Sem Pistas escrita por Return To Zero


Capítulo 3
Verso II: A feira de Xerxes


Notas iniciais do capítulo

Ah, esse foi o chappie que eu mais gostei de escrever! ♥



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O dia amanheceu rapido demais para Clara. Foi despertada por mais criados, tomou um bom banho, vestiu-se e partiu para o desjejum. Foi informada que o homem que havia adotado-a partiu em longa viagem.

Novamente, convidou os criados a se sentarem e compartilhou do café-da-manhã com eles. Fizaram varias perguntas sobre seu passado, sobre o que aconteceu em Rookbows mas nem ela, nem Ini, souberam responder.

Antes que os primeiros professores chegassem, Clara se enfiou pelo corredor até o pequeno laboratorio do outro dia. Heim estava lá, vassoura em mãos, lendo um grosso livro diante de um frasco um pouco maior que os outros.

Quando Clara lhe desejou bom dia, ele fechou o livro bruscamente, levantando uma pequena nuvem de poeira. Virou-se para a porta, contraindo os labios, prendendo a respiração como se cometesse algum erro.

- Parece até que viu um fantasma, Heim.

"Palida do jeito que você é..."

Clara murmurou um "tch" para Ini, voltando-se para o loiro. - O que está lendo? Eu te atrapalhei?

- Ah, é só... Alquimia basica... Eu nem devia estar lendo isso. - Heim largou o livro sobre a mesa, e pôs-se a varrer novamente

- Não acha que já varreu demais? Talvez queira fazer alguma coisa diferente.

- Como o quê? - Heim deu de ombros

- Não sei... Que tal darmos um passeio? Aí você me mostra a cidade, ou...

- M-Melhor não... - o loiro correu os olhos pelo comodo, parando-os no fraco de antes - N-Não conheço o mundo lá fora. Podemos nos perder e...

Ambos fitaram o frasco. Havia algo nele, como uma bolha saltitante, flutuante, e negra. Tinha apenas um olho com orbes carmesim, e um sorriso maroto, quase perigoso. 

- Heim... O que é isso? - Clara perguntou, se aproximando

- Ah... É complicado... Melhor eu...

- Explique. - retrucou - Eu vou tentar entender.

- Ahn... Esse é... O Baixinho Dentro do Frasco. - verbalizou, envergonhado - Um dia, eu acordei e ele estava... falando comigo... Disse que eu lhe dei a vida e, em troca, ele me deu um nome e... me ensinou varias coisas.

- Huh... Então foi isso que te deu um nome? Que interessante... - a morena se curvou, olhando no único olho da criatura e cutucando o frasco com o dedo - O que exatamente é isso, você sabe?

Clara perguntou, mas não para Heim. A voz em sua cabea flutuou, flutou e pousou sobre o chão de sua mente, pensativa. "É um Homunculo." respondeu "Algo parecido comigo mas... Não parece ser tão desenvolvido assim."

- Mas será que ele...?

"Não, não. Não creio que ele possa se transmutar para dentro de você, afinal... Bem, somos coisas diferentes, alias. Eu tinha um corpo, e ele é só uma bola num frasco."

- Se você diz...

- Diz o quê, senhorita Clara? - perguntou Heim, curiosa - Com quem está falando?

- Huh? Não, com ninguém. Desculpe.

"Agora eu virei ninguém?!" Ini exclamou, chutando as paredes alvas da mente dela

- Mas Heim. Por que não conhecemos a cidade juntos? Parece divertido!

- Mas ouvir dizer que seus professores estão chegando logo logo. Acho que...

- Ou vai ficar varrendo esse quarto pra sempre, feito um idiota? - Clara riu quando Heim atirou a vassoura no chão e tapou sua boca com certa delicadeza antes que ele começasse a berrar - Escuta aqui, esquentadinho. Vamos nos esgueirar pela porta dos fundos, quando ninguém estiver olhando, tá? É só ficar quieto e me seguir.

O loiro assentiu. Os olhos azul-alice pareceram sorrir para ele, convidativos. Ele suspirou, seguindo Clara de forma silenciosa pela casa. Estava diferente do outro dia, com um vestido mais enfeitado. Esse lhe caia como seda pelo corpo, um cinto que demarcava a cintura e a saia descia solta pelas pernas. Era de um rosa palido e não combinava muito com seu tom de pele, mas ficava maravilhoso quando seu cabelo cor-de-mel balançava sobre ele.

Por alguns segundos cobriram os olhos com o braço. A luz natural pareceu nociva nos primeiros instante de liberdade mas logo se acostumaram. Heim sorria como uma criança: excitada, porém temerosa.

- Meu mestre vai ficar furioso por isso, mas... Mas eu queria tanto sair! E já faz tanto tempo!

- Não, ele não vai! Se formos bem discretos, ele não vai ficar sabendo afinal, não vai voltar por um bom tempo.

- Então, por onde começamos? Para aonde vamos? Por que não comemos alguma coisa? - o garoto parecia saltitar na frente de Clara, observando a tudo e a todos

A morena riu, segurando Heim pela mão e conduzindo-o sem direção certa. Passaram por algumas casas, e por pessoas que olharam Clara admirados. 

Aqueles olhos claros nunca foram vistos naqueles montes de areia. Todos possuiam a pele bronzeada e olhos quentes como o sol e Clara era palida, de olhos frios e um sorriso brilhante. Poucos minutos no sol foram o bastante para deixarem intensamente corada.

Alguns acenaram para ela e ela acenou de volta. Logo perceberam um grande aglomerado de pessoas que se encaminhavam para outro local. Podia-se ouvir o farfalhar das vozes e do dinheiro.

- Para aonde será que estão indo? - questionou Heim

- Vamos segui-los. Pode ser algo divertido.

E assim o fizeram, desembocando em uma especie de feira. Tendas coloridas armadas pela rua, com varios produtos à mostra; desde frutas, livros e objetos de Alquimia ou religiosos. 

Todos estavam animados. As crianças corriam e riam em todos os cantos, algumas senhoras conversavam, outras ralhavam com seus filhos ou maridos. 

Clara e Heim sorriam. A garota procurou em meio a multidão alguém que possuisse os mesmo traços, decepcionando-se logo em seguida.

Já o loiro correu até à tenda mais proxima. Vendia uma porção de oculos e coisas do tipo. Heim tentou um deles.

- O que achou?

- Hm... Talvez este fique melhor, Heim - ela retirou os oculos e colocou uns que tinha uma armação mais arredonda - Olha só.

Heim virou-se e viu-se no espelho. Admirou-se por algum tempo e devolveu o objeto para à mesa.

- Sempre quis usar oculos, sabe?

- Mas por quê? É um mal necessario, tem de se usar quando a visão não vai muito bem.

- Sei lá. A pessoa parece ser mais, não sei, importante.

- Bobeira sua! - exclamou Clara, rindo - Olha só, livros!

Agora foi a vez de Clara correr entre a multidão. Roçou os dedos pelas capas mais variadas, feitas de couro, veludo, ou até mesmo papel fragil. Correu os olhos pelas gravuras de quase todos os livros, como se procurasse algo especifico.

"Ei, garota. Não adianta procurar. Não existe mais ninguém igual a você. Todos foram mortos."

Subitamente, Clara contraiu os labios e apertou os olhos. Fechou o livro e colocou-o sobre a mesa, ainda fitando sua capa azul-claro.

Suspirou. - Gostou de algum livro, Heim? Você parece gostar de ler.

- Eu gostei desse aqui! - ele levantou um livro nao muito grosso, branco, adornado com letras douradas - "Histórias de Contos Gelados". É uma porção de historias sobre o povo que vive no Norte. Eu nem sabia que vivia gente no norte. - completou, correndo os dedos pelas paginas - Eu nem sabia que tinha um norte!

Clara segurou um riso, tirando alguns cenz do bolso do vestido. - Quanto é?

- Você... Vai comprar? - balbiciou Heim

- Claro que vou. Você gostou, não gostou?

- Gostei mas... Mas eu não passo de um escravo...

- Você não condiz com "escravo" no meu dicionario. - ela sorriu, pegando o livro, colocando-o num saco de papel e devolvendo-o para Heim - Vamos, tem bastante coisa ainda!

Heim a seguiu de forma timida, abraçando o embrulho de papel. Sentia-se cada vez mais em debito com aquela garota que mal conhecia mas, por algum motivo, sentia uma forte vontade de estar ao seu lado. Parecia ser tão fina, como uma princesa. Talvez ela fosse uma princesa, com olhos tão bonitos.

Vez ou outra, Clara olhava para trás e encontrava o olhar envergonhado de Heim. Mesmo agora, tentava encontrar palavas para lhe agradecer por ter cuidado dela durante os dias que permaneceu desacordada. Um prato de comida e um livro não seriam suficiente. Ele teria de falar, com sua propria boca, que estava imensamente agradecida.

Mas toda vez que se via observada por aqueles olhos dourados ela perdia toda a fala. Eram de uma coloração única e esplendorosa, tão brilhante como o proprio sol. Era como se amenizasse a frieza de seus olhos, e lhe trouxesse calma.

Uma das tendas vendia diversos objetos feitos de metal. Enfeites, brincos, acessorios, todo o tipo de coisa. Uma delas chamou a atenção da morena. Um colar com um pingente de rosa, feito com fios de metal extremamente finos e delicados. Algo atinou em sua cabeça ao ver aquele pingente, como um suave latejar. Flashes em preto e branco pareceram rodar em sua memoria, uma mão tão branca como a dela que girava o pingente diante de seus olhos. Suspirou pesadamente, olhando para o vendedor.

- Quando custa?

- Sete mil cenz, senhora. 

- Meu Deus, o quê?! - exclamou, mordendo o labio - Eu não tenho tudo isso!

- Então é melhor não tocar muito, poe sujar.

A morena recolheu a mão, parcialmente assustada com a rudeza do vendedor mas, ainda assim, passou alguns segundos olhando para o pingente. Heim surgiu ao lado dela, mastigando um pão.

- Que foi? Parece assustada.

- Nada, só algo que me chamou atenção... - ela se virou para o loiro, estreitando os olhos - Ei, onde conseguiu esse pão?

- Huh? Naquela barraca ali. 

Heim apontou na direção de uma mulher gorda que andava desengonçadamente até eles, aparentando estar furiosa.

- E o senhorzinho! Quando pretende pagar por esse pão?

- Mas eu tenho que pagar?

- É claro que tem, estamos em uma feira! Não estou dando amostras gratis!

- Mas eu...!

Heim tentou se explicar mas a mulher continuou reclamando. Clara empurrou o loiro para trás, juntou as mãos e curvou-se diante da senhora - Por favor, perdoe o garoto. É a primeira vez que ele sai, e não está acostumado ao mundo exterior. Perdoe-o, não passa de um escravo ignorante - a morena tirou os cenz do bolso sob os protestos de Heim - Quanto lhe devo?

A mulher rosnou algo sobre cuidar melhor de seus escravos e Clara a seguiu até sua tenda, escolhendo alguns pães doces para si e Heim, pagando-a novamente. Voltando-se para o loiro, deu um outro pãozinho para ele, tendo já terminado o primeiro.

- Heim, nunca mais faça isso, okay? Isso é ruim. Isso é roubo.

- Mas... Eu pensei que estava tudo bem pegar um daqueles pães. Estavam a mostra e...

- As pessoas não gostam quando pegam algo que lhes pertence dessa forma. Precisa de uma Troca Equivalente, como... Para pegar um pãozinho, você precisa dar um cenz para a pessoa. - ela tirou uma moeda acobreada do bolso e entregou para ele - Isso é um cenz. E, quando você dá o cenz para uma pessoa, e essa pessoa te retorna algo, você efetua uma compra.

- Oh... - o loiro colocou o cenz em uma mão e o pão em outra, medindo-os - Então eles tem... O mesmo valor?

- Bom... Podemos dizer que sim... - ela começou a caminhar para o final da feira, apontando uma fonte dourada que jorrava água - Vamos nos sentar ali e comer antes que fique muito tarde.

Clara lavou as mãos na água da fonte e Heim fez o mesmo. Sentaram-se um ao lado do outro e ela pôs-se a comer, silenciosa. Observava o por-do-sol que morria lentamente no horizonte, equanto as ruas se esvaziavam e o barulho diminuia.

Já devorava seu terceiro pão, assim como Heim, quando ele apontou para o grande monumento amarelo que estava ali. - O que é aquilo, senhorita Clara?

- Não sabe? É um castelo, um tipo de casa, só que maior e com pessoas bem importantes vivendo dentro dela.

- Maior que a casa do mestre? - perguntou, abocanhando o pão

- Muito maior. E bem mais bonita também.

- Espero poder ver um lugar assim por dentro. - comentou em tom sonhador

Os minutos se arrastavam preguiçosamente naquele fim de tarde e, com os pãezinhos já acabados e com as incessaveis gotas de suor que se formavam na testa de Clara, Heim achou uma boa ideia refrescá-la respingando água da fonte sobre seu rosto.

- Ei, não faça isso, Heim! - ele riu, ignorando-a - Mandei parar, imbecil!

- Não me chame de imbecil! - devolveu, irritado. 

Clara bufou, e empurrou-o para dentro da fonte, pondo-se a rir - Chamo sim, seu imbecil!

Sem hesitar, Heim puxou-a pelo pulso e a mesma caiu junto dele. Ainda assim, Clara se debateu um pouco com ele, antes que ele sozinho se levantasse e a ajudasse a se levantar.

- Você está bem? - perguntou, preocupado

- Não. Graças a você, estou toda ensopada. Obrigada, idiota.

- Se não tivesse me irritado, talvez nós dois não estivessemos ensopados.

- Oras, mas eu vou te deixar ensopado de sangue!

- Não precisa de tanta violencia, tá?!

- E você, não precisa de tanta burrice também!

- Eu não sou burro! - o loiro berrou, extremamente impaciente

- Tch... Tanto faz. Já me cansei, vamos pra casa.

Os dois seguiram para a casa emburrados, calados, conforme a tarde ia embora e a noite caia, deixando a temperatura mais fresca. Entraram sem cautela alguma, e os outros escravos vieram recebê-los.

- Onde estavam? Procuramos vocês por toda a casa! - um deles exclamou

- Pensamos até que tinham sido levados, sequestrados! - outro adicionou, preocupado

- Não precisam se preocupar. - Clara disse após todos se acalmarem - Nós só...

- Eu a convenci a sair. - disse Heim, de subito - Eu queria ver a cidade, e pensei que ela poderia me mostrar tudo.

- Você é maluco! Podiam ter se perdido! Seu irresponsavel! É um idiota mesmo! - o criado mais velho se aproximou, gesticulando e dando um safanão no loiro, que não reclamou - Que isso não se repita! Olhem como estão molhados!

Clara correu para seu quarto assim que teve chance. Heim ainda passou um bom tempo ouvindo um sermão dos criados responsaveis por Clara, e sentiu-se muito mal de repente. Quando finalmente pôde ir para seu aposento, parte da animação já havia se perdido, e ele se sentia desanimado e cansado. Ao menos, tinha um novo livro para ler. 

- E como foi o seu passeiozinho? - o baixinho dentro do frasco perguntou

- Ah... Foi bom. - o garoto respondeu, meio vago

- Mas não parece muito feliz. - retrucou o baixinho - É sempre bom sair com uma garota de vez em quando nesse idade.

- Não é isso. Foi bem divertido. Nós comemos pãezinhos e ela me comprou um livro! - Heim mostrou o livro de capa branca, animado - Eu só me sinto mal porque estão bravos com a gente.

- Por vocês terem saído?

- Sim. Não sei porque mas disse que eu convenci ela a me levar pra fora, que eu queria ver a cidade. E tive que ouvir um belo sermão.

- Quanta bondade.

- Isso é bondade?

- Digamos que sim. Você se importou com o que aconteceria com ela, não? - o loiro confirmou - E sabe por que ela lhe deu o livro?

Ele deu de ombros, despreocupado - Não tenho ideia. Ela disse que é porque eu gostei.

- Você sabia que damos presentes para as pessoas que gostamos?

- Ahh! - o garoto abraçou o livro, com um brilho sonhador nos olhos - Ela gosta de mim? - o baixino no frasco pareceu assentir - Eu posso gostar dela também?

- Claro que pode. Se acha que ela realmente vai gostar de um escravo ignorante feito você.

- Ora seu! Não me chame de ignorante! Não posso saber de todas as coisas - ralhou o loiro - Eu vou dormir. Já me cansei o bastante por hoje!

Heim jogou o livro sobre a mesa e marchou para sua cama, esquecendo-se de tirar suas vestes molhadas. Naquela noite, sonhou com duas luas palidas no céu, que lembravam os olhos de Clara.


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Notas finais do capítulo

Espero que não tenha ficado tão ruim ;w;



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