — comecei. — Jack ligou pra você e eu o atendi, como você pediu. Ele disse que o avô o pôs de castigo depois de descobrir que invadiu a casa do nosso professor.

— Espera aí... — interrompeu Wilbur — Como o velho soube?

— Devalos escreveu uma carta para o avô de Jack dizendo o que ele aprontou madrugada passada — respondi — Ele quis ferrar o Jack e apenas o Jack, pessoal. Se quisesse ferrar com todos nós teria mandado carta para os nossos pais também.

— Estamos a todos ouvidos — disse Violeta.

— Certo — concordei, tentando me lembrar aonde havia parado. — Ah! Jack disse que o avô o mandou para o sótão. Foi aí que mencionou sobre Gael não ser a única a ter um diário.

— Ahn? Que diário? — perguntou Soluço, franzido o cenho. — Aquele da história que contou hoje? Gael é a moça, certo? Namorada morta do Devalos?

— Isso! Isso mesmo! — animei-me pelo progresso — Jack disse que Gael não era a única que tinha um diário. Falou que encontrou algumas coisas de seus antepassados, junto disse “outro”. Se bem entendi o “outro” seria o diário do antepassado dele.

— E...? — perguntou Merida.

— Ouvi Jack gritar e depois um baque no chão. Pelo barulho na ligação foi o celular que caiu. — continuei — Graças a Deus a ligação não caiu, mas Jack não pegou o telefone de volta. Não que eu houvesse percebido — soltei um longo suspiro, prontinha para o ponto grande da história. — Aí veio silêncio e depois a voz rouca e grossa do nosso professor de história.

— Devalos? — perguntou Violeta — Ele estava lá?

— No mesmo cômodo que Jack — respondi — Eu o podia ouvir muito bem.

— E depois? — perguntou Soluço.

— Conversaram. A voz e o tom de Devalos me deu medo. Ele começou a comentar sobre um diário de um homem chamado Barnabas — novamente suspirei — E sabe o que ele disse? Que havia matado o homem! Contou isso pra Jack! Disse que foi fácil e que ainda tinha a faca que usou pra fazer o trabalho!

— Meu Deus... — sussurrou Merida. — Não me diz que...?

— Que o nosso professor é um assassino? — completei e soltei um riso — Espera aí que não estou nem na metade.

Dito isso os outros se entreolharam, preocupados.

Querendo espairecer e dando atenção ao lado de fora da nossa roda-de-histórias, ouvi uma garota reclamar para uma senhora que queria experimentar o vestido que Merida usava. Tanto minha amiga quanto a mulher lhe deram de ombros.

— Pelo menos o Jack está bem? — ouvi Wilbur perguntar.

Neguei lentamente, olhando fundo em seus olhos.

— Já disse! Jack está em perigo! Devalos o pegou! — explodi.

— Ei, ei! — Soluço apoiou sua mão no meu ombro — Vai com calma, respire fundo. Queremos detalhes. Precisamos saber o que está acontecendo.

Segui a recomendação de Soluço. Respirei fundo e coloquei o motor na conversa. Quanto mais o tempo passava, mais eu me preocupava com Jack — talvez não mais que Merida.

A loja às vezes enchia, às vezes esvaziava. O assunto do momento era o aniversário da cidade. Numa hora ou outra o assunto sobre os desaparecimentos escapava da boca de alguém. Uma funcionara da loja acabou reclamando que Merida estava muito tempo com o vestido. Minha amiga não demorou, tirou o vestido e olhou para a moça de cara feia.

Passaram-se mais alguns minutos e o lugar estava prestes a fechar. No mesmo momento o assunto estava esclarecido.

— Ele estava de baixo do nosso nariz! — Merida surtou — O tempo todo!

— Foi o que eu disse.

— Mas, espere... — Soluço espremeu-se na conversa — Quer dizer que o Jack é descendente de um homem, nomeado Barnabas, que matou a namorada do Devalos?

— Breu...

— Que seja, Punzie! — Merida surtou — É isso?

— É o que dá pra entender!

— E o papo de bruxaria? — perguntou Violeta — Isso é verdade?

— Explicaria o papo de areia-negra — respondeu Wilbur.

— E o papo de ele ser imortal e ter namorado uma mulher de séculos atrás — completou Soluço.

— Há coisas mal esclarecidas aí... — Merida tornou a dizer — Além do cara lá, o descendente do Jack ou quer quem seja, quem mais o Devalos matou?

— E que papo é esse de “origem-do-nome-da-cidade”? — continuou Wilbur.

Parei para pensar, mas não tive uma resposta certa.

— Parece que esse “diário” é a chave para o resto do enigma. — argumentou Violeta.

— Então o que estamos esperando? — perguntou Soluço e levantou — Vamos atrás dele!

•••

O céu e o horizonte estavam preenchidos com o finalzinho de tarde, as ruas molhadas por causa da neve derretida e alguns gramados lamacentos. Estávamos na frente da casa de Jack e já era a terceira vez que Wilbur tocava a campainha — que, a propósito, ninguém atendia.

— Não deve ter ninguém... — Violeta comentou, espreitando uma das janelas.

— Então vamos entrar por conta própria — respondeu Merida.

Checando se a rua estava deserta, minha amiga logo se pôs a procurar uma chave de baixo do capacho. Infelizmente não achou nada.

— Talvez em outro lugar? — sugeri.

Merida parou e demonstrou-se pensar.

— Da última vez que estive aqui... — comentou e silenciou.

Minha amiga subiu e desceu várias vezes os degraus de madeira da entrada da casa. Parou no primeiro — de baixo para cima — e agachou, batendo nele como se tocasse na porta de uma casa.

— Da última vez que estive aqui percebi que um dos degraus era oco — continuou ela — Jack não seria idiota de deixar o avô fazer a burrada de esconder uma chave reserva debaixo do capacho — Merida começou a puxar a madeira do degrau — Bingo!

A madeira saiu e no fundo estava a chave.

— Garota esperta! — disse Wilbur.

Meri não disse nada, apenas abriu a porta.

— Precisamos ser rápidos — comentei, seguindo os outros que entravam — Se o avô do Jack voltar e nos pegar nós estamos ferrados!

— Fica tranquila... — disse Vivi — Só vamos pegar o diário e dar o fora.

— Jack disse que estava na onde mesmo? — perguntou Wilbur — Porão?

— Sótão.

— Então vamos!

Subimos as escadas e entramos para o sótão. O lugar estava sujo e cheirava a naftalina.

As primeiras coisas que chamaram a minha atenção foram um celular, uma arma, um canivete, uma lanterna e um caderninho encapado de couro — quase igual ao que Soluço usava para os seus desenhos.

— Ali — apontei para o caderno — Talvez seja isso.

Violeta pegou o caderno e o folheou, fazendo uma cara feia nas últimas folhas.

— Credo! — disse — Isso aqui é sangue?

— Sangue...? — peguei o caderno de suas mãos, todos já reunidos a minha volta.

Observei todas aquelas folhas bordô por um tempo e fui para o começo, lendo os relatos escritos em voz alta.

O tempo parecia passar devagar diante das palavras de Barnabas Frost, minha pulsação acelerava e eu sentia um arrepio na espinha em cada página. Mas, conforme cada frase era lida, cada enigma e mistério eram explicados e desvendados. E, assim que cheguei à última palavra, senti o prazeroso gosto de vitória.

— Precisamos achar o Jack antes que seja tarde demais — disse Merida.

— Sozinhos? — perguntou Soluço.

Minha amiga negou.

— Eu conheço quem pode nos ajudar.

•••

Eu podia detectar as luzes ofuscantes dos holofotes em todos os cantos que eu passeava os olhos.

Já era noite e o baile na praça dos caçadores já estava em pé.

— Achei que ia ser algo mais amador... — comentei, enquanto seguia Merida pela rua movimentada.

— Pelo jeito eles levam isso bem a sério por aqui — respondeu ela — Tirando os carros e as casas novinhas em folha, eu poderia jurar que voltamos no tempo.

— Mas afinal de contas... — comentou Soluço — Quem é que pode nos ajudar nisso?

Merida infiltrou-se na fila da entrada e encarou Soluço.

— David Campbell — disse.

Eu quase engasguei, e, quando ia falar alguma coisa, Violeta e Wilbur apareceram dando cotoveladas nas pessoas, quase tropeçando nos vestidos de gala das moças presentes na fila.

— Acharam o carro? — perguntou Merida.

— Uhum — respondeu Wilbur — Ele está aí sim.

— Espera aí... eles já sabiam?

Merida riu, mas não respondeu. Um brutamonte de terno e máscara, duas vezes maior que nós e com o nome de Joe a cutucou e perguntou onde estava o convite.

— O quê? — perguntou minha amiga.

— O convite, docinho. Sem convite não entra — responde o grandalhão.

— Desculpe, mas o senhor entendeu errado — Meri insistiu — É urgente, precisamos muito conversar com David Campbell.

O segurança olhou para a minha amiga de cara feia.

— Sem convite não entra. E o que é isso aí? Um arco e flecha? É proibido armas aqui, sabia mocinha?

Joe começou a tentar nos afastar para fora da fila e as pessoas começaram a soltar murmúrios por causa da confusão. Com o coração dando voltas no peito e o sangue fervendo na feia pisei no pé do homem, e ele, urrando de dor, acabou nos abrindo espaço para a entrada.

Encarei meus amigos e a mensagem foi capitada. Ignorando o desespero do segurança corremos para dentro da festa.

— Estão nos seguindo! — gritou Violeta.

Eu suava de desespero, a blusa colada na pele, mas, assim que vi um homem alto, com uma bengala e um terno preto, senti-me totalmente reconfortada.

— Ele está ali! — gritei, apontando para David.

Não demorou e ele nos viu — talvez percebendo a confusão. Deixou a pessoa com quem conversava de lado e correu em nossa direção assim que um dos seguranças agarrou o meu braço.

— Ei, ei, ei. O que está acontecendo aqui?

— Nada de mais, David.

— Não me parece “nada-de-mais”, Tom.

O segurança suspirou.

— Esses moleques pisaram no pé do Joe e saíram em disparada lá da entrada. Nem convite eles têm!

— Mas tentamos avisar que era importante! — Merida intrometeu-se — Dissemos que precisávamos conversar com você!

David liberou o brutamonte chamado Tom.

— O que aconteceu? — perguntou o detetive, assim que a sós.

— Jack foi sequestrado e sabemos quem está por trás de todos esses sequestros!

— Opa, opa, opa. Se isso for uma brincadeira estão perdendo tempo — David suspirou — Olhe crianças, recebo ligações fora e dentro dessa cidade ouvindo que viram o sequestrador e que sabem onde as vítimas estão. E querem saber o pior? São todas falsas. Então, se isso for mais uma traquinagem, por favor, eu imploro que deem meia volta e voltem para casa.

— Não é brincadeira! Jack é nosso amigo! — protestou Soluço — Ele sumiu!

— Jack sempre some. Se for realmente amigo dele sabe muito disso. Olha, sou parceiro do pai dele faz anos, conheço muito bem o filho de um amigo. Logo, logo ele volta.

— Sr. Campbell não estamos brincando! Isso é realmente importante — insisti — Sabemos quem é o sequestrador e Jack é uma das vítimas dele. Se não formos atrás disso rápido será tarde.

David não disse nada.

— Se não acredita em nós então ligue para o avô do Jack... — disse Merida.

— O quê?

— Jack estava de castigo e nos ligou avisando que estava no sótão fazendo algumas tarefas e que não ia poder sair.

— Numa hora ouvimos a voz do nosso professor de história, sr. Devalos, e então gritos do Jack.

O celular de David tocou e ele nos pediu licença. Primeiro dizia que era impossível que tal coisa houvesse acontecido, parou por um momento e olhou por sobre o ombro, encarando a mim e ao meu grupo. Não demorou e começou a pedir várias vezes para que tal pessoa se acalmasse, concluindo que tomaria conta da evidência naquele instante.

Quando desligou o telefone ficou parado e sozinho por um tempo.

— Algum problema, sr. Campbell? — perguntei.

— Era o avô do Jack... Estava desesperado dizendo que o neto sumiu. Insisti que podia ser traquinagem do Jack e ele negou, disse que não podia ser, que Jack não saiu do sótão em nenhum minuto que fosse. Continuei insistindo que podia ter saído de fininho, mas North disse que num momento que saiu deixou as janelas e a porta trancada. Ele insistiu em dizer que Jack foi pego, diz que sente isso, mas que não sabe como pode ter acontecido.

— Mas nós sabemos — disse Merida.

David nos encarou, perplexo.

— O quê?

— Dissemos que não estávamos brincando. Isso é sério, detetive, e sabemos a verdade nua e crua. Os motivos. Tudo. Sabemos quem foi, quem são, para que é e onde é.

Como?

Olhei para o céu assim que ouviu as pessoas aclamando-o. Um alerta soou na minha cabeça quando vi que elas não se admiravam com uma espessidão azul, e sim com aquela cor esverdeada e salpicada de estrelas que eu implorava para que não desse a cara.

O céu morto estava começando.

— Podemos contar no caminho — encarei Merida e voltei os olhos para David, pegando o diário de couro da minha bolsa —, mas vai ter que acredita e confiar em nós.


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Notas finais do capítulo

É isso aí, David, vai ter que confiar nos mini-detetives. Quem disse que criança não pode investigar? Agora você está nas mãos delas para resolver o seu glorioso caso!

(Para alguns leitores que leram o capítulo anterior antes de eu alterar as notas finais novamente, coloquei lá mais algumas "curiosidades" sobre os mistérios.).