Novos Horizontes escrita por lunaletras


Capítulo 3
Perguntas sem Respostas


Notas iniciais do capítulo

Nossa, uma cena minúscula da novela acabou rendendo um capítulo enorme, espero que não tenha ficado chato e que eu não tenha me embolado demais. Ah, desculpem os eventuais errinhos e a minha eterna e insistente tendência ao dramalhão.



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O menino sentiu uma fortíssima dor em sua perna, na verdade parecia que todo seu corpo era apenas uma torrente de dores. Sua cabeça latejava enterrada em uma grande confusão, nem mesmo imaginava onde poderia estar. Ele respirou profundamente e sentiu um cheiro muitíssimo agradável, totalmente diferente daquele que vinha sentindo ultimamente pelas ruas. Com certa dificuldade e sem entender o que poderia estar acontecendo, o jovem abriu os olhos...

Susto! Fabinho espantou-se profundamente em ver quem estava ao seu lado. O corpo do rapaz deu um pulo na cama. Seus olhos ganharam uma expressão abismada enquanto ele olhava para aquela garota. Que raios ela estava fazendo ali? Que diabos tinha acontecido?

Giane acordou sobressaltada com os movimentos do menino, será que era um novo deliro? Ah... será que ele não tinha melhorado?

Porém, rapidamente, abriu seus delicados olhos e pode perceber que Fabinho estava acordado, os olhos dele estavam muito abertos e fitavam-na com milhares de pontos de interrogações.

Por apenas alguns segundos, os jovens olharam-se com uma expressão quase engraçada de surpresa. Aquela confusão de pensamentos normal, que vez por outra sentimos ao acordar em um lugar diferente do habitual, estava elevada à máxima potência nos olhos daqueles dois.

___ O que você está fazendo aqui?___ o menino perguntou instintivamente, embaralhado em seus pensamentos.

Giane deu um salto da cama, sentindo uma irritação repentina.

___ Ué, eu estou no meu quarto, onde eu passei a noite cuidando de um palhaço, que chegou aqui fedendo, imundo e pelando de febre! ____ as palavras da menina saíram rudes.

Alguma coisa a impelia a ser grosseira com ele. Afinal, a ferinha estava desperta, era o Fabinho, o mesmo idiota mau caráter de sempre. Naquele momento, ela pensou que ele já não lembrava em quase nada o menino que lhe despertara aquele enorme rompante de carinho na noite anterior.

____ Dá pra falar baixo, que eu não sou surdo. ____ respondeu o garoto, de forma não menos rude, entre gemidos de dor.

A voz da menina era linda, porém tinha soado extremamente desagradável aos ouvidos dele naquele momento. Estava sentindo muita dor, estava se sentindo doente, estava confuso, estava extremamente confuso...

Silvério entrou no quarto e ao ver Fabinho desperto perguntou a filha se a febre já tinha baixado. Giane respondeu irritadíssima que sim, e que por sinal o garoto já estava reclamando de tudo. Enquanto o pai falava que ia sair para comprar mais remédios, Giane olhava fixamente para Fabinho com uma expressão muito séria, seus olhos tingiram-se com nuances muito hostis. Raiva... ela estava se permitindo sentir um pouco de raiva dele, ela estava finalmente se lembrando de todas as coisas terríveis e tantas outras coisas simplesmente idiotas que ele tinha feito depois que retornou da cidade do interior, onde tinha ido morar com sua família adotiva. Enquanto ele delirava de febre, angustiado, com uma fragilidade quase infantil, todos esses acontecimentos tinham sido apagados como que por um passe de mágica da memória da garota.

Porém agora, por mais que ele ainda estivesse gemendo de dor, Giane sentia uma vontade incontrolável de ser grosseira com ele. Uma vontade desesperada de sufocar toda aquela ternura improvável e imprudente que ele tinha despertado nela.

Sentir carinho pelo Fabinho? Ai, essa era a coisa mais estúpida que ela poderia fazer consigo mesma! Mais estúpida do que amar platonicamente uma pessoa que sempre a viu como uma irmãzinha, mais estúpida do que ficar com um carinha por quem ela não sentia nada. Estúpida... deixar-se enternecer por aquele moleque, era o cúmulo máximo da estupidez!

Na cabeça de Fabinho, as coisa começavam lentamente a ficar um pouco mais claras, ele não se lembrava como tinha ido parar ali, mas ele começava a entender que de alguma forma e por um motivo que ele nem imaginava o qual, Giane o havia ajudado. Estranhamente, a garota o havia levado para o quarto dela, ela estava cuidando dele. Caramba... mas por que será que ela estava fazendo isso? O que será que a amiguinha do Bento queria com ele? Por que ela não chamou logo a polícia e acabou de vez com essa palhaçada? Ele estava cansado de saber que todos na Casa Verde queriam vê-lo na cadeia depois do maldito incêndio, ele estava cansado de tudo... talvez fosse melhor ser preso mesmo. Que droga! Sua vida tinha se tornado uma droga! E ainda tinha esse incêndio, caramba, ele estava mesmo ferrado. E ainda por cima, estava morrendo de dor!

Depois que seu pai saiu do quarto, Giane ainda olhou por mais alguns segundos para o detestável menino a sua frente com um olhar reprovador. Sua vontade era sair dali, era deixa-lo só, mas precisava saber o que tinha acontecido com ele.

____ Por que você ficou assim cara? O que aconteceu com você? ___ o tom de voz da garota era muito rude. Ela realmente estava sentindo raiva.

Fabinho não sabia o que responder, não queria falar sobre tudo que tinha passado naqueles últimos dias desde que tinha deixado Bento desmaiado na Toca do Saci, desde que tinha pensado pela primeira vez na sua vida antes de fazer uma grande besteira.

E o que ele tinha ganhado em troca? Alguém tinha terminado o serviço que ele quase começou e ele... ele agora estava realmente ferrado. O jovem não sabia lidar com sentimentos, culpa, dúvidas nunca tinham passado antes pela sua cabeça. Os únicos sentimentos que se lembrava de sentir eram revolta e raiva. Uma raiva enorme de tudo e todos.

Quanto mais pensava, mais ele se embolava na sua própria cabeça, mais ele se perdia em tudo que estava sentindo, em toda hesitação, em toda insegurança, e agora no medo absurdo que invadia seu coração.

Ele não respondeu Giane, não podia respondê-la, não sabia como descrever tudo que tinha passado, não sabia mais de nada... Uma forte angústia apossou-se dele, uma angústia confusa e indefinida... ele estava perdido. Esse sentimento começou a arranhar sua garganta. E as lágrimas começaram a insistir em brotar por seus olhos. Ele abaixou a cabeça, cobrindo levemente o rosto com as mãos. Não queria demonstrar esse sentimento, não queria demonstrar ou sentir sentimento nenhum! Porém era inevitável, pensar em tudo que havia acontecido fazia com que essa angústia inevitável mudasse a expressão de seu rosto, fazia com que ele não conseguisse esconder a vulnerabilidade sufocante que se apossara de seu coração.

Mesmo que essa fosse a última coisa que ele quisesse que acontecesse naquele momento, diante daquela garota irritante, lágrimas teimosas começaram a rolar dos olhos que ele tentava esconder com a cabeça baixa.

O fato do menino não responde-la e, ainda por cima, nem mesmo olhá-la irritou ainda mais Giane. Sem conseguir conter sua irritação, ela levantou de forma quase agressiva o rosto do menino enquanto dizia para que ele olhasse para ela.

No entanto, ao levantar o rosto do rapaz a menina pode ver seus olhos marejados de lágrimas. Lágrimas! Os olhos daquele garoto que ela julgava completamente insensível estavam repletos de lágrimas. As lágrimas do menino caíram como uma tempestade no coração dela. Todos aqueles sentimentos pulsantes na noite anterior voltaram dizimando quase por completo sua irritação. A expressão hostil que tomara conta de seu rosto desde quando ele despertara desapareceu. Era, na mesma proporção, inexplicável e inevitável sentir-se tocada por ele. Saber, que mesmo agora, sem os delírios febris, Fabinho ainda era capaz de sentir desarmou Giane por alguns segundos.

____ Desculpa.____ essa foi a única palavra que seus lábios conseguiram proferir naquele momento.

Giane sentiu-se incomodada com a forma que essa palavra saiu de sua boca, o tom de sua voz acabou soando quase carinhoso.

____Eu não estou entendendo como eu vim parar aqui, você que me encontrou? ____ o tom da voz do menino também saiu ameno e um pouco embargado, enquanto ele tentava disfarçar as lágrimas enxugando-as com as mãos.

Giane, disse que sim, que ela o havia achado desmaiado no canteiro ali fora e o havia trazido para casa.

O menino lhe perguntou, o porquê. Olhando para ela de uma forma que lhe pareceu tão sinceramente confusa... o olhar do menino lhe pareceu... doce.

Ela sentiu-se extremamente incomodada com esse pensamento. Achar o olhar de Fabinho doce, ela provavelmente estava perdendo o juízo. E nossa, como era difícil responder àquela pergunta__ por quê__ por que ela tinha resgatado aquele garoto?

Ela nunca poderia explicar-lhe que a fragilidade dele a havia deixado instintivamente sem opção. Que vê-lo desacordado, desamparado como ela nunca o tinha visto antes, simplesmente fez com que ela não pudesse deixá-lo. Ela jamais ia dizer para ele o quanto ele, logo ele, tinha lhe despertado um instinto absurdo de proteção. Ela jamais diria para ele, logo para ele, que ela sentiu-se desesperada ao vê-lo daquele jeito, que ela tomou sua cabeça nos braços e colocou em seu colo, que ela acariciou seu rosto e sentiu um medo desesperado de que ele não mais acordasse. Ela não ia dizer que o levou pra casa, porque naquele momento tudo que ela queria era cuidar dele, somente dele. Ai, ai, ai... na verdade, ela não queria dizer isso nem pra si mesma!

Desde o dia anterior, sua cabeça tinha virado uma confusão, e tudo por causa daquele garoto. A irritação voltava a tomar conta dela, raiva dele, de si mesma, raiva desses pensamentos malucos que fervilhavam insistentemente em sua cabeça. Aquele garoto ia deixá-la definitivamente louca! Como podia sentir-se tão enternecida e tão irritada em um espaço tão curto de tempo? Na verdade, parecia que ela estava sentindo tudo ao mesmo tempo...

De toda forma, ela precisava respondê-lo:

____ Por que... eu costumo ser legal quando alguém precisa de alguma coisa, mesmo sendo um metido, safado, sem vergonha, que não vai ter um pingo de gratidão depois.

Giane sentiu-se melhor por conseguir dar uma explicação vaga e rude, afinal era isso mesmo que ela achava que ia acontecer. Se ela pensasse que aquele menino lhe seria grato, aí sim, podia se declarar maluca de vez.

Fabinho também se irritou diante da resposta da menina. Que ótimo, então ela tinha tido a piedade de ajudá-lo só por para se sentir a boazinha, provavelmente agora lhe jogaria na cara pelo resto da vida o quanto ela tinha sido caridosa em ajudar o grande mau caráter. “ Oh sou o melhor ser humano do mundo, por isso ajudei o pior de todos” provavelmente era isso que ela ia pensar.

___ É, assim dá muita vontade de agradecer... a pessoa ajuda e depois fica jogando na cara, dá vontade de ficar na rua___ ele falou sem pensar enquanto gemia de dor por causa do machucado em sua perna.

Ah... irritante, como ele era irritante! Giane enraiveceu de verdade com a resposta mal criada do menino, porém, quando começava a retrucar dizendo que ele não tinha mesmo jeito, ela ouviu batidas insistentes na porta, deu as costas ao garoto e saiu do quarto irritadíssima.

Fabinho acompanhou com um olhar indefinido os passos da garota. Esse olhar indefinido traduzia exatamente aquilo que passava em seu coração. Sabia que sua resposta tinha sido extremamente mal educada, mas e daí? Se ele não tivesse sentindo tanta dor, talvez tivesse achado até graça na reação irada da garota. Se ele não tivesse em um momento tão extremo de sua vida, talvez tivesse dado uma resposta ainda pior. Por que ele havia de se importar com ela? Por acaso ele tinha lhe pedido ajuda? Ela não o ajudou por que ela quis?

Ela o ajudou por que ela quis... Isso era tão estranho. Aquela marrentinha, sempre ao lado do Bento, tinha o ajudado por que ela quis. Ele estava ali no quarto dela, ela tinha dormido ao lado dele, ela tinha cuidado dele quando todos tinham lhe virado as costas. Como as pessoas eram estranhas... Que garota louca, ajudá-lo justamente quando todos achavam que ele tinha tentado matar o Bento. Será que ela acreditava na inocência dele? Será que logo ela, ao contrário de todos, acreditava nele.

O menino não estava acostumado a ver a bondade nas pessoas, achava todos dissimulados ou idiotas, mas naqueles últimos dias duas pessoas tão improváveis embolaram suas convicções. Primeiro Malu, com aquela mensagem no celular que mudara tudo, que fizera com que ele hesitasse pela primeira vez. E agora Giane, logo a Giane, tinha lhe tirado das ruas. Olhou para o ferimento em sua perna, não queria nem pensar no que poderia ter acontecido se ela não o tivesse resgatado, muito provavelmente aquela menina tinha lhe salvado a vida...

Ele estava confuso, o mundo era absurdamente confuso, há pouco tempo ele tinha tudo, ia ser herdeiro de uma fortuna, mas então da noite pro dia ele perdeu tudo e se perdeu... Todos lhe viraram as costas. E era absurdo, ele agora estar ali, dependendo da ajuda daquela garota. Aquela garota, justo ela, tinha lhe estendido a mão.

O ódio, que fez com que ele respondesse a menina daquela forma rude, começava a abrandar no misto de pensamentos confusos que lhe invadiam a cabeça. Será que ele era mesmo incapaz de sentir gratidão? Será que ele era capaz de sentir algo diferente de ódio e revolta?

Fabinho fazia milhões de perguntas para si mesmo, porém ainda não era capaz de encontrar nenhuma resposta.









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