Naquela mesma noite, em um hotel, Melanie e Bob estavam sentados na beira da cama me olhando. Enquanto eu andava em círculos por todo o quarto. Desta vez, havia três camas e duas janelas,  e uma sacada. Era um quarto bem grande, devo dizer.Eu estava tão aflito, tão confuso, tão aborrecido... Nunca pensei que fosse me sentir assim. E nunca pensei que seria tão difícil.

Já eram quase meia noite e eu tinha que ligar para o Senhor White e contar a notícia. De que nossa viagem até o Texas nada valeu. Quer dizer, um pouco. De que eu havia falhado e que esse caso ainda iria demorar. Contar que fiz o que pude, mas eles foram espertos demais.

Lembro-me muito bem o que aconteceu mais cedo. Quando fomos atrás do criminoso para pegar Lily e sair dali rapidinho sem deixar nenhum vestígio e deixando este rato solto. Mas é claro que as coisas não funcionam assim. Nada é como a gente quer. Nada é tão simples.

Minha mão estava coberta de sangue e o sapato de Bob deixava pegadas vermelhas por onde andava. Quando eu estava ali, de joelhos quase para virar o rosto da mulher, nem percebi que seu corpo estava frio e era branco demais. E que seu cabelo era falso.

Não era Lily.

Era uma boneca.

No momento, não sei lhe contar o que senti. Acho que foi uma mistura de emoções na qual eu realmente não sei contar. Senti um alívio imediato, mas logo em seguida, senti raiva. Raiva por ter deixado isso acontecer, por ter sido enganado tão facilmente.

Mas logo que todo aquele sentimento estava explodindo dentro de mim, ouvi Melanie gritar lá de baixo. Bob correu para a janela do corredor e viu que ela havia caído no chão. Como se tivesse levado um golpe, ou algo do tipo. Assim que ele me disse, deixei o corpo da boneca no chão e desci os degraus para ajudar Melanie e talvez achar o responsável por tal ato.

Ela havia uma marca vermelha perto do canto da boca, como se tivesse levado um soco. Enquanto eu me ajoelhei ao lado dela, e tentava a acalmar, ela gritou dizendo para Bob que o carro tinha ido para tal direção, no final da rua. Ele até tentou correr, mas não conseguiu chegar à metade da rua. Melanie estava ofegante, mas não sangrava. Seu cabelo cobria um pouco do rosto e ela estava desesperada. Um pouco tonta, tentava ficar de pé, mas logo perdia o equilíbrio e eu tinha que segurá-la rapidamente. Bob colocou as mãos no joelho, também ofegante e eu disse a ele para ligar para aquele Posto do Texas. Lá eles poderiam analisar a cena do “crime”.

Mas antes que eles chegassem, mandei Bob levar Melanie para o carro e pedi para me esperassem lá. Ela insistia para subir e ver a cena, tentar achar algo, mas ainda estava tonta e fora de si. Sem nenhuma condição. Quando subi, Bob ligou para o Posto.

Dessa vez, com todo o cuidado, me agachei ao lado do corpo da boneca e tentei ver cada detalhe. Eu tinha um pouco de experiência com esse tipo de caso, mas nunca tinha acontecido com uma boneca. E essa aqui era idêntica a uma pessoa de verdade. E uma coisa que me chamou atenção. Aquela poça vermelha e líquida no chão, não era sangue de mentira.

Bastava saber agora, se o sangue era de Lily e como ela perdeu tudo aquilo. Para onde eles levaram-na, e o que fariam a seguir?

Já era hora de ligar para Cliff quando, por sorte, ele me ligou. Contei toda a história e ele, e no final, nos agradeceu por tanta bravura e pediu novamente para que continuássemos a busca por Lily. Quase respondi que agora mesmo não vou descansar até encontrar o responsável por isso, e matá-lo.

Quando desliguei o telefone, Melanie e Bob ainda me olhavam.

-Como está se sentindo, Melanie?

-Bem melhor, obrigada. Acha que isso vai fazer passar? –ela se referia à bolsa de gelo que sugerimos a ela pressionar na parte machucada.

-Vamos ao menos tentar – Bob disse dando de ombros.

-Hoje foi um grande dia –ela voltou a puxar conversa – Você foi muito bem, Adam. Você também, Bob. Sinto muito ter falhado.

-Você foi ótima, Melanie. –Bob disse a abraçando.

-Não. Não fui.

-Bom, eu sei que Bob nunca mentiu Melanie... –eu disse indo em direção ao banheiro tomar um banho, mas pude perceber que a mesma sorriu.

Dizem que quando você toma banho, você consegue pensar em como foi seu dia e no que poderia ter melhorado. Você pensa na vida enquanto litros e litros de água estão sendo dispensados em você, você canta, dança, tem seu próprio show sem platéia. Mas hoje, deixei que a água apenas molhasse meu corpo lavando todo o tipo de sangue que havia sob minha pele. Fechei os olhos. Suspirei.

Pensei em tudo o que havia vivido durante meus 28 anos de vida. Todas minhas experiências e casos. Tanto amorosos como criminais. Pensei em minha última namorada e como detestei ter terminado nosso relacionamento, mas que não me arrependia de ter o feito. E de como eu temia estar apaixonado por Melanie.

***

Quando saí do banheiro, encontrei Melanie dormindo sob a cama, enquanto Bob arrumava seu lençol. Ele foi ao banheiro logo depois de eu ter saído, deixando eu e Melanie a sós. Eu sabia que ela estava cansada e que esse possivelmente teria sido seu pior dia de trabalho.

O que me faz lembrar que ela nunca mais fumou, e que isso é uma grande vitória para ela. Sei que ela tem seus motivos, mas acho que ela finalmente não está tão estressada como antes. E isso também me deixa mais calmo. Eu realmente não a entendo, mas quero entender. Não, eu não estou apaixonado.

Quando acabei de me vestir, ouvi ela se mexer na cama e logo Bob saiu do banheiro. Ele disse para ela:

-Pequena sunshine*... Acorde. Vá tomar um banho. Isso vai passar logo, logo.

Ela lutou um pouco para sair da cama, mas quando o fez, saiu cambaleando de um lado para o outro até que Bob a levou para o banheiro e ela disse que estava segura.

Sentei-me em uma cadeira da varanda e depois de alguns minutos ouvi Bob se juntar a mim.

Quando dei por mim, percebi que Melanie também havia se aproximado de mim, e puxou uma cadeira. Ficamos observando a paisagem por um bom tempo sem que nenhum de nós dissesse uma só palavra.

Depois de um bom tempo, Bob levantou-se e disse que estava cansado e precisava dormir. Demos boa noite, e ficamos a sós novamente. Para minha surpresa, ela disse:

-Adam... Você provavelmente quer saber meus motivos por ser tão explosiva e por fumar tanto, não é?

-Não... –respondi, mas não em tom seco – Tá tudo bem.

-Eu sei que lá no fundo você quer saber. Mas se ainda não está pronto, tudo bem. –uma longa pausa e então ela continuou. Não pude parar de observar como seus lábios se mexiam ao pronunciar cada palavra. -Obrigada por ter me ajudado até agora. Obrigada por ser tão cuidadoso e tão atencioso comigo e com Bob. Sei que você quer terminar esse caso tanto quanto eu, então... –parei de ouvir sua voz agora, e concentrei-me em meus pensamentos. Pela primeira vez desde que a conheço ainda não tinha a ouvido falar daquele jeito.

-Olha, Melanie. Pra mim está tudo bem. Você não precisava ficar me falando esse tipo de coisa.

-Eu sei, Adam. Eu só queria que...

Por impulso –ou talvez eu até tenha pensado nisso- a beijei.

*Sunshine: luz do sol, brilho do sol, etc.*