A Coleira Vermelha Do Destino escrita por Nathalie Chan


Capítulo 3
London


Notas iniciais do capítulo

Esta fic é uma Side Story da minha fic Encanto Grego, ou seja, uma história paralela, e começa dois anos antes do início da fic principal. Porém, embora seja uma side, é possível acompanhá-la sem a leitura da fic principal.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/406536/chapter/3

A notícia veio de súbito: mudariam-se em breve para Londres. Yuzuriha estava radiante, Atla completamente estático. Todos os membros da família sabiam bem que Sage, irmão gêmeo de Hakurei, havia se mudado do Tibete para seguir suas próprias ambições, e que Shion havia se mudado para Londres depois de intensas brigas com o irmão mais velho por conta de sua sexualidade. Por fim, Shion levou Mu consigo para o país estrangeiro, passou a viver com Dohko sob um mesmo teto, e casou-se com ele legalmente. Sage apoiou Shion e Dohko, para o horror de seu irmão gêmeo. Sem saída diante da falta dos irmãos e do desejo de tê-los por perto novamente como uma família, Hakurei anunciou aos filhos a sua decisão de se mudarem para Londres, para o mesmo bairro onde moram seus familiares. Devidamente avisados, os filhos logo começaram a empacotar seus pertences, e Atla não sabia se deveria sentir-se triste ou feliz com a notícia... por um lado deixaria sua nação, mas teria seus amados familiares por perto. O que o aguardaria em um país estrangeiro?

- Eu disse que as aulas de inglês lhe seriam úteis algum dia, não disse?

- Mesmo que para isso você tenha me omitido que Regulus pensou que eu fosse uma garota até o início das aulas. Nosso irmão Tokusei deve estar decepcionado com você no mundo espiritual... peço a ele todos dias que lhe dê algum juízo.

- Eu já disse milhares de vezes que basta você contar a ele que é um garoto e deixar que ele reflita se os sentimentos dele são sinceros! Ele não disse que você é a alma gêmea dele? Desde quando alma é homem ou mulher? Qual o problema se vocês encarnaram ambos como garotos? Você tem medo de que a resposta dele seja diferente quando souber a verdade, Atla? Ou tem medo do que o papai vai pensar de você?

- Sai do meu quarto, Yuzu. Por favor. – A irmã suspirou longamente e Atla trancou a porta do quarto, pegou o leãozinho de pelúcia e o abraçou fortemente enquanto pensava na resposta para as perguntas dela, contendo o desejo de chorar inspirando e expirando vezes seguidas. Tinha de ser forte, de agir como homem. Mais do que a resposta de Regulus, temia o desprezo do pai caso um dia se relacionasse amorosamente com um homem, tal como seu tio Shion. "O papai finalmente aceitou o tio Shion? E se fosse eu, ele aceitaria? Ou diria que não sou mais seu filho?" Porém, por mais que tantos pensamentos temerosos lhe invadissem a mente, Atla sentia sempre um aperto no peito ao se lembrar do sorriso e dos olhos gentis daquele que lhe escreveu o cartão guardado com carinho. Cartão ainda não respondido, mas lido e relido diversas vezes durante o período de seis meses passado do encontro em Miami.

Dias depois, os poucos pertences de Atla já estavam empacotados e seguiam para o veículo que os transportaria ao aeroporto, quando o garoto deu falta do leãozinho de pelúcia de coleira vermelha. Correu desesperado pela casa vazia à procura do bichinho, quando viu seu pai sair na direção da vizinhança com a pelúcia na mão. Correu até ele e segurou-lhe o braço, desesperado e ofegante. Hakurei se espantou com a atitude do filho, geralmente calmo e comedido, e franziu o cenho, agachando-se sobre as penas para ficar na mesma altura dele.

- O que vai fazer com essa pelúcia, papai?

- Eu estava a caminho da casa dos nossos vizinhos... eles têm crianças pequenas e achei que você tivesse deixado essa pelúcia separada para ser doada.

- Desculpe o meu egoísmo, papai... mas não quero doar essa pelúcia.

- Tem valor emocional porque foi um presente da sua irmã?

- Er... sim! – Atla corou e tomou o leãozinho da mão do pai, correndo com ele para dentro da casa e colocando-o dentro da sua bagagem de mão antes que Hakurei lhe fizesse mais perguntas. Sentiu-se horrível por ter mentido, mas definitivamente não queria que o leãozinho de estimação fosse doado aos vizinhos.

xxxxx

Londres. Dois meses mais tarde...

Sisyphos já se preocupava com a demora de Regulus na lan house, quando seu radiante sobrinho saiu pela porta do estabelecimento com um papel na mão. Os olhos dele brilhavam como há muito tempo não brilhavam, e o tio riu ao ver o sobrinho andar em círculos com um sorriso bobo no rosto.

- Ela me mandou um email! Eu tinha certeza de que ela iria responder! Ela escreveu o nome dela! Ela se chama Atla! E você não sabe a maior! Ela se mudou para Londres! Looooondres! Tio Sys, ela está em Londres e quer conversar comigo, me passou o telefone e o endereço da casa do tio dela! Nós podemos ficar aqui em Londres mais uns dois dias? Podemos? Por favor! Eu preciso ver a minha garota! Eu imploro!

Sisyphos suspirou e refletiu por alguns instantes, tentando raciocinar se deveria ceder ao sobrinho precoce de treze anos que lhe implorava para ir visitar a garota tibetana, mas reconheceu que a coincidência entre a data do envio do email e da viagem à Inglaterra era grande demais para ser ignorada. Ademais, conhecendo Regulus bem, ele certamente insistiria até convencê-lo a fazer outra viagem para Londres, ou fugiria de casa para visitar a garota. Comovido com a alegria incomum do sobrinho, decidiu atender ao pedido dele. Sisyphos telefonou para o número indicado e conversou com o tio de Atla por alguns minutos, para então deslocarem-se até o endereço da residência. Foram recepcionados por um homem de aparência tão exótica quanto a de Atla, de longos cabelos esverdeados, olhos em tom violeta e as mesmas pintinhas tatuadas onde não havia sobrancelhas.

- Bom dia, fiquem à vontade. Sou Shion, tio de Atla. – Um garoto alto, extremamete parecido com Atla, adentrou a sala de estar, cumprimentando os recém-chegados e digitando algo no celular enquanto escutava o pai lhe informar que deveria telefonar caso precisasse demorar mais do que o previsto para retornar. Regulus ficou boquiaberto com a beleza andrógina do garoto, que também lhe pareceu um anjo caído do céu.

- Você é irmão de Atla?

- Primo. Meu nome é Mu, e o seu?

- Regulus. Prazer em conhecê-lo.

- Igualmente. Atla está jogando videogame no meu quarto, você gostaria de entrar enquanto eles conversam? Infelizmente estou de saída porque tenho um compromisso daqui a vinte minutos, mas vocês podem ficar à vontade.

- Eu gostaria sim, obrigado!. – Regulus achou estranho que o primo de Atla permitisse que ele permanecesse em seu quarto em companhia da garota, mas achou melhor não comentar nada. Afinal, estava ansioso para conversar com ela. "Tenho tantas perguntas! Por que ela demorou tanto a responder? Será que ela também gosta de mim como eu gosto dela?" Andou pelo corredor atrás de Mu, ainda impressionado em notar como um garoto poderia ser tão lindo e andrógino.

- Atla, um amigo veio visitar você.

- Anh? Um amigo? – Atla permanecia atento ao jogo de videogame, sem perceber a presença de Regulus no quarto. Mu fitou o relógio e revirou os olhos, ansioso.

- Estou saindo agora, Atla! Não quero levar outra bronca do Shaka nesta semana!

- Tá, eu já vou desligar o jogo... estou quase passando de fase, só mais uma volta! – Atla respondeu sem pausar o jogo, ficando estático ao notar Regulus sentar-se ao lado dele no tapete. Um alto ruído do carro que Atla pilotava se chocando contra outro foi ouvido no jogo, e Regulus riu da situação enquanto observava o espanto estampado nos olhos bem verdes.

- Desculpe fazer você perder o seu jogo, Atla. É que eu estava passando por Londres quando vi o seu email, então aproveitei para lhe fazer uma visita antes de ir embora.

- Não se desculpe... eu... mas... eu nem tive tempo de pensar em como conversar com você! – Atla estava tão atordoado com a presença do outro que sequer conseguia pensar em uma frase para puxar assunto, ou em como dizer ao garoto que ele também é um garoto, tanto que demorou alguns instantes para se dar conta de que estavam conversando em tibetano. Na verdade, esperava mais por um telefonema do que por uma visita dele. – Como eu escrevi no email, esta é a casa do meu tio Shion. Estou passando uns dias aqui ele enquanto meu pai viaja a negócios. Você quer jogar também? – Atla teve vontade de se estapear por não conseguir pensar em nada melhor para dizer, mas ao menos ganharia tempo para se recuperar do susto enquanto Regulus jogava uma partida de corrida.

xxxxx

Dohko estava cansado depois de instruir três aulas de Kung Fu seguidas, duas no estilo do tigre e uma no estilo do dragão. Seguiu o caminho até a casa de bicicleta, devaneando com o aroma do chá de jasmim que Shion lhe prepararia para recuperar os ânimos. Não esperava que houvesse uma visita na sala de estar de sua casa, ainda mais uma visita vinda da Grécia, e abriu um enorme sorriso ao notar o rosto conhecido.

- Dohko? Você na Inglaterra?

- Você não é Sisyphos, irmão mais novo do meu amigo Ilias Femanis? Já perdi a conta de quantas vezes eu telefonei para ele e não tive resposta, estou com saudades daquele malandro! Ele continua passeando pelo mundo afora com o garotinho dele? Reggie deve estar enorme e ainda mais inteligente! Aquele pequenino já falava quatro idiomas com fluência quando o encontrei pela ultima vez!

- Dohko, sinto muito por não ter avisado antes. Eu não tinha o seu contato ou endereço... não sabia que estava residindo na Inglaterra. – Sisyphos engoliu seco, mirando ao seu redor para se certificar de que Regulus não estava por perto antes de voltar o olhar para Dohko. - Meu irmão... está morto há um ano e dois meses. Ele ficou internado alguns meses em razão de uma pneumonia e fugiu do hospital levando o garoto quando acreditou ter melhorado, mas se envolveu em um grave acidente de carro. Ele conseguiu me avisar o local do acidente, mas morreu antes que o socorro chegasse. Regulus está bem, ele fez amizade com Atla há alguns meses e insistiu muito para fazer esta visita. Ele está inclusive fazendo aulas de tibetano para se comunicar com Atla em seu idioma natal.

- Meus sentimentos, Sisyphos. Farei um chá de jasmim para todos enquanto conversam. Fiquem à vontade. – Shion acariciou brevemente as costas do marido e o deixou a sós com o visitante para conversarem melhor, percebendo o quanto Dohko estava chocado com a notícia.

xxxxx

- Cuidado com o lago!

- Que lago?

- À esquerda! – Atla começou a gargalhar ao ver o carro dirigido por Regulus voar pelo obstáculo e cair no lago que ele não havia visto até então, afundando imediatamente.

- Você é péssimo! Nunca jogou Need For Speed?

- Não. Na verdade eu não tenho costume de jogar... estou sempre estudando. – Regulus respondeu um tanto cabisbaixo, deixando o controle pousado sobre o tapete.

- Eu jogo muito pouco em casa por causa do meu pai, mas aqui o tio Shion me deixa jogar o dia inteiro quando é fim de semana. – Atla engoliu seco diante do silêncio no quarto, pensando no que deveria falar. - Como você aprendeu a falar tibetano tão rápido?

- Estudo no mínimo três horas de tibetano por dia.

- Ahn? Três horas?

- É. Professora particular, consegui uma na cidade onde moro. Já ouviu falar na ilha de Creta, na Grécia?

- Já. – Atla estava impressionado com a inteligência e o esforço de Regulus. Tinha ciência de que seu idioma natal não era nada fácil de ser aprendido.

- Você consegue se comunicar comigo apropriadamente, como você prometeu. Obrigado... – Atla sorriu, encarando o rosto de Regulus com intensidade. Perdeu-se nos olhos dele por alguns instantes, perguntando-se como faria para contar a ele que é um garoto. Além disso, preocupava-se com suas próprias reações à presença do garoto, seu coração disparado, o rosto mais quente do que o normal, a vontade de tocar os cachos dourados para saber se são tão macios quanto a juba do leãozinho de pelúcia.

- Por que você demorou tanto enviar o email?

- Porque eu tenho que te contar uma coisa... e não sei como contar. Não quero que você fique com raiva de mim, não quero que você me odeie. Não quero enganar você... – Regulus notou Atla tencionar os ombros, acuado. O tom de voz um tanto rouco fez com que ele sentisse um aperto no peito e abraçasse o corpo menor com carinho, beijando-lhe o topo da cabeça. Os braços de Atla envolveram o corpo maior timidamente, e Regulus sentiu o corpo menor tremer pelo nervosismo. Afastou o rosto um pouco e ergueu-lhe o queixo, fixando o olhar nos olhos verdes temerosos.

- Escute, Atla. Não tem como eu te odiar. Eu fico feliz só de pensar em você... só de me lembrar de você. Não faz ideia do quanto estou feliz por estar com você agora? Acha mesmo que eu te odiaria? Todos os dias... eu esperei por você todos os dias...

- Eu sou u- Atla notou os olhos do outro lacrimejarem e não conseguiu terminar a frase, em estado catatônico ao sentir as mãos de Regulus apertarem as suas com suavidade e os lábios dele pousarem sobre os seus. Com remorso, não conseguiu se mover enquanto o outro repetia o gesto algumas vezes, e distribuía beijos por suas bochechas, queixo, nariz e pontinhos sobre a testa.

- Regulus, me escute... – Conseguiu pedir em voz baixa, ao menos, mas os lábios quentes de Regulus tornaram a pousar sobre os seus, a língua dele afastando-os e adentrando sua boca vagarosamente e sem perícia, degustando o sabor do contato sem saber bem o que fazer. Acabou se entregando àquele que era igualmente seu primeiro beijo, correspondendo aos toques da língua dele com a sua no mesmo ritmo que lhe era imposto, abraçando o corpo de Regulus mais forte e deitando a cabeça no ombro dele em uma posição mais confortável. Apartaram-se ofegantes, e Atla mordeu o lábio inferior pelo nervosismo.

- Eu disse que não tem como eu te odiar... – Regulus acariciou a face avermelhada de Atla, afagando-lhe os cabelos macios. Atla encarou os olhos dele com receio, enrolando as pontas dos dedos nos cachos dourados e soltando-os enquanto reunia coragem para o que precisava dizer a todo custo.

- Mesmo se o que eu te contar que você acabou de beijar um garoto?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Muito obrigada,

Grande abraço a todos!

Nathalie Chan