–Percy- chamei baixo, mas ele acordou em um salto, preparado para pegar a espada a qualquer momento- ei calma, eu só queria agradecer.

–Não se preocupe com isso- ele sentou na cama ao meu lado e com uma cara de quem não havia dormido nada, o que era bem possível- afinal sou seu irmão mais velho.

–Não acho que todos os irmãos sejam assim tão cuidadosos- sorri para ele- tenho muita sorte de ter você como irmão.

–Se eu não estivesse caindo de sono também diria alguma coisa legal- ele me abraçou e beijou meu cabelo.

–Minha vez de cuidar de você- levantei ele e o puxei para seu quarto- agora vai descansar, você merece.

Percy nem mesmo tentou discutir, se jogou em sua cama e dormiu quase que instantaneamente. Eu estava sem sono e bem descansada, ja devia ser quase meio dia e eu não tinha nada para fazer, mas ja tinha um lugar em mente.

Gostaria de poder deixar um bilhete, mas era meio difícil achar um papel embaixo da água, ou ate mesmo uma caneta, sendo assim, mergulhei nas sombras e logo eu estava no Elísio. Eu nunca me cansaria de admirar aquele lugar, sempre animado, grama verde, lago de águas cristalinas, crianças brincando eternamente.

Mas dessa vez eu não encontrei a Bianca, não conseguia acha-la em lugar nenhum, e por mais que ja tivesse me acostumado a viajar nas sombras, ainda ficava muito cansada e não conseguia ficar em pé por muito tempo.

Sentei em um banco mais afastado, observando o lugar e descansando, me perdi no tempo, olhando as pessoas, elas haviam morrido, mas pareciam tão vivas, é ate estranho de se ver, saber que todas aquelas pessoas na verdade estão mortas, elas próprias sabiam que estavam mortas, mas ainda sim viviam felizes ali.

O som de passos me despertou do devaneio e assim que olhei para trás vi os dois vindo em minha direção, rindo, eles se davam tão bem, era muito bom vê-los juntos, principalmente agora que Nico estava morando com Hades de novo, já que ele fugiu do acampamento e não queria voltar por que todos pensavam que eu estava morta e ele não sabia se conseguiria guardar o segredo e bla, bla, bla.

Resumindo eles estavam passando bastante tempo juntos, ja que antes raramente Hades deixava eles se verem, agora se viam quase todos os dias e conversavam sobre tudo. Nico mal havia chegado e ja me beijou, Bianca fez aquela cara de quem não estava a fim de segurar vela.

–Eu ja volto- Bianca falou indo em direção a casa que ela morava ali no Elísio.

–O que faz aqui tão cedo? - Nico sentou do meu lado.

–Não tinha nada para fazer- o que não era de tudo uma mentira, mas a verdade é que eu não queria ficar sozinha, não depois do sonho.

–Percy aliviou no treinamento? -percebi que ele quis mudar de assunto.

–Nem um pouco- segurei o tridente entre meus dedos, isso era um costume meu- as vezes eu acho que ele quer que eu tome um banho no rio estige.

–Sabe que o próprio Percy quase morreu por causa disso né?

–Sei que eu não vou fazer isso- falei revirando os olhos- ser invencível deve ser chato, principalmente por que um único corte na sua parte mortal pode te matar.

–É o preço que se paga- Nico deu de ombros- absolutamente tudo, principalmente no nosso mundo, tem um preço.

Eu tinha uma pergunta que não saia da minha mente, desde que cheguei ao acampamento, a única pergunta que ninguém quis responder, nem mesmo Quiron, ou Mindy, era como se fosse proibido falar no assunto.

–O que aconteceu quando Cronos atacou? Ninguém me conta, não tocam no assunto, é como se... Eu não sei, terrível de mais para lembrar.

–É terrível de mais- ele olhou para o chão, como se procurasse um jeito de falar, ou de mudar de assunto- muitos semideuses se virando contra irmãos, ataques ao acampamento, deuses se voltando contra o Olimpo, anos em que qualquer semideus um pouco mais poderoso era caçado e se não se unisse ao exercito de Cronos era morto, das piores maneiras possíveis.

–Você estava no meio de tudo não é?

–Como acha que virei amigo do seu irmão?

–Então pode me contar por que? Por que todos os campistas não falam sobre isso?

–Por que muitos perderam amigos, irmãos, se perderam na guerra, nunca se viu tantas perdas no acampamento, todos preferem esquecer o que aconteceu, é mais fácil de lidar se fingirem que nunca aconteceu.

–Quem você perdeu?- perguntei ouvindo a magoa em sua voz.

–Minha irmã- Nico olhou para Bianca, que conversava com um garotinho de uns oito anos- ela morreu durante uma missão, uma que se não fosse por Cronos, jamais teria acontecido, ela estaria viva e não presa aqui para sempre.

–Ela parece feliz aqui- olhei para onde ele olhava, vendo como Bianca sorria para o garotinho e o acompanhava até onde estavam outras crianças.

–Todos parecem felizes, por aqui é pra ser uma versão de "paraíso", é isso que os deuses querem, que todos pensem que aqui é sempre alegre e maravilhoso, para que a morte não seja tão terrível, mas a verdade é que quando as pessoas vem para o Elísio todas as suas memórias, todos os sentimentos passados, se vão, eles não sentem Lara, simplesmente vivem um dia após o outro, sem nada alem de uma felicidade plantada eternamente dentro deles.

–Quer dizer...?

–Sim, eles não estão felizes de verdade, é como se sofressem uma lavagem cerebral, onde fazem com que você viva eternamente feliz sem se importar com o passado ou futuro, sem se lembrar de quem você já foi, o que ja viveu. É assim que funciona.

–Como pode ter tanta certeza? - mal havia falado e ele se levantou irritado, claro que foi uma pergunta idiota, ele é filho de Hades, ele sabe dessas coisas.

–Eu sei por que, quando Hades me deixou ver Bianca pela primeira vez, ela não tinha ideia de quem eu era, ela não se lembrava de mim, foi a pior coisa que ja me aconteceu.

–Desculpe- balancei levemente a cabeça- não devia ter tocado no assunto, eu não tinha ideia.

–Acho melhor você voltar para o reino de Poseidon, estará melhor lá.

–Esta me mandando embora?

–Não, estou te mandando pra la por que eu quero que fique aqui- ele falou sarcástico, fazia tempo que não ouvia aquele tom tão agressivo.

–Ta legal, eu vou, mas não pense que eu vou voltar- falei mergulhando nas sombras de um carvalho.

Fiquei tão irritada por ouvir ele falando daquele jeito, que nem mesmo me dei conta dos gritos ou sussurros atormentados durante a viajem, ou do frio que sempre me fazia tremer. Meu temperamento explosivo estava entrando em ação e se juntar isso ao fato de que eu sou filha de Poseidon, não conseguia pensar em nada, a não ser que eu gostaria de poder estar no acampamento para ir na arena treinar, ou no campo de arco, para aliviar a raiva.

Logo ja estava de volta ao meu quarto, caí de joelhos assim que cheguei, essas viagens acabavam comigo, não importava o quanto estivesse acostumada, sempre ficava exausta e algumas vezes desmaiava.

Sentei encostada na parede de coral, irritada com o modo como Nico havia falado, não exatamente pelo jeito que ele falou, mais por eu não entender direito por que ele me expulsou de lá.