Capítulo XVII- “ Te Possuindo.”

“As vezes, o mundo dos vivos, se mistura com o mundo dos mortos.”- Os Outros.

“Sinto saudades do tempo em que conhecia meus sentimentos; Do tempo em que sabia o motivo pelo qual eu chorava ou sorria; Dos momentos em que eu vivia plenamente minha vida; Sinto saudades de tudo o que vi e vivi, porque sei que minha alma estava tranquila nesses momentos; Hoje quando tento me encontrar te vejo em tudo. A mesma dor, as lembranças das promessas vazias, tão vazias que nem mesmo você acreditava, das juras de amor que me faziam sonhar e que com o tempo foram me dominando. Hoje vejo todos os defeitos que antes me pareciam preciosidades. Hoje sinto um vazio que ainda não sei explicar o que é e que talvez um dia o tempo me permita entender. Hoje sei que de todas as coisas ruins que você me fez sentir a pior ainda esta comigo: a lembrança de saber que alguém com você ainda existe. Sinto tanta falta de mim que só vou me reencontrar quando conseguir dizer com toda serenidade que não me lembro quem você foi, é ou será. Infelizmente um amor nem sempre vem como amor.”

Susana estava sentada na escrivania na biblioteca enquanto escrevia em silencio numa folha de papel amarelado. Uma de sua mãos apoiavam a cabeça enquanto a outra obviamente escrevia. Aquela fazia jus ao momento em que ela estava passando. Não era fácil vê-lo- Caspian- com Katherine de baixo do seu nariz. Alguns murmurinhos já haviam se espalhado por todo o reino, Narnianos mais atrevidos perguntavam se seu rompimento com o Navegador era verdadeiro, a cada lembrança, a cada pergunta, a cada voz que ecoava perto de si falando sobre o assunto, era-lhe uma facada no peito.

Escrever era uma forma de colocar tudo o que sentia pra fora de certa forma. A cada palavra escrita era um peso a menos em suas costas, é claro que ela sabia que aquela mera carta não chegaria às mãos do ser que lhe inspirava para tal ato, mas descarregar sua raiva ou sofrimento por meio de palavras parecia mais viável naquele momento do que sair gritando como uma louca.

–Posso entrar?- uma voz feminina soava pela porta entreaberta , leves batidas eram dadas enquanto a cabeça do ser surgia para dentro do cômodo. Danielle.

–Claro que sim.- Susana sorria de leve enquanto limpava uma mínima lagrima que lhe tinha brotado no canto dos olhos.

–Você está bem?- Dani perguntava sentando-se na cadeira do outro lado da escrivania a sua frente.

–Estou. -mentia.- E você e o Ed? Como estão?-tentava fugir do assunto.

–Desculpe Susana, mas a questão aqui é você, estamos preocupados...-pausou.- e quando eu digo nós me refiro a todos os seus irmãos, a Mag, o Miles, a mim e principalmente Caspian.- continuou fitando a Gentil que também lhe fitava.

–Eu não quero falar sobre isso Danielle.

–Por que não? –tentava lhe entender.

–Porque és doloroso, não entendes a minha dor? - foi tudo o que respondeu antes de fazer uma reverencia a loira a sua frente e sair do local logo em seguida, deixando sua carta como confissão de que não estava nada bem. Os olhos negros de Dani vasculhavam todo o papel, lendo cada palavra, o seu rosto instantaneamente curioso agora se transformava num rosto levado pela do de ver a tristeza alheia.

A cada linha escrita Dani podia sentir o que a Pevensie passara, lhe lembrava por um momento a dor que sentira por Edmundo quando ainda tinham um amor não correspondido, a dor de um coração partido, um coração trocado por outro. No fundo todos sabiam que Caspian não queria magoa-la ,mas inevitavelmente era isso que ele fazia.

–-----------------------*---------------------

Desde a lembrança de Edmundo e Danielle haviam se passado um curto período de tempo. Duas semanas, mas uma eternidade para Susana que sofria. Em todo esse tempo os momentos que Caspian e Katherine passavam juntos eram mais constantes. Ninguém julgava ou dava palpites ,mas todos os residentes do castelo achavam algo estranho na situação, Caspian não foi tão sutil em respeitar um tempo para “trocar” de amores. Sua atitude não fez jus a fama nobre que tinha. Muitos narnianos revoltara, no início, pois acharam um ultraje contra a sua rainha ,um desbarato, ainda mais com a filha de Miraz. Haviam todos perdoados o mesmo por suas atitudes no passado, mas nessas horas de tensão as magoas ,as lembranças ruins sempre voltavam. Era tarde, o sol coberto por nuvens cinzentas batia de leve nos dois que passeavam a cavalo pelos bosques enquanto a brisa passava pelos seres fazendo o frescor os envolver.

–Vamos seu fricote tente me alcançar!- Kat provocava o homem que estava consigo acelerando o cavalo que ele montava disparando na frente do mesmo.

–Ah é? Espere só!- ele respondeu também acelerando os galopes do animal, conseguindo a alcançar.- Não me subestime.- falou enquanto ambos haviam parado numa grossa e grande velha arvore, e há alguns metros dali estava a cabana, cabana que ele ainda não tinha notado a existência.- Você cavalga muito bem.- ele sorria enquanto a abraçava ainda ofegante pela “corrida”.

–Não melhor do que você.- devolvia com sua modéstia enquanto prendia os longos cabelos castanhos e sorria de leve , com uma certa doçura natural que Katherine tinha. Um beijo acontecia , um beijo que fazia ambos sorrirem. Caspian a puxava para si de uma forma que a deixava excitada mas conseguia se controlar. -Aqui é muito bonito.- ela continuava enquanto sentava ao chão sendo exemplo para Caspian que logo sentou-se também.

–Até com o seu nublado.- Caspian completou a frase apontando para cima.

–As vezes não se pergunta onde ficam as estrelas quando o seu está nublado a noite?- Kat perguntava em voz baixa enquanto ainda olhava pra cima, onde o sol já havia sido totalmente coberto pelas nuvens carregadas quem vem fazendo o clima de Nárnia há duas semanas.

–Sim.- ele sorria da pergunta por um momento.- Acho que continuam ali, escondidas, acho que elas sabem o momento que devem aparecer, as estrelas não são egoístas. É curioso.- completava pensativo enquanto olhava em direção ao céu.

–Como sabe? Ou melhor...como consegue dizer algo tão bonito assim.?- Kat agora o olhava exibindo o mesmo sorriso doce de sempre.

–Uma pessoa me disse uma vez.- Caspian tentou sorrir ,mas logo abaixou a cabeça lembrando de quem lhe dissera aquilo, do momento em que aquilo foi dito, na intensa onda de sentimentos que ele e Susana sentiam ao estar perto um do outro naquela noite também chuvosa.

–Aconteceu algo?- Kat perguntava desconfiada.

–Não ,apenas uma lembrança boba.- mentia sorrindo novamente. Ele não queria a preocupar.

–Então...quero lhe dar um presente.- Katherine sorriu mas agora o seu sorriso doce havia se transformado em malicia, seus olhos dourados eram felinos e sedutores. Seus lábios tocavam o pescoço do navegador, logo depois nos ouvidos e por fim pousando em sua boca. O beijo era quente mas calmo, ela o enroscava com os braços pelo o pescoço do mesmo, ambos estavam agora ajoelhados sobre a grama ,frente a frente. Caspian arfava com leveza Katherine fazia da mesma forma, coisas eram sussurradas em seu ouvido, a cada sussurro, um sorriso de formava.- Ali.- continuou apontando com o dedo indicador a cabana sob uma arvore rugosa, os olhos castanhos de Caspian logo pousaram ali e uma adrenalina correu por suas veias ao ver e relembrar do local em que vivera um dos momentos mais mágicos de sua vida.

–Caspian essa é minha primeira vez .

–Será inesquecível.

...

–A primeira vez de muitas certo ?

–Claro que sim.

Ele escutava em sua mente a sua voz e a de Susana na noite em que houvera a tempestade. Seu coração se diminuiu quando aquilo veio em mente.

–Caspian? Algum problema ? É a segunda vez que fica assim.- a voz de Katherine interrompia os pensamentos do rei.

–Não... só acho que não seja o momento certo pra isso.- Caspian respondia sentando-se novamente na grama, ele olhava pro nada.

–É por causa da Susie não é?- perguntou parecendo ler seus pensamentos.

–Não... é que só que não é o momento certo. – mentiu agora levantando-se e indo em direção a sua montaria.- Acho melhor irmos. – disse de cabeça baixa enquanto montava no cavalo . Katherine olhou-o com certa tristeza, queria discutir sobre o assunto mas se conteve e manteve o silêncio.

Cavalgaram assim até chegarem ao castelo, lá estavam Miles e Lúcia sentados debaixo de uma árvore ao lado do castelo, os dois conversavam com ternura, os olhares de ambos caíram sobre eles. Caspian percebeu o olhar triste de Katherine em Lúcia e Miles , sabia que ela estava magoada pelo fora que acabara de receber, mas ele estaria sendo corrupto com Susana e principalmente consigo mesmo.

–Kat eu...- Caspian começava a falar ele tentaria se explicar mas foi surpreendido pela mesma o interrompendo.

–Não precisa dizer nada Caspian, eu deveria saber que é cedo demais pra qualquer coisa, faz muito pouco tempo que você rompeu com Susana o erro foi meu.- pausou e respirou fundo.- Eu sei que sente algo por mim , e sei que não é um amor arrebatador como eu tenho por você.

–Mas ...eu gosto de você.

–Eu sei que você gosta mas não me ama.

–Mas posso aprender a amar.

–Não.. isso levaria muito tempo, sei que não esqueceu Susana definitivamente e entendo você. Isso era uma prova de amor... e você recusou, não culpo você, talvez eu tenha sido precipitada, mas hoje provou que ainda não está pronto para me amar por inteira.

–Está rompendo comigo?

–Não... só estou dizendo o que eu penso.- foi tudo o que respondeu antes de adentrar o castelo o deixando ali sobre as escadarias sozinho. Seus olhos a seguiram até onde podiam. Ela andava depressa pelo salão principal , ignorando a presença de Edmundo e Danielle que ali estavam e falaram com ela.

–Nossa...o que será que deu nela?- Dani perguntava em voz alta.

–Tenho certeza que é algo ruim com Caspian.- Ed respondeu a Dani enquanto os dois estavam abraçados sentados num sofá cor vinho que sempre ficara ali.

Os passos de Kat subindo as escadas eram ligeiros. Um nó se formava em sua garganta enquanto lembrava da rejeição que acabara de sofrer, de ver todos a sua volta juntos, ao ver que o amor de Caspian por Susana ainda não havia morrido. Por um instante se achou uma tola por acreditar que em duas semanas ela já a amasse. E ela era... Caspian gostava verdadeiramente dela, mas havia confundido as coisas o que ele achava que era um amor, era só um amor fraterno, de irmãos... sim claro que houvera uma paixão, mas não era o suficiente para suprir um coração que necessitava da sua cara metade , o seu verdadeiro amor. Ela tinha o dito que não estava rompendo, mas iria embora, ela queria sair dali o mais rápido possível, era uma infantilidade mas no momento em sua cabeça era a melhor opção.

–---------------*----------------

Esperara anoitecer e todos estarem distraídos. Edmundo ,Pedro , Mag ,Dani e Caspian estavam na sala de treinamentos, os casais iriam lutar, era uma espécie “competição”, meninas versus meninos. Dani e Mag queriam mostrar que eram capazes de se sair bem numa luta.

Enquanto isso, Susana ,Lúcia e Miles estavam na sala de Aslam, junto à alguns conselheiros , estavam vendo como andavam as finanças e as condições do povo Narniano. Miles tinha agora o poder de tomar decisões , pois antes de subirem foi nomeado guerreiro de Nárnia antes da subida de ambos.

A essa altura já estava nos portões do castelo, pedindo aos arqueiros que ficavam de guarda para avisar que ela foi embora depois que já estivesse longe. Seu pedido foi atendido. Em poucos minutos estava na floresta a caminho a Telmar, ela teria a certeza que quando voltasse teria que explicar-se a sua mãe e teria que se casar com qualquer outro rei de qualquer reino, pois se não voltasse casada com Caspian teria que se render a fazer as vontades de alguém que ela ainda de certa forma “pertencia.”.

Caspian havia assistido a uma das lutas praticadas na sala de treinamento ,mas logo sentiu falta de Katherine , tinha percebido que não a vira toda a tarde. Ele procurara em todos os cômodos do Castelo mas não a achara.

–Ei você! Via a princesa Katherine?- Caspian perguntava a um guarda aos portões do reino.

–Sim, ela retornou a Telmar. – aquelas palavras o estontearam. Como ela podia ter saído a noite? Daquele Jeito? Caspian sentia a adrenalina o contemplar novamente, podia sentir todos os músculos do seu corpo se entorpecerem.

–Prepare um cavalo.- ordenou e em poucos minutos pôs-se a sair galopando a procura da Telmarina.

...

Os cabelos de Katherine dançavam ao vento gélido da noite escura, com o céu nublado. Ela corria tentando sair o mais rápido possível dali ,tentando chegar ainda aquela noite a sua terra. O animal em que montava era veloz, mas nem isso a levaria naquela noite pra casa. Pois a escuridão dificultava o caminho, o chão estava lamacento dificultando a passagem.

O silencio reinava, um silencio que dizia que algo de ruim podia acontecer a qualquer momento. Seus olhos vasculhavam toda a área, assim como Edmundo quando estivera ali. Instinto. Seu cavalo agora andava mais lentamente até ouvir barulhos vindo de trás dos arbustos. O animal paralisou. Barulho foi ouvido outra vez. Algo negro passou por ambas as cabeças os trazendo o pânico.

O animal galopava agora mais veloz do que antes, Kat queria a qualquer custo despistar o que tivesse dentre a floresta densa e negra. Barulhos foram ouvidos atrás de si, aquilo nesse instante a perseguia , seu pânico agora era maior, um grito mudo saiu de sua boca, até senti um tombo sobre si e sentir o impacto de seu corpo contra o chão. Viu também o cavalo ser arrastado pra longe com brutalidade fugindo de seu campo de visão, aquilo o tinha levado.

A terra entrava pelos seus dedos que pousavam sobre o chão enquanto tentava se levantar, mas foi inútil, outro baque a levou ao chão.

–O que você quer?!- perguntou nervosa , em pânico, frustrada vendo sua voz segundos depois ecoar pela floresta sem fim.

–Só seu corpo.- uma voz respondia em tom de eco.

–Quem é você?! –berrou mais uma vez, mas sua voz foi cortada abruptamente sendo o seu corpo lançado e colado por pressão contra um pinheiro. Algo a prendia segurando o seu pescoço no escuro.

–Sou o seu pior pesadelo...-a voz pausara e dera uma gargalhada de arrepiar as espinhas.- Sou apenas um servo, tenho poderes, então seja boazinha.- falava com escarnio.

–Me deixe ir!- ela queria soar em tom imperativo, mas saiu quase como um pedido.

–Não ,não...-respondeu mais uma vez, dessa vez a voz estava mais próxima ao seu ouvido o que a fez querer gritar.- Só preciso fazer...- pausou e o silencio reinou. A respiração ofegante da princesa podia ser ouvida.- Isso!- completou a dando um tremendo susto, e pondo agora uma das mãos sobre seu peito, o lado esquerdo, ao seu coração.

–Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah! –Katherine berrou com agonia fazendo os corvos que viviam no topo das arvores debandarem. Seu grito se repetiu por longos e dolorosos minutos.- O que está fazendo?!-perguntou com dificuldade para responder, sua voz saiu num sussurro.

–Te possuindo.- a voz respondeu e as vistas de Kat se escureceram.