KOURIN escrita por P Capuleto


Capítulo 14
ESPECIAL com Kyo parte l


Notas iniciais do capítulo

Hoe, fantasmas dos leitores bonitos! É, fantasmas porque vocês SUMIRAM! E nem deixaram uma foto pra eu usar no cartaz de 'procura-se' huhauhauha. Aguardo ansiosamente pela volta de todos. Agora, sem mais delongas, parte um do especial onde conto a história de Kyo com Mary Anne (separei porque ficou muito extenso). Espero que gostem, a parte dois vem na quinta-feira. Até lá, ou antes............. nos reviews.............. Beijos!



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"SEIS MESES", com Kyo

– Meu nome é Hakeshi Kyo e eu tenho 15 anos. Sei que sair com um garoto mais novo pode não parecer uma boa ideia agora, mas considere o futuro: quando formos velinhos, você não precisará se preocupar em ficar viúva!

Meu irmão ainda me olhava fixamente e eu sabia que ele iria ridicularizar minha fala mais uma vez.

– Kyo, por favor! Você está ao menos tentando? - ele parecia estar mais estressado que eu. Mas eu posso garantir com certeza que não estava pois acordei com a ideia fixa de que de hoje não passaria! Eu iria me declarar e nada podia me impedir!

A não ser... Meu mau jeito para bolar frases de apresentação.

– Asuma-nii, estou dando o meu melhor, mas eu simplesmente não sei mais o que usar! Não importa o que eu traga, você descarta como se fosse puro lixo.

– Acontece que tudo o que você me apresentou até agora era puro lixo. - ele pôs as mãos no rosto e suspirou. - Ok, já vi que se deixar tudo por sua conta você nunca terá uma namorada.

– Desculpe, esqueci como você é profissional nesse assunto... - ironizei o solteirão de 17 anos que nunca nem ao menos havia beijado uma mulher.

– Quer ajuda ou não, cacete? - ele parecia zangado e resolvi não insistir na implicância. - Vou te falar apenas uma coisa: "toda mulher causa um efeito que esconde que seu corpo perfeito é só um convite para o que ela tem no coração".

Como bom aluno, analisei a frase que mais parecia verso de música antes de perguntar o que ele queria dizer e como aquilo poderia ajudar na minha situação.

– Ora, Kyo, não é obvio? Se essa menina é tão incrível quanto você diz, conquistá-la não será uma tarefa fácil. Até porque ela já pode ter alguém em sua vida...

– O que isso tem a ver com o que você disse sobre corpo e coração? - meu irmão era realmente estranho as vezes. Sempre vendo animes shoujo e lendo livros de autores estrangeiros românticos como Nicolas Sparks... A única coisa que me impede de questionar sua sexualidade é seu maldito hábito de tirar fotos de calcinhas por debaixo das saias de meninas desavisadas. Repugnante!

– Se você não percebe sozinho, não posso explicar. Faz parte da magia da coisa. - ele agitava as mãos no ar como se fosse um professor e eu tinha de olhar para cima para acompanhar seus movimentos. Mesmo eu não sendo baixinho, Asuma era ridiculamente alto, com um metro e noventa e seis. - Você é bom orador, sabe defender pontos de vista científicos e por as ideias de todo um grupo de alunos em ordem. Como não consegue fazer isso com seus próprios pensamentos?

– Não sei... - ouvir tudo isso me deixou desanimado. Sou o presidente da turma pelo terceiro ano consecutivo e não costumo assumir uma derrota. - Acho melhor desistir...

– Não mesmo, moleque! Você tem que fazer isso. Nem que seja para levar o seu primeiro fora. Vem comigo. - ele me puxou pelo braço até a entrada de casa e começou a calçar botas.

– Onde nós vamos? - perguntei desconfiado.

– Vou te levar até o maid café onde ela trabalha.

– D-de jeito nenhum! Ainda não preparei o que falar para ela!

– Pois então pense durante o caminho. Ande logo.

Não sei bem o motivo que me levou a seguí-lo porta a fora. Temos apenas dois anos de diferença e não há nada que me force a obedecê-lo, mas mesmo assim eu fui fazendo trilhas na neve fofa da manhã até chegar na rua.

X

Era dezembro e o centro da cidade estava lotado devido as compras de natal. Descemos do ônibus numa parada próxima ao comércio. Caminhamos um pouco até avistarmos o nosso destino.

– O plano é o seguinte, Kyo: em poucos minutos será cinco da tarde e como hoje é terça, todos os cafés fecham mais cedo. Espere no local de saída dos funcionários e se declare.

– Esse plano é idiota. Solicito um novo. - disse nevoso.

– Não é nada idiota. Ande, não quero ter vindo aqui para nada. - ele começou a mexer no celular - Vou ver o que faço para me entreter. Quando concluir a missão, me ligue para vir buscá-lo.

– Onii-chan, eu não vou...

– Tchau, Kyo. - quando vi, ele já tinha usado suas enormes pernas para estar longe o bastante.

– Droga... - eu estava sozinho em frente a uma loja de sapatos e tudo o que precisava fazer era atravessar a rua e esperar na porta dos fundos do estabelecimento, mas é claro que não o fiz.

Fiquei ali parado, sentindo a ponta do nariz e dos dedos congelarem, pelo que pareceu uma eternidade. Não sei a razão para não ter ligado para Asuma durante esse tempo, mas o fato de meus olhos não desviarem nem por um segundo do maid café já explicava muita coisa.

De repente, vi as luzes se apagando e meu coração acelerou. Deplorável... Como posso ficar excitado com apenas isso?

Então lembrei de algumas horas atrás, quando estava empolgado e decidido a não deixar o dia chegar no fim sem que ela soubesse do meu amor. Pensei nos seus longos cabelos dourados cheios de cachos e em seus enormes olhos verdes contornados de cílios pretos e volumosos e consegui me acalmar. Era tudo o que eu precisava. Atravessei a rua.

X

Poucos minutos depois de me acomodar apoiando as costas num poste de luz ao lado da saída de funcionários, ouvi vozes femininas animadas e apressei-me em ajeitar o cabelo e o casaco. Quatro mulheres estavam vindo em direção a rua. Todas bem agasalhadas com gorros e luvas, então só pude reconhecer minha garçonete quando elas chegaram perto o bastante para me notar em seu caminho.

– O chefe está lá dentro ainda, então nem tente nenhuma gracinha, moleque. - uma das moças atacou de primeira.

– N-não, eu... - tentei me defender, mas sentia os olhos esverdeados me fitando e não pude me concentrar.

– Ele não vai fazer nada, Aiko. É um cliente nosso. - uma outra, de casaco roxo, pôs as mãos encapadas no ombro da companheira e sorriu para mim para depois piscar um olho para a terceira. Não entendi... - Desculpe por isso. Vamos, meninas.

– Espere! - gritei e todas se assustaram. Me senti um lixo - Desculpe, não era para ser tão alto...

– Mas o que você quer afinal? - a primeira, Aiko, ainda parecia desconfiada.

A que permanecia calada cruzou seu olhar com o meu e depois escondeu o rosto na confusão loira de seus cabelos. Adorável! Ela era da minha altura (se não um pouco mais alta), mas devido a sua aparência meiga e frágil, tudo nela parecia reduzido.

– Mary, certo? - perguntei ignorando a mulher grosseira a minha frente.

– E-eu? - ela apontou para si mesma e saiu de trás das amigas.

– Sim. Posso falar com você um instante? - não sei de onde vinha tanta coragem, mas os anos fazendo discursos e palestras escolares valeram a pena para este momento onde a dicção é fundamental.

As três se olharam por alguns segundos e então a de casaco roxo respondeu:

– Eu e Aiko temos que voltar logo para casa. Vemos você amanhã, Mary-chan! - e então agarrou a zangada e arrastou para longe de nós. Estranho, mas me serviu bem.

– Eu sei quem é você. - ela declarou antes mesmo de eu ter a chance de abrir minha boca - Kyo-san, não é?

Por aquilo eu não esperava.

– Sim... Como você...

– É que você vem com bastante frequência ao café - ela sorriu pela primeira vez desde que a vi hoje - e já servi seus pedidos algumas vezes. Fora que é de praxe gravarmos o maior número de nomes e rostos que conseguirmos.

– Oh, certo... - talvez com ela me conhecendo seja mais fácil ouvir o que vim dizer - Mary, eu...

– Por favor, não diga nada! - ela reagiu de supetão e eu acabei perdendo a fala - Eu sei que deve ter sido estranho ver aquele coração de cobertura nas suas panquecas, mas Riza-chan disse que você parecia ser do tipo que nem mesmo notaria uma sutileza dessas. Quando vi, já estava a caminho de sua mesa com as panquecas decoradas. Peço mil desculpas! Não acontecerá de novo e se preferir, nunca mais sirvo o senhor!

Ela parecia nervosa e envergonhada. Eu estava boquiaberto e demorei a voltar para a Terra.

– O quê?

– Kyo-san, eu não quero que pense que estava... ahn... Flerting with you*. No way*! Quer dizer, fui eu mesma que fiz os corações, mas juro que não foi intencional. Quer dizer, foi, mas não exatamente...

– Mary-san. - interrompi seu falatório. Aquilo não estava sendo nada previsível.

– Mary-chan, por favor.

– Ahn... Mary-chan, - continuei - eu não vim aqui pelas panquecas.

– N-não? - ela agora estava vermelha como um pimentão. O que é estranho se considerarmos que a temperatura caía a cada minuto e eu podia enxergar minha respiração.

– Não.

– Então não notou?

– Claro que notei. - aquilo era verdade. Dois dias atrás pedi um prato especial de café da manhã e quando recebi, havia cobertura em forma de corações por todo o prato. Era um trabalho desajeitado demais para ter sido obra do chef, mas não pensei na possibilidade de que teria sido ela a responsável. Meu corpo aqueceu também. - Mas por que fez isso? Os desenhos, digo.

Mary exitou por um momento e depois deu de ombros mantendo os gestos sempre sutis e femininos.

– Talvez eu quisesse dizer algo... - e calou para se esconder nos cabelos novamente.

– Dizer o que? - eu sentia a palpitação no meu peito acelerando cada vez mais.

– Eu tenho que ir. - ela tentou virar-se e caminhar na direção oposta a mim, mas consegui agarrar seu pulso fino a tempo.

– Pois então eu tenho algo a dizer - mordi o lábio inferior devido ao nervosismo do que estava prestes a fazer. Vi ela fazer o mesmo com sua boca e não pude resistir - Mary-chan, eu estou apaixonado por você. Desde o momento em que entrei naquele restaurante pela primeira vez e pus meus olhos em você. Desde o instante em que notei o quanto você é gentil com todos e como se preocupa em dar o máximo no trabalho. Desde sempre.

Ela tremeu os dedos da mão que eu segurava e demorou a esboçar qualquer reação, mas então deu dois passos em minha direção fechou os olhos.

Depois disso... Só lembro de sentir seus lábios doces e macios tocando os meus e seus braços acolchoados pelo casaco envolvendo meu pescoço.

Não se quanto tempo se passou. Mas pensei ouvir o tempo parando e todo o resto do mundo indo embora. Aquele era o meu paraíso e ninguém além de nós dois pertencíamos a ele.

Uma pena que Adão também pensasse isso antes de tudo o que conhecesse fosse reduzido a pó pela pessoa em quem confiava.

Seis meses depois

– Vai fazer o que hoje, pirralho? - Asuma estava passando arquivos do celular para seu computador no nosso quarto. Espero que não fossem sua fotos "artísticas".

– Buscar Mary-chan no trabalho. Vamos jantar juntos, eu acho. Já que faremos seis meses de namoro hoje.

– Kyo garanhão! - ele girou a cadeira de rodinhas para ficar de frente para mim - Pode me agradecer por isso amanhã quando voltar da casa dela.

– Não vou te agradecer por me arrastar até lá no meio da neve para me declarar a uma garota quando eu estava obviamente despreparado!

– Deu certo, não deu? - ele revirou os olhos e voltou a mexer no pc.

– Espera, como assim "amanhã quando voltar da casa dela"?

Ele me fitou pelo canto do olho.

– Você sabe o que eu quis dizer.

Analisei as possibilidades até cair a ficha.

– Você é repulsivo, onii-chan. Não vou fazer isso.

– Por favor, Kyo. Vai me dizer que não está nem um pouco tentado a pegar naqueles peitinhos?

– Puta que pariu, Asuma! Pode ser um pouco menos brusco?!

Ele riu.

– Você é quem sabe... Mas pense bem nisso porque ela também pode estar esperando por um movimento seu.

– Acha mesmo?

– Garotas meigas sempre desejam algo audacioso de seus namorados. Confie em mim. E também, ela é bem mais velha que você. Talvez já tenha transado antes. - ele olhou em volta e me entregou um pouco de dinheiro - Vá até a farmácia e compre preservativos. Só para o caso de algo acontecer.

Relutei em aceitar seu dinheiro. Claro que eu sentia esse tipo de atração por Mary Anne (faz muito tempo, descobri que esse é seu nome), mas não estava com pressa. Na verdade, estava super feliz de estarmos juntos e não havia nada que me completasse mais do que passar uma tarde com ela. Além do mais, não queria assustá-la.

– Ela só tem 19 anos. - rebati irritado - Vou comprar. Mas só para estar preparado para o futuro. Não quer dizer nada sobre hoje a noite.

– Claro, claro... - ele ria enquanto eu saía do quarto em direção a sala.

X

Já era quase cinco horas quando cheguei no café. Mary-chan, como sempre, foi a primeira a sair pela porta dos fundos após o fechamento do lugar e também, como sempre, se desculpou pela demora que não existiu. Tão fofa! Não posso descrever a sorte que tenho por estar com uma pessoa como ela.

Enrolamos um pouco na rua vendo vitrines e brincando de faz de conta. Esse era, sem dúvidas, o passatempo preferido de Mary Anne Johnson. Esse e xeretar a vida de seus artistas favoritos. Garotas...

– Ok... Hm... Faça de conta que agora somos reis de uma terra distante.

– Distante como a América, Mary-chan?

– Não! Uma terra que não exista. Lá é muito chato, prefiro algo mais oriental... Como aqui! - ela parecia envolvida.

– Hm... Não consigo imaginar isso. Não sou criativo como você. Pra mim as coisas são como são e acabou. Se quer algo oriental, fique no Japão.

Please*, Kyo-chan... Não seja chato! As vezes você parece até um adulto boboca... Se eu fosse rainha, que joias eu teria? - e apontou para a joalheria a nossa frente. - Com certeza esse colar!

– Quem sabe... - ri.

As sete horas, seguimos nosso caminho até o restaurante que mais gostávamos na cidade e em dado momento, um homem na mesa ao lado pediu sua acompanhante em casamento. Todos ao redor bateram palmas e olhei para minha namorada afim de checar sua reação para saber se gostava de demonstrações públicas como essas. Para minha surpresa, ela não estava assistindo a cena e fitava apenas seu prato.

– Algo errado? - perguntei preocupado.

– Não... - ela cutucou a comida com os hashis.

– Você não me engana. O que aconteceu?

Mary-chan largou os palitinhos e me olhou fundo nos olhos enquanto apertava os lábios um contra o outro. Engoli em seco pois sabia que algo grande estava por vir. Só a tinha visto fazer essa cara uma vez, e foi quando eu a convidei para a piscina de um clube e me disse que era hidrofóbica. Aquilo me chocou principalmente porque já a tinha visto pegar chuva e por já termos caminhado juntos em dias de neve. De qualquer maneira, achei melhor respeitar seus medos e não a questionei.

– Kyo-chan, - começou - você me ama?

– Está brincando? Claro que amo. - meu coração batia forte - Você me ama, certo?

– Amo, amo! Não tenha dúvidas disso! - ela fechou os olhos e negou com a cabeça. Não sei o que aquilo significava e fui ficando mais nervoso a cada segundo - E você ficará comigo independente de qualquer coisa?

– Por que está fazendo essas perguntas?

Promise me*. - ainda bem que eu terminei meu curso de inglês antes mesmo de conhecê-la. Seu hábito inconsciente de trocar o idioma no meio de uma conversa poderia me deixar totalmente perdido.

– Prometo. Não importa o que aconteça, estarei com você. - respondi.

Só então sua expressão se suavizou e continuamos nosso jantar. Mas aquilo foi inesperado e eu ainda estava pensando nisso quando a levei para casa naquela noite.

Mary Anne veio para o Japão quando completou 17 anos e alugou seu apartamento sem nenhuma colega de quarto. É uma de suas características principais: solitária. Apesar de estar sempre alegre e ativa, não gosta tanto de companhia em tempo integral e morar com alguém a deixaria constantemente estressada. Pelo menos é o que ela me disse.

– Entregue em segurança, Rainha do Reino Distante Que Não Existe. - disse fazendo uma reverência para sua porta. Ela caiu na gargalhada.

– Kyo-chan bobo... Entre! Tenho um presente para você.

Poucas foram as vezes que entrei no apartamento de Mary-chan e nunca deixava de me maravilhar em como um lugar tão pequeno poderia acomodar tão bem uma pessoa. Ela fazia milagres com a decoração e deixava seu cantinho com cara de lar-doce-lar com as menores coisas. Como quadros simples e vasos de planta.

– Não acredito que fez isso... Não combinamos que você devia juntar dinheiro e não gastar sem necessidade?

– Mas isso não é algo "sem necessidade". - então me olhou feio e foi em direção ao seu quarto. Esperei na sala.

– Kyo-chan, vai ficar aí? - ela pôs a cabeça para fora e fez uma careta.

Sorri começando a ficar nervoso. A voz de Asuma invadindo minha mente.

"Garotas meigas sempre desejam algo audacioso de seus namorados. Confie em mim. E também, ela é bem mais velha que você. Talvez já tenha transado antes."

Sacudi a cabeça para me livrar desse pensamento e fui até o quarto.

– O que foi? - perguntei.

– Seu presente está no meu computador. Pode olhar! - ela saiu da frente do monitor e eu me aproximei. Na tela havia um site de uma linha aérea e uma compra semi-feita, pedindo apenas a confirmação para duas passagens da classe econômica para os Estados Unidos. Quase caí para trás.

– O-o que isso quer dizer? - gaguejei incrédulo. - E sério, onde foi parar nossa conversa sobre poupança de dinheiro!?

– Eu vou ter que voltar para lá em um mês, mas não se preocupe, não é para sempre. Só tenho que resolver algumas coisas importantes e volto depois de duas semanas. Achei que a oportunidade seria perfeita para você conhecer meus pais.

– Mary-chan, isso tem que ser visto com antecedência...

– É só daqui a um mês, Kyo. E eu não quero confirmar a compra agora. Foi só um modo teatral de contar.

Soltei o ar aliviado. Garota doida...

– Bom, eu fico muito feliz que queira me levar em sua viagem, e eu entrarei de féria escolares em alguns dias, mas tem certeza de que quer pensar seriamente nisso?

– Na verdade não. Viajarmos juntos para a casa da minha família em New York*, é dar um passo grande na nossa relação e exatamente por isso quero... - sua voz foi sumindo até ela parar de falar.

– Quer..?

– Quero... Te contar uma coisa. - ela se escondeu na cabeleira como não fazia há muito tempo.

– Isso tem a ver com suas perguntas estranhas lá no restaurante? - questionei ligando os pontos.

– Sim, tem. E também tem a ver com sua promessa. - ela pegou minhas mãos e senti que as dela estavam geladas - Lembra do que disse? Que estaria comigo não importavam as circunstancias?

– C-claro. - meu deus! Quando esse suspense enorme vai acabar? - Apenas diga o que quer me dizer.

– Ok. Sente-se - ela apontou para sua cama e eu obedeci - Primeiro, escolha entre ver e ouvir.

– Como assim?

– Escolha um dos dois, Kyo-chan! - ela parecia tão nervosa quanto eu.

– Ouvir.

– Ótimo... - suspirou - Uma família teve seu primeiro bebê, um menino. Alguns anos mais tarde, tiveram mais dois. E dessa vez, duas meninas. Os pais eram muito trabalhadores e o rapazinho acabava passando muito tempo com as irmãs. Eles faziam todo tipo de coisa juntos: brincavam de bonecas, de video-games e também de faz de conta. As meninas adoravam o irmão como um herói e elas sempre discutiam para ver quem iria junto com ele no banco do ônibus escolar. Os anos se passaram e as gêmeas foram cada vez mais se afastando do menino para ficar com suas amigas e ele percebeu o quão sozinho era. - então Mary Anne começou a caminhar de um lado para o outro dentro do quarto - Ele tentou correr atrás do tempo perdido e andar com os garotos da classe, mas eles o chamavam de bichinha por gostar de ver filmes de princesa, se arrumar e coisas assim. A culpa não era dele, afinal, passou a infância inteira com duas garotinhas. Aos 14 anos, se inscreveu num concurso de beleza local e foi barrado por ser um homem. Por sorte, ou por azar, um dos maquiadores do evento soube de sua situação e disse que ele tinha um rosto bastante andrógeno e bonito e que com um pouco de ajuda, ele se tornaria a menina mais linda de todas. Pode soar estranho, mas o garoto gostou da ideia e aceitou ser arrumado pelo maquiador.

– Espera, - pedi - quem são essas pessoas? E o que tem a ver com você?

– Estou chegando lá. Não me interrompa ou não conseguirei concluir. Acredite, estou usando toda a minha coragem aqui.

– Perdão... Continue. - para que ela precisava de coragem? Não estou entendendo nada.

– Então ele terminou os preparativos e se olhou no espelho. Não acreditou no que via! Nem mesmo sua mãe poderia reconhecê-lo com tantos babados, a maquiagem e aquela peruca. Agradeceu emocionado ao homem que o ajudara e este pediu que se ganhasse o concurso, voltasse a falar com ele e entregou-lhe o cartão. Making the long story short*, ele ganhou o concurso e recebeu um monte de dinheiro por isso. Chegou em casa orgulhoso de si mesmo e foi contar aos seus pais. Infelizmente, nenhum dos dois ficou feliz em vê-lo vestido daquela maneira. Suas irmãs até deram apoio, mas perguntavam o tempo todo sobre sua sexualidade. O menino se irritou de vez e disse que, se era o que todos queriam, ele seria homossexual. Seu pai quase morreu do coração e foi graças a sua mãe que as coisas não ficaram piores. Aquela resposta foi dada por raiva, mas depois desse dia, ele realmente começou a se questionar. Quer dizer, seria normal para um garoto gostar tanto de se vestir de mulher? Ou então, alguma vez ele já sentiu atração por uma garota? Para as duas, a resposta era não e aquilo o deixou incomodado. - ela parou de se mover por um momento e suspirou - Então se lembrou do que tinha dito ao maquiador e resolveu ligar para ele. Grande erro... Os dois marcaram de se encontrar e ele descobriu da pior maneira que existem pessoas muito más na Terra.

– Ele foi estuprado? - perguntei sem querer. Não era minha intenção interromper, mas foi mais forte que eu.

– Não, mas por muito pouco. Ele fugiu de lá e não contou a ninguém sobre a experiência traumatizante. Só se trancou no quarto buscando qualquer modo de se livrar daqueles pensamentos horríveis. E foi quando viu, jogada em sua cama, a fotografia oficial que ganhara junto com os prêmios do concurso. Fitou o seu outro eu transvestido por bastante tempo e percebeu que precisava saber de uma vez por todas quem ele era de verdade. Foi até o quarto de suas irmãs e sorrateiramente roubou um vestido, maquiagem e um salto alto. Quando acabou de se arrumar e se viu no reflexo do espelho, sentiu que toda a confusão havia passado. Nada podia lhe fazer mal naquele momento porque ele se sentia intocável, impermeável, o verdadeiro Johnathan Johnson. - vi que ela parou por alguns segundos para me analisar.

A dúvida estava estampada no meu rosto e eu não podia mais acompanhar a história sem saber quem era quem. Na busca pela lógica, imaginei que Mary fosse uma das irmãs desse tal Johnathan devido ao sobrenome. Agora, por que estava me contando toda essa história ainda era um mistério. Resolvi esperar. Não devia estar longe do fim.

– Bom, ele percebeu que não poderia mais mentir para si mesmo e resolveu que a partir daquele momento ele seria outra pessoa, mas a pessoa certa para ele. Os pais foram contra no início, mas depois entenderam se tratar da felicidade de seu filho e tudo ia as mil maravilhas: em casa e na rua, era uma mulher, na escola ainda era o venho John de sempre. Mas uma coisa havia mudado, pois ele estava mais confiante de si e os colegas notaram isso. Ele ainda não tinha amigos, mas as pessoas falavam com ele e foi ficando cada vez mais fácil socializar-se por lá. Com o fim do tempo escolar, estava na hora de ir para uma faculdade longe dali e foi quando tudo começou a se complicar. Afinal, tinha de se inscrever com seu nome masculino e tudo o que ele mais queria era usar essa chance para se libertar de vez de sua identidade antiga. Daí, teve a brilhante ideia de mudar de identidade para sempre. Ele iria se registrar novamente e nunca mais voltaria a assinar por Johnatahn. Sabe que nome ele escolheu, Kyo?

– Não. - respondi mesmo suspeitando se tratar de uma pergunta retórica.

– Mary Anne, Kyo. Ele escolheu Mary Anne.


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Notas finais do capítulo

Flerting with you*: flertando com você
No way*: de jeito nenhum
Please*: por favor
Promise me*: prometa-me
New York*: Nova Iorque, mas isso vc já sabia né.. hahaha
Making the long story short*: para encurtar



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