Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 7
What was Lost




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7 - O que estava Perdido

[18:03] 14/7 — Sessenta e oito antes, Distrito de Osaka

Até agora, os distritos de Osaka, Ashoro e Kasai estão sob quarentena. As forças militares estão reforçando a segurança destes distritos a fim de evitar maior contágio com as outras regiões não afetadas... Não... onde os doentes estão... — a voz entrecortada ecoava nos cômodos silenciosos. — Fiqu... em casa... Os doentes devem ser... militares... ajuda...

O televisor exibiu uma tela azul com a mensagem branca dizendo que problemas técnicos haviam interferido na transmissão. As pessoas que circulavam o aparelho se encolheram de modo similar: amedrontados e pensando em como escapar. Os olhos igualmente perolados entreolhavam-se com tamanho pavor que era palpável.

— Nee-san... Quando eles virão nos buscar? Já faz oito dias... — a voz miúda de Hanabi entoou desesperada por uma resposta de Hinata, mas a mesma mantinha os olhos vidrados na televisão. A franja cobria parcialmente a visão, mas seus olhos mantinham-se unicamente na mensagem branca.

— Eles não podem nos buscar Hanabi. — a voz mais calma e quase dura de Neji ecoou pelo cômodo amadeirado e ele abraçou mais os próprios joelhos e enterrou o rosto sobre eles. — Pare de perguntar isso. Já está ficando irritante.

— Mas... Eles disseram que iam nos buscar e nos tirar daqui! Disseram que iam ajudar o papai! E-E t-também... — sua voz ganhara volume e morrera quando ouvira a tosse sôfrega do outro cômodo. Seus olhos marejaram e ela mordeu o lábio inferior, na tentativa tola de fazer suas palavras ganharem força e emitirem alguma esperança aos familiares.

O silêncio tratou de enterrar suas palavras; as seis pessoas na sala de estar mantinham-se absolutamente quietas e com os olhos baixos. Ouviam os pedidos e chamados do homem do outro cômodo, mas mantinham-se imóveis. O baque alto chamou a atenção de todos; as cabeças se viraram para a porta revestida com papel.

— Papai!

A porta fora aberta abruptamente pela menina, que correu até o leito ensanguentado e o avaliou com temor. O corpo contorcia-se no piso amadeirado e tossia com força. Dera dois passos em direção do homem pálido e com veias saltando pela pele; seu corpo todo tremia e a camisa de força parecia lhe asfixiar. Sua cabeça girava para os lados, entre grunhidos e pedidos de ajuda.

— Papai?

Seu corpo fora puxado com força por Hinata e ambas se afastaram a passos trêmulos da cama. Os braços de Hinata seguravam com força Hanabi, enquanto ela esperneava e continuava a chamar o pai a plenos pulmões.

— Ele não é mais nosso pai... Por favor... Pare. — a voz dolorosa de Hinata surgiu num murmúrio; cada palavra ecoou com hostilidade. O corpo miúdo fora atirado com força contra o piso e ela encolheu-se. A porta fora fechada outra vez, com Neji, Hizashi e Hinata dentro do cômodo. Os três movimentaram-se agilmente no quarto sujo.

Os homens encarregaram-se de segurar com firmeza a cabeça do outro enquanto Hinata preparava uma seringa com morfina. Sem qualquer troca de palavras, a droga fora injetada na perna do homem e rapidamente aplicada. Os olhos perolados observaram o teto com fulgor pouco antes de fecharem tranquilos.

Os tremores cessaram, tal como os movimentos bruscos. Sua boca emitia sons desconexos e arrastados, como se estivesse bêbado. Numa sincronia quieta, levantaram o corpo e o depositaram sobre a cama suja; os lençóis - outrora brancos - estavam levemente amarelados e com manchas secas e úmidas rubras. As feridas umedeciam o pano da camisa cinzenta que envolvia Hiashi Hyuuga.

— Os antibióticos não estão funcionando. — Hinata murmurou pesarosa enquanto observava o corpo do homem relaxar sobre o colchão. — Eu não sei o quanto ele vai aguentar de morfina ou se está ficando viciado. Os anti-inflamatórios não parecem funcionar, porque o corpo dele simplesmente não responde à medicação.

— Tente numa dosagem maior, Hinata... Talvez assim ele responda mais rápido. — a voz suplicante de Hizashi ecoou pelo cômodo e olhou com desespero para a garota. — Se tentarmos com mais, talvez assim...

— Eu não posso fazer isso. Pode matá-lo. — murmurou sem conter as lágrimas que deslizavam pelo rosto. — Daqui a algum tempo, a morfina não vai mais adiantar. Eu apliquei a última dose há três horas. Não deveria estar assim.

— Por favor...

Aquele olhar esperançoso e suplicante por uma resposta à altura de sua humilhação perfurou a alma de Hinata e Neji. Aquele fio de crença tão nítido numa súbita melhora lhes dragava as forças. O homem abaixou a cabeça, numa súplica mais humilhante ainda enquanto as lágrimas ardiam em sua pele.

— Eu não posso salvá-lo... Tio, por favor... — um nó apertava sua garganta, e sucessivamente outros surgiam cada qual a sufocando e a jogando no mais denso desespero sem permissão alguma. — Eu não posso salvá-lo.

— Se ele melhorar um pouco, quem sabe... Talvez os militares nos ajudem! — implorou com a voz sendo cortada pelo choro. — Ele é seu pai! E-Ele pode melhorar! Por favor... Neji, filho... E-Ele ainda é seu tio. Ele só está doente. Não é assim que pessoas como ele são chamadas? Hã?!

— Pai... — a expressão vazia no rosto do outro Hyuuga se transformava numa faceta agonizada pela esperança tola que conduzia o pai. — Hiashi, ele... Precisamos acabar com isso. É tarde demais.

(One Choice)

O medo e a desconfiança preencheram de repente a face de Hizashi. Entendia o que as palavras de Neji significavam, não entendia a colaboração de Hinata naquela sugestão e menos ainda como ninguém enxergava o homem relaxado na cama como um ser humano comum. Seus protestos ganharam volume, atiçavam a audição de Hiashi e estimulavam a tensão no cômodo.

Num crescendo absurdo, surgiu o caos. Os gritos de protestos tornaram-se ordens e chamados constantes pelo irmão; seu corpo fora segurado pelo filho e o corpo de Hiashi contorcia-se na cama, gritando e grunhindo como um animal. Os olhos perolados exibiam tons vermelhos e um olhar distante, enquanto agonizava para livrar-se das amarras em seu corpo.

— Eu estou aqui, Hiashi! Ninguém vai te fazer mal. Eu prometo! — livrou-se do enlaço de Neji e segurou a cabeça do irmão, olhando-o nos olhos e esperando que suas palavras fizessem efeito. — Vamos lá, fale comigo! Por favor!

O sangue respingou num estalo alto. O choque cruzou sua mente e o atordoou. Os grunhidos cessaram e Hizashi reconheceu o choque nos olhos arregalados e distantes de Hiashi. Suas mãos tremeram com força quando o sangue escorreu por seus dedos e o som do disparo ainda ecoava em seus ouvidos.

A arma empunhada tremia nos dedos de Hinata; seus olhos não acreditavam no que havia acontecido ou no corpo inerte do pai entre as mãos do tio. Deu dois passos para trás, esbarrando na cômoda e o revólver escapou de seus dedos, enquanto tremia e escorregava até o chão.

A fina porta fora aberta abruptamente.

— Papai! NÃO!

A garota correu pelo cômodo sendo agarrada por Neji. Ele a abraçou com força enquanto observava a dor corromper seu pai. Sentiu as lágrimas molhando seus braços enquanto os gritos dela morriam no silêncio e seu corpo tremia violentamente. Seu corpo foi balançado suavemente, como se pudesse acalmá-la.

— P-Papai...

— H-Hiashi! NÃO! NÃO! NÃO, POR FAVOR! — abraçou o corpo com força, ignorando o sangue que o manchava. Tateou os dedos pela cabeça dele, sentindo o buraco da bala na lateral. Seus lábios tremeram com força e um grito desolado rompeu sua garganta.

— Tudo vai ficar bem, Hanabi... Tudo vai ficar bem... — o sussurro de Neji não aplacou a dor ou o choque que destruiu cada um. Aquela vã promessa foi destruída diante do corpo inerte. — Tudo vai ficar bem...

[19:21] 26/9 — Agora, Naniwacho

O cigarro queimava lentamente entre meus dedos e a fumaça me irritava. As cinzas caíram no chão e traguei-o rapidamente e soltei a fumaça. A chuva continuava densa e repleta de trovões. Não importava de fato o que acontecesse, nada conseguia tirar a cena do corpo abatido de Shino há quase seis metros de distância por um único tiro de rifle.

O desgraçado era bom demais para alguém que fez medicina. Permaneci encarando os terraços úmidos e trovões que atravessavam a escuridão dos céus enquanto batia as cinzas do cigarro outra vez.

Passei no seu teste agora Uzumaki? — murmurei imitando sua voz arrogante. — Não mesmo, bastardo. Você não chegou perto de passar, arrogante. — traguei o cigarro outra vez o atirei no terraço cheio de poças d’água e papéis molhados.

— Não sabia que gostava de falar sozinho... Você é mesmo esquisito. — soltei a fumaça e bufei irritado com a voz de Karin. Virei a cabeça levemente e ela estava um pouco mais atrás de mim, com os braços cruzados e um sorriso debochado. — Está apaixonado pelo Uchiha, é isso mesmo irmãozinho? Fala sério.

— Do mesmo modo como você está louca para pegar a Haruno de jeito... — retruquei jogando o peso do corpo para a perna direita. — O filho da mãe é bom, Karin... E isso não é uma coisa boa.

Encarei o tempo chuvoso enquanto aquelas palavras queimavam na boca. Ouvi seu suspiro e sua voz seguiu séria.

— Deu pra perceber. Ele realmente deve ter te deixado puto da vida com isso, não é? — ela murmurou com cautela e cerrei o punho. — Eu vi como ele atirou. Não parecia nada amador... Quero dizer... Ele tinha, hã... postura. E prendeu a respiração antes de atirar, como se...

— Fosse treinado para isso.

O silêncio sucedeu as próximas palavras e eu permiti a imaginação encarregar-se do resto. Hipóteses preenchiam lacunas e ao mesmo tempo criavam novas. Uma série de perguntas eclodia em minha mente, mesclado ao que eu havia visto e ao que eu havia obtido de informações. Tudo aquilo me enraivecia.

Até onde ele e a Haruno estavam dispostos a mentir? Eu não conseguia determinar a resposta. Contive a vontade de descer os lances de escadas aos pulos, agarrá-lo e socá-lo até eu considerar que qualquer palavra que saía de sua boca era uma verdade razoável. A ideia era atraente.

Girei o corpo e Karin se pôs na frente, interrompendo meu percurso.

— Há algumas coisas que eu preciso te dizer Naruto. — ela começou com a expressão dura e o corpo travado na mesma posição anterior. — O Uchiha não é o único a te deixar puto da vida, se quer saber. Yahiko está desconfiado, Kankuro está mais puto do que qualquer um aqui e a Haruno está pronta para se aliar à Hyuuga e começar um motim.

Respirei fundo e fiz minha melhor expressão de espanto.

— Oh não! Será que devemos pegar as tochas e fugir para as montanhas?! — sussurrei secamente e endureci a expressão pouco depois. — Se elas quiserem começar um motim, eu pessoalmente vou deixar você chutar a Haruno para fora. Kankuro pode ficar puto com qualquer merda que acontece e Yahiko... É só lhe oferecer um pouco de erva que ele vai ficar quieto.

— Você não está me ouvindo. — ela disse e balançou negativamente a cabeça. Karin jogou as mãos para o alto e cerrou os punhos. — Droga! Por que você não nos disse sobre a clínica? Você está dizendo que não admite que o Uchiha e a oh-toda-poderosa Haruno escondam alguma coisa, mas por que diabos você escondeu que sabia que aquela clínica tinha infectados? E como você sabia disso, Naruto, se nunca fomos lá antes?

Um sorriso cínico repuxou meus lábios e balancei a cabeça ara os lados. O olhar analítico e quase irritante de Karin não a fez alterar a postura quando a encarei com leve irritação.

— E desde quando eu devo satisfações do quanto eu sei a você? Porque até agora Karin, o quanto eu sei salvou sua pele várias vezes. — retruquei num tom baixo e dei um passo adiante, ignorando como ela manteve a postura e o olhar. — E eu não ouvi reclamações sobre isso. Mas só dessa vez eu vou te esclarecer isso: estive lá antes. Dois meses atrás. Se quiser saber mais, pergunte à Shikamaru, ele sabe dos detalhes.

O silêncio se instalou. Karin balançou brevemente a cabeça e me encarou com certa decepção nos olhos.

— Como espera que eu possa confiar totalmente em você se a cada dia... Se a cada dia você parece estar pior e cada vez mais distante. — ela sussurrou me encarando com a mesma decepção nos olhos e movendo os punhos contra meu peito. — Droga, Naruto! Você costumava me ajudar e não mentir para mim! Nós éramos diferentes antes dessa merda toda!

(Flume)

Ela continuou desferindo socos em meu peito, murmurando uma série de palavrões em seguida e mordendo o lábio inferior quando me encarava. Mas não eram os socos que me incomodavam. Era o olhar decepcionado. Eram suas palavras arrastadas por raiva.

— Eu não sei se posso acreditar no que você fala! Inferno! — ela bradou e seus socos diminuíram, ela persistiu diminuindo a força e simplesmente abaixou a cabeça. — Você nem me deixou ir atrás dela... E-Ela poderia estar viva. Ela podia ter sido esperta o bastante para sobreviver.

Era idiota ceder à nostalgia. Alimentar-se de vãs esperanças, sonhos de dias melhores e memórias felizes era algo para a maioria desolada. Se agarrar na esperança de que alguém poderia ter sobrevivido era destrutivo demais.

Era errado sentir os nós na garganta. Fechar os olhos e imaginar um sorriso infantil e um par de braços miúdos rodeando meus joelhos era errado. Encarei o teto ignorando as verdades que explodiam e borravam aquelas lembranças.

— Ela não passava de uma criança, droga...!

— Ela se foi. — murmurei tentando aplacar o maldito sorriso que me assombrava. Os dedos de Karin apertaram minha camisa e ouvi o soluço rompendo seus lábios. — Ela... se foi Karin. Você sabe disso. Certo?

O aperto em minha camisa ficou mais forte e aquele que envolvia minha garganta também. A quietude era tão torturante quanto o bombardeio de memórias que invadiam minha cabeça. Ela se foi. Você não pode trazê-la de volta. Eu entendia o quão imbecil eu era por permitir que aquele nó apertasse mais minha garganta, trazendo uma responsabilidade que não me cabia mais.

Inalei o ar, aguardando as memórias e as perguntas abandonarem minha sanidade por um segundo. Esperar que tudo melhorasse era para os fracos. Esperar que alguém pudesse salvar o mundo era para os idiotas. Permitir que memórias de tempos melhores criassem qualquer tipo de esperança era para os mortos.

O mundo era cruel demais para que os bonzinhos sobrevivessem.

— Por que nunca me deixou procurá-la? Por que não me deixou entrar naquele prédio Naruto? — a voz embargada de Karin me quebrantou. Franzi as sobrancelhas enquanto sentia os olhos queimando. Desviei o olhar para o teto outra vez. — Ela podia estar lá... Eu podia ter chegado a tempo...

— Porque ela está morta. — sussurrei trincando a mandíbula e me odiando por sentir o deslizar úmido em minha pele. — Ela está morta Karin.

— Você não sabe disso, né? Ela podia estar aqui! — ela murmurou cerrando os punhos e soluçando outra vez. Fechei os olhos. Sorri fracamente diante daquelas palavras. Elas alimentavam uma realidade tão fácil... Tão mais fácil de lidar... — Jun devia estar aqui. Nosso pai devia estar aqui! Nossa mãe devia estar aqui! Droga, Naruto!

— Eles deviam estar aqui mesmo... — sussurrei baixo e um riso forçado escapou da boca de Karin. Respirei fundo. — Todos eles deveriam estar aqui. Bando de idiotas. Eu vou estourar os miolos daqueles imbecis assim que os encontrar.

Era apenas um modo imbecil de dizer que eu me importava. Como nos velhos tempos.

— Não idiota! — ela forçou outro soco contra meu peito. — Você deveria ter nascido mudo, inferno! — senti outro soco contra meu peito, mais fraco que o anterior e Karin levantou a cabeça. — E-Eles só estão atrasados outra vez. Como sempre, sabe?

Era extremamente doloroso fantasiar a respeito de tempos melhores, como se nada estivesse acontecendo. Como se tudo se resumisse ao tempo em que tínhamos treze anos. Ambos soltamos uma risada seca e sôfrega.

— Nosso pai detesta seu cabelo idiota. É por isso que eu sou o favorito. — sussurrei e ela me chutou na canela. Há muito tempo eu não conseguia simplesmente rodear os braços ao redor de Karin. Menos ainda permitir que aquele tipo de anestésico doloroso me dragasse mais ainda. — Eu só consigo confiar em você Karin.

— Você parece uma menina dramática. — ela sussurrou afundando a cabeça no meu peito. Ela tremia e meus braços afrouxaram ao seu redor. — É por isso que nossa mãe gritava com você o tempo todo. Idiota... E-Eu só posso confiar em você. Como antes.

Sorri dolorosamente contra o topo de sua cabeça e ela apertou os dedos contra minha camiseta, puxando o tecido levemente. Senti outro chute na canela e revidei levemente. Era apenas nosso jeito de dizer que tudo estava bem.

[22:00] 26/9 — Agora, Naniwacho

O silêncio imperou no instante em que desci o restante dos degraus até o térreo. A discussão acalorada que eu estava ouvindo do primeiro andar se transformou num silêncio mágico assim que estreitei levemente os olhos. Aos poucos, cada um se dividiu e foi para um canto do cômodo.

Lancei um meio sorriso à cena.

— Podem continuar com o seu... Como é mesmo? — murmurei dando três passos adiante. Virei a cabeça e encarei Karin, que descia as escadas. — Ah é. Motim.

— Estávamos apenas discutindo sobre algumas coisas que aconteceram... — a Haruno interveio com a voz quase tranquila, não é preciso dizer quem se pôs ao seu lado automaticamente como um bom cão adestrado. — Seria bom para todos se nos informasse que tipo de perigo nós vamos enfrentar ao sair para procurar o que precisamos.

Passei por eles e vasculhei a caixa cheia de enlatados e alguns pacotes sobre o balcão. Peguei um pacote de biscoitos e o abri. O gosto seco e quase azedo das gotas de chocolate já era familiar. Seria um artigo de luxo encontrar alguma comida dentro da validade.

— Eu realmente preciso dizer que há infectados lá fora? — murmurei tentando engolir um punhado de biscoitos. Peguei a garrafa d’água e tomei um longo gole. — Tudo bem... O titio Naruto vai contar uma história agora crianças. É melhor agarrarem seus cobertores e suas lanternas!

— Não nos trate como idiotas Naruto. Nós sabemos o que existe lá fora e sabemos como enfrentá-los. — Yahiko disse com tamanha convicção que quase acreditei que ele realmente estava me enfrentando. — Por que não contou sobre a clínica? Shino poderia estar vivo.

— Eu estabeleci um perímetro bem específico quando vocês desceram do carro e saltitaram por aí. — retruquei andando em sua direção. — Shino está morto porque foi idiota e desesperado. Se eu impus um limite, é porque havia algo que nenhum de vocês deveria cruzar: um infectado.

— Acho que já ficou bem claro que todos sabem como lidar com um. — pela primeira vez Kankuro se pronunciou. — Não estou dizendo quem tem a razão absoluta, só que você devia ter nos avisado sobre essa clínica. Talvez Shino realmente pudesse ter tido uma chance.

— Vocês realmente querem brincar de justiceiros? — Shikamaru questionou com a voz irônica, como há muito eu não via. —Esse mundo não é justo, caso nenhum de vocês tenham notado. Pessoas vão morrer e isso é um fato. Ninguém precisa nos dizer o que há lá fora, todo mundo já sabe. Acusar Naruto pelas decisões que o Shino tomou não vai torná-lo melhor ou pior, menos ainda desfazer a merda que Shino fez ao prosseguir sozinho. Banquem os justiceiros quando esse mundo estiver em ordem outra vez.

Um breve silêncio tomou conta do cômodo enquanto Shikamaru lançava um olhar severo para cada um. Num gesto quase imperceptível, Shikamaru me lançou um sorriso tranquilo e movi rapidamente a cabeça, agradecendo em silêncio.

— Algo a mais a acrescentar? Nenhuma nota? — murmurei encarando cada um; tomei seu silêncio como uma resposta positiva e prossegui. — Do mesmo modo que vocês estavam conspirando sobre a clínica... — lancei um rápido olhar cínico para a Haruno, seu acompanhante, Yahiko e a Hyuuga. —...conspirei um pouco sobre o próximo passo. Alguns de vocês não querem sair daqui. Ótimo. Problema de cada um. Mas esse lugar não vai ficar seguro por muito tempo.

O medo dominou os mais desesperados, exatamente como eu queria. A desconfiança alarmou o restante, exceto Shikamaru. Esperei pela explosão de murmúrios, questionamentos e acusações, e quando esta veio aguardei pacientemente até que eles se calassem.

— Eu já havia avisado que vamos para a Muralha. Portanto, nada mais justo do que lhes dar o benefício da dúvida. — avisei ignorando o exagero de medo que se manifestou pouco depois. — Há suprimentos o suficiente para dividir igualmente. Aqueles que quiserem permanecer aqui, bem... Não digam que não lhes dei chance. O restante que quiser... Partiremos amanhã.

— E para onde vamos? — me surpreendi ao ouvir a Hyuuga questionando.

— Vamos seguir pelas linhas férreas, da estação Tenma e seguir por ela até o outro lado da cidade. As pontes principais foram destruídas e foi uma das regiões com maior limpeza dos militares. — respondi calmamente, recebendo um aceno positivo em seguida. — Até onde sei, havia uma base do exército próximo ao estádio local.

Era apenas um jogo de palavras. Um punhado de palavras sempre moldaria o mundo aos mais ambiciosos. Observei rapidamente o Uchiha, analisando o modo como ele murmurou algo para a Haruno. Não demorou muito para ele se pronunciar.

— E desde quando militares ajudam pessoas? — ele questionou me encarando irritado. Mas ainda não era o suficiente.

— Por que não nos responde? Passou um tempo costurando alguns deles... Certo? — rebati impondo o tom de desafio ao ar. — Escute Uchiha... Não quero seu apoio e menos ainda sua opinião sobre o que fazer. Eu digo o que fazer. Você abaixa a cabeça e abana o rabo. E eu realmente apreciaria muito se você utilizasse seu treinamento de tiro quando necessário, não sua voz. Estamos bem claros sobre isso ou ainda preciso te mandar sentar?

Não aguardei qualquer resposta, apenas assisti a Haruno o puxando pelo braço rapidamente. Sorri com cinismo e pisquei.

[11:52] 30/9 — Agora, Floresta de Nakanocho, Joto Ward

Seis de dezoito. Não... Seis de nove.

— Já chega de descansar. Temos que prosseguir. — anunciei ignorando os muxoxos de Karin e as reclamações constantes de Yahiko e Kankuro. Joguei a mochila nos ombros outra vez, sentindo a sobrecarga de peso tencionar meus ombros. — Vamos logo.

Aos poucos todos levantaram, colocaram suas mochilas nas costas e prosseguiram pela trilha que Shikamaru abria a minha frente. Alguns arbustos eram costados por Shikamaru, apenas quando necessário e tentávamos fazer o mínimo de ruído possível.

A travessia até ali fora exaustiva e o mais quieta possível. Durante a noite, eu e Shikamaru discutíamos qual seria a forma mais segura de chegar à Muralha; eram raras as vezes em que o Uchiha nos dava alguma pista sobre a localização e insistia que estávamos fazendo o caminho mais rápido atravessando a floresta. Claro...

(Give Out)

— Vocês ouviram isso?

Três palavras bem colocadas numa entonação preocupada e todos paralisaram. Karin estava parada um pouco mais atrás, olhando para um ponto fixo no meio dos arbustos. O primeiro ruído de pássaros levantando voo não diminuiu minha preocupação.

Um longo minuto se passou. A tensão dominou meu corpo quando ouvimos o som de galhos sendo quebrados. Poderia ser um animal na melhor das hipóteses. Mas o melhor nunca estava disponível.

Lentamente tirei minha arma do coldre e a empunhei.

Encarei Yahiko, Shikamaru e o Uchiha, apontei com a cabeça na direção dos sons e os três se dividiram no mesmo instante. Karin não desviava o olhar de onde quer que esteja olhando e ela prendia a respiração; o barulho de galhos retornou outra vez seguido de um rosnado animalesco.

Então ouvimos o som de um choro infantil. E aquilo me assustou.

— Puta merda! — ouvi o murmúrio de Yahiko, exasperado e assustado com a possibilidade que percorreu a mente da maioria. — Será que...? Deus! Eu vou vomitar!

Encarei Karin e seu desespero era palpável, seu corpo tremia e não era muito difícil acreditar que provavelmente ela estava chorando com aquela possibilidade. Ela começou a andar na direção do choro, segurei-a pelo cotovelo, mas ela se livrou no mesmo instante, sem desviar o olhar de onde possivelmente vinha aquele choro.

— Karin fique por perto! — ordenei impaciente, mas ela simplesmente me ignorou.

O problema era que o choro vinha do mesmo lugar onde os galhos haviam sido pisoteados. O problema era que Karin achava que podia chegar a tempo de evitar uma morte. O grande problema era que ela ainda achava que seria capaz de salvar uma criança, independente de qual preço pagaria por isso.

— Karin! — gritei e ela correu na direção do choro. — Merda!

Abaixei minha arma e a segui o mais rápido que pude. Empurrei galhos e atravessei alguns arbustos tentando alcançá-la, mas ela era mais rápida. O choro começava a ficar mais forte e estridente e eu não sabia mais se o barulho de galhos sendo pisoteados pertencia a Karin, algum infectado ou a mim.

Minha mente desenhava o desfecho. Se eu quisesse poderia até imaginar o cheiro fresco de sangue e o corpo miúdo estraçalhado ou parcialmente rasgado. Não importava.

Continuei correndo e avistei Karin próxima a uma árvore caída; ela caiu de joelhos e forcei minhas pernas a correr mais. O pânico mastigava meus ossos e a adrenalina forçava meu corpo a funcionar. O choro ficava mais forte a cada instante e cada passo sempre parecia lento demais.

Merda!

— Karin! — gritei quando estava mais perto. Ela não se moveu. — Saia daí droga!

Então eu não consegui me mover por meio segundo quando vi a estender os braços e uma mão extremamente pálida e pequena agarrou seu pulso. Empunhei meu revólver e mirei.

— Karin! — pus o dedo no gatilho e prendi a respiração. — Sai daí, inferno!

Então ela se virou chorando e sorrindo ao mesmo tempo. Aproximei-me sem abaixar a arma, e quando a alcancei eu não conseguia me mexer ou entender o que diabos estava acontecendo. Aquela visão era um belo soco no estômago.

— Ela não para de chorar, mãe.

Não pode ser verdade... Por favor, não pode. Senti minhas pernas falhando quando tentava me aproximar delas. Era um misto de descrença e uma pontada horrenda de alegria que me abateram e me socavam quando eu encarava a menina. Isso não pode ser real!

— Mamãe?

O bebê no colo da menina se remexia e chorava alto. Mas não era aquela criança que me fez paralisar. A menina miúda e extremamente pálida, com os cabelos tão vermelhos e olhos lilases me fez paralisar. Aquela expressão ingênua me paralisou totalmente e o revólver escorregou dos meus dedos.

O fôlego parecia entrar sofregamente em meus pulmões, como se eu estivesse me afogando e finalmente conseguisse alcançar a superfície. A menina franziu o cenho levemente, numa desaprovação familiar sobre qualquer coisa. Foi outro soco no estômago quando ela simplesmente olhou em minha direção. Por que ela estava viva?

Ela aninhou o bebê em seus braços finos e continuou falando alguma coisa. Seu olhar prendeu-se ao meu e num gesto automático, seus lábios formaram um sorriso triste. Ela estava viva.

— Por que vocês estão chorando? Eu fiz algo de errado?

Eu não havia notado aquilo. Eu não sentia as lágrimas caindo. Mal pisquei e ela estendeu a criança na minha direção. Tremulamente estendi os braços e a menina depositou o bebê neles com extrema cautela. Karin mal se movia, mal parecia que ela ainda respirava. A menina subiu a árvore caída e pulou.

Minha cabeça dava voltas insistentes, trazia os gritos desesperados de Karin quando a impedi de entrar no prédio com infectados. A angústia dela parecia desaparecer quando a menina lhe sorriu.

— Eu estou aqui, mamãe. Eu sabia que você iria me achar.

O bebê se remexia e continuava gritando - talvez fosse aquele barulho insistente que me fez retomar certo controle. Soltei o ar lentamente, mas não conseguia desviar os olhos de como as duas se abraçavam, como há tempos eu queria que aquilo pudesse ser mais fácil de lidar. Mas não era tão simples.

Como ela conseguiu?

— Naruto...? O que está acontecendo? ­— virei a cabeça e Yahiko, Shikamaru e o Uchiha estavam ali. Todos pareciam surpresos demais. Com extrema cautela, ele se aproximou e franziu as sobrancelhas. — Por que você está chorando?

— Ela está viva.

Ainda não parecia real. Aquele murmúrio trêmulo que escapou dos meus lábios destruía minha sanidade totalmente. Karin levantou carregando a menina no colo e passou por mim sem conter lágrimas ou sorrisos.

— O que aconteceu aqui? — Shikamaru questionou olhando desconfiado para Karin e depois me lançando seu olhar interrogativo em seguida. — Quem é essa menina?

— Ela é minha filha. — a voz dela saiu trêmula e embargada. Ela soltou um riso curto enquanto apertava mais a menina contra seus braços. — Deus! Você está viva! E-Eu sabia...! — ela enterrou o rosto no ombro da menina e seu corpo tremeu levemente.

Houve uma série de perguntas e facetas. Tudo aquilo simplesmente me anestesiava e eu não sabia mais o que fazer a partir disso. Por que ela sobreviveu tanto? Onde ela esteve? Aquelas perguntas não deixavam de explodir em minha mente ou amenizar aquele misto que me deixava nauseado. Por que eu não consigo ver nada de bom nisso?

Por que ela está viva?

— Ei... Você está bem Naruto? — o puxão leve numa mecha do meu cabelo e o leve aperto sobre meu ombro me fez desviar o olhar daquela cena e encarar Yahiko. — Eu sei que é um choque, mas você devia estar feliz sabe? Sua sobrinha sobreviveu.

Ajeitei a criança em meu ombro com cautela e senti outro puxão no cabelo. Yahiko estava certo. O desgraçado estava certo em todas as palavras, mas nada explicava como ela estava viva ou o porquê daquilo.

Aquela criança suja, miúda e pálida não era associada com a menina que buscava na escola e levava para tomar sorvete. Aquela menina ruiva e de olhar ingênuo não me lembrava da menina que odiava o escuro e o silêncio. E aquela linha de raciocínio me assustava.

— E-Eu só preciso pensar... — murmurei como se aquela fosse a solução. Forcei um sorriso que lentamente morreu. — Jun conseguiu. É isso o que importa. A Haruno pode cuidar dela... Ela realmente conseguiu.

Enquanto me aproximava tentei aceitar que não havia nada de errado. Imaginei que era uma coisa boa acontecendo bem no meio do inferno. Tentei associar aquela menina com a mesma que eu havia segurado inúmeras vezes e posto para dormir. Mas nada daquilo se encaixava, era tudo inútil.

Pois em algum ponto, havia algo de errado. Algo daria errado. E seria eu a tomar a decisão - independente das consequências -, seria eu.


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Notas finais do capítulo

YO!
Antes de qualquer coisa, espero que tenham gostado do capítulo. ^-^ Espero não ter demorado tanto para postar e enfim... Se houve algum erro ortográfico, algo que não ficou claro ou alguma dúvida, favor me avisem.
Procurei esclarecer algumas coisas sobre a fanfic em si. Outras explicações adicionais:
— quando aconteceu a pandemia em alta escala do vírus, Hiashi foi mordido por um infectado quando fugia para casa. Daí ele foi amarrado (numa camisa de força), entretanto seu irmão achava que ele podia ser curado e insistiu que ele fosse tratado por Hinata (que tem certo conhecimento), o restante vocês podem imaginar;
— Jun é a filha de Karin com Suigetsu (acho que eles combinam de algum modo), mas a relação mãe-filha, pai-filha, tio-sobrinha, avô-neta vai ser explicado em breve;
— os nove que o Naruto se referiu (seis de nove) são compostos por: ele (Naruto), Sasuke, Sakura, Karin, Shikamaru, Yahiko, Hinata, Hanabi e Kankuro, entretanto Naruto ainda mantém os seis úteis em mente;
— o restante do grupo ficou em Naniwacho;
— a linha férrea referida no capítulo existe, a estação fica próxima de Naniwacho e chega até Joto Ward, já a floresta em si não existe, mas como é um fim do mundo a criei e ela ocupa uma grande área;
— Naruto simplesmente não consegue aceitar que uma menina de nove anos conseguiu sobreviver tanto tempo com um bebê, por isso ele está relutante.
Bem... As músicas ficaram mais no folk. Tenho outras músicas planejadas para outros momentos, mas enfim... Se houver sugestões, são bem-vindas. NaruHina vai começar a acontecer a partir do próximo capítulo (juro), desculpem a demora em inserir o casal... Não sou muito boa em romances, mas vou tentar. ^^''
Enfim... Espero que tenham gostado do capítulo, agradeço os comentários anteriores e os que estão acompanhando a fanfic. Estou tentando fazer o trailer da fanfic, via Sony Vegas. ^^ De qualquer modo, reviews, sugestões, críticas, recomendações e afins são sempre bem vindos.
Até o próximo!
o/
P.S.: Pode ser que eu fique um tempinho sem atualizar minhas fanfics, pois já vou entrar em época de provas, trabalhos e uma semana inteira de palestras. Semana da comunicação - obrigatório ir. Enfim. Mas estou tentando manter todas minhas fanfics atualizadas, pelo menos as mais antigas... Agradeço imensamente a paciência de todos.
Até.



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