Desdemona Black

Quando Desdemona Black chegou a sua casa no final daquela manhã, depois de ter passado na casa de sua amiga Vivian, ela se deparou com uma cena peculiar: Seu irmão mais novo de catorze anos, Romeo, estava sujo de terra, com um olho roxo e um corte na panturrilha, e sua irmã de doze, Margareth, estava ajoelhada em frente a ela, improvisando um curativo para o ferimento com um pedaço de tecido.

Margareth, concentrada em sua tarefa, não olhou para Desdemona quando esta entrou pela porta da frente, mas Romeo, sim. Seu olhar era orgulhoso, mas sua boca estava retorcida de dor.

Desdemona respirou fundo e colocou uma mecha de seus cabelos negros e ondulados para trás da orelha antes de dizer:

- Explique-se.

- Eu falei mal dos Jogos Vorazes para o meu amigo, e uns pacificadores que estavam por perto ouviram e me deram uma surra. – Romeo, como sempre, tinha as palavras na ponta da língua.

- Você fez isso de novo.

- Pois é.

- Só me diga que o Otelo não estava junto. – Disse, se referindo ao irmão de dez anos. Mesmo que com essa idade quase todas as crianças do Distrito 11 já trabalhassem e ajudassem a cuidar de casa e a família Black não estivesse entre a meia dúzia de famílias do distrito que não eram miseráveis, talvez graças à proteção dos três irmãos mais velhos, Otelo ainda era uma criança grande, alheio ao que acontecia no país. E todos tinham receio de destruir isso.

Dessa vez, Romeo não respondeu, ou pelo menos não antes que Margareth pudesse fazê-lo:

- Sim, ele estava. Mas não se machucou também.

- Aí ele começou a chorar e agora está trancado no nosso quarto. – Completou Romeo.

- Vou ver como ele está. – Falou Desdemona, com um suspiro. Quando passou pelos irmãos, indo para o quarto, passou a mão pelos cabelos de Romeo. Mesmo que ela desencorajasse as atitudes revolucionárias dele, o fazia só para que ele não se machucasse. Ela concordava com a forma de pensar do irmão. – Você tem de por gelo neste olho.

*********

Bryan Taylor

A mãe de Bryan Taylor apontou em direção à janela da casa de um cômodo só deles. Ela estava, como sempre, deitada em sua cama, onde ela ficava desde que perdera o movimento das pernas quando sofrera um acidente de trabalho, há treze anos. O mesmo acidente que matara o pai de Bryan.

Ele olhou na direção que ela estava apontando, e viu que no parapeito da janela, estava pousado um tordo. Bryan realmente gostava deles – tordos cantavam belas músicas. Mas era evidente que naquele dia, ele não queria cantar, ou nem ao menos assobiar para o pássaro. Depois de um tempo, este desistiu e levantou voo.

Bryan e Bella, sua mãe, ficaram olhando o lugar onde ele antes estivera por certo tempo.

- Hoje será a sua última colheita, não é, Bryan? – Perguntou ela, sem olhar para ele.

- Não. Hoje será a minha penúltima colheita. – Ele respondeu, da mesma forma. – Ainda tenho a colheita do ano que vem para me preocupar.

- Sinto muito que você tenha tido de pedir tésseras.

- Eu só pedi três. Moramos no Onze, tem gente por aqui que pede mais de cinquenta.

- Tem razão. – Bella assentiu. – Mas se o Maxon e o Aspen não morassem aqui, estaríamos em melhor situação. E eles têm mais de vinte anos.

Bryan precisou ser paciente. Apesar de amar muito a mãe, não gostava de ter de dizer-lhe as coisas um milhão de vezes, mas ela simplesmente ficara amargurada com todos os detalhes de sua vida desde que o marido morrera.

- O Maxon e o Aspen trabalham também, mãe. Eles ajudam. Não daria para vivermos só do meu salário.

Foi muito difícil para Bryan defender os dois irmãos mais velhos dele, porque ele os detestava, não só por estes viverem caçoando dele por ser atrapalhado e nunca ter tido habilidade para trabalhar no campo, como também por gostar de uma menina na qual, de acordo com os dois, Bryan nunca seria digno de namorar:

Desdemona Black.

*********

Mesmo que a praça do Distrito 11 não fosse maior que as praças dos outros distritos, a população do Onze era muito maior que as dos outros, e por isso a praça não comportava todos os cidadãos. Só dava para os jovens ficarem na praça, e os adultos e crianças tinham de ficar amontoados nas ruas mais próximas o possível, assistindo à colheita por telonas que a Capital havia montado.

Os inscritos na colheita estavam tecnicamente sozinhos com o prefeito, o mentor, a representante Kyna e as bolas com os nomes, do triplo do tamanho das dos outros distritos, e não apenas por haver mais gente. A quantidade de tésseras era notável.

A própria Kyna, enquanto cumprimentava a todos animadamente, parava às vezes para olhar para os recipientes. Em determinado momento, comentou:

- São muitos papeizinhos, não é mesmo? – A luz se refletia nos dentes dela quando ela sorria. Eles eram cor-de-rosa como seus cabelos, o que era, no mínimo, estranho.

E o sorteio teve início. Kyna foi sortear a menina, e enfiou o braço até o ombro na bola, puxando um papel bem do fundo.

- Desdemona Black! – Leu – Por favor, digam que só existe uma. – Todos se lembravam do ano anterior, quando o nome sorteado pertencia a duas meninas. Fora complicado resolver a confusão.

Mas, sim, só havia uma Desdemona Black. Uma que sentiu como se o mundo tivesse caído sobre sua cabeça antes de olhar para a amiga Vivian, ao seu lado. Esta, com lágrimas nos olhos, a abraçou.

- Sinto muito, Desdemona.

- Garotas. – Cortou Kyna. – Despedidas são mais tarde.

Desdemona soltou Vivian e foi para o palco. Kyna foi sortear o garoto.

- Bryan Taylor! – Foi o nome chamado.

Bryan já estava tão abalado por Desdemona ter sido sorteada – logo ela, dentre todas as garotas –, que nem ouviu seu nome, até que a própria Desdemona gritou:

- O Bryan não!

Então ele se deu conta do que tinha acontecido, e foi para o palco pensando que bem que podia ter dois Bryan Taylors.

Chegando lá em cima, ele deu a mão para Desdemona. Ele amava ela e ela o via como amigo, mas tudo o que importava era que os dois eram tributos agora.

E estariam juntos, não importava o que houvesse.