Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 8
Welcome to the Wall




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8 - Bem-vindo à Muralha

¶ [00:21] 6/4 — Seis meses antes, Tóquio ¶

A morte era uma etapa natural da vida, que precisava ser sentida e não lamentada. Ela precisava ser vista com olhos alheios a fim de testemunhar que aquilo estava acontecendo mesmo, que cada suspiro era uma contagem regressiva para o escuro e o silêncio.

Foi um baque, um belo soco no estômago, um impacto - chame como quiser. Mas aconteceu. A ficha ainda não caíra, nem ao chacoalhar desesperadamente o corpo inerte e chamá-la, esperando algo além de sua morbidez e sua temperatura fria nos braços molengas.

Não adiantou ele gritar com os médicos, as enfermeiras e com o próprio pai - ninguém a trouxe de volta. Naquela noite sua mãe havia sucumbido à doença. Estava morta e nada alterou o buraco em seu peito.

E então ali estava: sentado numa cadeira desconfortável, ouvindo os soluços da irmã e o consolo tão inútil e fraco do pai. Tão falho. Tão miseravelmente humano.

— Temos que acertar o funeral, Naruto. Sua mãe tem que estar bonita nesse dia. — o pai tentou, com um grande esforço, sorrir ao lembrar-se de Kushina viva. Não conseguia. Ela ainda estava ali morta e estendida num leito hospitalar. — Se vocês puderem, por favor... Por favor, eu... E-Eu...

Foi em lágrimas que o assunto encerrou-se. Nenhum dos três disse uma palavra. Ninguém aceitava a morte, apesar de entendê-la. Ah, claro que podiam– era mentira. Nenhum deles podia entender o porquê real dela ter falecido com um sorriso mórbido nos lábios e com os olhos tão brilhantes como nunca. Nenhum deles ousou questionar ao outro o porquê.

No dia marcado, todos os amigos e parentes estavam de pé num gramado plano e coberto por lápides. O buraco retangular na terra rompia o verde, deixava um cheiro característico no ar.

As palavras de consolo e que caracterizavam Kushina Uzumaki como uma mulher bondosa era outro soco no estômago de Naruto, Minato e Karin. Os três estavam diante do caixão, eretos e calados, lutando contra seus medos e anseios interiores e sentindo uma pequena porção daquela morte.

Apenas um pouco, qualquer sensação não os abatia ou simplesmente os faziam perceber o que de fato acontecia. Não havia muito a ser lembrado, além dos diversos embrulhos no estômago, algumas poucas palavras de valor e o caixão descendo e fazendo um baque suave contra o solo.

Não houve flores jogadas. Naruto dera as costas assim que ouviu o baque suave, sendo seguido por Karin. Apenas Minato permaneceu, desolado e devastado com sua dor - não era uma dor compartilhada, era tão única quanto o que sentia por Kushina.

¶ [21:41] 18/6 — Quatro meses antes, Tóquio ¶

— E-Eu não posso abandoná-lo agora, Naruto. Ele precisa de mim. — era a voz trêmula de Karin que quebrantava o silêncio incômodo na sala. A tensão predominava nos nervos de Naruto e de Karin.

O rapaz circulava a sala, necessitava sentir que o corpo estava movendo-se caso contrário enlouqueceria. As palavras de Karin lhe davam certa pena dela e ao mesmo tempo o fazia trincar a mandíbula. Encarou-a longamente e tão friamente que ela sentiu que a qualquer momento os dois estariam lidando com o assunto a outro modo.

— Suigetsu é um bom cara e você sabe disso. O problema é que... E-Eu não posso deixá-lo. — Karin insistiu novamente. Não esperava que fosse aquele teor de pânico e cinismo que acompanharia sua primeira conversa em dois meses com o irmão. Ela gesticulou, repetiu suas palavras novamente, mas não adiantava.

— O problema é que ele é um filho da puta! O PROBLEMA É QUE VOCÊ ENGRAVIDOU DESSE PEDAÇO DE MERDA! — esbravejou agarrando-a pelos ombros e a chacoalhando, como se o ato a fizesse acordar para a realidade.

— EI! Você não é melhor do que ele, inferno! — ela rebateu. Estava assustada e tremia diante das palavras e ações de Naruto. — Eu não posso e não vou deixá-lo.

Logo o silêncio se instalou. O mesmo silêncio que Naruto permitira se instalar naqueles dois meses, o isolamento era seu melhor refúgio. A morte de sua mãe ainda não fora sentida, chorada e arduamente lamentada. Nada disso. A sua dor diante daquela perda estava isolada com cautela, qualquer deslize emocional poderia desencadeá-la.

Karin aproximou-se de Naruto, segurou suas mãos como se ele precisasse de algum conforto. Ele não podia olhar para ela, sabendo o quanto ela lembrava Kushina e o quanto aquilo significava. Não podia sentir aquela perda.

— Estou indo para Osaka com Suigetsu. Estou indo morar com ele e com nossa filha. — ela anunciou tentando se conter. — Ela tem o direito de viver com o pai. Entendeu bem, Naruto? Eu não posso ficar aqui parada e fingir que tudo está bem.

— Bem? Desde quando tudo está bem? Você não dá a mínima para a sua própria filha, e agora me diz que ela tem o direito de viver com um drogado como se isso fosse estar bem? — Naruto explodiu livrando-se do toque de Karin e de seu olhar descrente e ofendido. — Você passou dois anos, dois malditos anos caçando aquele vagabundo! Eu é que cuidei dela esse tempo todo, então não tente foder comigo.

— Você não é o pai dela, inferno! O pai dela está do outro lado da rua, num táxi esperando sua família! — Karin rebateu furiosamente. E foi ali, naquele pequeno conjunto de palavras, que outro soco no estômago acertou Naruto. O deixou sem ação, sem palavras e como se o chão fugisse de seus pés.

Ele tentou, talvez mais de duas vezes, rir daquela frase. Quis acreditar que aquela era outra mentira muito bem arquitetada de sua irmã sobre Suigetsu; tentou inutilmente procurar a lógica. Tentou, quis e não obteve sucesso. Bagunçou nervosamente os cabelos - outro sinal de que ele estava prestes a perder o controle. Fora para isso que havia sido chamado pela irmã? Foi apenas para assistir ela partir mais uma vez e perder o controle de sua vida de novo?

Sim. Aquela era resposta.

— Ah, claro. Ele se importa. Ele se importa com você e com a minha sobrinha! — não havia contido a ironia em cada palavra, não ligava se cada uma delas irritava Karin ou se estava magoando-a. Simplesmente prosseguiu. — Ele não estava aqui quando você abandonou sua filha por ele, nenhum dos dois estava aqui quando a filha de vocês ficava acordada de madrugada esperando que vocês parassem de se drogar e que a colocassem pra dormir, porra!

— Por que vocês estão brigando? O vovô não vai gostar de ouvir brigas. — a voz suave e quase repreensiva da menina se fez presente; o corpo esguio e miúdo estava na soleira da porta. O corpo estava bem agasalhado e ela segurava uma maleta pequena nas mãos. Ela virou a cabeça, olhando para os dois adultos tentando entender por que estavam tentando esconder suas emoções em sorrisos forçados. — Vocês são irmãos e não podem brigar.

— Nós não estávamos brigando, querida. Só estava dizendo adeus ao seu tio. — Karin respondeu limpando a garganta e limpando os cantos dos olhos marejados. Cada palavra de Naruto remetia a uma verdade inegável e a um choque diferente em sua mente. Havia abandonado tudo por Suigetsu e seu dito amor. Agora o fazia novamente. — Ele ficou muito exaltado, nada demais.

— O vovô não gosta de brigas, lembram?

Os sorrisos alargaram-se nas faces desconcertadas e abatidas de modos distintos, uma risada seca atravessou a boca de Naruto e ecoou pelo cômodo simples. A menina atravessou o cômodo a pequenos saltos coordenados e encostou-se a janela, esticando-se na ponta dos pés observou o táxi do outro lado da rua conforme a mãe havia informado.

Um grito animado escapou dos seus lábios e ela saltitou até o tio e balançou o corpo para frente e para trás com um sorriso compreensível nos lábios finos.

— Oji-chan, o papai é legal. Só é um pouco... babaca. — ela murmurou arrancando uma risada curta do rapaz, a mão calejada bagunçou seus cabeços e ela recebeu um peteleco leve na testa. — Ei!

— Pare de me chamar assim, é feminino. — ele replicou sentindo a garganta fechar ao encarar a inocência estampada no rosto miúdo de Jun. Os cabelos mal presos numa trança que ela mesma havia feito escapavam do penteado; Naruto suspirou e a abraçou com força. — Se eu pudesse iria te proteger de tudo Jun. Apenas fique bem e me ligue se qualquer coisa acontecer entendeu bem?

O aceno rápido da cabeça dela o aliviou por meio instante, entretanto sentia que estava ali apenas para assistir sua família despedaçar-se diante de seus olhos e cada um trazendo um sorriso irônico nos lábios.

Não adiantaria muito segurar Jun entre seus braços, gritar com Karin ou com seu pai por todas as decisões que eles haviam tomado desde a morte de Kushina, no final ele não seria forte o suficiente para salvar cada um de si mesmo.

— Nós temos que ir filha, seu pai está nos esperando. — era quase engraçado notar o esforço que Karin fazia para se convencer de que estava fazendo o certo, do mesmo modo como estaria protegida pela ética e pela lógica diante do mundo. Maior ainda era seu esforço em fingir que o olhar frio do irmão não a afetava.

— Pensou que ia embora sem se despedir de mim, hã?

O andar calmo e os ombros caídos desfiguravam o homem sorridente e convicto que Minato outrora fora, não havia qualquer sinal de cuidados em sua aparência - a barba por fazer e as olheiras eram apenas dicas - ou de que não estava quebrantando. Ainda sentia o luto a cada instante, olhar para a neta e a filha era uma alegria mascarada de tristeza e saudade.

A garotinha correu em sua direção e saltou como sempre, ele fingiu ter dificuldades para erguê-la e riu o mais naturalmente que conseguia. O olhar abatido dele trouxe um sorriso de conforto no rosto de Jun, as mãos pequenas alisaram a bochecha dele e dois afagos suaves no topo da cabeça o fizeram rir outra vez.

— Prometo que virei no seu aniversário e também no final do ano, Ojii-chan! Não coma besteira sem mim. — ela disse apontando um dedo em sua direção, como se as recomendações pudessem melhorar o ânimo dele.

— Sempre olhe para os dois lados da rua e nada de falar com estranhos, Jun. Seja uma boa menina e cuidado com seu pai babaca. — as recomendações partiram a partir desse ponto, nalgumas ambos riam ou simplesmente Jun discordava, acrescentando condições e especificando termos.

(Treason)

— Você está cometendo um erro. — as palavras foram entoadas com frieza. Karin encarou o irmão com igual sentimento e cruzou os braços.

— Você não é o pai dela, Naruto. — um sorriso cruel brincou em seus lábios, sentia a ânsia de vômito no céu da boca enquanto dizia o que vinha à mente. — Eu estou certa e você não pode saber o que é melhor para Jun, esse não é e nunca foi o seu papel.

— Como se você fosse capaz de fazer melhor... —automaticamente ele retrucou, sem conter nervos ou ânimos riu secamente, sua voz ganhou um tom descontrolado e furioso. Tal como Karin, simplesmente disse o que lhe veio à mente: — Como se o Suigetsu fosse capaz de fazer qualquer merda além de foder com um bando de putas quando você estiver chapada... Vocês podem fazer melhor, afinal é o papel de vocês certo? Então foda com a sua vida longe de mim.

Ninguém se atreveu a interromper a discussão dos dois ou o silêncio incômodo que se instalou. O olhar de Naruto era hostil e sua postura rígida denunciava que ele não voltaria atrás, foi uma questão de poucos instantes e o sorriso que Karin ostentava morreu ao sentir os olhos marejando.

— Se você nos der as costas outra vez, nem se dê ao trabalho de olhar para trás.

As palavras atingiam como uma punhalada nas costas, tão bem afiada e fincada onde doía mais que seu corpo tremeu com o significado de cada uma delas. Ela já havia dado as costas à todos por Suigetsu, dando-se apenas o trabalho de olhar para trás como se não fosse se esquecer de que sua família sempre a esperaria de volta, onde ela finalmente poderia retornar casualmente.

O barulho dos passos afastando-se e as perguntas baixas de Jun foram sendo dragados pelos ecos que emitiam até, finalmente, cessarem quando a porta foi fechada com força. Naruto ergueu a cabeça, como se pudesse desfazer os nós na garganta com o ato.

— Está feliz Naruto? Logo agora você tinha que fazer isso? Será que vocês não entendem que não era nada disso o que Kush... — as palavras foram interrompidas quando se dera conta de que, pela primeira vez, havia pronunciado o nome dela após o enterro. O olhar enfurecido de Naruto o abalou, tal como seu próprio luto. — Eu só tenho vocês três. Não estrague isso também.

[17:59] 30/9 — Agora, Floresta de Nakanocho, Joto Ward

— Inferno! Inferno!

Grunhi irritado quando senti o hálito podre próximo demais e seu corpo rastejando em minha direção, os ossos expostos da perna esquerda e do braço direito me fizeram trincar a mandíbula. Arrastei meu corpo o mais longe possível e finalmente alcancei o facão jogado entre os galhos de árvore e algumas folhas.

Aquela descarga de adrenalina impulsionou os movimentos seguintes, não me importava o quanto a cabeça dele sangrava ou o quanto fedia, mas eu não conseguia parar. Encarei o corpo inerte e sujo, sua mão esquerda estava pousada em cima da minha panturrilha e sua cabeça estava estirada entre minhas pernas.

— É por isso... que eu odeio... vocês... — murmurei retirando o facão de sua cabeça e empurrei sua mão para longe. Ofeguei cansado e levantei, ignorando a dor nas costas e na nuca. Limpei a lâmina no que restara da camiseta dele e peguei a mala jogada a poucos metros dali.

Retornei à trilha que Shikamaru havia aberto e segui por ela até o atual acampamento. Eu queria forçar meu corpo a andar mais devagar, queria que começasse a chover e que isso me atrapalhasse de chegar logo ao acampamento. Por que você não consegue encará-la? Por que não pode?

O barulho do grunhido animalesco parecia música aos meus ouvidos, embora meu corpo retesasse automaticamente e meus dedos apertassem com mais força o cabo do facão, minha mente se mantinha focada em Jun. O interrogatório que haviam feito mais cedo não parava de girar na minha cabeça e menos ainda me parecia bom o suficiente para aceitar que ela havia sobrevivido.

— Ei, seu merda! Isso mesmo fracote, olhe para cá. — falei apontando em sua direção com o facão, ele girou a cabeça para a direita bruscamente e ajeitou a postura num estalo alto. — É isso mesmo. Tem carne fresca bem aqui!

Agarrei uma pedra e atirei nele, ele permaneceu do mesmo modo e deu dois passos incertos para frente e retornou um. Não demorou tanto para ele tomar impulso e correr na minha direção grunhindo e gritando irritado, imitei seu ato e corri contra ele.

O barulho da lâmina afiada enterrando na carne era diferente, analisar como os tecidos rasgavam num golpe forte e bruto, o modo como o sangue fluía calmamente e como os gritos de dor rasgavam meus ouvidos era um conjunto surreal. Empurrei-o contra uma árvore e seu corpo chocou-se num estalo alto, tremendo em espasmos musculares e olhando para mim, ele tentava sussurrar algo.

Como ela sobreviveu a tanto? Arranquei a lâmina de seu pescoço e a enterrei na cabeça rapidamente. Uma criança não poderia ter ido tão longe. Há alguma coisa de errado nisso. Trinquei a mandíbula e o encarei analiticamente, as feridas abertas pela pele, as roupas grudadas pelo sangue e o cheiro podre que exalava. Ela é apenas uma criança.

Peguei o facão de volta e retomei meu caminho ao acampamento. Havia risadas infantis quando cheguei, rostos sorridentes e várias pessoas agindo como se o final do mundo não estivesse sobre nossas cabeças. Ajeitei a mochila em meu ombro direito e respirei fundo.

Você não pode fugir disso.

— Oji-chan!

Automaticamente meu corpo travou e a ânsia embrulhou meu estômago, minha mente gritava que eu tinha que me mover, tinha que fazer algo sobre a menina que corria em minha direção com um sorriso no rosto e os olhos brilhando. Segurei com mais força o facão e caminhei na direção da primeira pessoa que avistei.

— Oji-chan! Você chegou! — o sorriso dela morreu quando continuei marchando na direção da Hyuuga e simplesmente a ignorei. Você é adulto Naruto, vai ter de encará-la alguma hora. — Oji-chan?

— Acho que há frutas suficientes para alguns dias... — murmurei a primeira coisa que me veio à mente e a todo custo me mantinha focado na expressão confusa de Hinata. Tirei a mochila das costas e a coloquei no chão, agachei e a abri. — Consegui algumas maçãs e também alguns pêssegos, nada de demais. Devem estar podres ou maduros... Isso é com você, aproveite para ver se estão bons.

— Oji-chan... Está tudo bem?

Levantei e girei o corpo para ir até minha barraca, ignorando os chamados a repetição da pergunta de Jun. Era uma sucessão de embrulhos no estômago cada vez que ela me chamava daquele jeito ou como sua voz saía trêmula e beirava ao choro. Senti um puxão brusco na barra da minha jaqueta e parei de andar.

— Por que você não fala comigo? Eu fiz algo de errado? — ela sussurrou e mantive o olhar apenas na minha barraca. — Oji-chan...

— Não me chame assim. — ordenei impaciente, trincando a mandíbula e o punho. Meu corpo tremia e minha mente dava voltas sobre o quanto havia acontecido até então.

Encarei-a brevemente e por mais que eu quisesse - e como queria - acreditar que naquela garota miúda e ruiva estava a mesma menina que eu ensinei a andar, nada me convencia de que era possível vê-la como a Jun que eu havia criado. O que havia de errado comigo? Ela era uma criança, parte da minha família e tudo o que havia restado naquele mundo.

Fechei os olhos com força, sentindo-os queimando e encarei um ponto fixo no céu. Você não pode fugir para sempre.

— Escute, fique um pouco com a sua mãe enquanto eu resolvo algumas coisas... E-eu preciso me limpar, estou sujo vê? Apenas... Faça o que eu disse e depois vamos conversar um pouco. — sussurrei tentando ao máximo soar casual, como sempre fora. Mas pronunciar cada palavra encarando-a era como se um metal afiado arranhasse minha garganta a cada instante. Ela assentiu e forcei um sorriso. — Aproveite e coma alguma coisa, fui buscar as maçãs que você gosta.

Andei o mais rápido possível e entrei na barraca, tirei minha jaqueta e a atirei longe. Os respingos de sangue na minha camiseta me irritavam, tirei-a e a joguei num canto e peguei outra camisa de xadrez que estava sobre meu travesseiro. Ouvi o barulho de passos leves e agarrei meu revólver.

— Você não precisa atirar Naruto... — arqueei uma sobrancelha diante das palavras da Hyuuga e abaixei o revólver. Sentei sobre a cama e a encarei enquanto ela cruzava os braços e se aproximava.

— O que você quer? Não me diga que é sobre seu primo e o caso dele outra vez, esse assunto está ficando repetitivo. — disparei com leve ironia enquanto ela enriquecia a postura e me lançou um olhar de desprezo. Eu realmente estava precisando de uma sessão de conflito e palavras cruéis.

— Vim propor uma trégua, ao menos por enquanto. — ela disse com tamanha convicção que não pude evitar um sorriso seco e uma risada curta e irônica. — Eu não vim falar de Neji ou do que aconteceu naquela noite; trégua lembra? — dessa vez foi ela quem lançou um sorriso irônico acompanhado por uma risada forçada.

Houve silêncio por alguns minutos e minha atenção se focou naquela proposta.

— Então qual é o seu grande problema comigo?

— Você age como um tirano arrogante e desgraçado, além de agir como se apenas sua opinião contasse e como se a qualquer segundo um ataque fosse acontecer. — ela disparou cada palavra com firmeza e certa raiva, mas relaxou um pouco a postura. — É prepotente, teimoso e muito arrogante.

Ouch. — sussurrei tentando conter um sorriso de canto e a encarei com certa sinceridade, outra vez a quietude se instalou e o som das respirações entrando em sincronia era quase relaxante. Por meio segundo nossos olhares se fixaram e havia certa pureza em seu olhar, como se realmente houvesse algo de bom nesse mundo; desviei o olhar e passei a encarar meus pés.

— Mas ainda assim salvou a vida de várias pessoas, então há um ponto positivo sobre você no final... — ela murmurou com cautela e franzi levemente o cenho. — Pode parecer extremamente difícil aceitar que você tenha algo de bom, quanto mais dizer isso em voz alta, mas não perca isso.

Foi impossível conter o choque que atravessou minha coluna ou minha expressão facial, balancei negativamente a cabeça e cerrei os punhos.

— Não Hyuuga... Não existem boas pessoas nesse mundo, aprenda isso e será mais fácil seguir em frente. — sussurrei como se fosse a chave para a sobrevivência, o que de certo modo era e um sorriso rasgou meus lábios sofregamente. — Que tipo de boa pessoa não aceita uma criança? Você errou feio, garota eu não sou o cara bom...

Novamente o silêncio surgiu e fiquei secretamente agradecido por isso, não eram de palavras de consolo ou de injeções de esperança que eu precisava; tudo se resumia a necessidade de ver com meus próprios olhos que eu estava errado sobre Jun, errado em cogitar atrocidades a respeito dela ou de qualquer um que se aproximasse.

Mas não adiantaria tanto diante de um mundo feito de atrocidades.

— Você é um desgraçado sortudo e idiota, se quer saber. Você está acostumado a ver os piores lados das pessoas ou do que acontece e não é capaz de aceitar algo bom? — ela disse e balançou a cabeça como se estivesse desapontada ou frustrada. — Se Neji...

Ela simplesmente emudeceu e respirou fundo uma ou duas vezes antes de prosseguir, embora suas mãos tremessem e seu maxilar estivesse trincado, era quase admirável o esforço que a Hyuuga fazia para soar o mais natural possível.

— Se ele voltasse, eu não perderia tempo questionando como ele sobreviveu ou o porquê. Algumas vezes coisas boas acontecem, mesmo que seja bem no meio de um mundo infernal como esse. — ela esticou a mão trêmula e apertou meu ombro levemente. — Ela é uma criança que passou por muito para ver a pessoa com a qual ela se importa lhe dar as costas. Não perca esse único ponto quando for conversar com ela.

Por meio instante era como se tudo fosse fácil e possível de alcançar com a ponta dos dedos, encarei a Hyuuga e movi os lábios num obrigado discreto e voltei a encarar meus pés. Aquele instante despedaçou-se quando ela se afastou e levantou bruscamente.

— Ei Hyuuga... Será que essa trégua poderia durar mais um pouco?

Ela sorriu e riu levemente, contive-me a sorrir discretamente diante de sua reação enquanto ela cruzava os braços e saía. Balancei negativamente a cabeça, pois talvez a Hyuuga estivesse certa. Nisso era bom estar errado.

[05:12] 1/10 — Agora, Floresta de Nakanocho, Joto Ward

Era um tanto incomum haver tranquilidade no cenário ou em meus pensamentos, era quase sufocante encarar Jun e procurar nela qualquer trejeito ou mania que pudesse associar imediatamente àquela garotinha que assisti os primeiros passos e que impunha condições absurdas todas as vezes que não queria estudar. Era sufocante encará-la.

Shikamaru e Yahiko abriam caminho silenciosamente um pouco mais a frente, enquanto os demais carregavam seus pertences e os seguiam o menos ruidosamente possível. Fazia pouco mais de meia hora que estávamos caminhando pela floresta até avistarmos um caminho amplo de terra batida.

— Não podemos nos afastar da floresta, é mais seguro do que seguir por estradas... — o Uchiha disse mais nervoso do que antes e gesticulava constantemente que não devíamos seguir o suposto caminho à nossa frente. — Há todo o tipo de gente por aí, não estamos em vantagem numérica para arriscar tanto.

— Não foi você quem matou um infectado em movimento? Use seu charme, Uchiha. — retruquei automaticamente e andei até o caminho amarronzado. Não demorou tanto e ouvi outros passos mais ao meu lado e atrás de mim; prosseguimos e simplesmente estanquei quando ouvimos o barulho de uma buzina.

(Pan’s Labyrinth Lullaby)

O par de portões de ferro e os muros altos cercando-o foi o que me fez paralisar por mais alguns instantes, meus olhos não se desviavam do portão pesado sendo acionado e aberto permitindo a entrada da picape a cerca de cinquenta metros de onde estávamos. Mas a esperança era uma vadia.

O desespero de Karin era palpável diante da respiração sôfrega de Jun, as tentativas vãs da Haruno em controlar a situação enquanto franzia o cenho e tentava socorrê-la era deprimente. Eu conhecia bem aquele som agonizante e quase mórbido de um ataque asmático, conhecia aquele tom clamante que emergia nos olhos de Jun quando o ar lhe faltava repentinamente.

— O que está acontecendo? Jun?! Respire meu amor, vamos! — era inútil esperar que Jun simplesmente pudesse obedecer àquela ordem enquanto seu corpo amolecia e sua cabeça tombava.

Meus pés correram na direção dela e meus braços a ergueram quase automaticamente, o olhar de Jun estava fixo em mim e aquilo me desestruturava. Não era minha sobrinha em meus braços, era apenas uma criança asmática.

— Ela não tem crises desde os quatro anos... E-Eu não entendo... — a voz embargada de Karin ganhou volume e lhe lancei um olhar duro enquanto alguns tentavam encontrar alguma bombinha entre o que nos restava de medicamentos.

— Aos quatro você estava com Suigetsu, é por isso que você não vai entender. —murmurei enquanto tentava forçar o corpo de Jun a ficar encurvado. — Inferno! Jun olhe para mim! Você vai aguentar ok? Você vai ser uma boa menina e vai cantar tudo bem? Já passamos por isso...

Minhas pernas corriam o mais rápido que eu podia suportar, meus dedos prendiam-se nas roupas e nos cabelos de Jun; seus olhos estavam fixos em mim enquanto ela tentava miseravelmente transformar suas tentativas de respirar em algo harmonioso. O ar que entrava em meus pulmões era cortante, escapava rápido demais e parecia que meu fôlego era insuficiente para correr por mais tempo.

Eu conhecia o ritmo de seus sussurros transformados numa melodia triste e estúpida demais e indicavam que eu não tinha tempo. Você não pode salvar todos.

Eu avançava o mais rápido que meu corpo conseguia, mas não parecia o suficiente. Ouvir aqueles sussurros desconexos e agoniados era um déjà vu sádico; parecia que eu estava correndo para o pronto socorro no meio da madrugada, e não no fim do mundo. Parecia que aquela menina em meus braços era tão indefesa e pequena quanto a menina de cinco anos que socorri na noite do meu aniversário.

— Isso Jun, continua... Você não pode parar de... cantar... — implorei e a apertei com mais força quando seus sussurros se tornaram mais dolorosos de ouvir. Minhas pernas começaram a doer quando avistei os portões pesados a pouco mais de três metros de distância. — EI! Jun! Por favor, continue cantando! EI! AJUDEM! POR FAVOR!

Havia algo daquela menina que eu buscava na escola naquela menina sofrendo com um ataque asmático e desesperada por ajuda nos meus braços. Precisava haver.

Eu a segurei com mais força quando notei que os portões começavam a se fechar e tomei mais impulso; as lágrimas molhavam meus braços e deslizavam descontroladas pelo rosto miúdo de Jun, segurei-a com mais força e caí de joelhos quando minhas pernas não conseguiram sustentar mais o peso do meu corpo.

— P-Por favor... Asma... Ajudem... — sussurrei quando ouvi o barulho de armas sendo carregadas e passos; duas pessoas se aproximaram: um rapaz de cabelos prateados e presos num rabo de cavalo baixo e uma mulher loira com os cabelos presos no alto da cabeça. — Por favor, ela é uma criança!

— Ino... — o rapaz murmurou e ela se aproximou; encarei-a com desconfiança e embora eu soubesse que ela poderia ajudar, minha cabeça questionava o porquê de haver tantas armas miradas em Jun e eu. — Solte a menina, você não pediu ajuda?

(Masters of War)

Assenti apressadamente e levantei, dei um passo à frente, mas o mesmo rapaz interveio com um sorriso quase sagaz.

— Ei, estou oferecendo ajuda à menina então fique aqui. Você simplesmente invade nosso espaço e acha que pode sair fazendo o que quer? Não é assim que as coisas funcionam, veja... — foi outra série de tentativas quase moribundas de Jun de respirar que me fez soltá-la e entregá-la à mulher loira. Mais duas pessoas surgiram de um dos poucos prédios intactos que havia ali, corriam com uma maca e levaram Jun. — ...fica aqui enquanto ajudamos. Há outros com você?

O som estrondoso dos portões fechados por completo me fez trincar a mandíbula, olhei em volta brevemente e nas duas guaritas altas havia ao menos três atiradores com rifles em cada uma, além dos outros que saltavam da picape e dos que vinham mais à frente - todos armados.

— Abra os portões. — murmurei impaciente, andando na direção do rapaz e encarando-o sem qualquer rastro de humor. Ele tropeçou dois passos para trás e pigarreou, murmurando algo sobre não poder fazer aquilo. — Eu não vou repetir, então seja rápido e abra a porra dos portões!

Tudo ocorreu rápido demais: saquei meu revólver e atirei contra ele, era estúpido e insano, mas minha mente apenas trabalhava na hipótese de que havia algo de errado ali; avancei contra ele e o agarrei pelo colarinho, era estúpido ameaçar a pessoa que havia oferecido ajuda, mas havia algo de errado naquele lugar.

— Desculpe, acho que ainda não fui bem claro... Abra os portões agora! — gritei enquanto apontava a arma em sua cabeça e encostava o cano aquecido contra seu pescoço; o barulho da pele chamuscando era quase música aos meus ouvidos.

A ardência quase insuportável no meu pescoço me fez virar a cabeça na direção do disparo e grunhir de dor, usei o rapaz como escudo humano enquanto um homem de cabelos igualmente prateados saía de um prédio à esquerda; a máscara que cobria parcialmente o rosto era chamativa e ele caminhava com rigidez e calma na minha direção.

— Se sua mãe estivesse viva, teria vergonha de você. Não é assim que tratamos hóspedes Kabuto, seja mais educado... Nunca lhe ensinei a não desafiar um homem que defende a família? — ele murmurou com calma e parou em frente ao rapaz e o puxou pelo braço; mirei em sua direção, porém ele não se intimidou, deu um tapa leve no cano do revólver e suspirou. — Desculpe por meu afilhado, ele não é um bom anfitrião... Vocês ouviram o homem! Abram!

O barulho dos portões sendo abertos era quase anestésico, mas não desviei o olhar do homem mais velho ou do modo como ele analisava a situação com calma e certa frustração. Ouvi os barulhos dos passos e Karin questionando-me sobre Jun, aos poucos as armas foram sendo abaixadas e os curiosos se amontoavam num semicírculo ao nosso redor.

— Vamos embora agora. — o Uchiha sibilou tão nervoso quanto poderia ficar; ele aproximou-se de mim e me puxou bruscamente pelo ombro. — Esse lugar não é para nós. Não é seguro o suficiente, Naruto.

Franzi o cenho em confusão e analisei seu nervosismo, era absolutamente irritante e alarmante. Havia algo sério e errado acontecendo ali.

— Bem-vindos à Muralha, não que o Sasuke precise disso... Há quanto tempo soldado...? —o homem de cabelos prata disse e imediatamente meu corpo travou. Mas o que diabos? Encarei-o surpreso, mas ele manteve o olhar duro ao outro. — O bom filho a casa torna, hã?


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Notas finais do capítulo

YOOOOO!
Mil anos depois... ^^'' Oitavo capítulo de DTB postado, espero que tenham gostado e qualquer erro me avisem. Desculpem a demora, faculdade e trabalho estavam me sugando as energias, afinal estou de férias da faculdade. o/ Enfim, problemas pessoais à parte, vou explicar alguns pontos sobre o capítulo:
— Jun tem asma, portanto Naruto cuidava dela mais ou menos desde seu nascimento, já que ela herdou isso do lado paterno;
— Kushina faleceu quando Karin ainda era adolescente, a diferença de idade entre ela e Naruto é de mais ou menos três anos, devido à morte da mãe ela sentiu uma grande perda emocional e começou a namorar oficialmente com Suigetsu, que terá sua história contada logo mais;
— a Muralha fica próxima à área da floresta e terá mais detalhes adicionais possivelmente explicados em meu blog;
— Kakashi é o segundo homem de cabelos prateados que surge no fim do capítulo e sua relação com Sasuke será explicada no próximo capítulo, tal como outros detalhes da Muralha;
— desconfiem da Muralha, há uma série de coisas boas e ruins sobre esse lugar.
Bem... Essas são as explicações de fatos "ocultos" na fanfic, sobre NaruHina... Não sei se ficou bom, mas é um começo: algo mais ameno que irá ter mais profundidade (meu foco na fanfic é NaruHina) e quebrar essa montanha de gelo com a qual Naruto se protege de relacionamentos, seja ele qual for. A trégua é o pontapé inicial para os dois, caso alguém tenha sugestões, por favor fique à vontade para enviá-las. Estou realmente animada com DTB, portanto pode ser que as postagens sejam dobradas (para compensar a demora).
Enfim... Obrigada pelos reviews, sugestões, críticas e afins; sejam bem-vindos leitores novos o/
Espero que tenham gostado das músicas e me perdoem se o capítulo não saiu bom. ^^'''' Até o próximo! o/
P.S.: A Muralha vai ser feladafruta.



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